Aspectos gerais sobre a função social e a boa-fé objetiva na propriedade imobiliária

Resumo: O homem sempre buscou um espaço para se proteger, cuidar dos indivíduos da mesma comunidade, bem como para produzir riquezas. Por toda a importância, o direito à propriedade privada passou a ter espaço privilegiado no ordenamento pátrio, como direito fundamental, amparado no art. 5º, XXII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. É certo que a propriedade representa uma das maiores aspirações do ser humano, portanto, com o fito de melhor distribuir este bem escasso, surgiu o instituto da função social da propriedade, através do qual o bem imóvel deve atender o apelo social da moradia digna, para conferir – o bem antes abandonado – ao novo indivíduo, um espaço para viver. O uso do bem imóvel interfere sensivelmente nos direitos insertos ao caso, dentre estes se destacam os direitos fundamentais e a cláusula geral da dignidade da pessoa humana. Cumpre frisar que a boa-fé também participa da relação imobiliária, para balizar o bom seguimento da negociação, dando suporte aos contraentes de que deverão ser satisfeitas todas as obrigações assumidas, mesmo nas fases pré-contratual e pós-contratual. A boa-fé objetiva, como balizadora da conduta humana leal e proba, está jungida à função social, e devem igualmente ser seguidas na negociação imobiliária. Para promover uma transação, é necessária a conscientização de que a propriedade adquirida deve atender aos reclames sociais, pois a sociedade precede o indivíduo, sendo o interesse social coletivo mais relevante, como preceitua o art. 5º, inciso XXIII, da nossa Lei Maior. Por tudo dito, a propriedade de um bem imóvel deve servir aos interesses do homem, mas acima de tudo, toda a negociação de compra e venda, utilização do bem etc., deve acolher precipuamente a função social, a boa-fé objetiva, os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, para que efetivamente ocorra a distribuição dos valores sociais.

Palavras-chave: Função Social. Boa-fé Objetiva. Propriedade Imobiliária. Direitos Fundamentais.  Dignidade da Pessoa Humana.

Abstract: The human has always sought a space to protect yourself, to care for individuals from the same community as well as to produce wealth. For all the importance, the right to private property now has a privileged the paternal order, as a fundamental right, protected in art. 5, XXII, of the Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988. It’s certain that the property represents one of the highest aspirations of human, therefore, with a view to better distribute this scarce asset, arose the institution of the social function of property, by which the property must attend the social appeal of decent housing, to check – the property before abandoned- to the new individual, a space to live. The use of the property interferes significantly in the rights inserts to case, among these stand the fundamental rights and the general clause of human dignity. It should emphasize that the good faith also participates in the real estate relationship, for to mark the good follow-up negotiation's, supporting to the parties in that must be satisfied all obligations, even in the pre-contractual and post-contractual fase. The objective good-faith, as a marker of human loyal conduct, it is paired to the social function, and should also be followed in negotiating real estate. For to promote a transaction, it is necessary the awareness that the property acquired must attend the social advertisements, because the society precedes the individual, being the collective social interest more relevant, as stipulates the art. 5º, paragraph XXIII, of our Highest Law. By all said, the ownership of a property must serve to the interests of human, but above all, the whole negotiation of purchase and sale, the use of property, etc., should welcome the social function, the objective good faith, the fundamental rights and the dignity of the human person, so that effectively occurs the distribution of social values​​.

Keywords: Social Function. Objective good faith. Real Estate Property. Fundamental Rights. Dignity of the Human Person.

Sumário: Introdução. O homem e a propriedade imobiliária. Questões atinentes à dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais e à função social da propriedade. Dos direitos fundamentais e do direito à propriedade – limites ao direito de propriedade. A relevância da cláusula geral da dignidade da pessoa humana integrada ao direito de propriedade. A boa-fé objetiva e a função social do contrato na negociação imobiliária. Conclusão. Referências.

Introdução

O direito à propriedade privada surgiu por ser necessidade vital do ser humano, haja vista que precisa de proteção, produzir riquezas etc. Nesse sentido, no direito pátrio ganhou lugar de destaque, no art. 5º, inciso XXII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.  

A importância da propriedade privada obriga a melhor distribuição deste bem escasso. Hodiernamente está assegurado o instituto da função social da propriedade, que permite que o bem imóvel cumpra a finalidade social relevante, de conferir moradia e promover a dignidade da pessoa humana. Ademais, sabe-se que propriedade deve atender ao uso adequado, segundo os ditames legais, e isso interfere nos direitos insertos ao caso em comento, especialmente nos direitos fundamentais e a cláusula geral da dignidade da pessoa humana.

O instituto da boa-fé deve estar presente na negociação imobiliária, para propiciar a segurança aos contraentes de que as obrigações assumidas, mesmo nas fases pré-contratual e pós-contratual, deverão ser cumpridas, posto que, como disposto no art. 422 no Código Civil brasileiro de 2002, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

O contrato deve também observar a função social na negociação imobiliária, pois, assim, a justiça será concretizada, através da igualdade social, da confiança e da cooperação, sem prejudicar o ganho de capital, como apregoa o Direito Social. Por isso, se o contrato não corresponder às predeterminações legais e aos anseios sociais, sendo desproporcional às partes, deve haver a intervenção do Estado, para que sejam ponderados os interesses em discussão.

Em suma, a propriedade tem papel social relevante, vez que dignifica o ser humano, por ser condição indissociável à sua essência, dando-lhe meios de subsistência, proteção, etc. Assim, deve servir aos interesses do homem, responsavelmente, com especial atenção a função social, a boa-fé objetiva, os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana.

1. O HOMEM E A PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA

A propriedade imobiliária faz parte da vida humana desde os tempos mais remotos, sendo algo indissociável pela necessidade do homem em se proteger das intempéries do clima, bem como dos próprios conflitos sociais.

Frisa-se que inicialmente a propriedade era comunitária, numa espécie de condomínio. Cita-se como exemplo a população indígena no Brasil, que possuía o domínio comum das coisas, como a oca, e a individualização somente se dava em relação a poucos objetos, como as armas e os bens perecíveis. Toda a tribo indígena era dona do solo, no entanto, isso ocorria de maneira sazonal e temporal, uma vez que os índios não se fixavam a terra por um período muito longo, justamente para evitar os predadores e pelo estilo de vida nômade. Ademais, cumpre expor que povos indígenas mais distantes da nossa civilização, por exemplo, índios de quatro etnias isoladas que foram recentemente encontrados na fronteira do Brasil, no Estado do Acre, com o Peru, mantêm os mesmos costumes primitivos. Com tudo isso, é possível observar que até hoje algumas características humanas em relação ao domínio do solo perduram, corroborando que tal situação corresponde à própria essencial do ser humano.

Na antiguidade, uma das civilizações que trataram do direito à propriedade foi a Grega. Nela o instituto da enfiteuse era indicativo da essência da propriedade privada. Da mesma forma, a sociedade romana tratava a propriedade privada como algo individual, porém existiam duas configurações de propriedade no âmbito da coletividade, quais sejam, a da gens e a da família. Como o domínio citado é um bem finito, esta civilização era capaz de segmentar a sociedade em classes, pois nem todo povo poderia ser proprietário de um bem imóvel.

Nos primórdios da cultura romana, a propriedade era dividida como sendo da cidade ou gens, das quais os indivíduos livres possuíam uma pequena porção da terra, não podendo ser alienável. Dessas propriedades advieram as da família, que aos poucos sucumbiram em decorrência da força crescente do pater família, ou seja, o comando patriarcal no seio desta sociedade.

É imperioso afirmar que propriedade do solo obteve grande ascensão na Idade Média, fomentada pelo desenvolvimento social. Nesta época, primeiramente os feudos foram cedidos como forma de usufruto, mediante certa condição, a indivíduos que ofereciam serviços à realeza. Cabe apresentar também o instituto da enfiteuse – bastante antigo em várias civilizações -, que começou a ser utilizado pela realeza, visto que as terras tidas como cultiváveis eram concedidas aos senhores feudais de maneira perpétua (somente em relação à linha masculina), os quais possuíam o domínio direto e útil, passando por diversas gerações até chegar aos dias atuais.

O sistema feudal existiu na sociedade brasileira como forma de organização política e jurídica, especialmente no Período Colonial, com a inclusão das capitanias hereditárias, que influenciou sobremaneira a cultura local. Mas não prosperou por muito tempo, haja vista a referência cultural que existia advinda do Direito Romano. Mesmo atento aos ensinamentos desta civilização, o legislador do Código Civil brasileiro de 2002, Lei nº: 10.406/2002, resolveu não recepcionar o instituto da enfiteuse para a propriedade imobiliária particular, contudo, foi mantido em relação aos bens da União, de acordo como art. 2.038, § 2º, do Código Civil brasileiro de 2002, Lei nº: 10.406/2002, e o Decreto- lei nº: 9.760, de 5 de setembro de 1946.

2. QUESTÕES ATINENTES À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E À FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A necessidade de se delimitar a utilização da propriedade surgiu como algo emergencial para se evitar a barbárie – o domínio da terra pelo uso da força -, algo inimaginável nos dias atuais, e para que efetivamente sejam observados os direitos fundamentais, posto que a propriedade imobiliária está jungida a dignidade humana. Por esse histórico de respeito às questões atinentes ao desenvolvimento humano, o legislador brasileiro passou a ser responsável pelo incremento da proteção da propriedade privada no ordenamento pátrio como direito fundamental amparado no art. 5º, XXII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, haja vista a importância preliminar da propriedade imobiliária, ocupando atualmente o local correto e idealizado outrora. Para Silvio de Salvo Venosa, a propriedade tem realmente o caráter de ligação intrínseca com o ser humano, pois “negar a propriedade individual é negar a própria natureza humana” (VENOSA apud ARAÚJO, 2007, p.28).

A propriedade representa uma das maiores aspirações do ser humano, pois é através do bem imóvel que o homem impõe autoridade pela delimitação territorial, para também, por meio dele, proteger a família e proporcionar o desenvolvimento físico e psíquico dos indivíduos que nele residem, principalmente das crianças, por se tratarem de seres humanos em desenvolvimento – observada a proteção disposta no art. 227 da Constituição Federal de 1988.

A propriedade imobiliária é uma das maiores manifestações do que seja o princípio da dignidade humana protegido por nossa Lei Maior, vez que sem uma moradia digna não se pode falar em sociedade igualitária e que respeita os direitos fundamentais. É dessa maneira que a função social da propriedade legitima a participação do poder público para a satisfação do interesse coletivo, preservando a dignidade da pessoa humana e proporcionando ao indivíduo condições dignas de habitação. Nessa perspectiva, o doutrinador Afonso Celso Rezende aponta para a gênese da propriedade:

“O direito de propriedade nasceu com a sociedade, sentido definitivo como o direito de usar, gozar e dispor das coisas da forma mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas leis ou regulamentos. No fundo, na base, este direito tem o caráter de delegação, pois consiste na atribuição que o Estado (nação) confere ao titular para que este use, goze e dispunha de uma coisa” (REZENDE apud ARAÚJO, 2007, p.28).

Temos exemplos contrários aos até agora ventilados, como o da antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e Cuba, que limitaram o direito à propriedade privada, sendo isso reflexo do regime político adotado pelos países mencionados. Nesses países os bens de uso privado eram de propriedade exclusiva e propriedade usufrutuária, contudo, sobre os bens referentes à seara pública, eram todos socializados. O doutrinador Sílvio de Salvo Venosa assim conclui que:

“Sem dúvida, embora a propriedade móvel continue a ter sua relevância, a questão da propriedade imóvel, moradia e o uso adequado da terra passam a ser a grande, senão a maior questão do século XX, agravada nesse início de século XXI pelo crescimento populacional e empobrecimento geral das nações. Este novo século terá sem dúvida, como desafio, situar devidamente a utilização social da propriedade”. (VENOSA apud ARAÚJO, 2007, p. 29).

A função social certamente foi tratada a partir do movimento comunista da Revolução Francesa, já que a propriedade não era mais compreendida de forma absoluta, sem qualquer tipo de interferência do Estado, passando a ter um encaminhamento voltado ao social.

No âmbito nacional, com a Carta Magna de 1988, a propriedade sofreu uma limitação ou mesmo condição, segundo alguns doutrinadores, que não possuía na legislação passada, restringindo-se a sua função social, na qual o direito coletivo está em um patamar acima do direito individual, em que a necessidade da população terá maior relevância em detrimento da propriedade privada, tudo em decorrência da socialização do direito.

Com isso, surgiu a função social da propriedade, com o escopo de proporcionar a sociedade o mínimo de convivência harmônica, sopesando as necessidades e os interesses que favorecem prioritariamente a coletividade.

Com esteio na evolução social histórica, constata-se que a função social foi tratada de maneira precípua na Constituição Germânica de 1919, que também passou a ser adotada por alguns países, como na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Na América Latina, a função social da propriedade foi tratada por diversos países nas mais diversas acepções, porém com a mesma essência em resguardar a utilização consciente do solo:

“O termo função social é unânime na doutrina agrária do continente, mas não nas leis nacionais. A peruana, por exemplo, chamou de uso em harmonia com o interesse social; a colombiana, adequada exploração e utilização social das águas e das terras; a venezuelana e a brasileira, que têm a mesma matriz, usaram o nomem função social da propriedade” (MARÉS, 2003, p.89).

Logo, a formação da propriedade deve ser voltada à destinação socioeconômica. Em decorrência disso, o art. 1.228, §§1º e 5º, do Código Civil brasileiro, Lei nº 10.406/2002, restringe o uso da propriedade, não podendo ser, portanto, utilizada de maneira abusiva, prejudicando o interesse da coletividade. Vejamos o que dispõe o supramencionado artigo:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. […]

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.[…]

§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.”

Ainda, tendo como base o art. 1.228 do Código Civil brasileiro de 2002, Lei nº: 10.406/2002, o §2º trata do limite ao abuso da propriedade, vedando qualquer utilidade que extrapole os limites socialmente aceitos em face da propriedade imobiliária, dispondo que, “são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”.

3. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DO DIREITO À PROPRIEDADE – LIMITES AO DIREITO DE PROPRIEDADE

Infere-se no estudo do tema em comento que a propriedade passou a ser tratada no campo correspondente aos direitos humanos e fundamentais. Por isso, é correto afirmar que, respeitada a propriedade do bem imóvel, os alcances de uso e ocupação estão legalmente preservados, por conseguinte, diminuem sensivelmente os conflitos que outrora eram constantes, ou seja, quando não havia regulamentação pertinente, contanto que a utilização seja compatível com a função social predeterminada.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 resguarda direitos humanos fundamentais, exemplificados no art. 5º, sendo estes direitos cujos objetos são à liberdade, à segurança e, ainda, para a situação em tela, à propriedade. Assim, os direitos fundamentais fazem parte do que o Direito Constitucional designa de Princípios Constitucionais Fundamentais. São, portanto, aqueles cujos princípios guardam relação indissociável com os valores fundamentais, especialmente observada a cláusula geral da dignidade da pessoa humana.

Hodiernamente não se vislumbra Carta Magna sem a garantia dos direitos fundamentais, posto que para ser reconhecida como tal, deve prestigiar os interesses precípuos do ser humano. A previsão constitucional dos direitos fundamentais está consagrada por diversos países, porém há de se observar que tal situação somente ocorre em países que celebram o Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, expõe Marília Scriboni:

“Como ponto de partida, o alemão frisou que a garantia dos direitos fundamentais é o centro de gravidade do constitucionalismo. Daí porque, acredita ele, a República Democrática da Alemanha nunca chegou a ter uma Constituição de fato, mas sim uma "não constituição", já que os cidadãos não participaram de sua elaboração.” (SCRIBONI, 2011, p. 1).

Maria Helena Diniz trata a propriedade como meio de demarcação aos interesses sociais, propiciando, em casos do uso inadequado da propriedade, a participação efetiva do poder público. Dessa maneira, discorre que:

“Reprimindo está, juridicamente, o exercício anti-social do direito a propriedade. O proprietário deverá conformar o exercício do seu direito ao bem-estar social, sem que isso venha a negar seu domínio e sem que o Estado venha a impor os fins a que a gestão de bens privados deva perseguir. O exercício do domínio deve ser instrumento de cooperação social e de consecução de finalidades públicas”. (DINIZ, 2007, p.p.108-109).

A vedação do uso abusivo da propriedade possui íntima relação com a prática de ato ilícito por parte de quem exceder limite legalmente imposto. Dessa maneira, o art. 187, do Código Civil brasileiro, Lei nº: 10.406/2002, traça os contornos da função social, albergados pelos fins econômicos, sociais, fortalecidos pela boa-fé e os bons costumes. A partir de então, surge a presença da boa-fé, amparando a função social da propriedade imobiliária e exaltando a importância nuclear de se utilizar tanto a boa-fé no campo imobiliário, como em todos os ramos advindos da relação jurídica obrigacional. O art. 187 do Código Civil brasileiro, Lei nº: 10.406/2002, assim dispõe que, “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Como dispõe Maria Helena Diniz, “a função social da propriedade a vincula não só a produtividade do bem, como também aos reclames da justiça social, visto que deve ser exercida em prol da coletividade” (DINIZ, 2007, p.107). Nessa perspectiva, vê-se que a propriedade pertence mais ao campo do direito público que ao do direito privado, uma vez que é através da Carta Magna que os parâmetros jurídicos são delineados.

A propriedade do bem imóvel deve atender não só ao princípio da função social da propriedade em relação à sua destinação socioeconômica, como no caso da propriedade rural, já que nela deve haver atividade produtiva agropecuária, bem como respeitar os ditames da proteção ambiental, nos moldes da exploração consciente do meio ambiente, devendo haver o uso adequado, de cunho eminentemente social. Maria Helena Diniz assevera que “busca-se equilibrar o direito de propriedade como uma satisfação de interesses particulares, e sua função social, que visa atender ao interesse público e ao cumprimento de deveres para com a sociedade” (DINIZ, 2007, p. 108). A função social transmite a ideia de justiça, pois, se na terra não há propriedade, ali haverá a função social voltada sempre para o interesse comum, como bem coloca Luiz Edson Fachin (apud MARÉS, 2003, p. 91-92):

“Pode se ver com clareza que a idéia da função social está ligada ao próprio conceito do direito. Quando a introdução da idéia no sistema jurídico não altera nem restringe o direito de propriedade, perde efetividade e passa a ser letra morta. Embora embeleze o discurso jurídico, a introdução ineficaz mantém a estrutura agrária íntegra, com suas necessárias injustiças, porque quando a propriedade não cumpre uma função social, é porque a terra que lhe é objeto não está cumprindo, e aqui reside a injustiça. Isto significa que a função social está no bem e não no direito ou no seu titular, porque uma terra cumpre a função social ainda que sobre ela não paire nenhum direito de propriedade ou esteja proibido qualquer uso direto, como, por exemplo nas terras afetadas para a preservação ambiental: a função social é exatamente a preservação do ambiente.”

A propriedade deve estar fortemente ligada ao instituto da função social, tendo em vista o correspondente aproveitamento da propriedade para que seja considerada economicamente útil, com a produtividade aceitável, obedecendo aos limites impostos pela legislação, no que diz respeito à racionalidade do uso do meio ambiente. Além disso, deve-se observar a distinção entre a propriedade com atributo de função social e propriedade com qualidade de função individual, pois a propriedade, acima de tudo, é meio de proteção do indivíduo e de sua família, evidenciando aí a presença a dignidade da pessoa humana. Deve-se, por conseguinte, sopesar os interesses relativos à função social da propriedade, como pondera Domenico Barbero (apud TORRES, 2008, p.225):

“Aí, enquanto instrumento a garantir a subsistência individual e familiar – a dignidade da pessoa humana, pois – a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre função individual. Como tal é garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo, capitalistas e, como vimos, socialistas. A essa propriedade não é imputável função social; apenas os abusos cometidos no seu exercício encontram limitação, adequada, as disposições que implementam o chamado poder de polícia estatal.”

É relevante a participação do poder público no sentido de delinear o direito à propriedade, com base na utilidade social, na busca pela equidade dos interesses públicos e individuais da sociedade. Assim, fazem-se presentes a boa-fé e os bons costumes como meios fomentadores desta harmonia social, capazes de propiciar ao indivíduo a consciência socialmente esperada. Logo, o proprietário de um bem imóvel deve estar atento a utilização deste de maneira razoável, conforme os parâmetros exaustivamente dispostos neste, para não perder a tutela da propriedade em favor do poder público. Dessa maneira afirma Marcos Alcino de Azevedo Torres:

“A tessitura da função social, tanto na propriedade quanto na posse, está na atividade exercida pelo titular da relação sobre a coisa a sua disposição. A função social não transige, não compactua com a inércia do titular. Há que desenvolver uma conduta que atende ao mesmo tempo à destinação econômica e à destinação social do bem” (TORRES, 2008, p. 308).

No entanto, como aponta o art. 5º, inciso XXIV, na desapropriação por necessidade socialmente relevante e a utilidade pública, o proprietário receberá prévia e justa indenização em dinheiro. Ou seja, o indivíduo que perdeu o direito à propriedade não será tolhido arbitrariamente deste, sendo justamente ressarcido em dinheiro – ressalvada a hipótese de questionamento judicial.

Nesse mesmo sentido, apresenta-se a aquisição originária da propriedade imóvel por usucapião, que se aperfeiçoa através do exercício contínuo e pacífico da posse. Vê-se aí que a lei reflete o valioso interesse social numa espécie de punição ao proprietário negligente, com a perda do bem imóvel em favor daquele que durante anos de ocupação se utilizou deste para moradia ou mesmo para produzir e gerar renda.

A desapropriação é a maneira mais adequada de reparar um dano patrimonial, confirmando a magnitude do direito à propriedade, para promover a sua perfeita utilização. Neste sentido, Carlos Frederico Marés aponta suas considerações:

“A desapropriação não é, assim, mais do que um contrato público de compra e venda, no qual a manifestação livre de vontade do vendedor fica restringida pelo interesse público. A desapropriação, longe de ser a negação do conceito liberal de propriedade, é sua reafirmação. A grande novidade do conceito liberal é a livre disposição do bem, mas o bem é sempre integrante de um patrimônio e o que está garantido com a desapropriação é, exatamente, a integridade deste patrimônio. A desapropriação é entendida como a reparação de um dano patrimonial causado ao cidadão e, portanto, é uma reafirmação da plenitude do direito de propriedade. Por isso a desapropriação de bens privados está reconhecida desde as primeiras constituições, como a única exceção à liberdade de transferência ou a disposição do bem, não sendo exceção à plenitude do exercício do direito de propriedade. A desapropriação utiliza nos casos de descumprimento da função social, porém, alimenta dois enormes defeitos e injustiças: primeiro, remunera a mal usada propriedade, isto é, premia o descumprimento da lei, porque considera causador do dano e obrigado a indenizar, não o violador da norma, mas o Poder Público que resolve pôr fim à violação; segundo, deixa a iniciativa de coibir o mau uso ao Poder Público, garantindo a integridade do direito ao violador da lei” (MARÉS, 2003, p.109).

Com esteio em tudo ora exposto, entende-se que a aplicação da função social da propriedade não pode ser feita de maneira que ultrapasse a necessidade social, nem, ao menos, prejudique o direito individual, previsto na Constituição Federal de 1988. Assim, a função social da propriedade opera entre o liame do direito individual e coletivo, por meio da razoabilidade, com respeito ao direito à privacidade, protegida constitucionalmente como parte do direito fundamental. Marcos Alcino de Azevedo Torres analisa tal disposição:

“Não chegou o tempo em que a aplicação irrestrita do princípio de função social de propriedade, desrespeitando a propriedade com função individual, impusesse por exemplo, que um indivíduo que more sozinho num imóvel de quatro aposentos, por exemplo, ceda três deles, ainda que remuneradamente para aqueles que não têm onde morar, ou seja, obrigue-o a receber para moradia conjunta outras pessoas invadindo sua privacidade, também sob garantia constitucional. Até mesmo para as pessoas que praticam, por necessidade econômica ou por solidariedade, a locação de vagas, não se pode impor tal prática coercitivamente.” (TORRES, 2008, p.227).

Compete acentuar que o espaço terrestre deve ser utilizado e ocupado de maneira responsável, e que seu uso se reverta aos fins socialmente aceitos. Não cabe, com isso, o uso que extrapole os limites admitidos, qual seja, o eminentemente exploratório. Tampouco, permite-se o abandono do solo, pois a carência de terra para produzir riquezas é grande; para muitos é meio de sobrevivência, por isso, deve ser muito bem aproveitada e distribuída.

Ainda de acordo com a desapropriação, sabe-se que o Estado designará a quem será dada a nova propriedade, para suprir a deficiência social já discutida alhures. Segue análise de Carlos Frederico Marés:

“A Constituição não indica com clareza qual o castigo que terá uma propriedade que não faz a terra cumprir sua função social, mas ele parece óbvio: o proprietário tem a obrigação de cumprir o determinado, é um dever do direito, e quem não cumpre seu dever, perde seu direito. Quem não paga o preço não recebe a coisa, quem não entrega a coisa não pode reivindicar o preço. Quer dizer, o proprietário que não obra no sentido de fazer cumprir a função social de sua terra, perde-a, ou não tem direito a ela. Ou, dito de forma mais concorde com a Constituição, não tem direito a proteção, enquanto não faz cumprir sua função social” (MARÉS, 2003, p.117).

4. A RELEVÂNCIA DA CLÁUSULA GERAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA INTEGRADA AO DIREITO DE PROPRIEDADE

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no seu artigo 1º, trata sobre o princípio fundamental e cláusula geral da dignidade da pessoa humana. As relações no âmbito privado devem respeito ao aludido direito fundamental, assim como questões que advenham de lei infraconstitucional do ordenamento jurídico pátrio. A desatenção deste ditame reflete diretamente nas obrigações assumidas, provocando a desigualdade entre as partes, além de macular a boa-fé objetiva, a transparência, a confiança e outros deveres anexos.

O contrato particular que tem como objetivo a transação imobiliária, deve observar precipuamente o princípio da dignidade da pessoa humana, que é cláusula geral inserta na Lei Maior brasileira. Além disso, a referida negociação representa uma relação jurídica obrigacional pactuada entre particulares, portanto, deve estar em perfeita harmonia com os direitos fundamentais e demais regras contidas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, vez que, hodiernamente, assimila-se a constitucionalização do direito civil.  

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[…]

III – a dignidade da pessoa humana;[…]”

5 A BOA-FÉ OBJETIVA E A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NA NEGOCIAÇÃO IMOBILIÁRIA

O princípio da boa-fé guarda intrínseca relação também com a função social do contrato. Atente-se, sobretudo, ao princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, o que certamente versa sobre as questões reais e contratuais no âmago do Novo Código Civil brasileiro, Lei nº: 10.406/2002, como dispõem os seguintes artigos: art. 421, “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, e o art. 422 “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

A nova concepção sobre a boa-fé objetiva como regra de conduta humana imposta pelo Código Civil brasileiro de 2002, Lei nº: 10.406/2002, limitada pela função social, agora registrada na teoria geral dos contratos, completa-se para permitir uma visão mais humanista e nos remete à necessidade de se incrementar uma postura socialmente aceita, fundada na probidade, honestidade e lealdade. Dessa forma, o Estado, através da figura do magistrado, poderá exercer um papel importante no auxílio à construção do direito contratual, limitando o desequilíbrio causado por um dos contratantes.

O juiz poderá corrigir o desvio de postura de um dos contratantes, quando uma das partes tiver a intenção de prevalecer através da obtenção de vantagem. A partir de então surge o princípio do pacta sunt servanda, no qual o contrato faz lei entre as partes e essa vontade deve ser respeita pelo Estado, podendo, contudo, interferir se as cláusulas se tornarem excessivamente onerosas, como é o caso do princípio do res sic stantibus, ou teoria da imprevisão. Essas cláusulas vão de encontro à ordem pública e ao ordenamento pátrio, assim, o seguimento restrito ao princípio do pacta sunt servanda acaba por sofrer limitação no Brasil, não sendo considerado absoluto, diferentemente do que ocorre em outros países.

O Código Civil brasileiro de 2002, Lei nº: 10.406/2002, expressamente trata, em seu artigo 421, da liberdade de contratar, a qual será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, o que nos remete à importância de se buscar a função social desde o princípio da negociação imobiliária. Por outro lado, o artigo 422 dispõe que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Portanto, a boa-fé objetivamente expressa no nosso Código Civil brasileiro de 2002, Lei nº: 10.406/2002, juntamente com a função social, delimita a atuação proba e equidistante do contrato imobiliário, tornando-a preceito fundamental para que se chegue à concretização da transação imobiliária livre de qualquer vício, evitando a nulidade ou anulabilidade do contrato.

Ponderando o antigo Código Civil brasileiro de 1916, Lei nº: 3.071/1916, com o novo Código Civil brasileiro de 2002, Lei nº: 10.406/2002, o que se observou de maneira mais distinta é o caráter humanista, voltado ao social em relação a este último, bem diferente do que estava disposto no Código Civil anterior de 1916, ligado ao sentido individualista, no que diz respeito às relações privadas.

Há um destacado intuito do novo Código Civil brasileiro de 2002, Lei nº: 10.406/2002, em ajustar o uso de diversos princípios ligados às relações sociais, como a liberdade e a igualdade. Assim, houve diminuição acentuada da liberdade individual, prevalecendo, sobretudo, o interesse de toda a coletividade, associado ao solidarismo, para estimular práticas como a cooperação e a solidariedade, sendo garantidos os benefícios sociais comuns. Luciano Benetti Timm exemplifica esse processo de evolução social:

“Portanto, o legislador, no Novo Código Civil, como havia feito em outros diplomas legais (fundamentalmente na Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor), aceita a principal crítica da visão teórica individualista liberal e de seu reflexo no Direito Privado, feita pela chamada escola solidarista de Durkheim, Duguit e de seus seguidores, propondo um modelo socialmente funcionalizado de legislação e, por via de consequência, do contrato (socializado). Foi esse o paradigma teórico adotado no Novo Código Civil brasileiro, que, portanto, rompeu com o modelo liberal do Código Civil anterior de 1916.” (TIMM, 2008, p. 10).

Para tanto, a legislação pátria trata da função social do contrato de maneira a propiciar a melhor distribuição dos valores sociais, igualitária, sendo, por isso, justa para todas as camadas da sociedade; é o que define a justiça distributiva. Na relação jurídica obrigacional, não pode haver mais, como ocorria anteriormente, a prevalência dos interesses de uma das parte, pois seria olvidado o direito que assiste a outra. Espera-se que o contrato – instrumento que deve favorecer a satisfação das partes na compra imobiliária – deva ser meio adequado para a construção do direito, especialmente o social, em favor do bem pretendido.

O desequilíbrio entre as partes nas relações contratuais pode ser prejudicial para o implemento do instituto da função social do contrato, indo diretamente de encontro à boa-fé, a qual deve resguardar o pacto avençado, como dispõe o artigo 421 do Código Civil brasileiro de 2002, Lei nº: 10.406/2002. Por isso, deve-se observar também o Direito Social, que tem a finalidade de gerar a justiça, pela promoção da igualdade social, da confiança e da cooperação, sem prejudicar o ganho de capital. Dessa forma leciona Cláudia Lima Marques (apud MELO, 2004, p. 10):

“À procura do equilíbrio contratual, na sociedade de consumo moderna, o direito destacará o papel da lei como limitadora e como verdadeira legitimadora da autonomia da vontade. A lei passará a proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes contratantes. Conceitos tradicionais como os do negócio jurídico e da autonomia da vontade permanecerão, mas o espaço reservado para que os particulares auto-regulem suas relações será reduzido por normas imperativas, como as do próprio Código de Defesa do Consumidor. É uma nova concepção de contrato no Estado Social, em que a vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse social. Haverá um intervencionismo cada vez maior no Estado nas relações contratuais, no intuito de relativizar o antigo dogma da autonomia da vontade com as novas preocupações de ordem social, com a imposição de um novo paradigma, o princípio da boa-fé objetiva. É o contrato, como instrumento à disposição dos indivíduos na sociedade de consumo, mas assim como o direito de propriedade, agora limitado e eficazmente regulado para que alcance a sua função social.”

Não resta dúvida de que, na sociedade atual, o contrato pode gerar enormes divergências, por isso, é indispensável a utilização do princípio da boa-fé objetiva em todas as fases, mesmo nas pré-contratual e pós-contratual. A postura eivada de má-fé desvirtua a finalidade do pacto e, inclusive, compromete outros direitos fundamentais da vítima.

A boa-fé estruturada no Direito Privado e no Direito Social não pode ser analisada de maneira isolada, visto que os contratos transmitem reflexos nas relações sociais, ampliando sua função social. Neste ponto, o contrato não é mais visto como enlace somente entre as partes e passa a ter efeitos em toda a sociedade. Daí, o Estado intervém com o intuito de tornar a relação entre os contraentes mais justa, equidistantes, consubstanciada na igualdade, para que, dessa forma, sejam evitados impactos negativos, prejudiciais a harmonia social.

A busca pela igualdade social e solidária, certamente com esteio no solidarismo jurídico, encontra-se resguardada pelo dispositivo Constitucional, no artigo 3º, inciso I, o qual discorre que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. É certo que para se chegar à solidariedade almejada, é necessária a percepção de um dos mais relevantes princípios fundamentais, o da dignidade da pessoa humana.

Foi por intermédio dos princípios fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, solidariedade social e da cidadania, que o legislador percebeu a necessidade de se regular a boa-fé em normas infraconstitucionais, mais especificamente no Código Civil brasileiro de 2002, Lei nº: 10.406/2002. Assim, observa-se que a Constituição Federal de 1988 não apenas aponta as diretrizes para a conquista de uma sociedade mais justa e solidária, mas impõe esta conduta de sentimento social, como modo de transformar a sociedade para os parâmetros éticos correlatos com a boa-fé objetiva. Aldemiro Rezende Dantas Júnior expressa a necessidade de se buscar a relação jurídica baseada nos ditames legais e moralmente aceitos:

“Por essa razão, cada um dos indivíduos que integram um mesmo aglomerado social, independentemente do tamanho do mesmo, deverá sempre buscar comportar-se de um modo que se mostre leal e honesto, em relação a cada um dos demais integrantes do mesmo grupo, vale dizer, de modo tal que em conseqüência do seu comportamento não venha a ser desnecessariamente prejudicados os interesses alheios, e notadamente de um modo tal que não venham os demais integrantes desse mesmo grupo a ser atingidos em sua dignidade” (DANTAS JÚNIOR, 2008, p. 130).

No desenlace do trabalho, incumbe, mais uma vez, tratar do campo imobiliário, observados os institutos da função social e boa-fé objetiva. A boa-fé objetiva, como balizadora da conduta humana leal e proba, está jungida à função social, e devem igualmente ser seguidas na negociação imobiliária. Para se pactuar uma negociação, é necessária a conscientização de que a propriedade adquirida deve atender aos reclames sociais, pois o interesse social coletivo deve prevalecer ao interesse individual, como preceitua o art. 5º, inciso XXIII, da nossa Lei Maior – a sociedade precede o indivíduo. Portanto, havendo a necessidade de utilização da propriedade privada para favorecer o interesse maior da sociedade, o proprietário será desapropriado, com base na utilidade e necessidade pública, mediante justa indenização em dinheiro, ou o imóvel poderá ser usucapido ou retomado pelo credor por execução de garantia real.

6 CONCLUSÃO

Constatou-se que o bem imóvel faz parte da essência humana, com o fito de fornecer condições básicas de subsistência, quais sejam, proteção, produzir alimentos etc. Por isso, referido direito está amparado através do art. 5º, inciso XXII, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, constituído como direito fundamental.  

Certificou-se que a propriedade privada é um bem escasso e que necessita de redistribuição contínua, nos casos em que são subutilizadas. Nesse sentido, o legislador pátrio tratou de assegurar a função social da propriedade, que possibilita que o bem imóvel cumpra a finalidade social, para que o imóvel não permaneça abandonado por desídia do proprietário. Além disso, o direito à propriedade reflete sensivelmente nos direitos fundamentais e a cláusula geral da dignidade da pessoa humana, pelas razões exaustivamente ora apresentadas.

A boa-fé é instituto que auxilia as partes contraentes e deve permanecer na negociação imobiliária, em todas as fases da negociação, inclusive nas pré-contratual e pós-contratual, posto que, como disposto no art. 422 no Código Civil brasileiro de 2002, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Há, também, a função social do contrato que age na transação imobiliária, para efetivamente estabelecer a igualdade, bem como os deveres anexos da confiança e da cooperação, segundo o Direito Social.

Concluiu-se deste trabalho que a propriedade tem relevante papel social, pois possibilita a dignidade do ser humano, em razão de inumeráveis condições essenciais à manutenção da vida. Assim, a função social, a boa-fé objetiva, os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana estão intrinsecamente ligados às relações imobiliárias, com a finalidade de realizar a propriedade socialmente responsável.  

 

Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.
______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Dispõe sobre o Novo Código Civil brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11.01.2002. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 20.11.12.
______. Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916. Dispõe sobre o antigo Código Civil brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05.01.1916. Revogada pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 20.11.12.
ARAÚJO, Maria Darlene Braga. Lições de Direito Imobiliário. (Notas de aula). 2. ed. Fortaleza, 2007.
DANTAS JÚNIOR, Aldemiro Rezende. Teoria dos atos próprios no princípio da boa-fé. Curitiba: Juruá, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v.4.
MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Rio Grande do Sul: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2003.
MELO, Luciana Cardoso. O princípio da boa-fé objetiva no Código Civil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6027&p=2. Acesso em: 21 out.2012.
SCRIBONI, Marília. Constituição só existe se há garantia de direitos. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-mai-25/garantia-direitos-fundamentais-centro-constituicoes>. Acesso em: 15 nov. 2012.
TIMM, Luciano Benetti. As origens do contrato no Novo Código Civil: uma introdução à função social, ao welfarismo e ao solidarismo contractual. Article 3. Issue 1. The Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies, 2008, v.3.
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função social. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

Informações Sobre o Autor

Adriano Barreto Espíndola Santos

Mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra – Portugal. Especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Especialista em Direito Público Municipal pela Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza. Advogado


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