Biocentrismo como solução ético-jurídica das espécies

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Isabela de Moraes Cavalcanti¹

Resumo: O direito constitucional preconiza no seu artigo 225 que é dever de todos cuidar do meio ambiente. A doutrina majoritária sustenta que o mencionado artigo possui viés antropocêntrico, isto é, que existe para o homem, ou seja, a natureza, em toda a sua complexidade, não é um fim em si mesmo e sim, meio de satisfação humana. A adoção de tal conceito subverte o sentido legal, contraria tratativas internacionais, demonstra contradição e, em última análise, prejudica o próprio homem, suposto destinatário dessa complexidade. O homem, de protetor, tornou-se proprietário, retirando a capacidade de sentir e sofrer, característica daqueles que possuem vida. Os seres não humanos passaram a ser catalogados, em sua maioria, como rentáveis ou nocivos. Hodiernamente, vivencia-se o esfacelamento de uma vertente jurídico-moral, sentido buscado e alcançado a duras penas, em detrimento do aspecto econômico, assim, transformando esse plexo e­m mera engrenagem pecuniária. Nesse enredo, o animal ainda não se encontra classificado como sujeito de direitos. Não o sendo, como o Ministério Público tem legitimidade para representá-lo? Os animais e seu meio não detêm a capacidade de se insurgir contra a sua condição. Por isso, a necessidade de encarar o tema. O trabalho perscruta o (des)valor da vida na seara jurídica.

Palavras-chave: Sujeito de direitos. Biocentrismo ambiental. Antropocentrismo ambiental. Ética jurídica animal.

 

Resumen: La ley constitucional estipula en el artículo 225 que es deber de todos cuidar el medio ambiente. La doctrina mayoritaria sostiene que el artículo mencionado tiene un sesgo antropocéntrico, es decir, que existe para el hombre, es decir, que la naturaleza, en toda su complejidad, no es un fin en sí misma sino un medio de satisfacción humana. La adopción de tal concepto subvierte el sentido legal, contradice los tratados internacionales, demuestra contradicción y, en el análisis final, perjudica al hombre mismo, supuestamente el receptor de esta complejidad. El hombre, como protector, se convirtió en el dueño, eliminando la capacidad de sentir y sufrir, característica de quienes tienen vida. La mayoría de los seres no humanos comenzaron a clasificarse como rentables o perjudiciales. Hoy en día, se está rompiendo un aspecto legal-moral, un significado que se busca y se alcanza con gran dificultad, en detrimento del sentido económico, transformando así este plexo en un mero engranaje pecuniario. En este escenario, el animal aún no está clasificado como sujeto de derechos. Si no, ¿cómo tiene el fiscal la legitimidad para representarlo? Los animales y su entorno no tienen la capacidad de levantarse contra su condición. Por lo tanto, la necesidad de enfrentar el tema. El trabajo investiga el (des) valor de la vida en el campo legal.

Palabras clave: Sujeto de derechos. Biocentrismo ambiental. Antropocentrismo ambiental. Ética legal animal.

 

Sumário: INTRODUÇÃO, 1CLASSIFICAÇÕES DO MEIO AMBIENTE, 1.1 TEORIAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL, 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA ALÉM DA VIDA HUMANA, 3 DESASTRES AMBIENTAIS COMO MENOSCABO DA VIDA, 3.1 DOENÇAS ZOONÓTICAS RESULTANTES DO DESEQUILÍBRIO AMBIENTAL,  CONCLUSÃO, REFERÊNCIAS.

 

INTRODUÇÃO                                                                                                ­­

O trabalho busca abordar a fauna e a flora para efeitos jurídicos. Fulcral discutir certos conceitos, tais como: biocentrismo, bioética, responsabilidade do homem sobre os animais, bem como o seu meio já que tais definições servem como arcabouço para a ideia proposta.

O artigo científico subdivide-se em 05 (cinco) seções. Para a dissecação do tema, houve o amparo predominante de artigos científicos, vez que a temática, apesar de existir, não é ampla, porquanto, esbarra em interesses econômicos fortes.

A metodologia de pesquisa utilizada foi à qualitativa visto que sua preocupação principal não deságua somente na quantidade, mas em aspectos subjetivos á matéria. Um desses pontos é o processo de questionamento que possui similitude com o desenvolvimento da dialética (tese, antítese e síntese).

Além dos artigos, foram estudados precedentes, o Código Civil e Constituição Fed­­eral.

A Lei Maior foi retratada na segunda seção. Nela, aspectos referentes às teorias do direito ambiental constitucional foram suscitados com o fito de demonstrar que a mudança de uma perspectiva é salutar tanto para o ambiente e animais quanto para o homem.

A terceira seção preocupou-se em delinear a extensão dos direitos fundamentais para além do homem. Para tanto, um apanhado histórico é trazido ao debate com o intuito de demonstrar que o argumento de negativa dos direitos aos animais não se sustenta da mesma forma que outrora não justificava abjurar direitos em razão da cor da pele, ou do sexo feminino, em que, inclusive, a mulher foi tachada como imbecilitas sexus. Em verdade, o que importa é a senciência – capacidade de sentir do animal, conforme testifica o trabalho.

A quarta seção suscita uma série de infortúnios ambientais que revelam desapreço á vida, principalmente por parte do Poder Público que, atuando de forma deficiente, não despende recursos aptos a obstar eventuais acidentes. Afora isso, é demonstrado que a constância no risco contribui para a banalização da situação já precária.

Da discussão não se pode olvidar que o desequilíbrio na esfera ecológica revela outros apertos, uma vez que tal situação envolve uma reação em cadeia e que disfunções ambientais suscitam outras tantas moléstias. Em especial, a crise pandêmica enfrentada mundialmente decorrente do COVID-19. De suma importância, deve ser considerada como ideal a teoria biocêntrica: cuidar do animal e o meio que o cerca, é preocupar-se também com o homem.

 

1 CLASSIFICAÇÕES DO MEIO AMBIENTE

A Carta Política trouxe no seu título I, artigo 3°, inciso IV, que um dos objetivos fundamentais da República diz respeito à promoção do bem de ‘todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’.

Nesse encadeamento, o meio ambiente é tido como um direito difuso, isto é, direcionado a um número indeterminado de pessoas; transindividual, ou seja, que ultrapassa o indivíduo, elemento vital á vida humana e para além desta. Isto quer dizer que ele circunda toda a coletividade, sem destinatário específico.

Nesse contexto, de acordo com o vernáculo, meio ambiente são as circunstâncias químicas, físicas, culturais, naturais, econômicas e sociais em que os seres vivos se inserem (PRIBERAM, 2020). Dito isto, meio ambiente é conceito polissêmico e, juridicamente falando, engloba o meio ambiente natural, artificial, cultural, do trabalho e digital.

Em relação ao Meio ambiente cultural:

 

Ele é uma das espécies de meio ambiente que traz consigo a característica de determinada população, ou seja, sua memória. O patrimônio cultural traduz a história de um povo, sua formação e cultura, e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua cidadania (FIORILLO, 2011, p.67).

 

Ele está umbilicalmente conectado ao meio ambiente digital, vez que decorre do elemento criativo tecnológico. Esse meio tem previsão nos artigos 215 e 216, ambos da CF/88.

Meio ambiente do trabalho em apertada síntese, diz respeito ao ambiente onde o trabalhador exerce seu labor e isto envolve a saúde e segurança daquele que realiza seu ofício. Ele está especificado nos artigos 7° e 200 da CF.

Meio ambiente artificial é a mudança do ser humano no ambiente, comumente identificado através das edificações e alterações na natureza. O conceito está presente no artigo 182 da Constituição Federal.

 

Por fim, Meio ambiente natural, também denominado de meio ambiente físico, que, traz no seu bojo o vínculo entre os seres vivos (fauna) com seu meio ambiente (flora). Isso promove a chamada Homeostasia que significa a harmonia dos seres vivos em seu meio. Essa concepção está marcada no artigo 225, 1°, I, III e VII da Constituição.

 

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

  • 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL, 1988, p.01).

 

O direito constitucional ambiental promove debate nessa seara, mormente no campo ético-jurídico assim oportunizando a controvérsia acerca do antropocentrismo X biocentrismo.

 

1.1  TEORIAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL

A história, em grande parcela, é contada por quem vence. Na evolução, o homem foi o ser capaz de alcançar determinado patamar entre as espécies, idem avocando um viés antropocêntrico, isto é, que o coloca no núcleo da relação jurídica, mas referida ascensão justifica ignorar a complexidade das relações ambientais e subjugar as demais vidas em torno de uma só?

 

Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que o ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para se abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha instransponível? A faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade da linguagem? […] A questão não é ‘Eles são capazes de raciocinar? nem São capazes de falar?, mas sim: Eles são capazes de sofrer?. (BENTHAM, apud SINGER, 2010, p. 12).

 

É sabido que a vida não é atributo exclusivo do homem. Ela, desvinculada de uma gama de valores e direitos torna-se precária. Nesta senda, a vida pode ser encarada através de dois parâmetros: a primeira é “A de que o destinatário do direito ambiental seria a pessoa humana” (FIORILLO, 2011, p.67,) e a segunda, “A de que seu destinatário seria a vida em todas as suas formas” (FIORILLO, 2011, p.67,) desta forma externando a visão biocêntrica.

A fauna possui importância em dois prismas. O primeiro, concernente ao seu meio ambiente físico. O segundo atine ao aspecto do indivíduo. Por óbvio que indivíduo deve ser entendido dentro das suas limitações, cuja natureza é sui generis, logo, não há que se discutir sobre a possibilidade do animal poder contratar, da mesma forma que não se concebe que uma pessoa jurídica sofra injúria.

[…] é difícil conceber que o constituinte, ao proteger a vida de espécies naturais em face da sua ameaça de extinção, estivesse a promover unicamente a proteção de algum valor instrumental de espécies naturais, mas, ao contrário, deixa transparecer uma tutela da vida, em geral, nitidamente desvinculada do ser humano. (FREITAS, 2012, p.15).

 

Seguindo a “dialética” que a natureza existe para o homem, então, mostra-se adiáforo o argumento legal de vedação as práticas cruéis.

Tomando por base o entendimento antropocêntrico, seria satisfatório apenas que as espécies não fossem levadas á extinção, conforme explica o ministro do STF Luis Roberto Barroso, senão vejamos:

 

[…] Primeiramente, essa cláusula de vedação de práticas que submetam animais a crueldade foi inserida na Constituição brasileira a partir da discussão, ocorrida na assembleia constituinte, sobre práticas cruéis contra animais, especialmente na “farra do boi”, e não como mais uma medida voltada para a garantia de um meio-ambiente ecologicamente equilibrado. Em segundo lugar, caso o propósito do constituinte fosse ecológico, não seria preciso incluir a vedação de práticas de crueldade contra animais na redação do art. 225, § 1º, VII, já que, no mesmo dispositivo, há o dever de “proteger a fauna”. Por fim, também não foi por um propósito preservacionista que o constituinte inseriu tal cláusula, pois também não teria sentido incluí-la já havendo, no mesmo dispositivo, a cláusula que proíbe práticas que “provoquem a extinção das espécies”. 37. Portanto, a vedação da crueldade contra animais na Constituição Federal deve ser considerada uma norma autônoma, de modo que sua proteção não se dê unicamente em razão de uma função ecológica ou preservacionista, e a fim de que os animais não sejam reduzidos à mera condição de elementos do meio ambiente. Só assim reconheceremos a essa vedação o valor eminentemente moral que o constituinte lhe conferiu ao propô-la em benefício dos animais sencientes. Esse valor moral está na declaração de que o sofrimento animal importa por si só, independentemente do equilibro do meio ambiente, da sua função ecológica ou de sua importância para a preservação de sua espécie. 38. Como se constatará a seguir, nenhuma das práticas envolvendo animais analisadas por esta Corte era capaz, por si só, de desequilibrar o meio ambiente, colocar em risco a função ecológica da fauna ou provocar a extinção de espécies. Todas elas, porém, submetiam a crueldade os animais envolvidos e, por essa única razão, foram declaradas incompatíveis com a Constituição Federal. (CONJUR, 2016, p. 16-17).

 

Para quem não sabe, a farra do boi resume-se em soltá-lo em certo local onde os participantes o perseguem e o agridem através do lançamento de objetos e uso de sons com o intuito de assustá-lo. O evento apenas finda com a exaustão animal a morte. Ainda que sobreviva a “farra”, é sacrificado.

Assacam essa atrocidade a uma antiga festividade “cristã açoriana”, onde o boi representa Judas (traidor de Cristo). Tal ato, inclusive, é reprimido pela religião católica. Ademais, os mesmos que defendem esse horror, não o substituem por comemorações isentas de crueldade e também religiosas, tais como o “DIA DO PÃO DE DEUS” (dia religioso dedicado à entrega de pães aos pobres) e o “BOI DE MAMÃO” (suposta prática açoriana que representa a morte do boi através do uso do mamão).

Na vaquejada, como de conhecimento geral, o boi é exposto a uma arena, onde sua cauda é puxada até que “se renda”. O Conselho Federal de Medicina Veterinária ratifica a vaquejada como evento cruel, sustentando que isso provoca “luxação das vértebras, ruptura de ligamentos e de vasos sanguíneos, estabelecendo lesões traumáticas com o comprometimento, inclusive, da medula espinhal” (JUSBRASIL, 2017, p.01).

Na criação de galinhas em fazendas, elas enfrentam uma série de doenças decorrentes do local apertado, ausência de movimentação e utilização de hormônio; podendo, inclusive, ocasionar a osteoporose ou perda total da movimentação decorrente do ganho excessivo de peso combinado com o confinamento que impossibilita a movimentação física. Em virtude de um tratamento mais digno, foi criado o PROJETO VIDAS ENJAULADAS do GRUPO IGUALDAD ANIMAL (na Espanha).

Nos aquários, a realidade não difere. O Seaworld é um exemplo cristalino. Os cetáceos vivem em aquários, cujas dimensões são cruéis e irrisórias, dado o tamanho deles. Somado a isso, são animais extremamente sensíveis a estímulos sensoriais, de modo que as visitas a esses parques temáticos levam eles a um estado de perturbação sonora tal, que ocasiona úlcera. A barbatana das orcas em cativeiro tem formato distinto das que são selvagens, assim, impossibilitando seu reingresso na natureza. Um caso emblemático é o do filme Free Willy em que a orca “Keiko” (que ironicamente significa sorte), depois de gravado o filme, cujo retorno financeiro foi imenso, foi libertada, e, por não se adequar á natureza, morreu.

Em situações mais graves, existe a ocorrência de ataques aos seus treinadores. Um evento extremamente conhecido foi o ocorrido em 2010, no Seaworld, onde a treinadora da orca Tilikum foi morta por ela. Esse episódio culminou no documentário Blackfish que expôs a situação triste e precária da orca. Nele, foi constatado flagrante desrespeito a direitos fundamentais mínimos a qualquer ser vivente.

Por fim, outro fato marcante foi o evidenciado no documentário “The Cove” (a cova). O ativista Ric O’ Barry expôs a matança de golfinhos no Taiji, Japão, com uso de facas e lanças. Todo esse quadro teve a vênia do Poder Público. O local ficou conhecido como a Baía da Vergonha e, quando realizada a matança, promove rastro intenso de sangue. Não bastasse isso, a carne dos golfinhos era vendida á população com níveis elevados de mercúrio.

Essas e tantas outras situações têm um ponto comum – Lucro. Isso convoca um direito que se coadune, com a justiça, ideal perseguido no neoconstitucionalismo. A economia que visa exclusivamente o lucro é atroz.

Na escravidão e nazismo, houve grande concentração de riquezas, mas, em detrimento de sofrimento e perdas de vidas. Até que ponto o lucro se justifica e o direito, em conjunto com o Poder Público, quedam-se inertes?

 

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA ALÉM DA VIDA HUMANA

Conforme demonstrado, direcionar direitos unicamente ao homem é reverberar a mão da tirania, além de não se justificar.

Qual a lógica de conferir direitos á pessoa jurídica, condomínio, espólio, massa falida, nascituro e subtrair garantias a quem também detém vida, como a fauna e a flora?

Danielle Tetu Rodrigues (advogada ambientalista, escritora e presidente do instituto abolicionista animal) infere que, para considerar os animais como sujeitos de direitos, basta distanciar a carga antropocêntrica atribuída erroneamente. Para ela, aos animais não é cabível a classificação de coisa, pois dispõem de serem substituídos processualmente pelo Ministério Público. Quando representados pelo MP, tornam-se titulares numa relação jurídica e para agir como titular numa ação jurídica é preciso ser pessoa. Alguns exemplos disso são: a pessoa jurídica, a herança e, por fim, a massa falida (TONET e PIRES, 2015, p.11).

Do Princípio da igualdade é possível extrair duas classificações: igualdade formal e material. O primeiro expõe que todos são iguais perante á lei, ou seja, ele busca evitar privilégios. O segundo declara que cada um deve ser analisado na medida da sua desigualdade, isto é, levando em consideração as condições/peculiaridades de cada um. É o que se convenciona por igualdade aristotélica ou isonômica.

O direito é usualmente identificado em diversas nuances: elaboração de projeto de lei, proposta de emenda à constituição ou mesmo decisões judiciais (controle difuso-concreto de constitucionalidade) etc. Em todas as hipóteses, institui limites ao seu exercício (de direitos), aplicando sanções quando necessário. Isso resulta num conceito de direito enquanto disposição sobre o próprio exercício da sociabilidade, cidadania e moralidade. Sendo expressão identificadora de determinado povo, nada mais coerente do que a concessão de direitos para além dos humanos, mormente ante á percepção brasileira holística acerca da fauna e flora.

Na contemporaneidade admite-se até a inclusão de outro agrupamento familiar. É a denominada família multiespécie, cuja parentalidade é regida pelo afeto com o animal ao ponto de reputá-lo como integrante da família, conforme algumas decisões judiciais já demonstram.

Em março de 2015, o Processo de número 0009164-35.2015.8.19.0203 que consta na 2° Vara de Família da Comarca do Rio de Janeiro entendeu pela guarda alternada de um cachorro por efeito da separação dos respectivos donos. A advogada do caso e Diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Marianna Chaves, teceu os seguintes comentários:

 

A decisão deve ser vista com bons olhos, pois veio a tutelar uma realidade de muitas pessoas, de muitos pares desfeitos. Além disso, há também um movimento de alteração da natureza jurídica dos animais. Recentemente, a França os reconheceu como seres sencientes; assim, deixaram de ser mera propriedade pessoal. Em outro caso, a Argentina reconheceu um orangotango como uma pessoa não humana e como titular de direitos.

E continua:

A tendência é que esse movimento passe a abranger também os animais de companhia, consagrando o que se chama de “família multiespécie”.

[…] De acordo com a advogada, o instituto da guarda é aplicável aos filhos menores como decorrência do poder familiar, e, diante do silêncio do legislador sobre os animais de companhia, e dessa flexibilidade do conceito de família, além do fato de que muitos casais consideram os seus cães e gatos como verdadeiros filhos, nada impede que essas normas sejam aplicadas por analogia a esses casos concretos, em respeito ao que determina o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Vivemos em uma época de interpretação jurídica dinâmica e rente à realidade. Se, no caso de crianças e adolescentes, a guarda alternada não é aconselhável, penso que essa modalidade será a mais adequada no caso dos animais de companhia, na hipótese em que a convivência seja desejada por ambos. (IBDFAM, 2015, p.01).

 

A Juíza do caso definiu como “Inegável a troca de afeto entre os mesmos e seus proprietários, criando vínculos emocionais” (CONJUR, 2015, p.01). Essa decisão é só mais uma das tantas que aplicam em concreto o princípio da igualdade.

Encontra-se adstrito ao colorido axiológico da Constituinte o direito ao equilíbrio ambiental que, por conseguinte, faz referencia a preservação do Princípio da dignidade, pois a qualidade de vida é prejudicada porquanto o ser vivo acaba por não ser livre.  Impede-se, muitas vezes, que o animal viva em ambiente saudável. Inclusive, há quem considere o direito ao meio ambiente equilibrado uma disposição do Princípio do Mínimo Existencial. Corroborando essa vertente, o voto do ministro do STF Celso de Mello que, na ADIN n° 3540-MC/DF, asseverou como essencial a garantia do meio ambiente de modo a permitir o desenvolvimento das potencialidades em consonância com o estado de bem-estar e dignidade (STF, ADI n° 3540-MC/DF, 2005, p.15).

Entrementes, há que considerar o direito fundamental a vida. Ele é identificado no Título I, artigo 3°, inciso IV da Magna Carta e contempla, entre seus objetivos, o bem de todos que ocorre independentemente de origem, raça ou quaisquer formas de discriminação (BRASIL, 1988, p.01). Do divulgado, denota-se que não foi à vida destinada apenas ao homem, mas a todas as raças.            De acordo com o STF, no seu leading case sobre o racismo, não existe raça de brancos, negros ou judeus. A raça é uma só, a humana, logo, quando o texto se refere a independente de raça, compreende-se que a fauna também esteja englobada.

O Ministro Luiz Fux, na Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM, trouxe o seguinte entendimento:

 

[…] o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federa (BRASIL. STF, 2012, p.39. ADIN N° 4.029/AM).

 

Por certo que citar uma vida digna, invariavelmente deságua na percepção de preservação da integridade física (direito fundamental) e, neste ínterim, tal qual o homem, animais experimentam sensações humanas, tais como dor, tristeza, alegria, frio, fome e medo.

 

A vida é um bem genérico e, portanto o direito à vida constituiu um direito de personalidade igualmente do animal, assim como do homem. O animal, embora não tenha personalidade jurídica, possui sua personalidade própria, de acordo com sua espécie, natureza biológica e sensibilidade. O direito à integridade física é imanente a todo ser vivo, e está embicado à sua própria natureza, indiferentemente de ser humana ou não humana, silvestre ou doméstica. (DIAS, 2005, p.02).

 

No contexto socioambiental contemporâneo, pode-se inclusive provocar o questionamento a respeito de se a expressão “todos”, ventilada no art. 225 da Constituição, toma a dimensão e amplitude de todos os seres vivos (humanos e não-humanos) que habitam o planeta, caracterizando uma solidariedade ecológica entre espécies naturais. (FREITAS, 2012, p.15).

 

A Carta Constitucional no artigo 5°, inciso XI alvitra que “XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo no caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial” (BRASIL, 1988, pag.01). Desse entendimento, é possível sintetizar que ela não canalizou o amparo apenas ao ser humano, mas também á tutela ambiental.

Nesta trilha argumentativa, nossa legislação não especificou quais infrações são autorizativas do ingresso em domicílio alheio, deixando a situação como abrangente e verificada a posteriori. Nesse caso, albergando as chamadas atividades lesivas ao meio ambiente, que, por sinal, são penalmente tipificadas ao teor do artigo 32, da Lei 9.605/98. O referido artigo serve como arrimo para o ingresso em lar alheio. Ressalte-se que os maus tratos podem ocorrer tanto de forma ativa (comissiva), quanto omissiva (comissão por omissão/omissão ou negligência do tutor em relação ao animal). Toda essa salvaguarda animal suscita seu direito á integridade física e a vida.

Calha realçar o caso que repercutiu nacionalmente quando da invasão do Centro de Pesquisa de Testes de Animais Royal (beagles e coelhos foram resgatados sob a alegação de maus tratos) por Luisa Mell (ativista e advogada). O ato foi considerado legítimo e a repercussão foi tão grande que o Instituto chegou a anunciar o encerramento de pesquisas em animais e suas atividades.

Contemporaneamente, discute-se acerca da desnecessidade de perigo em concreto ao bem jurídico, pois, o que persiste é o entendimento da Espiritualização da Proteção ao Bem Jurídico. A supracitada teoria referenda maior proteção aos bens jurídicos através da criminalização das situações de perigo abstrato, bem como da criação de tipos penais cujo sujeito passivo seja indeterminado. Sujeito passivo indeterminado diz respeito a um ente despersonalizado, tais como a coletividade e seus valores difusos. Nessa esteira, abarca a proteção ao meio ambiente e saúde pública como reflexo dos diretos á vida, á liberdade, á integridade física, á solidariedade e á dignidade.

Por derradeiro, o Princípio da solidariedade na órbita ecológica. Ele consta como rubrica da terceira onda dos direitos fundamentais. Envolve o interesse em preservar o ambiente e as espécies, como forma de evitar que uma ameaça ponha termo ou risco a natureza, incluindo a humana. Nesse diapasão, o ser humano é parte integrante de um todo ameaçado e simultaneamente responsável pela ameaça posta. Em suma, existe uma preocupação com o porvir, comumente conhecido como solidariedade intergeracional (entre gerações).

A centelha da solidariedade vem, inclusive, sendo operada pelo STF que pugna por dependência entre as espécies e reciprocidade no tratamento, conforme se depreende do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.856/RJ, sob a relatoria do ministro Celso de Mello, que diz:

 

“A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade”[26]. Ora, há que se reconhecer que essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais. “A ideia de ‘solidariedade entre espécies naturais’, portanto, também pode transportar o reconhecimento do valor intrínseco de todas as manifestações existenciais, bem como o respeito à reciprocidade indispensável ao convívio harmonioso” (RANGEL, 2015, p.01).

 

            Do cotejo ideológico, resta como solução a humanidade e para além desta, atentar para a preservação da órbita ecológica de modo a obstaculizar o periclitar da vida. Capital lembrar que referido dispositivo tem sua concretude verificada quando da atuação do Poder Público.

 

3 DESASTRES AMBIENTAIS COMO MENOSCABO DA VIDA

Na Grécia, fala-se do mito de Deucalião e Pirra com a inundação do mundo; nos contos nórdicos, referem-se à morte de Balder como prelúdio do Ragnarok; as gregas trazem a morte de Pã como argumentação e no cristianismo, o apocalipse. O que essas histórias têm em comum?

Todos esses mitos narram visões do fim através da alteração da natureza e demonstra uma realidade axiomática, cujo quadro é agravado.

Para que a engrenagem econômica persista e com ela, também, a vida, vital a adoção de medidas de segurança. Nessa esfera, fulcral a sustentabilidade, cujo conceito envolve mecanismos menos lesivos ao meio ambiente bem como novos paradigmas ao modelo industrial/econômico. Atualmente, essa ideia é concebida sobre três pilares: ambiental, econômico e social.

A narrativa mencionada, embora elevada e até poética, não é o que o nosso globo, em sua maior parte, nos revela. Na verdade, ela se bifurca. De um lado, calamidade e no outro, esperança.

Nos anos de 2009/2010, nos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e Alagoas, houve uma cifra vertiginosa de mortes relacionadas à mudança climática, situação que resultou na feitura da Medida Provisória n° 494 de 2010, convertida na Lei n° 12.340/2010.

No período de 2011, ocorreu um deslizamento de terra no Rio Janeiro. Foram 918 pessoas as vítimas (CARVALHO, 2015, p.40), sendo que, desse total, 8.795 desabrigadas e 22.604 desalojadas, resultando na decretação do estado de calamidade pública (CASSALI, 2017, p.109 apud FREITAS, 2012).  Nos municípios mais atingidos, constam intensa extração da madeira nativa, desmatamento e implantação de souto embrenhado de espécies exóticas com finalidade industrial, tornando a localidade ainda mais vulnerável do que já seria naturalmente (CASSALI, 2017, p.109, apud FREITAS, 2012, p.01).

O relatório de inspeção do Ministério do Meio Ambiente nas Zonas atingidas pelas catástrofes na região serrana do Rio de Janeiro em 2011 demonstra que se as áreas de preservação permanente tivessem sido respeitadas, os efeitos das chuvas seriam menores. (CASSALI, 2017, p.111 apud LEITE, 2015, p. 543).

 

No ano de 2003, existiu o Caso de Guatacases que, em Minas Gerais resultou no rompimento da barragem de rejeitos tóxicos. A justificativa para o caso foi a ausência de fiscalização ambiental e sobrecarga na estrutura (GLOBO, 2019, p.01). Essa ocorrência gerou desabastecimento de água na região, comprometimento agrícola e prejuízo da atividade pesqueira.

Em 2000, verificou-se o vazamento de óleo na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro. Do caso, decorreu grande mortandade de peixes e consequente condenação da Petrobrás, mas, até 2018, as vítimas ainda não tinham recebido a indenização (COC, 2019, p.01).

No período de 2015, processou o rompimento da barragem de Mariana (Minas Gerais – mineradora Samarco). A contaminação alcançou um raio com cerca de 633 quilômetros. Em 2019 ainda não tinha sido pago o valor ao Ibama.

Por fim, em 2019, novamente em Minas Gerais, a Barragem de Brumadinho se dissolveu. Através de dados do IBAMA, os rejeitos de minério devastaram 133,27 hectares de vegetação nativa da Mata Atlântica e 70,65 hectares de Áreas de Preservação Permanente (APP). O Rio Paraopeba, afluente do São Francisco, foi contaminado. O impacto ambiental ainda não pôde ser mensurado (COC, 2019, p.01).

Salta aos olhos a íntima relação entre esses eventos ambientais e a atuação deficiente do Poder Público tanto após o desastre quanto antes que, a exemplo do que sinalizou a Confederação Nacional de Municípios, de 2004 a 2009, as despesas realizadas como resposta aos desastres totalizaram 1,9 bilhões de reais, ao passo que com prevenção foram despendidos 145 milhões de reais (CASSALI, 2017, p.111 apud FREITAS, 2012), sendo notório o itinerário errante dos recursos públicos.

O efeito da exposição constante ao risco faz com que este seja banalizado e até mesmo ignorado com o passar do tempo, contribuindo para a ocorrência de desastres (CASSALI, 2017, p.119-120, apud, BRILHANTE, 1999).

As intempéries ambientais geram consequências que não põem termo como fator isolado. Seus reflexos persistem no tempo e se ramificam dando azo às vulnerabilidades ambientais e socioambientais. A respeito do assunto, são necessárias tratativas globais de proteção ao ambiente como noção de preservação do amanhã. Algumas melhorias vêm sendo prestadas.

Em referência a esperança, existem dois projetos ambiciosos: Grande muralha verde – África e a Barreira de Corais – Austrália.

O Projeto Grande Muralha Verde é uma iniciativa de plantação de árvores numa extensão de 8 mil km com o fito de frear a desertificação, possibilitar subsistência aos africanos e conter o efeito migratório. Esse episódio consta no documentário “The Great Green Wall”. De acordo com o cientista responsável pela Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, Barron Joseph Orr, existe expectativa que esse projeto esteja concluído até 2030 (GLOBO, 2019, p.01).

De acordo com a União Europeia, metade do Produto Interno Bruto (PIB) global, cerca de 40 trilhões de euros, depende da natureza. A barreira de corais na Austrália possui plano de proteção que proíbe lançamento de qualquer rejeito ou dragagem.

 

3.1 DOENÇAS ZOONÓTICAS RESULTANTES DO DESEQUILÍBRIO AMBIENTAL

A metamorfose ambiental exposta nos moldes da seção anterior deve ser solapada porquanto imprime prejuízo tanto ecológico quanto ao homem. Oportuno aludir que esse agravo não traz apenas sequelas geográficas, mas de saúde/risco.

A poluição da água (lançamento de esgoto não tratado) pode ocasionar cólera, hepatite A, giardíase, febre tifoide, rotavírus, lepitospirose, esquistossomose, dengue, chikungunya, zika, febre amarela e malária; a contaminação atmosférica resulta em bronquite, câncer de pulmão e asma. O desmatamento gera o êxodo dos animais para as cidades e com eles doenças e descaso com a situação animal.

Na década de 90 (especificamente 1997), na Ásia, as florestas deram lugar às plantações de óleo de palma. Morcegos migraram em busca de alimentos, o que terminou por transmitir o vírus Nipah aos porcos, que, por conseguinte, contaminaram os seres humanos (BBC, 2020, p.01).

A população humana ganhou contornos drásticos resultante da crise pandêmica do COVID-19 (ano 2020) e, suspeita-se que tenha nexo com os morcegos e pangolins (que tiveram sua biota alterada pelo homem).

 

A professora traz a Covid-19 como exemplo, já que se trata de uma infecção causada por um vírus que tem origem em animais silvestres. “De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), essa infecção acometeu humanos a partir da ingestão de animais silvestres comercializados em um comércio de peixes na China. Por essa razão, a OMS preconiza que exista um controle sanitário rígido em relação aos produtos de origem animais que venham a ser comercializados e consumidos por humanos”, explica.

Ela acrescenta que essa interação entre animais silvestres e seres humanos, seja fisicamente ou por meio da alimentação, faz com que o vírus passe por modificações evolutivas, logo, a transmissão para os seres humanos poderá ocorrer de forma mais frequente, causando outras doenças. Por essa razão é essencial o conceito de saúde única, onde exista um equilíbrio entre saúde humana, saúde animal e saúde ambiental (UFLA, 2020, p.01).

 

Não superada a COVID-19, a China revela outro vírus. Este, advindo do porco e com potencial pandêmico. Ele carrega propriedades semelhantes ao vírus influenza H1N1, com variante da gripe aviária, onde o ser humano não detém imunidade.

Isso leva á urgência no entendimento de que “Somente quando for cortada a última árvore, pescado o último peixe, poluído o último rio, que as pessoas vão perceber que não podem comer dinheiro” (PENSADOR, 2020, p.01).

Essa conjuntura pleiteia intervenção legal, estatal, internacional e global. Ao final, o que restará do meio, do homem e dos animais, em razão da cegueira deliberada?

 

CONCLUSÕES

Mitos foram criados e, em muitos casos, carregam uma verdade metafórica. Em outros, apenas uma estratagema. Assim são também os discursos.

A alocução do capitalismo selvagem, além de ser um engodo, não se sustenta. Primeiro, porque não gera o potencial lucrativo inteligente e, segundo, porquanto solapa a vida, visto que a natureza ambiental é finita e a do homem, conexa a esta, pois, o desfavor da vida é a queda humana.

Como demonstrativo disso, a União Europeia (UE) lançou um plano de restauração da economia em tempos de COVID-19 (coronavírus). Serão homenageadas a agricultura, bebida, construção e comida. Salutífero lembrar que são áreas intrinsecamente ligadas à natureza e, de acordo com a UE, geram rendimentos aproximados de 07 trilhões de euros. Ainda, de acordo com o PIB global, cerca de 40 trilhões sobrevêm da natureza.

Na seara aquática, a conservação dos estoques marinhos envolve ganho de 49 bilhões de euros. Além disso, a proteção das zonas costeiras úmidas tem potencial de lucro de, aproximadamente, 50 bilhões de euros, posto que abateria a importância dos seguros decorrentes de danos impingidos a natureza, tais como, a inundação (VIVO, 2020).

Do exposto, denota-se o uso inteligente das potencialidades ambientais, caindo por terra a sentença de que cuidar do meio ambiente serve de óbice para os lucros. Em verdade, é o oposto. Um daqueles mitos que não possui embasamento, conforme testifica a discussão.

Além da apreciação econômica, essa noção de proteção ambiental acompanha a preservação da vida (em todas as suas formas) e do seu porvir. O argumento encontra maior guarida principalmente em virtude do momento enfrentado (tema, inclusive, abordado na seção 4.1.), pois, existe suspeita científica que o vírus que atualmente assola o mundo adveio do morcego e teve como intermediário o pangolin, que, por sua vez, alcançou o homem. A WWF (entidade não governamental World Wildlife Fund) subscreve que o pangolin sofre ameaça de extinção e que é vítima do tráfico animal. Sua carne é considerada uma iguaria na China e Vietnã, além das suas escamas serem utilizadas na medicina tradicional (GLOBO, 2020).

O cenário atualmente é triste, perverso e, infelizmente, repetitivo. As circunstâncias passadas comprovam isso e, não são poucos os exemplos que podem ser dados. Nosso ontem suportou diversas pandemias e tais premissas escancaram quantas vidas foram perdidas e quantas hão de ser devido a essa lógica perversa.

O mito de Pandora trabalha que, arrependida do equívoco de ter aberto a caixa e ter liberado os males, apressou-se e tornou a fechá-la. Conseguiu e, o único dom positivo preservado fora a esperança. Assim, o homem, mesmo nas situações mais adversas, deve resistir com esperança, mas, não só ela, pois “mãos que fazem são mais santas que lábios que rezam” (PENSADOR, apud Madre Teresa de Calcutá).

Que o constante correr das horas não faça com que o risco seja trivializado e subestimado, pois, disso resultam tantas outras moléstias ambientais.

Não menos importante, o estado de bem-estar deve ser sentido por quem não tem condições de falar, mas que, na arte de amar, de se expressar, são desmedidos – os animais, pois, como já dizia Ruy Barbosa: “Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, no limite de sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas pela educação, atividade e perseverança” (PENSADOR, 2020, apud Ruy Barbosa).

 

REFERÊNCIAS

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¹ Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo (Uniaeso). Advogada. Pós-graduada em Direito Constitucional pelo Instituto de Ensino Jurídico (IEJUR).