Atividade fiscalizatória da pesca no Brasil nas esferas administrativa e criminal: Competências, conceitos, caracterizações

INTRODUÇÃO

Cuida o presente texto de apresentar linhas gerais sobre alguns aspectos da atividade pública de controle sobre as atividades lesivas ao meio ambiente, em especial no que concerne à pesca. Lançando mão de análise sobre os dispositivos legais encontrados, pretende-se fornecer uma visão simplificada, porém profundamente objetiva, sobre o que são infrações administrativas ambientais, crimes ambientais, seus processos, e competência de fiscalização.

Ao final, oferta-se a análise jurisprudencial de processos atinentes, no âmbito do Tribunal Regional Federal  da 4ª Região, procurando ilustrar o entendimento em voga sobre os ilícitos descritos.[1]

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I – DOS ÓRGÃOS COMPETENTES PARA A FISCALIZAÇÃO

Na dicção do Artigo 70, § 1º da Lei 9.605/98, são órgãos competentes para a fiscalização e autuação de crimes e infrações administrativas ambientais, o SISNAMA e os órgãos da Capitania dos Portos, da Marinha do Brasil. O SISNAMA compreende vários entes, na previsão dada pela Lei nº 6.938/1981, em seu Artigo 6º. Verbis:

Art. 6º Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado:

spacerI – órgão superior: o Conselho de Governo, com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais;

II – órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida;

III – órgão central: a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;

IV – órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, com a finalidade de executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;

V – Órgãos Seccionais : os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental;

VI – Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições;[…]

Localmente, temos, pela previsão posta acima, a competência de órgãos como a FEPAM (Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente), SEMA (Secretaria Estadual do Meio Ambiente), e a Brigada Militar, através da PATRAM (Patrulha Ambiental), em âmbito estadual. Já na esfera municipal, constitui competência fiscalizatória em infrações ambientais a Secretaria Municipal de Agricultura, Pesca e Meio Ambiente (SMAPMA).

Ressalte-se neste trecho do texto a impossibilidade de consignar os textos legislativos que constituem as competências, em virtude da inexistência de fontes de pesquisa normativa relativa ao assunto, mesmo pelos portais oficiais na Internet.

II – FISCALIZAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA

INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA AMBIENTAL LATO SENSU

Generalidades

A definição legal do que seja a infração adminstrativa ambiental é dada pela redação do caput  do Artigo 70 da Lei nº 9.605/1998, dispondo ser toda a conduta, comissiva ou omissiva, que “[…] viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.” Vale dizer que a norma deixou a cargo de todo o ordenamento, em óbvia manifestação pela interpretação sistemática, a cristalização do que sejam estas condutas lesivas. O Decreto nº 3.179/1999, apoiado no espeque primário dado pelo comando legal retro, reafirma tal colocação em seu Artigo 1º.

A lei prevê que toda a conduta, comissiva ou omissiva, é passível de gerar infração administrativa ambiental. Com efeito, há tipos em que expressamente a omissão caracteriza a infração, v.g. o Art. 14, parágrafo único, II do Decreto 3.179/99. Para tanto, a conduta deve violar as regras jurídicas, legais ou infralegais, que tenham como objeto o uso, o gozo, a promoção, a proteção e a recuperação do meio ambiente. Entende-se como violação qualquer conduta que, em prejuízo destes objetos, influa materialmente em sua depreciação, ou seja, que cause dano ou possibilidade de dano ao meio ambiente sob a proteção jurídica, bem como a Administração Ambiental.

Tal proteção, via de regra, alcança o território brasileiro, e, no caso da infração do Art. 56 do Decreto 3.179/99, pode extrapolar os limites nacionais, pois refere-se ao controle de pesca junto à embarcação, não dispondo se esta foi feita em águas brasileiras ou estrangeiras.

A previsão de infração administrativa, como ver-se-á adiante, não exclui que um mesmo fato enquadre-se também como infração criminal. Com efeito, a norma expõe que não haverá prejuízo da aplicação das outras penalidades previstas em lei (Art. 1º in fine do Dec. 3.179/99 e Art. 72, § 1o  da Lei 9.605).

A responsabilidade do infrator à reparação do dano causado ao meio ambiente, nos termos do § 10 do Artigo 2o do Dec. 3.179/99 é objetiva, independendo portanto, da existência de culpa ou dolo para que se firme a indenização ou reparação regenerativa do dano. Portanto, qualquer infração administrativa constatada sujeita seu agente, de plano, ao desprendimento de recursos para a reparação do dano, bastando para tal a existência de nexo causal entre a atividade danosa e a parcela de meio ambiente afetado.

INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA AMBIENTAL NO ÂMBITO DA PESCA

A título de recepcionar de maneira mais adequada em sede de adequação, nosso ordenamento jurídico especifica certas condutas lesivas caracterizadoras de ilícito administrativo que são aplicáveis apenas às situações de pesca, que para as finalidades de fiscalização ambiental, são entendidas como todo ato que tenda a retirar, extrair coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes do grupo dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômicos, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção constantes em listas oficiais (Portarias do IBAMA, editadas anualmente, de acordo com  as indicações das superintendências do Órgão nos estados da federação).

Essas condutas vêm inscritas no Decreto n 3.179/99, artigos 19 a 24, 18 inciso III e 56. Cumpre lembrar que o iícito administrativo não exclui o ilícito penal, como já referendado retro. A consecução do processo administrativo pode instruir o processo criminal, nos termos da lei, que prosseguirá de maneira autônoma quanto ao procedimento originário.

Dada a ocorrência da atividade pesqueira em praticamente todo o território nacional, foi interesse do legislador dar previsão legal específica às condutas ilícitas administrativas no âmbito da pesca. Caso contrário, seria difícil a devida autuação das infrações ocorridas na natureza da atividade pesqueira em si, conforme ver-se-á adiante, pois as peculiaridades da pesca no que tange a inobservância da proteção ambiental são muito nítidas.

PENALIDADES ÀS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS AMBIENTAIS

Tipos de Penalidades

Estão elencadas no Artigo 72 da Lei nº 9.605/98 e no Artigo 2º do Decreto 3.179 as sanções que alcançam as infrações administrativas ambientais. Devem tais sanções ser aplicadas em acúmulo, caso haja simultânea pluralidade de infrações, conforme dispõe o § 1º do Decreto.

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Agrupando as sanções quanto ao objeto a que se destinam, temos:

Quanto ao infrator: as sanções que referem-se imediatamente à pessoa do infrator são a advertência (Art. 72, I da Lei 9.605 e Art. 2o, I do Decreto 3.179) , a multa, simples ou diária (Art. 72, II e III da Lei 9.605 e Art. 2o, II e III do Decreto 3.179) e a restritiva de direitos(Art. 72, XI da Lei 9.605 e Art. 2o, X do Decreto 3.179).Cuida-se de exercer coercitividade quanto ao sujeito ativo da infração para que sua conduta não se repita futuramente.

Quanto ao produto do ilícito: algumas sanções referem-se diretamente ao resultado obtido com a conduta ilícita, quais sejam a de apreensão (Art. 72, IV da Lei 9.605 e Art. 2o, IV do Decreto 3.179) a destruição ou inutilização do produto (Art. 72, V da Lei 9.605 e Art. 2o, V do Decreto 3.179) o embargo de obra ou atividade (Art. 72, VI da Lei 9.605 e Art. 2o, VI do Decreto 3.179). Embora estas duas últimas espécies alcancem preferencialmente o resultado que o agente obteve desrespeitando as regras ambientais, de certa forma se reportam também aos eventuais danos que sejam causados pelos produtos, atividades ou obras fulminados pela cessação.

Quanto aos danos provocados ao meio ambiente: Separam-se aqui as sanções de reparação de danos causados (Art. 2o, XI do Decreto 3.179) e suspensão total ou parcial das atividades lesivas (Art. 72, IX da Lei 9.605 e Art. 2o, IX do Decreto 3.179). Como afirmado supra, não significa que outras sanções não tenham por escopo buscar indiretamente a cessação ou reparação do dano provocado.

Este espectro de sanções vem a ser detalhado em sua forma de execução nos §§ 2o a 8o, Artigo 72 da Lei 9.605 e §§ 2o a 10 do Artigo 2º do Decreto  3.179. Note-se que, qualquer que seja a sanção, poderá haver enquadramento em outra infração, aduzindo-se as sanções respectivas.

Advertência

A advertência (Art. 72 § 2o da Lei 9.605 e Art. 2o § 2o do Decreto 3.179) é uma admoestação aplicada por mera inobservância das regras legais, inobstante que haja outra sanção a ser aplicada, na figura do acúmulo já descrito um parágrafo antes.

Multa

A multa simples (§§ 3o e 4o, tanto do Art. 72 da Lei 9.605 quanto do Art. 2o do Decreto 3.179) constitui-se em penalidade pecuniária com valor fixo ao longo do tempo. Os recursos provenientes têm destinação prevista no Artigo 3o do Decreto 3.179/99 e no artigo 73 da Lei nº 9.605/1998. A multa simples tem lugar quando, excluído o caso fortuito ou motivo de força maior, o agente deixar de sanar, em prazo posto, irregularidades apontadas pelas autoridades, ou opuser algum entrave ou embaraço à fiscalização pelos órgãos competentes. Pode a multa simples ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, a critério da autoridade aplicadora, nos termos do Art. 7o do Decreto 3.179.

Quanto à multa diária, ela justamente se diferencia por ter previsão de extensão no tempo, ou seja, enquanto não for sanada a situação que deu azo à infração, nos termos do § 5o do Art. 72 da Lei 9.605 e § 5o do Art. 2o do Dec. 3.179, ela vai sendo contada em cumulação de acordo com o número de dias passados, com o valor fixo diário. A multa é definida em termo final quando efetivamente cessa a infração, ou quando o autor desta celebra termo de compromisso de reparação do dano que regulariza a situação.

A regência da multa, quanto a seus parâmetros, é dada pelos §§ 4o e 5o do Art. 72 da Lei 9.605 e Artigos 4o e 5o do Dec. 3.179/99. A base de cálculo será dada, de acordo com o objeto jurídico lesado, pela sua unidade de medida, que aferem a extensão do dano para o estabelecimento do valor unitário da multa a ser aplicada. Os limites monetários da multa apresentam-se numa faixa que varia de R$ 50,oo a R$ 50.000.000,oo, sendo corrigidos periodicamente, com base nos índices estabelecidos. Pode ainda haver uma detração de multa, quando o agente for penalizado por Estado ou Município em decorrência de um mesmo fato já penalizado por órgão federal (Artigo 76 da Lei e Artigo 8o do Decreto).

Nos termos do Artigo 60 do Dec. 3.179, a pena de multa poderá ter sua exigibilidade suspensa quando o infrator comprometer-se, em termo, a adotar medidas que cessem ou desfaçam a degradação ambiental decorrente, havendo, no caso de cumprimento integral dessa obrigação, a redução da multa no montante de 90% (§ 3o do Art. 60). Entretanto, não sendo cumpridas as metas, haverá atualização da multa proporcionalmente ao dano não-reparado.  Havendo, ainda, o beneficiado pela transação da multa (art. 72 § 2o da Lei 9.605 e art. 2o § 4o do Decreto 3.179)incorrido em reincidência infracional, a aplicação da nova multa será em dobro, em relação ao valor da multa anterior, nos termos do Artigo 9o do Decreto.

Apreensão

Cabe apreensão quando forem objeto da infração animais, produtos, subprodutos, petrechos, instrumentos, equipamentos, veículos e embarcações de pesca (Art. 2o, § 6o, I e Art. 25, caput, da Lei 9.605). A destinação de cada natureza de material apreendido, generalizada nos §§ 1o a 4o  do Art. 25 da Lei 9.605, vem listada nos incisos seguintes do § 6o do Art. 2o do Decreto:

os animais deverão ser libertados no habitat natural (II a), entregues a entidades como zoológicos e assemelhados, desde que sob responsabilidade de técnicos habilitados (II b) ou confiados a fiel depositário, em caso excepcional (II c);

produtos e subprodutos perecíveis ou madeira deverão ser entregues a destinação útil, pública ou filantrópica, por meio de doação e logo após avaliados pela autoridade competente (III), que, em caso de não retirada pelo beneficiado no prazo dado, serão novamente doados ou leiloados, revertendo os recursos para a finalidade de preservação e recuperação do meio ambiente (IV);

equipamentos, petrechos e instrumentos utilizados para a prática da infração serão vendidos, garantida sua descaracterização por reciclagem (V), salvo se tiverem utilidade para uso nas atividades dos órgãos ambientais e outras entidades, caso em que serão doados após avaliação (VI);

produtos tóxicos terão sua destinação de acordo com o órgão competente (ANVISA ou Departamento de Polícia Federal), podendo ser destruídos;

veículos e embarcações poderão ser perdidos em favor do Estado, ou doados, de acordo com os incisos V e VI (VIII) podendo, no entanto, serem liberados após pagamento de multa, defesa ou impugnação do ato.

É vedada a transferência a terceiros de qualquer objeto de apreensão doado ou cedido, exceto se precedido de autorização competente, de acordo com o Art. 2o, § 6o IX do Dec. 3.179/99, visto que a doação tem como finalidade a supressão de alguma deficiência do beneficiado, e não a sua locupletação, o que atende ao princípio da moralidade administrativa. Para a consecução deste princípio, faz-se ainda necessária a remessa ao Ministério Público competente, de acordo com o órgão autuador, da cópia dos termos de apreensão, doação e destinação destes materiais.

Suspensão de Venda e Fabricação de Produto

Embargo de Obras

Suspensão de Atividades

As sanções de suspensão de venda e fabricação de produto, embargo de obra ou atividade e suspensão parcial ou total de atividades, previstas nos incisos VI, VII e IX do caput do Artigo 2o do Decreto e nos incisos VI a IX da Lei 9.605, serão aplicadas quando o produto, obra ou atividade não estiverem obedecendo às determinações normativas, ou seja, quando não se encaixar nos moldes de não-agressão ao meio ambiente que for determinado por força de lei ou regulamento (Art. 2o, § 7o  do Decreto e § 7o do Art. 72 da Lei). Como se trata de infração que se protrai no tempo, é cabível a sanção de multa diária em caso de descumprimento da sanção principal. Já a demolição de obra que esteja em desacordo com as regras ambientais é determinada após constatada a gravidade efetiva do dano e determinada pela autoridade do órgão integrante do SISNAMA competente para tal (§ 8o do Art. 2o). É a forma de impedir a continuação de dano ou a sua possibilidade, quando edificada qualquer construção que tenha impacto negativo sobre o meio-ambiente. [2]

Sanções Restritivas de Direitos

No tocante às sanções restritivas de direitos, aplicáveis tanto às pessoas físicas quanto às jurídicas, são, a saber (Art. 72, § 8o da Lei 9.605 e Art. 2o § 9o do Decreto 3.179):

Suspensão de registro, licença, permissão ou autorização (I): É sanção bastante utilizada quando em infrações cometidas em situação de pesca, seja ela predatória, sobrepesca, etc. Consiste em suspender a eficácia de título emitido pelo Poder Público que possibilite ao seu titular o exercício das atividades a ele vinculadas.

Cancelamento de registro, licença, permissão ou autorização (II): penalidade mais grave, significa a revogação dos documentos pertinentes, ou seja, seu cancelamento definitivo.

Perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais (III): é a denegação dos beneplácitos fixados pelo Poder Público em relações fiscais do contribuinte.

Perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento (IV): é uma sanção que, aplicada, denega a possibilidade de obter financiamento para qualquer atividade junto a estabelecimentos oficiais de crédito;

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Proibição de contratar com a Administração (V): Sanção que pode durar até três anos, exclui o infrator do rol de aptos a participar de licitações e demais contratos administrativos.

As três últimas modalidades de sanção reportam-se mormente às pessoas jurídicas, visto que embasam-se na obtenção de benesses e possibilidade negocial junto ao Estado, coisa não muito corriqueira com a pessoa física.

Reincidência

Para os fins de apuração administrativa, a reincidência, que tem efeitos no campo da aplicação de penalidades, é exposta no Art. 10 do Decreto 3.179. É a prática de nova infração ambiental, pelo mesmo agente, dentro de um período de três anos. Divide-se em específica (inciso I), quando a infração for da mesma natureza, e genérica (II) quando for qualquer outra a natureza da infração reincidente. Esta aumenta duplica o valor da multa, aquela triplica-o.

APURAÇÃO DE INFRAÇÕES

Como inexiste regulamento próprio para o Processo Administrativo Ambiental, tanto no âmbito dos órgãos do SISNAMA quanto da Capitania dos Portos, os dispositivos que norteiam esta espécie de procedimento são  o Artigo 71 da Lei 9.605/98, que põe os prazos no procedimento, o Artigo 25 da mesma Lei e o artigo 2º § 6º do Decreto 3.179/99, que regulamentam as apreensões e sua destinação, e, principalmente, a Lei nº 9.784/99, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito federal. Com efeito, ao constatarmos que a grande maioria dos Estados da Federação não possui maneira autônoma de disciplinar o procedimento administrativo sobre infração ambiental, devemos nos reportar à lei que versa sobre a administração federal, posto que aplica-se a mesma principiologia de subsidiariedade ínsita na lavratura de convênios que possibilitam aos órgãos estaduais e municipais a fiscalização. Aliás, a respeito, o artigo 69 da Lei 9.784 comanda que os processos administrativos específicos reger-se-ão por lei própria, aplicando-se subsidiariamente os preceitos desta Lei. Ora, entendemos que trata-se de substituição mais do que de subsidiariedade, posto que o decreto 3.179 trata de poucos aspectos  do procedimento em si, como os prazos e a forma de apreensão e destinação dos produtos apreendidos. O mais, a praxe do procedimento é dada pela Lei 9.784, de onde resulta uma orientação mais clara.

O procedimento administrativo sobre infração ambiental obedece, assim como todos os outros, ao principio constitucional constante no Artigo 5º, LV, que estabelece o contraditório e a ampla defesa também para o processo administrativo. Tal orientação é prescrita também no Artigo 3º inciso III da Lei 9.784/99, que põe como direito do administrado, verbis, “[…] formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração por órgão competente.”

Ainda constitucionalmente, o inciso LIV do mesmo artigo 5º  proíbe expressamente a apreensão de bens sem o due proccess of law, ou seja, estabelece a garantia do devido processo legal que deverá ser observada quando da apreensão e destinação de bens usados no ilícito administrativo. Especificamente, essa garantia é descrita no Parágrafo Único do Artigo 2º da Lei  9.784/99, incisos I, V, VII e X.

A infração administrativa ambiental tem sua apuração efetivada por processo administrativo que, como já tratado no Capítulo I, e conforme reza o Artigo 70, § 1º  da Lei 9.605/98, caminha sob competência concorrente, entre os órgãos do SISNAMA e os agentes da Capitania dos Portos do Ministério da Marinha, cabendo a estes atores as faculdades de lavrar os autos de infração, instaurar os procedimentos e aplicar as penalidades em instância administrativa. Contudo, a qualquer pessoa (em amplo senso, física ou jurídica), em constatando infração ambiental, é possibilitado dirigir representação às autoridades do § 1o para que estas exerçam efetivo poder de polícia e dêem andamento aos ditames processuais. Ademais, a Lei 9.784/99, em seu artigo 9º, I, estabelece como interessados no processo administrativo a pessoa física ou jurídica que o inicie no exercício do direito de representação.

Não podem as autoridades competentes esquivar-se da apuração imediata da infração, sob pena de co-responsabilidade (§ 3º do Art. 70 da Lei 9.605/99  e Artigo 11 da Lei 9.784/99). Tal indisponibilidade sobre a apuração resulta que esta não pode ser declinada, a não ser quando houver conveniência em razão de circunstâncias de índole técnica, econômica ou, principalmente, territorial, como diz o artigo 12 da Lei 9.784/99. Com efeito, não haveria sentido na celebração de convênios e outorga de competência para a fiscalização entre os órgãos da administração direta e indireta, se não houvesse a possibilidade legal e o interesse na eficiência administrativa apregoada no caput do Artigo 37 da Carta Magna.

LINHAS GERAIS DO PROCEDIMENTO [3]

Tanto os órgãos do SISNAMA quanto da Capitania dos Portos não têm regulamentos específicos sobre os ritos a serem seguidos para o procedimento administrativo específico ambiental, conforme dito supra. No entanto, tal não impede a consecução do mesmo, em virtude das regras gerais fornecidas pela Lei 9.784/99 e da simplicidade do processo em si.

A praxe dos órgãos de fiscalização ambiental dita que o procedimento inicia com a lavratura, quando da apuração de ilícito administrativo, do Auto de Infração Ambiental, do qual consta: nome do órgão autuador, registro administrativo interno (ordem de missão, procedimento operacional, etc.), local, data, agentes autuadores, autuado, descrição fática da infração e cominação legal. Consoante o Artigo 6º do Decreto 3.179/99, deve constar ainda a sugestão de multa aplicável ao infrator, dada pelo autuador, que será submetida ao crivo do julgador a posteriori. Em linhas gerais, portanto, deve constar do auto, peça inaugural do procedimento, todos os elementos necessários à caracterização do ilícito, do infrator e da autoridade que efetuou a fiscalização e levou a termo o procedimento.

Ato contínuo, havendo materiais a ser apreendidos, o agente autuador procede à lavratura do(s) Termo(s) de Apreensão referido no Artigo 2º, § 6º, I do Decreto 3.179/99. De acordo com o entendimento versado acima, de falta de regulamentação, De acordo com a natureza da apreensão, v.g. em se tratando de animais vivos, já é determinada a destinação provisória dos mesmos, na dicção do inciso II do mesmo dispositivo legal. A seguir, o procedimento tem curso com a submissão do auto de infração à autoridade competente para sua análise, conforme o Artigo 7º do Decreto 3.179/99.

Todos esses atos fazem parte da fase de instrução do Processo Administrativo, conforme reza o Capítulo X da Lei nº 9.784/99. Compreende-se na instrução a constituição de defesa por parte do infrator, a ser consubstanciada no prazo de vinte dias a contar da data de ciência da autuação (Artigo 71, inciso I da Lei 9.605/98). Com isso, o agente infrator pode trazer ao processo elementos probatórios necessários à sua defesa, não sendo admissíveis as provas obtidas por meios ilícitos (Art. 29 § 2º da Lei 9.784/99).

A tomada de decisão pela autoridade competente deverá ser efetivada no prazo de trinta dias, contados da lavratura do auto de infração. Esse prazo para julgamento do auto é dado pelo Artigo 71, inciso II da Lei 9.605/99, e independe da apresentação de defesa por parte do infrator.

Emitida a decisão pelo órgão julgador, o agente infrator dispõe de vinte dias para interpor recurso administrativo junto à instância superior do SISNAMA ou à Diretoria de Portos e Costas do Ministério da Marinha, de acordo com o tipo de autuação, no comando do artigo 71, III da Lei 9.605/98. Note-se que, conforme o Art. 13 da Lei 9.784/99, inciso II, não pode ser objeto de delegação a decisão sobre tal recurso.

A autoridade, ao julgar o auto de infração, notificará o infrator da decisão e, contados daí, este terá o prazo legal de cinco dias para recolher o valor da multa determinado (Lei 9.605/98, Art. 71, inciso IV). A forma da notificação dar-se-á de acordo com o disposto no Artigo 26 da Lei 9.784/99.

A decisão exarada em processo administrativo não exclui a apreciação judicial, que é preceito constitucional. No entanto, reserva-se à esfera judicial, precipuamente, a questão tocante ao ilícito penal instruído pelo processo administrativo.

III – FISCALIZAÇÃO NA ESFERA CRIMINAL

O CRIME AMBIENTAL LATO SENSU

A especialidade penal da lei que versa sobre crime ambiental vem disposta no caput do Artigo 2º da Lei 9.605/98, que assinala, verbis: “Art. 2º. Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas […]”[grifamos].  Com efeito, constatada conduta que se encaixe nos tipos descritos neste aparato normativo, está cristalizado o crime ambiental, sem prejuízo, no entanto, de concurso material ou formal de outros ilícitos que porventura se materializem conforme preconizado em outros dispositivos legais.

O Decreto-Lei 221/1967, que versa sobre as atividades de pesca, restou tacitamente revogado pela norma nova. Eis que a Lei 9.605 recepciona a mesmíssima matéria focada no Decreto-Lei 221 em seus capítulos VI e VII, restando prostrada a eficácia destes dispositivos.

Compreendem os crimes contra o meio ambiente (Capítulo V da Lei 9.605) os praticados contra a fauna (Seção I – Arts. 29 usque 37), contra a flora (Seção II, Arts. 38 a 53), e os crimes de poluição e outros, conglobados na Seção III (Arts. 54 a 60). Constitui crime contra a administração ambiental conduta explicitada dentro da Seção V (Artigos 66 a 69).

Dentro dos crimes ambientais previstos no Capítulo V desta Lei 9.605, destacaremos os afeitos à atividade de pesca, como sendo aqueles praticados em função desta atividade ou com finalidade de extração de pescado, conforme reza o Artigo 36.

CRIME AMBIENTAL PRÓPRIO DA PESCA: TIPOS PENAIS

Os artigos 31, 33 III, 34 e 35 da Lei nº 9.605/98 dispõem quais são os ilícitos de cunho penal que se reportam às atividades pesqueiras. Como já referido, a preocupação do legislador foi alcançar peculiaridades da pesca em que se configura dano ao meio ambiente através de sanções criminais, que não poderiam ser cominadas sem um tipo penal próprio. Portanto, a especialidade do crime ambiental de pesca é dada por estes instrumentos normativos, sendo somente admissível, no nosso entendimento, a extensão de tipo penal em branco no que se refere aos artigos 68 e 69 da mesma Lei. Tais dispositivos podem ser aplicados com o preenchimento do tipo pela conduta ilícita administrativa constante do Artigo 56 do Decreto 3.179/99; ademais, não se vislumbra ilícito penal fora destes parâmetros legais. Com efeito, o capítulo V da Lei 9.605, em sua seção I, que trata dos crimes contra a fauna, especifica no Artigo.29, § 6o que as disposições deste artigo não se aplicam aos fatos ocorridos em pesca, o que reforça a especialidade dos crimes de pesca.

Para fins penais, a definição de pesca é a dada pelo Artigo 36 da Lei,  in verbis:

Art. 36. Para os efeitos desta Lei, considera-se pesca todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas oficiais da fauna e da flora.

Note-se bem que a delimitação da atividade de pesca exclui do cerne tipológico a extração de espécies ameaçadas de extinção, que constitui crime autônomo, moldado na dicção do Artigo 29, § 4º, inciso I da mesma Lei de Crimes Ambientais.

Identicamente digno de nota é o momento consumativo do crime, e a celeuma instaurada em torno da questão. Com efeito, o Artigo 36 estabelece que a pesca é todo ato tendente  a retirar os espécimes. Com isso, uma incauta interpretação gramatical contemplaria como crime de pesca atos preparatórios, compatíveis apenas com o iter criminis em sua fase inicial. A propósito, contemple-se a acertada lição de Taglialenha:

Assim, forçoso é concluir que para que a pesca seja criminalmente típica não basta a prática de atos “tendentes” à pesca, mas necessário se faz a prática de atos executórios do crime. Ademais, todos os tipos previstos no artigo 34 e 35 da Lei 9.605/98 são crimes materiais, que se consumam com a efetiva extração, retirada, coleta, apanha, apreensão ou captura de peixes, crustáceos, moluscos ou vegetais hidróbios. Finalmente vale frisar que tanto no art. 34 como no art. 35, o crime se consuma não com a morte dos espécimes pescados (trata-se aí de exaurimento do crime), mas sim com a ação efetiva de retirar, coletar, apanhar, apreender ou capturar.

Portanto, os crimes contra a pesca, em suas diversas modalidades, se iniciam no momento em que o petrecho seja posto na água, no momento em que o explosivo ou a substância tóxica atinja a água, independentemente de ter sido apanhado ou não o peixe e se consumam no momento em que o peixe, crustáceo, moluscos ou vegetais hidróbios forem efetivamente apanhados e assenhoreados pelo pescador, independentemente de sua morte. [4]

Afora a exclusão de ilicitude ditada pelo Código Penal Brasileiro, há descriminantes específicas nas ocasiões amparadas pelo Artigo 37 da Lei 9.605. Ali, interessam à análise os incisos I e IV. O primeiro traz a figura, repetida do CPB, do estado de necessidade, combinado com a circunstância famélica: aquele que pesca [5] albergado por uma destas excludentes não comete crime. Do mesmo modo, o inciso IV dispõe que não constitui crime abater animal nocivo, assim classificado pelo órgão competente. Essa conduta pode ser observada em caso de superpopulação de tubarões, que ocorre em alguns pontos do nosso litoral, quando a pesca de alguns exemplares não constitui crime. [6]

SANÇÕES PENAIS AOS CRIMES AMBIENTAIS

Fora a cominação de penas específicas, a Lei dos Crimes Ambientais estabelece algumas regras gerais para a aplicação das penalidades referentes aos tipos nela inscritos. São circunstâncias legais de dosimetria sancional, os tipos de penas, e a especificidade de condutas e penas atribuídas à pessoa jurídica.

A dosimetria das penalidades vem prevista no Artigo 6º, e repercute tanto na esfera administrativa quanto criminal, quando comanda a “autoridade competente”, e não apenas ao juiz. Para não repisar muito o tema já tratado supra, comentaremos pouca coisa: faz-se mister salientar a introdução de circunstâncias de dosagem de pena que são atinentes apenas à questão ambiental, como as conseqüências do ilícito para a saúde pública e o meio ambiente (inciso I), e os antecedentes e reincidência específica de cunho ambiental (inciso II), que premem o julgador a sopesar com maior incisividade a quantidade de respeito às leis ambientais tido pelo agente em sede de antecedentes.

Quanto às penas restritivas de direitos, o Artigo 7º da Lei de Crimes Ambientais apenas repete o Código Penal, estabelecendo sua autonomia, o caráter substitutivo em relação à pena de privação de liberdade, e o quantum relativo à substituição. Nada que justifique um estudo mais aprofundado, senão o encontrado na bibliografia objetivada ao CPB. Da mesma forma quanto ao artigo 8º, que trata dos tipos de penas restritivas de direitos, já todas inseridas no Código Penal.

A novidade inicia no Artigo 9º, que estabelece como deve ser a pena de prestação de serviços à comunidade. Reza a norma que as tarefas da PSC devem ser realizadas junto a unidades de conservação ambiental, parques e jardins públicos, impelindo ao agente o fito de reparar o objeto jurídico lesado em espécie, ou seja, o meio ambiente. Admite-se, no entanto, em caso de impossibilidade de PSC nos moldes deste Artigo, que seja aplicado o constante no artigo 46 do CPB.

O Artigo 10 da Lei 9.605 coloca o caráter de vedação de contrato com o Poder Público para a penalidade de interdição temporária de direito. O legislador visou, obviamente, atingir o infrator que figure como pessoa jurídica, que assim vê-se impedido de obter benesses e negociar com o ente estatal pelo prazo de três a cinco anos, com o fito de coibir as infrações pela via econômica. O artigo 11, por seu turno, estabelece que as atividades do infrator sejam suspensas, caso este não esteja obedecendo às prescrições legais, ou seja, no caso em que sua atividade esteja sendo lesiva por si só ao objeto jurídico tutelado, como ocorre em casos de poluição ambiental.

De forma análoga ao CPB, o artigos 12 dispõe sobre as penas de, respectivamente, prestação pecuniária.

Há a previsão, no artigo 13, do recolhimento domiciliar, quando o condenado, de acordo com sua autodisciplina e senso de responsabilidade, deverá trabalhar, freqüentar curso ou exercer atividade autorizada, tendo recolhimento nos dias e horários de folga na própria residência. Isso possibilita a reeducação do agente, sendo assim uma medida de política criminal destinada à profilaxia.

As circunstâncias atenuantes de pena nos crimes ambientais vêm inscritas no Artigo 14 da Lei 9.605. Tratam das seguintes minorantes:

– O baixo grau de instrução ou escolaridade do agente ( inciso I). Essa redutora atende a um aspecto do nosso quadro social e econômico, em que a situação educacional de pessoas ligadas às atividades de extrativismo (pesca, por exemplo) não comporta um grau elevado, induzindo a erro sobre a ilicitude e sobre as excludentes. O agente pratica crime ambiental por razões econômicas, mas não atendendo ao enriquecimento, e sim à subsistência. Não chega a ser delineado o estado de necessidade do Artigo 37, inciso I.

– O arrependimento do infrator, manifestado por uma ação de reparação do dano ou limitação significativa na degradação ambiental causada pela infração (inciso II). É o arrependimento eficaz e espontâneo, que adquire feições próprias do crime ambiental. Deve atender a um critério objetivo de espontaneidade e efetividade, não bastando o mero início de trabalho ou manobra destinada a iludir o julgador, induzindo-o a erro sobre a ação levada a cabo para a reparação do dano ambiental.

– A comunicação, previamente feita pelo agente, do iminente perigo de degradação ambiental. A comunicação deve ser inequívoca, e ter por alvo, no nosso entender, o poder público ou a comunidade afetada pelo dano (inciso III). Como esta redutora está inserida em linearidade com a minoração do dano, deve entender-se que a manifestação deve ser inequívoca no sentido de minguar os efeitos danosos da infração, ou seja, deve levar a uma ação efetiva do poder público ou dos afetados, no sentido de reduzir o risco ou o dano. Deve, portanto, ter estes por alvo, não bastando, obviamente, comunicação a um grupo restrito que não se reporte a um ou outros.

– Colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental (inciso IV). Entende-se que seja colaboração efetiva para a realização de atividades correlatas aos órgãos elencados neste inciso, seja na situação infracional ou não, já que não especifica dano ou risco. Significaria, portanto, um tipo de detração penal em favor do agente, de acordo com a motivação da sentença.

Por sua vez, as majorantes de pena inscritas no artigo 15 constituem, em oposição às minorantes, um elenco muito maior. Quando não constituem ou qualificam (dentro do próprio tipo penal) o crime, são circunstâncias de aumento de pena:

– A reincidência própria, ou seja, em crimes de natureza ambiental (inciso I). Essa prescrição legal não alcança a mera infração administrativa.

– O agente ter cometido crime para obter vantagem pecuniária (inc. II, “a”), exercendo coação para execução material do crime (inc. II, “b”) afetando ou expondo a perigo a saúde pública ou meio ambiente (inc. II, “c” – no nosso entender, uma redundância desnecessária, já que toda a lei trata de proteger justamente estes bens jurídicos), concorrendo para danos à propriedade (inc. II, “d”), atingindo área de unidades de conservação (II, “e”), atingindo áreas urbanas ou assentamentos urbanos (II, “f”),  em período de defeso (II, “g” – a nosso ver, um apêndice desnecessário), em períodos de repouso, como domingos, feriados, ou à noite (II, alíneas “h” e “i”), em períodos de seca ou inundação (II, “j”), no interior do espaço territorial especialmente protegido (“l” – outra redundância, em face da alínea “e”), com métodos cruéis de abate ou captura dos espécimes (II, “m”), mediante fraude ou abuso de confiança (II, “n”), mediante abuso de direito de licenciamento, permissão ou autorização ambiental (II, “o” – entendemos ser muito grave essa majorante, pois denota dolo específico de dano, com a utilização de meio que possibilita acesso inconteste ao bem jurídico que vai ser atingido), no interesse de pessoa jurídica subsidiada ou mantida por verbas públicas ou incentivos fiscais (alínea “p”), atingindo espécies ameaçadas ( alínea “q”) facilitado por funcionário público (II, “r”).

Nos casos de pena privativa de liberdade inferior a três anos, há a possibilidade de suspensão condicional da pena (sursis), como expressa o Artigo 16 da Lei 9.605. Havendo ainda a reparação do dano atestada por laudo específico, na forma do Artigo 17 combinado com o artigo 78, § 2º do CPB. As condições impostas judicialmente dever-se-ão relacionar com a proteção ao meio ambiente.

A multa deverá ser dosada nos termos do Código Penal (artigo 49). Porém, como é corriqueira a prática de crimes ambientais por pessoas jurídicas, contra as quais pode revelar-se ineficaz a medida punitiva, poderá subir o teto da multa para até três vezes o valor máximo inscrito no CPB, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida ilicitamente pelo agente (Artigo 18 da Lei 9.605). Para a finalidade de cálculo de multa, ainda, bem como de prestação de fiança, a perícia de constatação de dano ambiental sempre que possível fixará o montante do prejuízo causado.

Para a pessoa jurídica, a Lei de Crimes Ambientais fixa expressamente as penas de multa, restritiva de direitos e prestação de serviços comunitários (Artigo 21). Trata-se de repetição monótona de algo que já é inferido da própria natureza das penas, já que a única pena não descrita aqui (privativa de liberdade) é exclusiva da pessoa natural. Já no artigo 22, a listagem das penas restritivas de direitos das pessoas jurídicas já estão de certa forma reunidos no corpo do artigo 10, tendo sido novamente desnecessária a descrição minuciosa das penas, que seriam obviamente aplicadas pelo julgador atento (ou, ao menos, mais atento que o legislador). Deve notar-se, apenas, que a interdição de atividades, inscrita no inciso II e no § 2º deste Artigo reportam-se a uma proibição temporária, que pode ser levantada caso seja sanada a irregularidade que dê azo à violação; e que a lei fixa um prazo elástico para a proibição de contratar com o Poder Público: até dez anos (§ 3º).

No artigo 23, vê-se uma preocupação do legislador em colocar a pessoa jurídica a redimir os danos junto à comunidade, de forma específica e mais incidente do que a da pessoa física. São previstos: o custeio de programas e projetos de cunho ambiental (inciso I), a execução, diretamente ou indiretamente (custeada) de obras de recuperação de áreas degradadas, não sendo exigido que seja a mesma afetada pela infração em apreço (inciso II), a manutenção de espaços públicos (III) e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas (IV), na forma pecuniária ou material.

O artigo 24 é duro em penalizar o uso da personalidade jurídica com fins excusos. Reza a norma em foco que constituir ou utilizar pessoa jurídica, com o fito de facilitar, ocultar ou permitir a prática de crime ambiental terá como efeito liquidação forçada desta pessoa jurídica, bem como perdimento de seu patrimônio, considerado assim como instrumento do crime, em favor do Fundo Penitenciário Nacional. A lei preconiza, deste modo, a dureza de uma sanção mais incisiva para coibir o abuso da personalidade jurídica em desfavor do bem tutelado – o meio ambiente.

IV – DAS CONDUTAS ILÍCITAS EM ESPÉCIE

PESCA EM DEFESO  Artigo 19 do Decreto 3.179/99

Artigo 34 da Lei 9.605/98

O artigo sob enfoque trata da atividade de pesca efetivada no chamado defeso, que consiste em determinado período do ano ou local delimitado, dentro do qual é proibida a pesca das espécies elencadas pela autoridade competente. Em todo o território nacional, é o IBAMA que determina os defesos através de portaria, de acordo com parecer enviado à administração central do órgão pelas unidades descentralizadas, requerendo de acordo com as necessidades locais.

O defeso em relação a certo período é via de regra o da época de reprodução, como a da piracema ou da desova. Já o defeso de local é atribuído a certa localidade que seja local de reprodução, ponto de rota de migração ou habitat de espécies sob a proteção.Cada um destes tipos de defeso pode ser limitado pelo outro. Assim, um defeso de período pode estar circunscrito a certa região geográfica, ou um defeso de localidade pode ter data de início e de fim. Na prática, tais delimitações obedecem à proteção ou recuperação do objeto visado, no caso, a fauna aquática. A proibição da pesca no defeso distingue-se por ser uma restrição máxima, de caráter repressivo da atividade pesqueira. Fosse de outro modo, não haveria a devida eficiência da proteção, somente alcançada pela ausência total da extração.

A penalidade administrativa para a infração constatada nesse enquadramento é de R$ 700,oo a R$ 100.000,oo, (Art. 19 do Decreto 3.179/99) a ser dosada pela autoridade que efetuar a autuação, nos termos do Artigo 6º deste Decreto. Haverá ainda o acréscimo de R$ 10,oo para cada quilo de produto da pescaria: quando da lavratura do auto, o fiscalizador consignará no mesmo a quantidade de produto que foi apreendido, com esta finalidade.

Já a sanção criminal para a atividade de pesca em defeso é de detenção de um a três anos, alternativa ou cumulada a multa (Art. 34 da Lei 9.605/98). Diferencie-se tal multa, que é judicial, da multa administrativa, pelo quesito do aplicador: nesta, a autoridade administrativa a quem compete o julgamento do auto de infração, na primeira, o juízo do processo criminal, em sentença fundamentada.

No mesmo escopo infracional, sendo idênticas em termos de penalidades e de gravidade, o Parágrafo Único, tanto do Artigo 19 do Dec. 3.179/99 quanto do Art. 34 da lei 9.605/98, traz mais três condutas infracionais. A primeira é a de pescar espécies que devam ser preservadas ou espécimes de qualquer espécie, protegida ou não, que estejam com tamanho inferior ao permitido (inciso I). Esta restrição visa preservar espécies visadas em risco de extinção, a qualquer tempo, dentro ou fora do ciclo reprodutivo, bastando serem assinaladas como abrangidas pela norma, na forma dos regulamentos dos órgãos responsáveis. Na segunda parte do dispositivo, é afirmada a proteção aos espécimes que ainda não atingiram a idade reprodutiva. Com isto, alcança-se a proteção da perpetuidade de todas as espécies, estejam ou não sob a chancela de proteção ambiental específica.

A segunda conduta equivalente ao caput do artigo, para fins de penalidade, é na verdade a junção de duas condutas em separado, mas que tendem ao mesmo resultado, que é a degradação ou desaparecimento de espécies pescáveis. Consiste na sobrepesca (inciso II, primeira parte) e pesca predatória (inciso II, segunda parte). A sobrepesca, tratada na norma como pescar quantidades superiores às permitidas, é uma prática que expõe uma região determinada a uma saturação extrativa, a qual conduz à insustentabilidade da própria pesca, porquanto não permite a reprodução das espécies em quantidade suficiente para repor o total extraído, tendo como resultado o desaparecimento gradual do pescado. Essa conduta foi uma das razões para a decadência da indústria extrativista do pescado na região de Rio Grande durante as décadas de 80 e 90, conforme abordado em outro trabalho. Referência Já a pesca predatória é referida como pescar mediante a utilização de aparelhos, petrechos e técnicas não permitidos. Vislumbra-se aí que esses meios proibidos consistem em lesivos às espécies, por não permitirem a sua regeneração ou por serem demasiadamente destruidores; v.g. a rede de arrasto, que coleta espécimes desde o fundo aquático, lesando o ecossistema inteiro, as redes de malhas muito finas, que capturam pescado abaixo do tamanho permitido, etc.

Por último, aparece a atividade de transporte, comércio, benefício e industrialização do produto resultante da pesca proibida inscrita nos pontos anteriores do Artigo (inciso III). A penalidade, aqui nesse caso, alcança o benefício econômico oriundo da utilização ulterior do pescado extraído de forma proibida. Busca-se coibir a atividade lesiva por via indireta, decepando os proventos financeiros auferidos pelos destinatários da pesca proibida, quebrando a cadeia de transmissão da mercadoria ilícita, bem como punindo criminalmente quem exerça tal mister.

PESCA POR MEIO PROIBIDO Artigo 20 do Decreto 3.179/99

Artigo 35 da Lei 9.605/98

A atividade de pesca em si deve primar sempre pela proteção das espécies e pela conservação do meio de onde elas são retiradas. Da mesma forma que o inciso II, parte final, do artigo antecedente, a regra do Artigo 20 do Decreto e do Artigo 35 da Lei estabelece a interdição de pesca por meio danoso. No caso, a proibição atinge especificamente práticas que atingem indiscriminadamente e de maneira letal não apenas as espécies que se visa apanhar, mas também toda a fauna circunvizinha e até mesmo a vegetação aquática.

Na primeira parte do Artigo 20 do Dec. 3.179, lê-se que constitui infração administrativa pescar mediante utilização de explosivos. Esta modalidade de pesca é realizada pela explosão de uma carga de pequeno potencial rente à superfície, que mata a totalidade dos peixes dentro de um alcance bastante expressivo com a onda de choque proveniente da detonação. A conduta criminal similar é inscrita no Inciso I do Artigo 35 da Lei 9.605.

Na segunda forma prescrita como infracional nos artigos em análise, a técnica que se proíbe é a de utilização de substâncias tóxicas ou que causem os mesmos efeitos da toxicidade, colocadas em contato com a água. Um exemplo é a que se utiliza do curare, um veneno extraído do cipó com o mesmo nome, que paralisa a atividade respiratória de todos os peixes num determinado raio, matando indiscriminadamente todas as espécies e tamanhos. É a conduta prescrita pela segunda parte do caput do Artigo 20 do decreto 3.179 e no Inciso II do Artigo 35 da Lei 9.605.

A coibição normativa enseja colher em sua eficácia técnicas de pesca que atinjam indiferentemente todos os seres viventes sem contato de apanha com os mesmos, ou seja, provoca a morte de todos os peixes por envenenamento ou choque. A proteção não é apenas ao acervo de espécies para a pesca, mas também à incolumidade do meio ambiente e à própria saúde do indivíduo que se utiliza destes artifícios. A penalidade administrativa é a mesma do Artigo 19 do Decreto (multa de R$ 700,oo a 100.000,oo, acrescentado de R$ 10,oo por quilo de produto da pescaria). Por seu turno, a sanção penal pode ser mais grave: reclusão de um a cinco anos, na dicção do Artigo 35 da Lei.

PESCA SEM AUTORIZAÇÂO LEGAL – Artigo 21 do Decreto 3.179/99

Preconiza o Decreto- Lei nº 221/67 que a atividade de pesca, tanto amadora quanto científica ou profissional, depende de autorização do órgão ambiental competente. O pescador deve ser pego em flagrante exercício da atividade, ou seja, efetivamente pescando, quer no pleno labor da atividade, quer imediatamente após encerradas as lides de pesca, de forma que reste comprovada a atividade e a falta de documento que a autoriza.

A sanção cominada para este ilícito administrativo é multa, que oscila entre os valores de R$ 500,oo e 2.000,oo. O motivo para uma sanção inexpressiva, comparativamente com as demais, é de que a maior parte das autuações motivadas por esta espécie de infração é lavrada em desfavor de pescadores individuais, pertencendo às figuras de desportistas amadores ou dos chamados pescadores-agricultores, comuníssimos na região de Rio Grande. Dada a baixa repercussão do dano, é plausível que se estabeleça a sanção adequadamente de forma a não lesar enormemente o infrator, de forma injusta, pois dentre os que incorrem nesta penalidade, a premente maioria desconhece sequer a existência das normas legais e regulamentares da atividade que exercem por hobby ou por sobrevivência.

MOLÉSTIA A CETÁCEOS – Artigo 22 do decreto 3.179/99

Em toda a extensão do litoral brasileiro, são comuns as ocorrências de aparecimento de cetáceos, de todos os gêneros. Motivado por esta peculiaridade, nosso legislador pôs a salvo os ditos mamíferos aquáticos a salvo de perturbações prejudiciais à sua integridade física, sejam elas leves ou de maior contundência, como ferir gravemente um destes animais. Aplica-se tal norma extensivamente aos cetáceos, como baleias, que encalham a seco nas praias e bancos de areia em contato com as águas jurisdicionais. A pesca dos cetáceos, no entanto, é proibida no Brasil, incorrendo o autor de tal ilícito em crime, e não em infração administrativa.

A infração exige dolo, ou seja, como estabelece a norma, que seja de forma intencional. Culpa, caso fortuito e força maior excluem a infração. A multa cominada para a conduta é fixa, no valor de R$ 2.500,oo.

INTRODUÇÃO, EXPORTAÇÃO,     Artigo 23 do Decreto 3.179/99

OU IMPORTAÇÃO DE ESPÉCIE AQUÁTICA     Artigo 31 da Lei 9.605/98

SEM AUTORIZAÇÃO 

Com vistas à preservação do nosso sistema ambiental na forma original, há a previsão expressa de ilicitude administrativa no ato de introduzir espécies exóticas em nossas águas jurisdicionais. A necessidade de controle sobre os atos humanos que possam alterar significativamente o equilíbrio ambiental é justificada pela possibilidade de danos irreversíveis a este, oriundos de proliferação descontrolada ou maléfica de espécies que, por não estarem inseridas nos ecossistemas nativos, interferem negativamente, tornando-se pragas. À guisa de exemplos, cita-se a chegada dos coelhos e ratos em porões de navios na Austrália do século XIX, que causou a incidência de várias zoonoses que tinham estes animais como vetores. Portanto, o Artigo 23 do Decreto em tela expõe a proibição total da introdução de espécies estranhas nas águas jurisdicionais do Brasil, na última parte do caput. De forma análoga, age a prescrição legal do Artigo 31 da Lei 9.605/98, que proíbe a introdução de espécies animais no País, desguarnecida de parecer técnico oficial favorável e licença expedida por órgão competente.

Não se exige dolo específico para configurar o ilícito administrativo. Há o caso, bastante reportado pela mídia, de incidência nociva do mexilhão-dourado. Este espécime ádvena chegou ás águas de Porto Alegre grudada no casco de navios originários da China, e têm como característica serem aderentes às superfícies lisas e metálicas, como as de tubulações. Como não possui predador natural no nosso ecossistema, o mexilhão-dourado proliferou enormemente, entupindo redes de água e esgoto, drenos de irrigação, e até mesmo agarrando-se a turbinas de geração de energia em hidrelétricas e bombas de água de estações de tratamento.  No entanto, para configurar o ilícito penal, é necessário ao menos o dolo genérico.

Conjuntamente, o Artigo 23 do Decreto estabelece como ilícito o tráfico de espécies aquáticas, seja para dentro ou para fora do Brasil. Essa medida incorpora ao rol das condutas puníveis administrativamente o ato de efetuar importação ou exportação das espécies sem a autorização do órgão ambiental competente, o que configura dano tanto na entrada de espécies sem controle (como mostrado retro), quanto na saída de espécies nativas com finalidade econômica, lesando nossa biodiversidade. Por sinal, a controvérsia em torno da biopirataria é ainda latente, e suscitada de tempos em tempos com notícias de exploração econômica de patentes obtidas no estrangeiro graças ao translado ilegal de espécies exclusivamente encontradas em nossa fauna e flora.

A  penalidade administrativa para estes comportamentos ilícitos é de multa, que pendula entre R$ 3.000,oo e R$ 50.00,oo. Já a sanção criminal para a introdução de espécie alienígena em nossa fauna é detenção de três meses a um ano, cumulada com multa.

FUNDEAMENTO DE EMBARCAÇÃO Artigo 18, III do Decreto 3.179/99

SOBRE BANCOS DE MOLUSCOS Artigo 33, III da Lei 9.605/98

OU CORAIS

É de inteira responsabilidade dos que utilizam-se de embarcações, com qualquer finalidade, o apropriado manejo da mesma, tanto na locomoção como na atracação e fundeamento. Por este último entende-se a ancoragem em local diverso de doca ou berço de atracação, ou seja, no meio do espaço aquático aberto.

A regra do Artigo 18, inciso III do Decreto 3.179/99 comina sanção de multa, no montante entre R$ 5.000,oo e R$1.000.000,oo para quem fundeia embarcação, seja qual for o motivo, sobre banco de corais ou moluscos que esteja assinalado em carta náutica expedida pela Marinha do Brasil. Naturalmente exclui-se a infração caso o comandante da embarcação detenha carta náutica oficial da qual ainda não conste colônia, por não ter sido ainda descoberta ou impressa. A punição penal prevista para essa conduta pela Lei 9.605/98 em seu artigo 33, III é de detenção, de um a três anos, cumulada ou alternada com multa judicial.

É incurso nas mesmas penalidades aquele que lança detritos sobre a localidade que é objetivo da proteção desta norma. Tal conduta, em nosso entendimento, somente se encaixa em ilícito resultante de atividade de pesca caso seja embarcação pesqueira ou lance detritos resultantes da própria pesca, como restos da limpeza de peixes, etc. Portanto, escapa-se a uma análise mais detalhada,  por ora.

OMISSÃO DE MAPAS DE INFORMAÇÕES Artigo 56 do Decreto  3.179/99

DE EMBARCAÇÃO DE PESCA Artigos 68 c/c 69 da Lei 9.605/98

O Decreto-Lei 221/67 preconiza no Artigo 11 que as embarcações destinadas à pesca devem ter mapas de controle sobre a atividade realizada em cada saída da embarcação, de acordo com o modelo fornecido pela Marinha do Brasil. Devem os mesmos ser entregues pelo comandante ao término de cada viagem, ou então, semanalmente, no caso de viagens curtas. Essa medida visa obter controle sobre o itinerário da viagem, sobre o material pescado em qualidade e quantidade, portos de escala e outros dados que facilitem a fiscalização sobre a pesca efetivada pela embarcação no período.

Constata-se a infração penal na combinação entre os artigos 68 e 69 da Lei 9.605/98, visto que é dever legal do comandante da embarcação cumprir com a obrigação entregar os mapas de informações (art. 68), sem o que o agente incorre na conduta de obstar (no caso de omissão total do mapa) ou dificultar (caso de prestar informações inverídicas) a ação fiscalizadora do Poder Público no trato desta questão ambiental (art. 69). A pena é a detenção, de um a três anos, cumulada com multa.

V – ANOTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS DO TRF-4

A seguir, derramamos algumas decisões significantes acerca dos temas já tratados no trabalho, da lavra do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O motivo de suprimir decisões jurisprudenciais de outras côrtes dá-se pelo entendimento de que é mais pertinente ao objetivo da disciplina que solicita o estudo ora apresentado o atrelamento à situação regional, em grau decisório. Portanto, as decisões da Justiça Federal, por mais efetivamente atuantes dentro de um escopo de julgamento dos crimes ambientais em nossa região, perfeitamente supre as necessidades de uma compreensão próxima da criminalidade ambiental.

Competência Julgadora

Versando sobre o tema da competência estabelecida para julgar os crimes ambientais, entendeu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região no Recurso em Sentido Estrito do Processo 200372010004253, [7] decidido em 24 de março último, que a pesca predatória (Artigo 34, II, da Lei 9.605) no interior de ecossistema situado em mar territorial, “[…] pois que se encontra ligado ao Oceano Atlântico por uma abertura […]”, atrai a competência da Justiça Federal para o julgamento do relativo processo criminal, pois lesa a bem da União  conforme o Artigo 109, IV da Constituição Federal.

Entretanto, é afastada esta competência se não há, no mínimo, algum resquício da lesão ter sido configurada em área da União. Para tanto, basta que haja, por exemplo, incidência das marés. O trecho abaixo, extraído de acórdão do E. Tribunal ilumina a respeito:

PROCESSO PENAL. CRIMES CONTRA A FAUNA. COMPETÊNCIA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 109, IV. LEI 9.605/98.

1. Excetuando-se as hipóteses de lesão a bens, serviços ou interesses da União, a competência para processar e julgar os crimes praticados contra a fauna silvestre é da Egrégia Justiça Comum Estadual.

2. Não havendo provas de que a pesca na Lagoa dos Patos, mediante a utilização de petrechos proibidos, ocorreu em local onde há influência das marés, não há que se falar em lesão a bens, serviços ou interesses da União. [grifei].  [8]

Quanto à atração de competência pela origem do processo, determinado pela autuação, decidiu essa Colenda Corte que por si só, o fato de órgão federal ter sido o autuador não atrai competência jurisdicional federal. Com efeito, saído da pena do Des. Élcio Pinheiro Castro, temos que

1. Compete à Justiça Estadual processar e julgar os crimes previstos na Lei nº 9.605/98 quando não afetarem bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas

públicas. Precedentes.

2. O fato de ser o IBAMA órgão fiscalizador não atrai, por si só, a competência do Juízo Federal. [9]

Princípio da Insignificância Penal em crimes de pesca

A aplicação do princípio da bagatela, ou da insignificância penal, encontra na doutrina próxima a exegese de que, quando o bem tutelado é impossível de ser quantificado, deve optar-se pela não-aplicação do princípio. Na verdade, em se tratando do meio ambiente, o bem jurídico é uno, indivisível, constante e onipresente – o que, a nosso ver, constitui razão para que nunca seja considerado uma ninharia, uma bagatela. Todos os estudos aplicados demonstram que um dano, mesmo ínfimo, a um ecossistema, leva a uma derrocada dos componentes deste sistema e mesmo de outros, em um efeito cascata que termina com a aniquilação de fauna e flora em áreas consideráveis. Decidiu o E. Tribunal do TRF-4 que, verbis,

A pesca predatória (art. 34 da Lei nº 9.605/98) acarreta dano ambiental que não pode ser quantificado, razão pela qual é descabida a pretensão de aplicação do Princípio da Insignificância. [grifei]. [10]

Com efeito, descabe pretensão de apelo ao princípio ora nominado, tendo em vista que não é possível prever a extensão do dano causado. [11] Uma pequena quantidade de pescado pode ser significativa, quando se trata de espécie sob risco de extinção, ou mesmo em época de reprodução. Aliás, com muita clareza, clareiam acórdãos:

Não cabe a aplicação do princípio da insignificância porquanto o bem jurídico tutelado é bem maior e mais relevante do que o valor econômico de aproximadamente 3 Kg de peixes. [grifei]. [12]

A pesca de 2,8 Kg de camarão “sete barbas”, em período defeso, amolda-se à figura típica descrita no artigo 34 da Lei 9605/98. Hipótese em que a relatividade dos valores em jogo torna inaplicável o princípio da insignificância, pois o bem jurídico agredido é o ecossistema, cuja relevância não pode ser considerada bagatela. [grifei]. [13]

A pesca em período proibido e predatória descrita na segunda parte do inciso II, do art. 34, da Lei nº 9.605/98, independe da quantidade de espécies aquáticas apreendidas, sendo inaplicável o princípio da insignificância, tendo em vista que o dano ambiental não pode ser quantificado, considerando, tão-somente, o número de espécimens da fauna ictiológica efetivamente apreendidos. O dano decorre da pesca realizada como uma intervenção humana indevida e inapropriada, em período de migração para fins de reprodução de espécies aquáticas e realizada com rede muito fina, o que caracteriza pesca predatória. [14]

Materialidade e Autoria do ilícito

Decidiu o E. Tribunal que, em havendo falta da apreensão dos meios, materiais e equipamentos utilizados em crime ambiental, a peça acusatória carece de justa causa para alavancar o feito. Mesmo havendo o auto de infração, a falta dos objetos fulmina a pretensão acusatória, na medida em que não restam definitivamente provados os fatos alegados quanto, principalmente, à materialidade. Verbis:

2. Entretanto, inexistiu apreensão dos instrumentos (barcos e redes) bem como do produto do crime (espécimes marinhos), mostrando-se insuficientes os elementos indiciários coligidos para demonstrar a autoria e materialidade da infração à lei ambiental. [15]

Tentativa. Impossibilidade. Falta da apreensão.

Decidiu o Tribunal, contra o afirmado no item anterior, que, mesmo   sem haver materialidade fixada nos autos pela resultante apreensão do material utilizado no ilícito ou do produto apercebido, resta confirmada a infração e o dano causado, não aproveitando o princípio da bagatela. Verbis:

2. No crime do art. 34, caput, da Lei n.º 9.605/98, a análise da lesão ao bem jurídico tutelado deve levar em conta a especial importância das espécies aquáticas existentes nos lugares onde a pesca é vedada ou interditada pela autoridade competente. Nesse contexto, mesmo sem a apreensão do produto da pesca, o fato de ter sido o réu encontrado nessa atividade e cortar a rede constituem dano ambiental relevante, afastando a alegação de tentativa e ensejando a tipicidade penal. [16]

Prova no Administrativo. Confissão.

Conforme decisão firmada em acórdão sobre Apelação Criminal, o TRF-4 entendeu que o valor probatório dos elementos arrolados em processo administrativo resta confirmado, enquanto não contestado. Assim, o que é consignado em processo administrativo permanece como verdadeiro, a menos que judicialmente seja desmantelada cabalmente prova acostada aos autos administrativos. Especialmente quando se trata de confissão válida, não há muitas maneiras de se argüir inverdade da mesma. In verbis,

2. A confissão do acusado na esfera administrativa prevalece até prova em contrário, só podendo ser aceita a retratação em Juízo se corroborada por outros elementos probatórios.[17]

 

Bibliografia
TAGLIALENHA, Júnior. O início da execução e a consumação nos crimes contra a pesca. Uma interpretação do art. 36 da Lei nº 9.605-98. [on line] Disponível na Internet: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3998 Último acesso: 22 Jul 2004.
 
Notas:
[1] Trabalho apresentado como avaliação de 2o bimestre da disciplina Legislação Pesqueira e Portuária do curso de Direito da Fundação Universidade do Rio Grande, sob a orientação da Profª Adriana Porto.
[2] Empresa é condenada por dano ambiental e à saúde – A empresa Metalbarras – Indústria e Comércio de Metais Ltda, foi condenada a fechar as portas e ter seus bens e de seus sócios indisponibilizados, para garantir o pagamento de eventuais indenizações por responsabilidade civil. A decisão é da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, que, por unanimidade de votos, negou provimento ao recurso interposto pela empresa.
Com esta decisão, foi restaurada a liminar concedida em agosto de 2002 pela juíza da Vara Cível de Campina Grande do Sul, Paula Priscila Figueira, em ação civil pública ajuizada pelo município de Quatro Barras. O município pediu a condenação da empresa por danos ao meio ambiente e à saúde causados por chumbo e outros metais.
Em sua defesa, a Metalbarras afirmou que o ato administrativo é ilegal pois o município não possui poder de polícia ambiental, que sofre perseguição política e que o fato de um funcionário apresentar níveis de chumbo no sangue bastou para se formar um verdadeiro “levante” das autoridades, entre outras alegações.
Segundo a ação civil proposta pelo município, o funcionamento da indústria, que é reincidente de acordo com relatórios do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), pode provocar grave lesão à segurança ambiental e à saúde de funcionários e moradores vizinhos, pois lança resíduos a céu aberto e detritos de processo industrial diretamente em rios que abastecem a região.
A decisão desta terça-feira (11/5), fundamentada no voto do relator, desembargador Mário Rau, que determinou o bloqueio dos bens e a suspensão das atividades da empresa, deve ser executada a partir de sua publicação no Diário da Justiça. (TJ-PR) Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2004 [on line] Disponível na Internet: www.conjur.com.br Último acesso: 21 Jul 2004.
[3] Mencione-se aqui a dificuldade de obter informações acerca dos regulamentos sobre processo administrativo na esfera ambiental. Não obstante inexistir lei própria, prevista no Art. 70, § 4º da Lei 9.605, não foi possível encontrar em fonte alguma de pesquisa – nnem Internet, nem junto à sede do órgão nesta cidade – a Portaria nº 07/2002 do IBAMA, que de certa forma estabelece a forma do procedimento em seu âmbito. Quanto à Capitania dos Portos, a DPC também não emitiu regulamentação própria. Os órgãos estaduais (FEPAM, Brigada Militar) também não contam com regulamentação estadual, coisa que ocorre, v.g., no Estado do Rio de Janeiro, por lei estadual. Portanto, subentende-se a Lei nº 9.605/98, o Decreto 3.179/99 e principalmente a Lei nº 9.784/99 como instrumentos normativos norteadores do procedimento administrativo que versa sobre a infração ambiental.
[4] TAGLIALENHA, Júnior. O início da execução e a consumação nos crimes contra a pesca. Uma interpretação do art. 36 da Lei nº 9.605-98. [on line]
[5] Por analogia ao núcleo da conduta – abater animal – que também se reporta à atividade de pesca, pois se o legislador desejasse excluir desta a abrangência deste artigo, faria identicamente ao Artigo 29, § 6º
[6] Registre-se, igualmente, a impossibilidade de obter as portarias do IBAMA dando a classificação dos animais nocivos.
[7] Publicado no DJU em 14/04/2004. Relator: Paulo Afonso Brum Vaz.
[8] Recurso em Sentido Estrito. Processo nº 200271010037185. DJU em 11/12/2002. Relatora: Salise Monteiro Sanchotene.
[9] Recurso em Sentido Estrito. Processo nº 200271010037227. DJU em 04/12/2002. Relator: Élcio Pinheiro de Castro.
[10] Apelação Criminal. Processo 199972000108019, DJU em 05/11/2003. Relator: Luiz Fernando Wowk Penteado.
[11] Processo 200272000011440, DJU em 19/11/2003. Relator: Luiz Fernando Wowk Penteado.
[12] Apelação criminal. Processo nº 199970020035789. DJU em 16/10/2002. Relator: Volkmer de Castilho.
[13] Recurso em Sentido Estrito. Processo nº  200172080025972. DJU em 21/08/2002. Relator:  Volkmer de Castilho.
[14] Recurso em Sentido Estrito. Processo nº 200071050016007. DJU em  25/09/2002. Relator: José Luiz B. Germano da Silva.
[15] Recurso em Sentido Estrito, Processo nº 199971000276753. DJU em 14/05/2003. Relator: Élcio Pinheiro de Castro. (Por sinal, já foi Juiz Federal em Rio Grande, o que denota certo conhecimento acerca da situação relatada.)
[16] Apelação Criminal. Processo nº 200004010224830. DJU em 20/03/2001. Relator: Élcio Pinheiro de Castro.
[17] Apelação Criminal. Processo nº 200172000054860. DJU em 09/10/2002. Relator: Vladimir Freitas.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Lizandro Mello Pereira

 

Acadêmico de Direito da FURG

 


 

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