Breve apanhado sobre a Lei de Improbidade Administrativa

INTRODUÇÃO

Hodiernamente é grave a crise por que passa a nossa sociedade. É cada vez mais freqüente o envolvimento de agentes públicos com casos de corrupção, abuso do poder, e outros fatos que desvirtuam a legítima função do administrador público. Já dizia Montesquieu na sua famosa obra intitulada “Espírito das leis”: “aquele que detém o poder, tende a dele abusar”.

Ora, em um Estado Democrático de Direito, tal qual o Brasil, o poder emana unicamente do povo, seu titular legítimo. Quanto a isto, nossa Lei Fundamental é expressa em seu art. 1º, V, parágrafo único.1

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É a soberania popular fundamento do poder político, e sem ela, este tornar-se-á esvaído de conteúdo. Calha trazer a lume os ensinamentos do mestre Canotilho:

“A articulação do direito e do poder no Estado constitucional significa, assim, que o poder do Estado deve organizar-se e exercer-se em termos democráticos. O Estado constitucional carece de legitimidade do poder político e da legitimação desse mesmo poder. O elemento democrático não foi apenas introduzido para travar o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder.” 2

Dessarte, cumpre a este mesmo povo, detentor legítimo do poder político, controlá-lo. O bem-estar social tem levado o Estado moderno a editar cada vez mais normas com o intuito de gerar mecanismo para tal mister, pois, o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e com a realidade tão influenciada pelos ventos de justiça, igualdade e democracia.

Neste particular, foi editada a Lei 8.429 de 02 de junho de 19923, ou melhor dizendo, Lei de Improbidade Administrativa. Esta trata das sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração pública, direta, indireta ou fundacional, tendo base direta na nossa Lex Mater, abrangendo o enriquecimento ilícito, o prejuízo ao erário e o atentado aos princípios da Administração Pública.

Com ela, o Judiciário, o Ministério Público, os cidadãos, os advogados e os Tribunais de Contas têm em suas mãos um forte instrumento para dar um basta nessa onda de corrupção que vem assolando nosso país.

O presente trabalho tem o escopo de estudar a referida lei, traçando-lhe os contornos e dando uma ênfase maior às suas peculiaridades. Inicialmente, esboçar-se-ão algumas considerações preliminares acerca dos princípios reguladores da Administração Pública, dando maior relevo aos da moralidade e probidade, para, a seguir, diferenciá-los no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa.

Logo após, discorrer-se-á sobre o histórico da improbidade administrativa no ordenamento jurídico pátrio, comentando a possível inconstitucionalidade da Lei 8.429/92.

Por derradeiro, será analisada a Lei de Improbidade Administrativa propriamente dita, nunca esquecendo, e valendo-se da lição de Kyoshi Harada, que “a improbidade administrativa é um cancro que corrói a administração pública. Pelo seu efeito perverso, que afeta a vida da sociedade causando descrédito e revolta contra a classe dirigente em geral, acaba por minar os princípios basilares que estruturam o Estado Democrático de Direito”. 4 

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Antes de adentrar o exame propriamente dito da Lei 8.429/92, faz-se mister analisar alguns aspectos introdutórios como os princípios regentes da Administração Pública, a diferença entre moralidade e probidade, o histórico da legislação acerca da improbidade administrativa e tecer um singelo comentário sobre a possível inconstitucionalidade da lei em epígrafe.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS REGULADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBILCA

O Estado Constitucional Democrático de Direito é aquele onde o estado atua através do direito, onde este delimita o poder através de uma lei superior, sendo esta fruto da vontade popular.

Esta lei superior, ou seja, a Constituição Federal, deve ser compreendida como um sistema normativo composto por princípios (implícitos e explícitos) e normas jurídicas.

Nesse viés, todas as instituições públicas e privadas, por conseguinte, a Administração Pública, mesmo no exercício do seu poder discricionário, têm que estar de acordo com seus princípios reguladores, sejam expressos ou implícitos, e demais normas jurídicas deles decorrentes.

A Constituição de 1988 trouxe, expressamente no caput do art. 375, os princípios constitucionais regentes da Administração Pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, mais recentemente com o advento da Emenda constitucional n.º 19/98, o princípio da eficiência.

Tais princípios são de basilar importância na atuação administrativa, pois segundo o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustém e alui-se toda a estrutura neles esforçada”. 6

Mas não só a princípios constitucionais expressos que há violação. Os chamados princípios implícitos também o são, pois eles igualmente possuem carga atributiva, axiológica e vinculativa. Convém trazer à colação magistério do abalizado Roque Antônio Carrazza sobre o assunto em pauta:

“Não importa se o princípio é implícito ou explícito, mas, sim, se existe ou não existe. Se existe,  o jurista, com o instrumental jurídico teórico que a Ciência do Direito coloca à sua disposição, tem condições de discerni-lo. De ressaltar, com Souto Maior Borges, que o princípio explícito não é necessariamente mais importante que o princípio implícito. Tudo vai depender do âmbito de abrangência de um e de outro e, não, do fato de um estar melhor ou pior desvendado no texto jurídico. Aliás, as normas jurídicas não trazem sequer expressa sua condição de princípios ou de regras. É o jurista que, ao debruçar-se sobre elas, identifica-as e hierarquiza-as”. 7

Ademais, e segundo Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior, “no exame dos atos de improbidade administrativa, é crucial que se levem em conta não apenas os princípios informativos explícitos, mas também os implícitos, para que se caracterize a efetiva deformação funcional e reste à calva o intuito final do agente público ímprobo”. 8

No tocante ao princípio da legalidade, este vem expresso no art. 5º, II, da nossa Carta Magna, onde “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Entrementes, para a Administração pública, a legalidade passa a ter feições peculiares, pois, sua atuação resta condicionada ao que a lei determina, sendo permitido ao administrador público realizar somente aquelas condutas legalmente previstas.

Vale observar que, nesse sentido, a acepção lei não é restrita, limitando-se a esta ou aquela norma. Seu significado é muito mais abrangente, pois revela não só a lei em si, mas todo o arcabouço legal e constitucional em que está inserida.

Nesse sentido nos ensina Marino Pazzaglini Filho:

“O princípio da legalidade, pois, envolve a sujeição do agente público não só à lei aplicável ao caso concreto, senão também ao regramento jurídico e aos princípios constitucionais que regem a atuação administrativa. […] A legalidade é a base matriz de todos os demais princípios constitucionais que instruem, condicionam, limitam e vinculam as atividades administrativas. Os demais princípios constitucionais servem para esclarecer e explicitar o conteúdo do princípio maior ou primário da legalidade”.(Grifo nosso) 9

O princípio da impessoalidade revela-se na finalidade da atuação administrativa, não podendo esta agir em benefício de interesses particulares. A conduta do administrador público deve-se pautar sempre na objetividade e parcialidade, tendo como único propósito a supremacia do interesse público.

Agride o princípio da impessoalidade tanto a promoção pessoal do administrador quanto a promoção do interesse secundário do organismo estatal a que pertence o agente público, quando destoante do interesse público primário, que é o alcance do interesse social.

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Para não saturar o leitor, deixar-se-á para comentar o princípio da moralidade no próximo item, quando na ocasião o confrontaremos com o princípio da probidade.

O princípio da publicidade decorre da idéia de transparência da Administração Pública, porquanto não se concebe o trato da res publica sem um mínimo de satisfação para a sociedade, afinal o administrador está lidando com uma coisa que não lhe pertence.

É um princípio instrumentalizador do controle externo e interno da gestão administrativa. Ademais, a publicidade é requisito de eficácia dos atos administrativos. Com efeito, a publicidade não se confunde com propaganda ou promoção pessoal dos agentes públicos, porquanto diz respeito às ações da Administração Pública e não de seus servidores.

Por fim, o princípio da eficiência, que foi elevado a princípio constitucional pela já referida Emenda Constitucional n.º 19/98. Cumpre ressaltar que, malgrado a eficiência ter sido elevada a princípio somente com o advento da supra citada emenda, não se vê atividade administrativa sem o dever de eficiência.

É inerente à atividade administrativa o dever de publicidade, pautando-se pela lei, com vistas ao alcance do fim público (interesse social) e de acordo com os padrões éticos e morais presentes na sociedade, mas também, com o máximo de eficiência, sob pena do ato administrativo não importar nenhum benefício para a sociedade.

Brilhante, a respeito do tema, é o magistério de Alexandre de Moraes:

“Assim, princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para satisfação do bem comum”.(grifo nosso) 10

Existe, entretanto, outros princípios informadores de uma escorreita atividade administrativa, como o princípio da finalidade, da igualdade, da supremacia do interesse público sobre o privado, da lealdade e boa-fé administrativa, da motivação, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Dessarte, somente com a observância de todos esses princípios, é que a Administração Pública estará alcançando os fins objetivados pela nossa Lex Fundamentalis, conseguindo assim, pautar-se pelos ditames de um Estado Constitucional Democrático de Direito.

MORALIDADE E PROBIDADE

Há, na questão referente à improbidade administrativa, que se diferenciar os conceitos de moralidade e probidade.

A palavra ímprobo vem do latim improbus, exprimindo o sentido de  mau, perverso, corrupto, desonesto. Já improbidade vem do latim improbitas, que revela o significado de imoralidade, má qualidade, malícia.

Para fins do nosso direito positivo, exteriorizado na Constituição de 1988 e na legislação infraconstitucional, administração ímproba é aquela de má qualidade, não se reportando, necessariamente, ao caráter desonesto da atividade administrativa.

Com base nisso, ir-se-á diferenciar os conceitos de probidade e moralidade, sendo esta espécie daquele.

Há, entrementes, aqueles que consideram moralidade e probidade conceitos idênticos. Luiz Alberto Ferracini preleciona: “entende-se por ato de improbidade má qualidade, imoralidade, malícia. Juridicamente, lega-se ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter”. 11

Existem, por outro lado, aqueles que distinguem os dois conceitos, afirmando, no entanto, que probidade seria espécie de moralidade. É o que ensina Marcelo Figueiredo:

“Entendemos que a probidade é espécie do gênero moralidade administrativa a que alude, v.g., o art. 37, caput e seu §4º da CF. O núcleo da probidade está associado (deflui) ao princípio maior da moralidade administrativa, verdadeiro norte à administração em todas as suas manifestações. Se correta estiver a análise, podemos associar, como o faz a moderna doutrina do direito administrativo, os atos atentatórios à probidade como também atentatórios à moralidade administrativa. Não estamos a afirmar que ambos os conceitos são idênticos. Ao contrário, a probidade é peculiar e específico aspecto da moralidade administrativa”. 12

Data maxima venia, somos do entendimento contrário. Os dois conceitos não se confundem, contudo, probidade é gênero do qual moralidade é espécie. Nos apegamos à opinião do ilustre Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, Flávio Sátyro Fernandes, quando afirma:

“De nossa parte, divergindo dos que assim pensam, entendemos: a) moralidade e probidade administrativas são noções bem claramente distintas, que se não podem confundir ante os textos legais qua, a partir da Constituição Federal, a elas se referem; b) por esses mesmos textos, é forçoso reconhecer, que a probidade é que é gênero, do qual a moralidade é espécie, haja vista a maior amplitude e o maior alcance emprestados à primeira, pela Constituição Federal e pela legislação ordinária”. 13

O princípio da moralidade norteia a conduta do administrador no sentido de que, embora se paute na legalidade, terá que ser obrigatoriamente uma conduta de acordo com os ditames éticos e morais presentes atualmente na sociedade.

Faz-se mister trazer à colação os ensinamentos de Marino Pazzaglini Filho a respeito do assunto em tela:

“A moralidade significa a ética da conduta administrativa; a pauta de valores morais a que a Administração Pública, segundo o corpo social, deve submeter-se para a consecução do interesse coletivo. Nessa pauta de valores insere-se  o ideário vigente no grupo social sobre v.g., honestidade, boa conduta, bons costumes, equidade e justiça. Em outras palavras, a decisão do agente público deve atender àquilo que a sociedade, em determinado momento, considera eticamente adequado, moralmente aceito”. 14

Ora, o princípio da moralidade nada mais é do que o atendimento do bem comum, observado todos os ditames legais, sem violar a ideologia ética e moral vigente na época. É “a satisfação do interesse social com legalidade ética”. 15

Entrementes, não significa o aludido princípio a mesma coisa do que probidade administrativa. Tanto a nossa Lex Mater, quanto a legislação infraconstitucional pertinente à matéria, leva a essa orientação.

Através de uma interpretação sistemática dos arts. 15, V; 37, caput, §4º; 5º, LXXIII; 85, V, da Constituição Federal e do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, pode-se concluir a posição ora defendida.

Ora, a mens legislatores foi colocar o gênero e não a espécie nos dispositivos acima citados. Decorrente disso é que a infração ao princípio da moralidade é apenas uma das modalidades de ato de improbidade administrativa. Isso é obvio, pois ambas são apenáveis com as sanções previstas nos arts. 15, V, 37, §4º, 85, V, entretanto, presente nestes artigos está a expressão improbidade e não moralidade.

Com relação ao art. 85, V, este reza que é crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a probidade na administração. Será que os atos do Presidente que violarem a moralidade não são crime de responsabilidade? Claro que sim. Se probidade fosse espécie de moralidade o dispositivo acima citado restaria diminuído em sua abrangência. À Constituição deve-se dar uma interpretação teleológica, visando a maior aplicabilidade e efetividade de suas normas.

A maior prova de que a moralidade seria espécie de probidade é a Lei 8.429/92, onde a violação àquela é uma das modalidades de configuração de ato de improbidade administrativa.

Nessa esteira, todo ato de imoralidade é ato de improbidade, porém, nem todo ato de improbidade é ato de imoralidade.

Não resta dúvida e, não se pode dar outra interpretação, portanto, de que para fins do nosso ordenamento jurídico positivado, a moralidade e a probidade não se misturam, sendo esta gênero daquela.

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HISTÓRICO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Faz-se imperioso frisar o histórico da improbidade para uma melhor compreensão do tema ora estudado.

No tocante à previsão constitucional da improbidade, nenhuma outra constituição ousou abordá-la nos moldes de como se encontra na Carta Política atual.

Apenas tratavam do enriquecimento ilícito, modalidade mais incisiva da improbidade administrativa. O art. 146, §31, in fine, da CF de 1946 estatuía o seguinte: “a lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica”.

Na Constituição de 1967, alterada pelas Emendas 1/69 e 11/78, o art. 153, §11, previa em sua parte final que “a lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício da função pública”.

A Constituição de 1988 inovou no seu art. 37, §4º, alargando o conceito de improbidade administrativa, passando assim, a sociedade, a contar com mais um instrumento no combate dessa mazela que é a corrupção.

Quanto à legislação infraconstitucional, a atividade legiferante brasileira produziu duas leis nessa área anteriores à Lei 8.429/92. Podemos citar a Lei n.º 3.164/57 (Lei Pitombo-Godoí Ilha) e a Lei n.º 3.502/58 (Lei Bilac Pinto).

A Lei Pitombo-Godoí sujeitava a seqüestro os bens de servidor público, adquiridos por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que aquele tenha ocorrido.

A Lei Bilac Pinto regulava o seqüestro e o perdimento de bens de servidor púbico da administração direta e indireta, nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função. Complementava sua antecessora enumerando algumas hipóteses configuradoras do enriquecimento ilícito.

Eram duas leis de pouca aplicação, pois tratavam apenas do enriquecimento ilícito, sendo de rara incidência, máxime no que diz respeito à difícil caracterização daquele.

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 8.429/92

Cumpre destacar antes de penetrar no estudo da lei em exame, analisar sua possível inconstitucionalidade material e formal.

Analisar-se-á primeiramente a inconstitucionalidade material. Doutrinadores de peso como Toshio Mukai adotam esta opinião. O referido douto tem como fundamento o art. 24 da nossa Lei Fundamental que trata da competência concorrente da União, Estados e Municípios. Entende ele que a Lei 8.429/92 tem caráter administrativo e, por conseguinte, sua edição não seria da competência exclusiva da União. Vejamos seu entendimento:

“Portanto, a Lei n.º 8.429/92 pretende ser, violando o princípio federativo insculpido no art. 18 da Carta Magna, imune até mesmo à emenda constitucional (posto que a claúsula pétrea do art. 60, §4º, impede sequer a deliberação de proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado), diploma legal de cogência nacional.

E, no caso, inexiste no texto constitucional, dentre as disposições que tratam da distribuição de competências dos entes federados, mormente no art. 24 (que dispõe sobre a competência concorrente), nenhuma autorização à União que lhe outorgue competência legislativa em termos de normas gerais sobre o assunto (improbidade administrativa).

Aliás, nem poderia mesmo existir, pois, se se trata de impor sanções aos funcionários e agentes da Administração, a matéria cai inteiramente na competência legislativa em tema de Direito Administrativo, e, portanto, na competência privativa de cada ente político”. 16

Data venia, não merece acolhida tal entendimento. A Lei de Improbidade Administrativa não tem unicamente caráter administrativo. O ilícito decorrente do cometimento de atos de improbidade é de natureza político-civil. Esse é o magistério de Maria Sylvia Di Pietro:

“A natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter conseqüências na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza um ilícito  de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário.

Note-se que os direitos políticos, que dizem respeito fundamentalmente aos direitos de votar e ser votado, estão assegurados no título II da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais e só podem ser suspensos ou perdidos nos casos expressos no artigo 15, entre os quais está prevista a improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º. Seria inconcebível que cada estado ou cada município pudesse legislar a respeito ou aplicar sanção dessa natureza, mediante processo administrativo. Trata-se de matéria de direito eleitoral (já que afeta fundamentalmente os direitos de votar e de ser votado), de competência privativa da União, nos termos do art. 22, I, da Constituição”. 17

Quanto à inconstitucionalidade formal da Lei 8.429/92, esta é um pouco mais complicada. A sua elaboração e aprovação (da lei) não obedeceu ao sistema legislativo bicameral, instituído pelo art. 65, parágrafo único da CF/88. Reza o referido artigo, in verbis:

“Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.

Parágrafo Único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora”.

Está à espera de julgamento no STF uma ADIn interposta com base no artigo acima transcrito. Resta saber se o Pretório Excelso vai declarar a inconstitucionalidade da Lei de Improbidade Administrativa depois de tanto tempo após a sua entrada em vigor.

EXAME DA LEI FEDERAL N.º 8.429/92

Passar-se-á, enfim, ao exame da Lei de Improbidade Administrativa, revelando seus sujeitos ativo e passivo, bem como a classificação dos atos de improbidade. Discorrer-se-á, outrossim, acerca das suas sanções, como também seu procedimento administrativo e judicial. Por fim, alguns comentários sobre os instrumentos de combate ao flagelo da improbidade administrativa.

Vejamos o conceito de improbidade administrativa:

“Numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo tráfico de influência nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento da poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos”. 18

Com efeito, o objetivo maior da Lei de Improbidade Administrativa é proteger o administrado, e não apenas a administração pública, aqui considerada em relação ao seu patrimônio moral e material.

A utilização deste instrumento jurídico deve ser utilizado em função das causas que explicam a presença da corrupção nas sociedades democráticas. São elas:

“Causas estas que, podem ser de caráter geral – a citada crise de valores que se repercute necessariamente sobre a integração social que mantém as sociedades vivas -, causas políticas – perda da fé no Estado e no poder político e falta de confiança nos valores legais e sociais que os legitimam – e, por fim, causas econômicas – o espírito da concorrência desenfreada e do enriquecimento sem limites”. 19

Vejamos, doravante, os elementos integrantes da Lei 8.429/92

SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A Lei de Improbidade nos seus artigos 1º, 2º, 3º, definem quem são os sujeitos ativo e passivo do ato de improbidade, abaixo analisadas:

a) Sujeito Passivo

O sujeito passivo do ato de improbidade é qualquer entidade pública ou particular que tenha participação de dinheiro público em seu patrimônio ou receita anual.

Por conseguinte, nesse viés, são sujeitos passivos a administração direta e indireta (autarquias, sociedades de economia mista e fundações); a empresa incorporada ao patrimônio público; entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual; entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual; entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público.

Faz-se importante esclarecer a má redação do art. 1º, quando fala em “administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes..”. Ora, sabemos que apenas o Poder Executivo exerce descentralização (administração indireta e fundacional), enquanto que o Judiciário e o Legislativo, a par de suas funções institucionais, exercem excepcionalmente funções administrativas.

b) Sujeito Ativo

É o agente público, assim entendido (conceito dado pelo art. 2º da Lei 8.429/92) como todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no art. 1º da lei em epígrafe.

Outrossim, é sujeito ativo aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. Vale salientar que “a expressão ‘no que couber’ deixa claro que, ao terceiro, não se aplicará a sanção da perda de função pública, desde que não a tenha”. 20

Nota-se, entrementes, que o leque de pessoas sujeitas à responsabilidade por atos de improbidade é muito grande, fazendo-se obrigatório o uso do bom senso e a análise do elemento subjetivo do agente na hora de imputação da conduta ilícita.

CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A Lei 8.429/92 tem em seu corpo três modalidades de atos de improbidade administrativa, quais sejam, os que importam enriquecimento ilícito, os que causam dano ao erário e os que atentam contra os princípios da Administração Pública. Seria conveniente trazer à baila os casos previstos expressamente na Lei de Improbidade Administrativa, enfatizando, contudo, que são casos numerus apertus, isto é, meramente exemplificativos. Essa interpretação decorre da expressão “notadamente” presente no caput dos artigos em questão. Essa é a opinião dos doutos: “não é rol taxativo ou exaustivo, o que fica claro pela utilização, no caput, do advérbio notadamente para enunciar a dúzia de incisos exemplificativos do enunciado”. 21 (grifos do autor)

De acordo com o art. 9º os atos que importam enriquecimento ilícito são, in verbis:

“I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

IX – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei”.

Vê-se, portanto, que o núcleo das condutas tipificadoras do enriquecimento ilícito é a obtenção de vantagem econômica. Seus núcleos verbais resumem-se em receber, perceber, aceitar, utilizar, usar, adquirir e incorporar. Atente-se para o fato de que todas essas modalidades só se caracterizam na forma dolosa.

Os atos que importam em dano ao erário estão dispostos no art. 10, ipsis litteris:

“I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades”.

Importante distinguir erário de patrimônio público. Erário “diz respeito ao econômico-financeiro, ao tesouro, ao fisco, enquanto patrimônio público é noção de espectro muito mais abrangente, sintetizadora não apenas do econômico, mas também do estético, do histórico, do turístico e do artístico”. 22

Faz-se imperioso frisar a questão do dano. Reza o art. 21 que a aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/92 não depende da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Mais uma vez a referida lei peca por má redação, pois, in casu, patrimônio público e erário público são usados como sinônimos. Para se configurarem as hipóteses do art. 10 necessitam, obrigatoriamente, da ocorrência do dano, senão vejamos:

“A importante regra do art. 21 da Lei Federal 8.429/92, segundo a qual a aplicação doas sanções que a lei em foco estabelece independe da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, deve ser entendida com cautela. Leia-se ‘nem todas as sanções’ que prescreve estão vinculadas à ocorrência de dano concreto ao erário, porque, se as espécies dos arts. 9º e 11º realmente não se subordinam ao dano concreto, pecuniariamente mensurável, as modalidades insertas no art. 10 dependem sim, para sua configuração, de efetiva lesão aos cofres públicos e não ao patrimônio público”. 23

Merece atenção especial o fato de que responsabilidade do agente público fundada na culpa stricto sensu somente é prevista na modalidade dos atos de improbidade que causem prejuízo ao erário. Entretanto, aos agentes políticos em geral, não se aplica a responsabilização civil lastreada nos padrões comuns da culpa, para a caracterização de infração culposa nas hipóteses presentes no art. 10 da Lei 8429/92. A sua responsabilização somente poderá ser fundamentada na culpa grave.

Com relação aos membros da Magistratura e do Ministério Público, não se aplica a modalidade culposa, inclusive na modalidade de culpa grave, em decorrência de normas específicas que restringem sua responsabilização  pessoal e civil somente na hipótese de dolo.

Os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública estão previstos no art. 11, in verbis:

“I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV – negar publicidade aos atos oficiais;

V – frustrar a licitude de concurso público;

VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço”.

Tal dispositivo legal atua como regra, como exceção, pois, se a conduta importar em enriquecimento ilícito ou dano ao erário será enquadrada nestas modalidades.

SANÇÕES

A Lei 8.42/92 não se preocupou em tipificar crimes, porquanto as condutas nela descritas constituem em sanções de natureza civil e política.

Os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito estão sujeitos às seguintes penas: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos (oito a dez anos), pagamento de multa civil (até três vezes o valor do dano), proibição de contratar com o Poder Público (dez anos).

Os atos de improbidade que causem dano ao erário são apenáveis com: ressarcimento integral do dano, perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda de função pública e suspensão dos direitos políticos (cinco a oito anos), pagamento de multa civil (até duas vezes o valor do dano) e proibição de contratar com o Poder Público (cinco anos).

Por fim, os atos atentatórios aos princípios da Administração Pública têm como pena: ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de três anos.

DA DECLARAÇÃO DE BENS

Para otimizar a fiscalização efetiva da evolução patrimonial dos gestores públicos, evitando, assim, atos de improbidade, a Lei 8.429/92 prevê a obrigação de  todo agente público declarar seus bens e valores que compõem seu patrimônio particular.

DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E JUDICIAL

No tocante ao procedimento administrativo, qualquer cidadão pode representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada a investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade. A rejeição, entrementes, não obstará a investigação dos fatos pelo Ministério Público.

O interessado ainda pode representar diretamente ao Ministério Público, bem como, pode este, de ofício, requisitar instauração de inquérito policial o procedimento administrativo.

Instaurado o processo administrativo a comissão processante dará ciência ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público, podendo estes, designar representar para acompanhar o procedimento administrativo.

Entende Flávio Sátyro Fernandes que “os processos de prestação de contas dos diferentes agentes públicos, cujo julgamento cabe ao Tribunal de Contas, valem como os procedimentos administrativos a que se reporta a Lei 8.429/92”. 24

Com relação ao procedimento judicial previsto na lei em comento, poder-se-á resumi-lo nos seguintes pontos: medida cautelar de seqüestro do bens do responsável por lesão ao erário ou enriquecimento ilícito; medida cautelar de bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiros mantidas no exterior, no caso de enriquecimento ilícito ou lesão ao erário; a ação principal terá o rito ordinário; a pessoa jurídica interessada pode propor a ação ou figurar como litisconsorte do Ministério Público; são vedados o acordo, a transação e a composição; o MP pode propor ação ou funcionar no processo como fiscal da lei; a Fazenda Pública promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público; a sentença de procedência da ação determinará o pagamento à pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito, do valor dos danos; a sentença de procedência da ação determinará a reversão dos bens à pessoa jurídica prejudicada, no caso de enriquecimento ilícito.

Deve-se fazer um importante comentário acerca da ação civil pública. Esta é o instrumento idôneo para o Ministério Público combater ferozmente a improbidade administrativa:

“Ao co-legitimar o Ministério Público para a persecução civil dos atos que maculam o patrimônio público, o legislador constituinte quis reforçar as possibilidades de controle jurisdicional sobre a legalidade e a moralidade dos atos administrativos, minimizando ‘os obstáculos técnicos e econômicos que inibem a participação popular na formação do processo’, suprir a inacessibilidade ao Poder Judiciário e impedir que se reduza ‘a ordem jurídica afirmada a uma ordem não efetivamente garantida”. 25

CONCLUSÕES

Procurou-se neste singelo trabalho discorrer sobre a improbidade administrativa, abordando seus principais aspectos e peculiaridades, e enfatizando principalmente a participação da sociedade no combate dessa mazela que é a corrupção administrativa.

A referida lei não é um primado legislativo, entretanto, é um forte instrumento para salvaguardar os princípios necessários à manutenção de um Estado Democrático de Direito.

Faz-se necessário, contudo, um maior exercício por parte da população, da cidadania, não se conformando calada com tais atos. O debate sobre a questão da cidadania é imprescindível numa sociedade como a nossa, marcada por desigualdades sociais, políticos corruptos, pobreza e violência aguda. Segundo Kyoshi Harada “o exercício da cidadania é a última instância para o efetivo extermínio da improbidade administrativa, que já incorporada na cultura do favorecimento, a qual, tende a ser aceita como algo normal na vida administrativa  da nação” 26. Pois segundo Jô Soares “a corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa nossa”.

Portanto, devemos nos conscientizar para acabar de vez com essa onda de corrupção que vem assolando nosso Brasil, para que as gerações futuras possam viver em um país digno e honrado, e para quando olharem para trás, verem o povo que lutou com garra e determinação contra a corrupção, pois esta:

“é contrária aos princípios de justiça e deslegitima a actividade política e os partidos que a dirigem. Por conseguinte, a Administração e o Estado, bem como todos os cidadãos, devem adoptar uma atitude repressiva para exigir o respeito de regras de ética pública e uma concepção da política que a elimine ou, pelo menos, a reduza a um fenômeno marginal”. 27

Por derradeiro, traz-se à baila o eterno Rui Barbosa, um dos maiores combatentes da corrupção, quando dizia “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, e rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Notas

1 Art. 1º. (…)

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva Publicações, 1999. p. 27.

3 Doravante tratada por Lei 8.429/92 ou LIA.

4 HARADA, Kyoshi. Improbidade Administrativa.Texto confeccionado em 19 de Setembro de 2000.

5 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […]

6 Apud FILHO, Marino Pazzaglini. Princípios constitucionais reguladores da Administração Pública. São Paulo: Editora Atlas, 2000. p. 17.

7 Apud FILHO, Marino Pazzaglini. Op. Cit.

8 Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos na defesa do Patrimônio Público. São Paulo: Atlas, 1999. p.60.

9 Op. Cit. p. 25-26.

10 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1999. p. 294.

11 Apud FERNANDES, Flávio Sátyro. Improbidade Administrativa. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 34, n. 136, out/dez, 1997.

12 Apud FERNANDES, Flávio Sátyro. Op. Cit.

13 Op. Cit.

14 Op. Cit.

15 FILHO, Marino Pazzaglini. Op. Cit.

16 MUKAI, Toshio. A inconstitucionalidade da Lei de Improbidade Administrativa. Boletim de Direito Administrativo. Novembro de 1999

17 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2000.

18 FILHO, Marino Pazzaglini.; ROSA, Márcio Fernando Elias.; JÚNIOR, Waldo Fazzo. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. São Paulo: Atlas, 1999. p. 39.

19 PECES-BARBA. Sobre la Corrupción. Apud GARCÍA-ALOS, Luís Vacas. Os instrumentos específicos da jurisdição do Tribunal de Contas contra a corrupção. Revista do Tribunal de Contas de Portugal. N.º 33 – Janeiro a Junho de 2000.

20 FILHO, Marino Pazzaglini e outros. Op. Cit. p. 45.

21 Op. Cit. p. 62.

22 Op. Cit. p. 75.

23 Op. Cit. p. 75.

24 Op. Cit. p. 107.

25 FILHO, Marino Pazzaglini e outros. Op. Cit. p. 198.

26 HARADA, Kyoshi. Op. Cit.

27 Citado no relatório da Fiscalia Especial em Memória de la Fiscalia General Del Estado elevada al Gobierno de la Nacion. Apud GARCÍA-ALÓS, Luís Vacas. Op.Cit.

Bibliografia

DOUTRINA

CANOTILHO, José Joaquim Gomes Canotilho. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva Publicações, 1999.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2000.

FILHO, Marino Pazzaglini. Princípios reguladores da Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2000.

­­­­______________________e outros. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos na Defesa do Patrimônio Público. São Paulo: Atlas, 2000.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1999.

ARTIGOS

FACCIONI, Victor José; RECH, Ruy Remy. A ética na Administração Pública e os Tribunais de Contas. RTCE/RS – 2º semestre de 1999.

FERNANDES, Flávio Sátyro. Improbidade Administrativa. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a.34, n. 136. out/dez, 1997.

FREITAZ, Juarez. Do princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação. BDA – Julho de 1996.

GÁRCIA-ALÓS, Luís Vacas. Os instrumentos específicos da jurisdição do Tribunal de Contas no combate à corrupção. Revista do Tribunal de Contas de Portugal. N.º 33 – Janeiro a Junho de 2000.

HARADA, Kyoshi. Improbidade Administrativa. Texto confeccionado em 19 de Setembro de 2000.

LAZZARINI, Álvaro. Improbidade Administrativa. BDA – Outubro de 1997.

MUKAI, Toshio. A inconstitucionalidade da Lei de Improbidade Administrativa. BDA – Novembro de 1999.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Raphael Peixoto de Paula Marques

 

Estudante de Direito da UNIPE/PB

 


 

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