Aspectos processuais civis decorrentes da possibilidade de fixação de indenização civil na sentença penal condenatória

Resumo: trata dos aspectos processuais civis decorrentes do novo artigo 387, inc. IV do Código de Processo Penal, alterado pela Lei n. 11.719/08. Analisa, primeiramente, a autonomia das esferas cível e penal. Em seguida, aborda as inovações do citado dispositivo, concedendo especial enfoque para a mitigação da autonomia das esferas cível e penal, para a possibilidade de o juiz criminal fixar indenização de ofício, assim como para a possibilidade de o magistrado criminal fixar indenização pelo dano material e moral. O critério de fixação do dano material e do material a ser utilizado pelo juiz criminal também não deixou de ser analisado. Em seguida, foram analisados os aspectos processuais civis propriamente ditos decorrentes do novo dispositivo do Código de Processo Penal. Destacou-se, nesse particular, primeiramente, a permanência da possibilidade de o juiz cível fixar a indenização decorrente do delito. Abordou-se, ainda, a liquidação da sentença penal condenatória, assim como a sua respectiva execução imediata.  Não se olvidou, ainda, de destacar a possibilidade de execução e liquidação simultâneas da sentença penal condenatória com trânsito em julgado. A competência concorrente do juízo criminal e do juízo cível para fixação da indenização decorrente de ato ilícito também foi analisada. Em seguida, abordou-se a tormentosa questão da competência para processamento do recurso no caso de a sentença penal condenatória fixar a indenização civil. Ao final, conclui de maneira circunstanciada.


Palavras-chave: aspectos processuais civis – sentença penal condenatória – indenização civil.


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Sumário: 1. Intróito; 2. A autonomia das esferas penal e civil; 3. O novel art. 387, inc. IV do CPP, inserido pela lei n. 11.719/08: possibilidade do magistrado do juízo criminal fixar indenização cível; 3.1. Contextualização; 3.2. Relativização da autonomia das esferas penal e civil; 3.3. Fixação da indenização cível ex officio pelo juiz criminal; 3.4. Fixação pelo juiz criminal do dano moral e do dano material decorrentes do delito; 3.5. Critério de fixação da indenização a ser utilizado pelo juiz criminal; 4. Reflexos processuais civis da modificação do art. 387, inc. IV do CPP; 4.1. Permanência da possibilidade de o magistrado do juízo cível fixar indenização em sede de ação civil ex delicto; 4.2 liquidação da sentença penal condenatória; 4.3. Execução direta da sentença penal condenatória que fixa a indenização cível; 4.4. Possibilidade de simultânea execução da indenização fixada pelo juízo criminal e da liquidação da sentença penal condenatória; 4.5. Competência concorrente dos juízos criminal e cível para fixação da indenização ex delicto; 4.6.  Competência no caso de interposição de recurso da sentença penal condenatória que fixou indenização cível; 5. Considerações finais


1 INTRÓITO


O Código de Processo Penal foi, recentemente, objeto de profusas modificações. De fato, após um período de sucessivas reformas no Código de Processo Civil, as quais buscaram otimizar o processo civil, optou-se por modificar a legislação disciplinadora do instrumento destinado à tutela penal. Escusado dizer da importância dessas modificações porquanto o processo penal tutela interesses que, em última análise, pertencem a toda a sociedade. Há quem afirme, nessa seara, que a ação penal condenatória é uma ação coletiva[1].


Basicamente três foram os diplomas normativos que modificaram o Código de Processo Penal: a Lei n. 11.689/08, que implementou modificações relativas ao procedimento do júri, a Lei n. 11.690/2008, que modificou vários artigos do CPP, em especial os relativos à prova, e a Lei n. 11.719/08, que modificou os procedimentos ordinário e sumário.


As modificações foram substanciais e têm por escopo adaptar o instrumento da atividade jurisdicional penal às modernas tendências, em particular ao princípio da celeridade processual e da razoável duração dos processos, que têm previsão constitucional no art. 5º, inc. LXXVIII. Busca-se, desse modo, propiciar ao jurisdicionado um processo penal moderno e em sintonia com os princípios constitucionais


De qualquer sorte, o que se pretende neste ensejo, não é realizar uma análise das reformas processuais penais. Com efeito, o que se pretende neste azo é tão-somente analisar os consectários na esfera processual civil de uma modificação em particular do Código de Processo Penal – a do art. 387, inc. IV.


O mencionado preceptivo foi modificado pela Lei n. 11.719/08 e prevê que o magistrado, ao proferir uma sentença penal condenatória, deverá fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração. Trata-se de uma inovação substancial em relação ao conteúdo da sentença penal condenatória, porquanto tal pronunciamento, antes da reforma, não fazia qualquer referência ao quantum indenizatório cível.


2 A AUTONOMIA DAS ESFERAS PENAL E CIVIL


A autonomia entre as esferas penal e civil é antiga e constitui matéria que não apresenta maiores divergências na doutrina[2]. Na verdade, essa autonomia de responsabilidades nas esferas cível e criminal decorre de vários fatores. A doutrina apresenta várias diferenças[3], alistadas adiante.


Primeiramente, deve-se destacar que a apuração da responsabilidade penal é, regra geral[4], obrigatória. Por outro lado, a responsabilidade civil é facultativa, podendo o ofendido, a seu nuto, postular a reparação do dano ou não. Isso decorre até mesmo dos interesses que são tutelados nas citadas esferas.


Insta consignar, ainda, que a responsabilidade penal é pessoal, não passando da pessoa do condenado, enquanto a responsabilidade civil é patrimonial. Ademais, a primeira autoriza a prisão, enquanto a segunda, regra geral, não a permite.


A responsabilidade penal, da mesma sorte, independe do prejuízo experimentado pela vítima. Não há qualquer vinculação entre o prejuízo material e a tipificação do fato como crime. A responsabilidade civil, por outro lado, relaciona-se profusamente com a extensão do dano. Nesse sentido, inclusive, o art. 944 do Código Civil dispõe que “a indenização mede-se pela extensão do dano.


Destaque-se, ainda, que, em matéria de responsabilidade penal, a aferição do dolo ou da culpa do agente é de suma relevância, gerando conseqüências importantes na fixação da pena. Na responsabilidade civil, contudo, pouco importa, em princípio, a existência de dolo ou culpa. É que causado um dano, seja ele doloso ou culposo, deverá ser reparado. Imagine situação na qual alguém provoque uma colisão no veículo de outrem. Nesse caso, pouco importará se o ilícito foi doloso ou culposo. Caberá ao condutor reparar o dano da mesma forma tanto num caso como noutro.


Considerando essas especificidades dos dois campos, o Código Civil dispôs em seu art. 934 que “a responsabilidade civil é independente da criminal”. Duas exceções, contudo, são estabelecidas pela Lei Civil. De fato, quando a existência do fato ou a autoria do crime restar negada na esfera criminal, tais questões não poderão mais ser discutidas na esfera cível.


3 O NOVEL ART. 387, INC. IV DO CPP, INSERIDO PELA LEI N. 11.719/08: POSSIBILIDADE DO MAGISTRADO DO JUÍZO CRIMINAL FIXAR INDENIZAÇÃO CÍVEL


Cumpre, agora, analisar o novel art. 387, inc. IV do Código de Processo Penal que prevê a possibilidade de o juiz do juízo criminal fixar o valor mínimo do quantum indenizatório cível. Na verdade, para melhor compreensão da questão em exame, realizar-se-á primeiramente uma contextualização da matéria.


3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO


Antes da reforma realizada pela Lei n. 11.719/08 existiam duas possibilidades para o ofendido, vítima de um crime, buscar a reparação civil. Com efeito, o ofendido podia aguardar o trânsito em julgado da decisão criminal para liquidá-la e executá-la (art. 63 do CPP) ou, então, poderia, desde logo, ainda que na pendência do processo criminal, manejar uma ação de conhecimento – a chamada ação civil ex delicto (art. 64 do CPP).


Após a reforma realizada pela mencionada lei, contudo, em que pese a mantença das duas possibilidades para o ofendido obter a reparação civil, ou seja, liquidar e executar a sentença criminal condenatória com trânsito em julgado ou, então, ajuizar a ação civil ex delicto, o juiz criminal deverá, na sua sentença condenatória, fixar o valor mínimo da indenização. Reza, com efeito, o art. 387, inc. IV do CPP:


Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:


IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.”


Desse modo, doravante, com o advento da reforma processual penal, caberá ao Magistrado criminal, ao prolatar a sentença condenatória, fixar o quantum mínimo de indenização cível. O mecanismo, não há dúvidas, está alinhado ao princípio da celeridade processual. Trata-se, com efeito, de uma forma de otimizar a atividade processual relativa à reparação do dano, porquanto o próprio juiz criminal, após regular processamento do processo criminal, fixará na sentença condenatória o mínimo indenizatório.


3.2 RELATIVIZAÇÃO DA AUTONOMIA DAS ESFERAS PENAL E CIVIL


A autonomia das esferas penal e civil foi relativizada com a inovação do art. 387, inc. IV do Código de Processo Penal. Com efeito, tal autonomia foi atenuada pelo fato de o próprio juiz criminal, em sede de processo penal, ter o dever de fixar o valor mínimo da indenização cível. O quantum indenizatório, antes da reforma do CPP, era de incumbência exclusiva do magistrado do juízo cível. Ao juiz criminal reservava-se tão-somente a tarefa de verificar os aspectos inerentes ao direito penal, em particular, os elementos do crime, as excludentes de antijuridicidade, de culpabilidade e a dosimetria da pena.


A modificação do art. 387, inc. IV do Código de Processo Penal, de certa forma, atenuou a independência entre as esferas cível e criminal, que era praticamente absoluta antes da reforma. De fato, a possibilidade de o juiz criminal fixar uma indenização cível vem a mesclar atividades que eram autônomas, ou seja, que eram realizadas por juízos diversos, em processos diferentes.


Adscreva-se que o novel dispositivo permite que no bojo do próprio processo criminal seja fixada a reparação cível. É bem verdade que o preceito refere-se à fixação do valor mínimo da indenização. De qualquer sorte, é inegável que o art. 387, inc. IV do CPP, ao mesclar atividades inerentes ao juízo criminal e cível, relativiza a autonomia das instâncias.


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3.3 FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO CÍVEL EX OFFICIO PELO JUIZ CRIMINAL


Indaga-se sobre a possibilidade de o juiz criminal fixar o valor mínimo da indenização civil de ofício. Por outras palavras: ajuizada a ação penal, seja ela privada ou pública, o juiz criminal poderá fixar o valor mínimo da indenização independentemente de pedido do autor da ação?


Parece-me que a redação do art. 387, inc. IV do CPP é por demais imperativa. De fato, o preceito determina que o juiz “fixará” valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração. Desse modo, à luz de uma exegese literal, outra conclusão não pode ser obtida. Posto que não seja realizado o pedido de indenização cível, o juiz criminal deverá fixá-la.


Ademais, o princípio da correlação, em matéria processual penal, está muito mais ligado à causa de pedir do que ao pedido propriamente dito. É corriqueira a advertência da doutrina no sentido de que o réu defende-se, no processo penal, não da tipificação legal apresentada pelo autor da ação, mas sim dos fatos narrados[5].


De qualquer sorte, considerando-se a imperatividade do art. 387, inc. IV do CPP, ainda que o prejuízo não tenha sido narrado na denúncia, exsurgindo nos autos a sua prova, deverá o quantum ser considerado quando da prolação da sentença penal condenatória. Tem-se, nesse caso, uma situação de aplicação do princípio da ultrapetição. Por outras palavras: ainda que não seja feito pedido de indenização cível na ação penal, surgindo nos autos prova do valor do prejuízo, deverá o magistrado considerá-lo na sentença.Essa interpretação coaduna-se com o espírito da reforma de otimização do processo judicial.


Ressalte-se, contudo, que, não havendo prova nos autos da ação penal do quantum da indenização dos danos causados pela infração, por óbvio, o magistrado deverá abster-se de aplicar o inciso IV do art. 387 do CPP. É que, na ausência de provas referentes aos prejuízos obtidos, não deterá o magistrado elementos suficientes para a fixação da indenização. Tal tarefa, nesse caso, deverá ser relegada para a fase de liquidação da sentença penal condenatória, a ser realizada na esfera cível, na forma dos arts. 475-A a 475-H do Código de Processo Civil.


3.4 FIXAÇÃO PELO JUIZ CRIMINAL DO DANO MORAL E DO DANO MATERIAL DECORRENTES DO DELITO


Indaga-se, neste azo, sobre a possibilidade de o juiz criminal fixar, com base no art. 387, inc. IV do CPP, o valor mínimo de indenização cível por danos materiais e por morais; ou seja, indenização que atenda aos danos patrimoniais e extrapatrimonais.


O dano material corresponde às perdas e danos, ou seja, ao somatório dos lucros cessantes e do dano emergente, na forma do art. 406 do Código Civil. Já o dano moral consiste em um valor capaz de indenizar o abalo psíquico, a angústia, o sofrimento da vítima. Por outras palavras: trata-se de uma forma de compensação dos prejuízos causado à “alma” da vítima[6].


Não vejo qualquer óbice na possibilidade de o juiz criminal fixar o valor mínimo tanto para a indenização pelos danos materiais como para a indenização pelos danos morais. De fato, o art. 387, inc. IV do CPP não estabelece qualquer restrição. Ao revés, o preceptivo mencionado determina que o juiz fixará o “valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”.


Note-se que o dispositivo faz referência a valor mínimo “para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos”. É consabido que uma infração penal pode redundar em dano material e/ou dano moral. Nesse particular, não se pode vislumbrar qualquer impossibilidade de o juiz criminal fixar indenização tanto pelo dano material como pelo dano moral sofrido pelo sujeito passivo. De fato, os prejuízos que a vítima pode experimentar em decorrência de uma infração penal podem ser materiais ou morais.


É de bom alvitre, contudo, que o juiz criminal, ao fixar o valor mínimo da indenização cível pelos danos morais e materiais o faça de forma destacada e separada. Por outras palavras: cabe ao magistrado criminal fixar o valor mínimo da indenização pelo dano material e, em apartado, o valor mínimo para indenização pelo dano moral. Somente desse modo será facilitada a atividade do juízo cível ao apurar eventual dano residual, seja ele de ordem patrimonial ou moral.


Não se pode, realmente, olvidar que o magistrado criminal fixará apenas o valor mínimo da indenização. E, para apuração do eventual dano restante, ou seja, do dano residual, material ou moral, o juízo cível deverá conhecer quais foram os respectivos valores fixados, até mesmo para que possam ser deduzidos do quantum idenizatório.


3.5 CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO A SER UTILIZADO PELO JUIZ CRIMINAL


Os critérios para fixação da indenização pelo dano material e pelo dano moral pelo juiz criminal devem ser os mesmos utilizados pelo juiz cível. Não há um motivo plausível para que os critérios sejam diferenciados em uma instância e outra.


O dano material deverá ser fixado de acordo com a extensão do dano (art. 944 do CC) e, por óbvio, de acordo com as provas constantes dos autos. Em relação ao dano material, deverá o magistrado considerar os danos emergentes, ou seja, o valor que efetivamente se perdeu, e os lucros cessantes, isto é, o valor que razoavelmente se deixou de ganhar.


Já em relação ao dano moral, deverá o juiz criminal considerar o binômio que tem sido adotado pela doutrina e jurisprudência: compensação – punição[7]. Ao fixar a indenização pelo dano moral deverá o juiz criminal fixar um valor que compense a dor sofrida e que também leve em conta a punição do autor do delito, de sorte a evitar a reiteração da prática daquela conduta.


4 REFLEXOS PROCESSUAIS CIVIS DA MODIFICAÇÃO DO ART. 387, INC. IV DO CPP


Cumpre analisar, neste comenos, os reflexos processuais civis da modificação do art. 387, inc. IV do CPP. Na verdade, embora a alteração tenha sido feita no Código de Processo Penal, há diversos consectários na esfera processual civil. Enceta-se essa análise pela não exclusão da possibilidade de fixação de indenização por parte do juízo cível.


4.1 PERMANÊNCIA DA POSSIBILIDADE DE O MAGISTRADO DO JUÍZO CÍVEL FIXAR INDENIZAÇÃO EM SEDE DE AÇÃO CIVIL EX DELICTO


O novel art. 387, inc. IV do Código de Processo Penal determina que o juiz criminal, ao proferir sentença condenatória, fixe o valor mínimo da indenização civil a ser reparada pelo autor do crime. Importante consignar que o preceptivo deixa bem claro que o juízo cível continua com competência para fixação da indenização cível. O que se possibilitou, apenas, foi que o magistrado criminal venha a fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.


Desse modo, nada impede que o ofendido, mesmo durante a tramitação da ação penal, venha a ajuizar uma ação na esfera cível com vistas à obtenção da indenização. Note-se que, nesse caso, poderá a vítima mover uma ação civil ex delicto para obter a fixação de uma indenização pelos danos morais e materiais. A mencionada ação tem espeque no art. 64 do Código de Processo Penal, in verbis:


“Art. 64 do CPP. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil.”


Situação completamente diferente é da liquidação da sentença penal condenatória na esfera cível. Poderá, com efeito, o ofendido, na forma do art. 63 do Código de Processo Penal, pleitear a liquidação da sentença penal condenatória e, ato contínuo, requerer a sua execução. A regra do art. 64 do CPP, dantes citada, autoriza o ajuizamento de ação de conhecimento, mesmo na pendência da tramitação da ação penal.


De qualquer sorte, como mencionado, a inovação do art. 387, inc. IV do CPP não obsta que o ofendido ajuíze a ação civil ex delicto, ou seja, a ação civil para reparação dos danos. A fixação de eventual indenização cível na sentença penal condenatória, com amparo no dispositivo mencionado, não obsta o ajuizamento da ação civil ex delicto. É que, na sentença penal condenatória, o magistrado fixará o mínimo da indenização civil.


Recomenda-se, contudo, para evitar eventuais julgamentos antagônicos e divergência na fixação do quantum debeatur que o juiz da ação cível suspenda o curso desta até o desfecho da ação criminal. Essa suspensão da ação civil tem suporte no art. 63, parágrafo único do CPP, in verbis: “intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela”. Há quem entenda em doutrina, ademais, que tal suspensão é obrigatória[8].


Essa suspensão do processo civil até o desfecho do criminal também tem amparo no Código de Processo Civil, nos arts. 110 e 265, inc. IV, alínea “a”. Esclareça-se, ainda, que a suspensão do processo no caso mencionado não poderá exceder a 1 ano, na forma do disposto no art. 265, § 5º do CPC.


4.2 LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA


Insta registrar que a sentença penal condenatória, posto que faça referência à indenização civil, poderá ser, normalmente, liquidada na esfera cível. Nada obsta, com efeito, a instauração de liquidação, na forma dos arts. 475-A a 475-H do Código de Processo Civil para apuração dos prejuízos decorrentes da infração penal.


Essa possibilidade decorre do fato de que o novo art. 387, inc. IV do CPP ter mencionado que ao juiz criminal caberá tão-somente fixar o valor mínimo da indenização. Os demais prejuízos serão apurados por meio de liquidação. Nesse sentido, ademais, a própria lei n. 11.719/08 inseriu no art. 63 do CPP um parágrafo único, cuja parte final é demasiada elucidativa. O mencionado preceito reza o seguinte:


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“Art. 63, parágrafo único do CPP. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido.”


Desse modo, não há qualquer óbice para que o ofendido, havendo trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mesmo que esta tenha feito referência à indenização cível, promova a respectiva liquidação. Esta será feita na modalidade por artigos ou arbitramento, dependendo da situação em particular.


Adscreva-se, apenas, que, a liquidação de sentença com a reforma processual do CPC passou a ser um incidente processual[9]. De qualquer sorte, como já registrei alhures, a liquidação da sentença penal condenatória com transito em julgado não é um incidente. Trata-se, na verdade, de uma ação, porquanto não existe uma base processual prévia na esfera cível[10].


4.3 EXECUÇÃO DIRETA DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA QUE FIXA A INDENIZAÇÃO CÍVEL


A sentença penal condenatória com trânsito em julgado que fixar o valor mínimo da indenização poderá ser executada na esfera cível. Ademais, o próprio Código de Processo Civil arrola, no art. 475-N, inc. II, a sentença penal condenatória com trânsito em julgado como um título executivo judicial.


Fixado o valor mínimo da indenização civil na sentença penal, poderá o ofendido promover-lhe a execução. Essa execução também não poderá ser considerada como um mero incidente processual, a ser realizado na forma do art. 475-J do CPC.


A execução da sentença penal condenatória na esfera cível, desse modo, deverá ser feita por meio de actio judicati, isto é, por meio de ação de execução. É que não há qualquer base processual prévia na esfera cível para que se promova a sua respectiva execução na forma de cumprimento de sentença. Isso significa dizer que a execução da sentença penal condenatória com trânsito em julgado não poderá ser feita nos moldes do disposto no art. 475-J do Código de Processo Civil, mas sim na forma do art. 652 do mencionado Código.


4.4 POSSIBILIDADE DE SIMULTÂNEA EXECUÇÃO DA INDENIZAÇÃO FIXADA PELO JUÍZO CRIMINAL E DA LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA


Uma vez fixado o valor da indenização cível na sentença penal condenatória e havendo trânsito em julgado, poderá o ofendido promover-lhe a execução. Mas, como a sentença penal fixará apenas o valor mínimo da indenização, nada obsta que seja promovida também a sua liquidação.


Indaga-se sobre a possibilidade de serem promovidas simultaneamente a liquidação e a execução civil da sentença penal condenatória com trânsito em julgado. Não há qualquer entrave em relação a essa possibilidade. Poderá, com efeito, ser promovida de modo simultâneo a execução da sentença penal condenatória com a sua respectiva liquidação. O Código de Processo Civil, no art. 475-I, § 1º contempla essa possibilidade[11] in verbis:


“Art. 475-I, § 1º. Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta.”


Desse modo, o ofendido/credor poderá promover a execução da sentença penal condenatória no que concerne ao quantum indenizatório fixado e também a sua respectiva liquidação para apuração do dano residual. Essas atividades poderão ser realizadas simultaneamente, mas, registre-se, deverão ser inauguradas por meio de ações distintas – uma de liquidação e outra de execução. Realmente, não há possibilidade de serem cumuladas a liquidação e a execução, por tratarem de atividades processuais completamente distintas.


4.5 COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS JUÍZOS CRIMINAL E CÍVEL PARA FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO EX DELICTO


Quadra registrar que a possibilidade de o magistrado criminal fixar a indenização mínima na sentença penal condenatória, na forma do art. 387, inc. IV do CPP, não excluiu a possibilidade de fixação do quantum indenizatório na esfera cível. Por óbvio, não poderá ocorrer bis in idem, devendo eventual quantum indenizatório já considerado na sentença penal ser considerado na sentença cível.


De qualquer sorte, parece-me que a possibilidade de o juiz criminal fixar o valor mínimo da indenização cível cria mais um caso de competência concorrente. É que o juízo cível continua detendo competência para fixar eventual indenização em sede de liquidação ou mesmo de ação civil ex delicto. Assim, tem-se aqui um caso de competência concorrente em que tanto o juízo criminal como cível detêm competência para fixação de indenização pelos danos decorrentes do crime.


4.6 COMPETÊNCIA NO CASO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA QUE FIXOU INDENIZAÇÃO CÍVEL


Havendo fixação de indenização cível na sentença criminal, como previsto no art. 387, inc. IV do Código de Processo Penal e havendo interposição de recurso, qual será o órgão competente no Tribunal para apreciar a questão? Será o órgão criminal ou o órgão cível?


A questão insere-se no contexto da chamada competência funcional vertical. O Código de Processo Civil, ao tratar da competência funcional, tanto a horizontal como a vertical, o fez o no art. 93, in verbis:


“Art. 93 do CPC. Regem a competência dos tribunais as normas da Constituição e de organização judiciária. A competência funcional dos juízes de primeiro grau é disciplinada neste Código.”


Esclareça-se, inicialmente, que, na primeira parte do preceptivo, foi abordada a competência funcional vertical. Já na segunda parte, basicamente fez-se referência à competência funcional horizontal. Insta consignar que, no primeiro caso, abordou-se a solução para o problema de competência envolvendo instâncias diversas, enquanto, no segundo, a questão perpassa pela identificação do órgão competente em sede de instâncias de mesmo nível.


O Código de Processo Civil esclarece que a competência dos tribunais é regida pelas normas da Constituição e pelas normas de organização judiciária. Desse modo, a que órgão do tribunal caberá julgar eventual apelação interposta hostilizando sentença do juiz criminal que tenha fixado o valor mínimo da indenização civil? A resposta deverá ser buscada nas normas de organização judiciária e nos regimentos internos dos tribunais.


Nada obsta que as normas de organização judiciária e o regimento do tribunal estabeleçam ser da competência do órgão criminal ou cível o processamento da apelação na qual se hostiliza a sentença criminal que fixou indenização. Nada obsta, outrossim, que seja seccionada a competência de tal sorte que o órgão criminal analise a matéria relativa ao crime e o órgão cível analise a matéria relativa ao valor mínimo da indenização cível. Nesse caso, contudo, haverá uma dificuldade de operacionalização do processamento, porquanto um mesmo recurso será apreciado por dois órgãos do tribunal[12]. Tudo dependerá, portanto, do disposto nas normas de organização judiciária e nos regimentos dos tribunais.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS


A inovação do art. 387, inc. IV do Código de Processo Penal encontra-se alinhada ao princípio da celeridade processual e da razoável duração dos processos, que têm previsão constitucional. Trata-se, de fato, de um mecanismo que possibilita ao juiz criminal, desde logo, fixar o valor mínimo da indenização civil. Com isso, busca-se, certamente, otimizar o instrumento judicial.


De qualquer sorte, a possibilidade de o juiz criminal fixar indenização cível é nova e acarretará inúmeros consectários processuais no dia-a-dia forense. Certamente, as situações que surgirão na praxe forense envolvendo a questão serão as mais variadas possíveis. Caberá, então, à doutrina e à jurisprudência construírem as soluções para os diversos problemas que poderão surgir da aplicação do novel dispositivo.


As soluções a serem firmadas, entrementes, deverão ter sempre por suporte a concepção instrumental do direito processual. Por outras palavras: o intérprete, ao apresentar as soluções em relação à aplicação da nova lei, não poderá jamais perder o foco de que o processo é um mero instrumento de solução de conflitos. Não se pode, realmente, sobrepor a forma ao conteúdo, sob pena de se desvirtuar a própria ontologia do instrumento judicial.


 


Referências

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: direito das coisas e responsabilidade civil. São Paulo: Método, 2005. v. 3.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

DIDIER JÚNIOR, Fredie. ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. Salvador: Juspodivm, 2007. v. 4. p. 44.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3. p. 763.

FIUZA, Ricardo (Coord.). Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. p . 842.

HERTEL, Daniel Roberto. Curso de execução civil. Rio de Janeiro: Lúmen júris, 2008.

______. A nova liquidação de sentença. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 394, nov/dez., 2007.

______. Técnica processual e tutela jurisdicional: a instrumentalidade substancial das formas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2006.

PACHECO, Denilson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. Niterói: Impetus, 2005.

STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 4. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 674.

TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar A. R. C. de. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2008.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. 4. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1.

 

Notas:

[1] DIDIER JÚNIOR, Fredie. ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. Salvador: Juspodivm, 2007. v. 4. p. 44.

[2] Por todos, cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3. p. 763.

[3] BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: direito das coisas e responsabilidade civil. São Paulo: Método, 2005. v. 3. p. 208 e 209.

[4] Fala-se, aqui, em “regra geral” pois nos casos de crimes de ação penal privada a responsabilização é facultativa, porquanto o princípio aplicável é o da oportunidade. De outro vértice, nos casos em que o crime é de ação penal pública a responsabilização do agente é obrigatória. Aplica-se, pois, o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.

[5] Cf. TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar A. R. C. de. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2008. p. 630. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 371. PACHECO, Denilson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. Niterói: Impetus, 2005. p. 1147.

[6] O dano moral é conceituado pela doutrina da seguinte forma: “Pode-se definir o dano moral como a lesão aos sentimentos que determina dor ou sofrimentos físicos, inquietação espiritual, ou agravo às feições legítimas e, em geral, toda classe de padecimentos insuscetíveis de apreciação pecuniária” (STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 4. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 674).

[7] A propósito, pode-se colacionar o seguinte julgado: “A indenização por dano moral tem caráter dúplice, pois tanto visa a punição do agente quanto a compensação pela dor sofrida, porém, a reparação pecuniária deve guardar relação com o que a vítima poderia proporcionar em vida, ou seja, não pode ser fonte de enriquecimento e tampouco inexpressiva” (RT 742/320). No mesmo sentido: “Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas” (FIUZA, Ricardo (Coord.). Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. p . 842). 

[8] No sentido do exposto: “Cremos, sem embargo de o texto legal usar a expressão ‘poderá’, parecendo revelar simples faculdade conferida ao juízo cível, deva ele determinar a suspensão, para impedir decisões contraditórias. Cabe-lhe, velando pelo decoro e dignidade da justiça, determinar a suspensão, para evitar o conflito de decisões díspares, baseadas em um mesmo fato e na mesma ação antijurídica. E, para fugir a essas conseqüências desastrosas, pelo atrito de julgados irreconciliáveis, aquele poderá há de ser transmudar em deverá” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1. p. 158.).

[9] HERTEL, Daniel Roberto. Curso de execução civil. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2008. p. 126.

[10] Nesse sentido: “Problema de relevo diz respeito ao requerimento de liquidação da sentença penal condenatória, da sentença arbitral e da sentença estrangeira. Em todos esses casos, não existe uma base processual prévia na esfera cível. (…) Ora, não existindo uma base processual na esfera cível para essas demandas, a liquidação das respectivas sentenças não pode ser considerada como um mero prolongamento do processo – a saber, um incidente processual. De fato, não existindo um processo cível já inaugurado, como poderia ser a liquidação a própria extensão de um processo que não existe?” (HERTEL, Daniel Roberto. A nova liquidação de sentença. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 394, nov/dez., 2007. p. 501). 

[11] Essa possibilidade também é contemplada no Código de Processo Penal no parágrafo único do art. 63: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido”.

[12] A possibilidade de dois órgãos de um tribunal apreciar um mesmo recurso existe no caso do incidente de declaração de inconstitucionalidade, previsto nos arts. 480 usque 482 do CPC. Nessa hipótese, caso seja acatada a argüição de inconstitucionalidade pelo órgão fracionário do tribunal, a questão deverá ser remetida para o Tribunal Pleno. A este caberá, contudo, tão-somente a apreciação da constitucionalidade ou não da norma. Uma vez apreciada essa matéria, será o recurso devolvido para o órgão fracionário para decidir o seu mérito propriamente dito.


Informações Sobre o Autor

Daniel Roberto Hertel

Bacharel em Direito e em Administração pelo Centro Universitário Vila Velha – UVV. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória. Mestre em Direito Processual pela FDV – Faculdades Integradas de Vitória. Professor Convidado da Escola Superior de Advocacia do Espírito Santo. Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Direito da UNIG-RJ. Professor convidado da Pós-Graduação em Direito do UNESC. Professor Adjunto de Direito Processual Civil do Centro Universitário Vila Velha – UVV. Já integrou a Banca Examinadora do Concurso para Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, na condição de representante da OAB-ES. Coordenador do Núcleo de Pesquisas Jurídicas do Curso de Direito do Centro Universitário Vila Velha. Advogado militante. Autor de diversos artigos publicados em jornais e em revistas especializadas e do livro “Técnica processual e tutela jurisdicional: a instrumentalidade substancial das formas”, publicado pela SAFE. É também autor do livro Curso de Execução Civil pela Editora Lumen Juris.


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