Breve histórico do pensamento conservador brasileiro, a “povofobia”, e o nascimento da democracia participativa

O presente artigo abordo de forma breve o histórico do pensamento conservador brasileiro, especialmente no que se refere ao afastamento da população da população do processo decisório, a “Povofobia”, e o avanço representado pela democracia representativa como contraponto ao modelo político neoliberal.

quando um sistema é injusto, se quisermos ser sérios temos que ser marginais” (Roberto Lyra Filho)

Cornélius CASTORIADES afirmou certa vez que “uma sociedade justa não é uma sociedade que adota leis justas de uma vez por todas, mas sim uma sociedade onde a questão da justiça permanece constantemente aberta” (SOUZA JUNIOR, 1997:45). No Brasil, ao longo de sua história, a crítica contida nesta máxima tem conseguido encontrar um forte exemplo prático. Num breve relato sobre a trajetória jurídico constitucional do país, poderemos citar grandes paradoxos desde o fato da constituição imperial de 1824 ter sido a “primeira no mundo” a consagrar no seu texto os Direitos e Garantias Fundamentais do Homem e do Cidadão, da Declaração Francesa, sob a égide real de sistema social onde mais de dois terços da população era composto de escravos. Por outro lado, no mesmo caminho, a constituição autoritária de 1967, imposta pela ditadura militar em pleno momento de maior endurecimento do regime, listou uma série de direitos e garantias individuais e sociais que nunca foram respeitados.

O presente trabalho tem como objetivo fazer um breve histórico das dificuldades impostas à expressão da cidadania por parte da sociedade brasileira, que ao longo da sua história tem sido “contemplada” pelas mais diversas formas de manifestação autoritária por parte da dos representantes das classes dominantes[1] e por setores da burocracia estatal, bem ponto apontar mecanismos de radicalização da democracia capazes de contribuir para a redução das relações de dominação.

Para a professora Marilena CHAUÍ,

“Conservamos as marcas da sociedade colonial, escravista, ou aquilo que alguns estudiosos designam como “cultura senhorial”, a sociedade brasileira é marcada pela estrutura hierárquica do espaço social que determina a forma de uma sociedade fortemente verticalizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando-obdiência[2]. O outro jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é reconhecido como subjetividade nem como alteridade. As relações entre os que se julgam iguais são de “parentesco”, isto é, de cumplicidade ou de compadrio; e entre os que são vistos como desiguais o relacionamento assume a forma de favor, da clientela, da tutela ou da cooptação. Enfim, quando a desigualdade é muito marcada, a relação social assume a forma nua de opressão física e/ou psíquica. A divisão social das classes é naturalizada por um conjunto de práticas que ocultam a determinação histórica ou material da exploração, da discriminação, e que, imaginariamente, estruturam a sociedade sob o signo da nação una e indivisa, sobreposta como um manto protetor que recobre as divisões reais que a constituem.” (CHAUÍ, 2000:89-90)

Já o argentino Guilhermo O’DONNEL, que passou boa parte da sua vida acadêmica tentando entender como se forma o modelo de estado capitalista que denomina burocrático-autoritário, reinante na América Latina, afirma que o sistema capitalista foi o primeiro a retirar dos controladores da produção os meios de coação. Segundo ele, “a ausência de coação para vender a força de trabalho é condição necessária para a aparência (formal) da igualdade entre as partes” (O’DONNEL, 1981:76). Por outro lado, destaca que quando o indivíduo firma um contrato a este se vincula, ficando sujeito à “fiança” coercitiva das relações que é exercida pelo Estado. Esta separação, contudo, não se deu durante boa parte da vida do capitalismo Latino-americano, dentre os quais se destaca o Brasileiro[3]. Somente com a abolição da escravatura que o Brasil começa a limitar o poderio da polícia privada dos “senhores de terras”, principalmente devido à pressão exercida pelos países de onde vinham os imigrantes europeus no final do século XIX[4]:

“Esta situação terá grande importância na evolução da legislação brasileira; em particular no Estado de São Paulo, o grande receptáculo da imigração estrangeira. A administração pública ver-se-á forçada a adotar medidas de proteção ao trabalhador rural contra excessos de seus patrões que estavam comprometendo o bom nome do país e a continuidade das correntes imigratórias de tão grande importância para a sua prosperidade. Dentre as principais providências tomadas, destaca-se a reorganização do aparelho policial para tirar os delegados de polícia da influência direta em que se encontram dos grandes proprietários rurais, e conceder-lhes liberdade suficiente para a defesa dos mais elementares direitos e interesses dos trabalhadores. Organizar-se-ão, também com o mesmo fim, aparelhamentos judiciários e administrativos que velarão pelo cumprimento, pelos proprietários, dos contratos de trabalho” (PRADO JUNIOR, 1998:214)

A crise da escravatura coincide com a época da expansão do comércio internacional do café, e com a substituição do regime monárquico pelo republicano. Já o regime republicano, na sua gênese, é fortemente influenciado pela oligarquia rural que estava descontente com a abolição da abolição da escravatura, e encontrará no exército, típico representante de uma burocracia estatal, burocracia esta que crescia exigindo direito de participação política ausente durante o período de governo imperial, dominando pela parasitária nobreza[5].

“As transformações sofridas pelo Brasil na segunda metade do século XIX corresponderam a um acelerado crescimento da classe média e à sua ânsia de participar na vida política. As grandes e por vezes tormentosas questões desta época permitiram e definiram essa participação. Eram, em síntese, questões específicas da classe média: a questão do trabalho, que desembocou na Abolição; a questão religiosas, que ultrapassou os limites da Igreja; a questão eleitoral, que pôde alterar o processo de eleição dos representantes; e finalmente, a questão militar, que culminou com a queda do regime. A partir de 1870, essas questões se sucederam no cenário dos acontecimentos, denunciando a decomposição do regime monárquico.” (SODRÉ, 1996:76)

Conforme relata SODRÉ (1996:81), a república inicia de forma melancólica, omissa na superação dos graves problemas sociais enfrentados pela sociedade brasileira, escancaradamente autoritária e, apesar de consagrar o voto universal masculino no texto da constituição de 1891, desprezando a participação popular e conscientização da população sobre os problemas do país[6]. Já Marilena CHAUÍ, analisando este momento histórico destaca que:

“(…), a República exprime a realidade concreta das lutas socioeconômicas e os rearranjos de poder no interior da classe dominante, às voltas com o fim da escravidão, com o esgotamento dos engenhos, com os pedidos de subvenção estatal para a imigração promovida por uma parte dos cafeicultores, com a expansão da urbanização e a percepção de que o país precisava ajustar-se à conjuntura internacional da revolução industrial; portanto, se de fato, a República é o resultado de uma ação social e política, todavia não é assim que ideologicamente aparece.

No plano ideológico, ela não aparece como instituição do Estado pela sociedade e sim como reforma de um Estado já existente. E ela aparece assim por que essa aparição é aquela que corresponde ao que seus agentes e adversários esperam da República. Os liberais esperam que a separação entre Estado e sociedade seja, finalmente, conseguida e não lhes interessa considerar a República uma expressão da própria sociedade porque isso poderia estimular a perspectiva intervencionista do Estado. […] Em contrapartida, conservadores e positivistas esperavam que justamente intervindo na sociedade, o Estado pudesse, enfim, fazer surgir a nação como território unificado e submetido ao mesmo código legal, com unidade de língua, raça, religião e costumes. (…)” (CHAUÍ, 2000:43)

A chamada república velha será marcada por uma profunda instabilidade política e pelos corruptos sistemas do “coronelismo” e do “voto a cabresto”. Não haviam partidos nacionais, e a “delegação” política era realizada em distritos comandados por chefes (coronéis) locais.

“(…). A representação eleitoral estava limitada pela existência dos currais perfeitamente organizados. E o destino dos pleitos se decidia mediante os escrutínios, dos quais os candidatos de oposição eram rigorosamente excluídos, sem que fossem considerados os votos que haviam recebido. Os estados mais poderosos, São Paulo e Minas Gerais, alternavam na presidência do país seus chefes oligárquicos ou representantes das oligarquias, sem maiores dificuldades, depois de atos eleitorais carentes de significação. (…)” (SODRÉ, 1996:83)

Portanto, se por um lado o positivismo dos militares será o motor da mudança no regime e principal justificar ideológico da “ordem e progresso[7], que deverão ser alcançados pelos “Estados Unidos do Brasil[8], por outro, o governo continuará sendo, assim como no império, a expressão política das oligarquias agrárias regionais[9]. Este predomínio oligárquico impedia a formação de partidos de abrangência nacional. Era uma política amplamente dominada pelo personalismo dos detentores do poder[10], fortalecendo os traços patrimonialistas da organização da administração pública[11].

Em 1922, será fundado o Partido Comunista do Brasil, depois Partido Comunista Brasileiro. Nesta época ocorrerá um aumento da capacidade reivindicatória da classe trabalhadora, cujo um dos maiores exemplos será o movimento “Tenentista”. Aos poucos haverá um crescimento da convulsão social e o setor agrário exportador começará a ver quebrada a sua hegemonia política absoluta com pelo avanço do poder da burguesia industrial. A crise política determinará o fim do regime da República Velha, através da Revolução de 30. Segundo Nelson Werneck SODRÉ, o movimento de 1930, a despeito dos desvios que sofrerá no futuro, será de fato a única revolução na República que transformará as estruturas econômicas e promoverá uma renovação nas instituições.

1. O NASCIMENTO DO POPULISMO

O final da “República Café-com-leite”, nome que recebeu o período histórico republicano entre 1889-1930, em face da prevalência político-eleitoral das oligarquias paulista (maior estado produtor de café) e mineira (produtora de leite), será marcado pelo surgimento de grandes movimentos contestatórios.

Além da crise econômico-social gerada pela superprodução do café no governo de Washington Luís (acrescida pela crise econômica internacional gerada após a primeira Guerra Mundial, culminando com a quebra da Bolsa de Nova York nos Estados Unidos), o aparecimento do movimento “Tenetista” e de novos focos de contestação colocarão em cheque o regime. Do movimento tenentista surgirão dois ramos políticos totalmente distintos e opostos, que contribuirão para diminuir a hegemonia do domínio agro-exportador: de um lado estará a “Aliança Nacional Libertadora (ANL)” de inspiração comunista, liderada pelo tenentista gaúcho Júlio Prestes; e de outro encontraremos o “Movimento Integralista”, manifestação ideológica de direita de cunho “fascista” capitaneada por Plínio Salgado. Era um período de grandes mudanças e a nova burguesia nacional temia que os acontecimentos provocassem uma revolução social nos moldes da Bolchevique na Rússia (através da ação política do PCB de Prestes, Astrojildo Pereira, e outras lideranças da época), ou um endurecimento radical à direita inspirada nos regimes que subiam ao poder na Itália (facista) e na Alemanha (nacional-socialista – nazista).

Aproveitando-se da crise gerada pela corrupção da República Velha e do descontentamento de algumas oligarquias regionais, em especial a Mineira e a Gaúcha, com o predomínio político de São Paulo no governo de Washington Luís, ergue-se um movimento revolucionário comandado pelo ex-governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas. Herdeiro do positivismo de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, o “caudilho gaúcho” inaugurará um período de grande industrialização, com caráter nacionalista, através da ação do Estado no fortalecimento dos setores de bens de produção e de políticas objetivando a substituição das importações. Conforme destaca Raymundo FAORO, Vargas manterá durante todo o seu longo governo uma posição dúbia, tanto em relação à classe dominante, quanto em relação à classe trabalhadora. De um lado promoverá a repressão ao movimento sindical organizado de esquerda, por outro inaugurará a regulação das relações trabalhistas, fato que influenciará na imensa popularidade de Vargas com a população, principalmente os mais pobres, autodenominando-se “Pai dos Pobres” (construção ideológica do período de vigência de um regime semelhante ao fascista, o Estado Novo, de 1937 até 1945), e pela a inauguração do populismo:

“O populismo, fenômeno político não especificamente brasileiro, funda-se no momento em que as populações rurais se deslocam para as cidades educadas nos quadros autoritários do campo. O coronel cede lugar aos agentes semi-oficiais, os pelegos, com o chefe de governo colocado no papel de protetor e pai, sempre autoritariamente, pai que distribui favores simbólicos e castigos reais. […] Daí o conteúdo do “getulismo” ou do “queremismo” dos meados da década de 40 – que se enreda no dilema de suas origens e evolução. Criado para substituir a participação política, controlá-la e canaliza-la, anulando-lhe a densidade reivindicatória, não conseguiu estruturar um programa de respostas, primeiro aos pedidos de ajuda e socorro, depois ás exigências” (FAORO, 1979:707)

Para FAORO, Vargas era um “chuchu sem gosto e inodoro, que assume o sabor do molho com que o condimentam”, “ou de ditador de coisa nenhuma[12], termos que caracterizam a dubiedade do seu pensamento, que ora pendia para um lado, ou para o outro.

Com o fim da Segunda Guerra, as pressões das classes médias para obter maior participação política e a busca das fileiras do exército por maior autonomia, dois setores que deram sustentação política à ditadura estadonovista, vão contribuir para a queda de Getúlio Vargas. Deve-se destacar que a era Vargas, entre outras coisas, num período de conflitos e recessão, graças à habilidade política do ditador, conseguiu levar o país para o caminho da industrialização. Por outro lado, mesmo as conquistas sociais consagradas na Constituição de 1934 não apagaram a imagem ditatorial e ambígua, com restrição da participação popular na tomada das decisões de governo (herança da tradição positivista), com forte voluntarismo de cunho fascistizante, que reinou durante o período pós do Estado Novo[13].  Segundo Nelson Werneck SODRÉ o regime do “Estado Novo” será uma ditadura de fachada policial com um aparato de violência inéditos no país. Maria do Carmo Campelo de SOUZA destaca a criação e o papel do Departamento Administrativo do Serviço Público, o DASP, órgão responsável pelo planejamento e centralização do poder burocrático do governo federal e pelo controle da atividade dos interventores estaduais através de suas subdivisões estaduais (que eram popularmente conhecidos como “daspinhos”). Criado em 1938, o DASP foi principal organismo de controle político da ditadura Vargas. Tinha poder inclusive sobre a maioria dos interventores, o que acabava gerando descontentamento, principalmente nos estados mais fortes: Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais. As suas subdivisões regionais, os “daspinhos”, além do controle sobre os interventores, substituíam o poder legislativo. A exemplo do órgão maior, os “daspinhos” eram compostos por burocratas fiéis ao governo central, que determinavam os rumos das políticas públicas regionais.

Vargas não se utilizou apenas do DASP e dos “daspinhos” para estabelecer a centralização do poder. Outra ação realizada neste sentido, e extremamente importante foi a unificação do exército nacional, diminuindo a força dos efetivos dos Estados e, em conseqüência, rompendo com a lógica da política dos governadores dominante no período anterior. Todavia, para Campelo de SOUZA,

“O desmantelamento da velha ordem não ultrapassou os limites de uma “modernização conservadora”: sem qualquer reformulação radical da estrutura sócio-econômica existente encaixavam-se no sistema político novos grupos e interesses, devidamente cooptados e burocratizados. Assim, dadas as características sociais do movimento de trinta, e dado o quadro internacional de crescente polarização do entre guerras, a almejada implantação de um estado forte e centralizado significou, de fato, não a marginalização dos interesses econômicos dominantes do período anterior, mas sim uma redefinição dos canais de acesso e influência para a articulação de todos os interesses, velhos ou novos, com o poder central. Face à atmosfera ideológica predominante e a emergência de movimentos mobilizantes à direita e à esquerda, intensificou-se o autoritarismo da coalizão no poder, conduzindo à instauração do Estado Novo. Como a Primeira República, o Estado Novo é também um sistema elitista, mas seu modos operandi é inteiramente diverso: enquanto aquela se baseara no princípio da autonomia do poder estadual e no mecanismo da política dos governadores, este procura a unificação, intervindo nos estados e implantando extensa rede de órgãos burocrático, ao mesmo tempo que suspendendo o funcionamento de todas as organizações partidárias.” (SOUZA, 1976:85)

Outro ponto que não pode ser esquecido, que cumpriu o papel de desmobilização da classe trabalhadora, é a estrutura corporativista dos sindicatos montada por Vargas. Leôncio Martins RODRIGUES, analisando a história do sindicalismo brasileiro, pós a revolução de 30 até o golpe de 64, destacou que o sindicalismo getulista tinha por objetivo “enfraquecer a capacidade de atuação autônoma dos trabalhadores assalariados, de reduzir sua influência relativa na sociedade brasileira, facilitando a liquidação das organizações profissionais independentes e a montagem do sindicalismo oficial” (RODRIGUES, 1981:520). Estes objetivos foram facilitados pela maciça entrada dos trabalhadores rurais nos eixos industriais do Sul e de São Paulo, em virtude da falência econômica do Nordeste e reestruturação produtiva do campo. Esses novos operários eram orientados por valores e aspirações diferentes do que expressavam os operários já existentes formados no período anterior onde possuíam relativa liberdade. Será um campo fértil para a ideologia que o governo pretendia impor, favorecendo o isolamento das antigas lideranças sindicais e criando dois segmentos bem diferenciados no interior da classe operária. Temas como anarco-sindicalista, socialista e comunista, que orientavam politicamente o movimento operário europeu, não conseguirão encontrar motivação nas massas de trabalhadores brasileiros que abandonavam o campo, na maior parte, analfabetos, socializados num padrão de submissão ante as camadas superiores e que encontravam, ademais, no meio fabril e urbano, condições de trabalho e de vida geralmente mais satisfatórios em relação ao que tinham no meio rural.

O controle político da classe operária foi um dos objetivos da política de Vargas. As lideranças dos sindicatos ligados à estrutura corporativo-estatal constituir-se-ão num corpo burocrático legitimador do Estado Novo, seguindo rigidamente o receituário do governo. Mas não são apenas os trabalhadores que sofrerão a tutela da política implementada pelo “ditador gaúcho”. As próprias classes patronais deverão se enquadrar ao “regime orgânico” de Estado[14]. Ocorrerá, na realidade, a partir da Revolução de Trinta, um “fortalecimento do poder do Estado em relação à sociedade civil”, quer dizer, o fortalecimento dos “estamentos burocráticos” (forças armadas, altos funcionários públicos e tecnocratas) sobre as classes sociais[15]. Segundo Leôncio Martins RODRIGUES, o “Bonapartismo[16] de Getúlio Vargas irá recrutar quadros para os seus altos escalões burocráticos entre as famílias tradicionais em declínio que abasteceram os postos de comando das forças armadas, dos Ministérios, das novas autarquias federais, do Itamaraty, do sistema judiciário em expansão, das universidades e demais membros do funcionalismo federal:

“(…) As bases do poder e prestígio desta ‘elite burocrática’ não só tratou de garantir para si mesma um conjunto de privilégios e vantagens vinculadas ao emprego público que não encontram paralelo em nenhum outro setor da atividade privada como tratou também de reforçar a própria instituição estatal que era a fonte de seu poder, prestígio e segurança ante a burguesia industrial, os grandes proprietários e outros grupos e forças sociais com as quais deveria competir e conviver.” (RODRIGUES, 1981:527)

Para Raymundo FAORO, o período dominado pelo “caudilho de São Borja” instalou, definitivamente, o regime capitalista industrial no Brasil, outrora subordinado ao domínio do latifúndio semi-feudal e do patrimonialismo, controlado por uma nova elite, denominada por FAORO  de “estamento burocrático”:

“(…) O estamento burocrático, fundado no sistema patrimonial do capitalismo politicamente orientado, adquiriu o conteúdo aristocrático, da nobreza da toga e do título. A pressão da ideologia liberal e democrática não quebrou, nem diluiu, nem desfez o patronato político sobre a nação impenetrável ao poder majoritário, mesmo na transação aristocrático-plebéia do elitismo moderno. O patriciado despido de brasões, de vestimentos ornamentais de casacas ostensivas, governa e impera, tutela e curatela. O poder – a soberania nominalmente popular – tem donos, que não emanam da nação, da sociedade, da plebe ignata e pobre. O chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios e não mandatário. O Estado, pela cooptação sempre que possível, pela violência se necessário, resiste a todos os assaltos, reduzido, nos seus conflitos, à conquista dos membros graduados de seu estado maior. E o povo, palavra e não realidade dos contestatórios, que quer ele? Este oscila entre o parasitismo, a mobilização das passeatas sem participação política, e a nacionalização do poder, mais preocupado com os novos senhores, filhos do dinheiro e da subversão, do que com os comandantes do alto, paternais e, como bom príncipe, dispensários de justiça e proteção. A lei, retórica e elegante, não o interessa. A eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva a escolha entre opções que ele não formulou.” (FAORO, 1979:748)

No Brasil, o período do pós-guerra coincidiu com a queda do governo de Getúlio Vargas. Todos os partidos, ou seja, UDN, PSD, ED e PTB, incluindo o próprio PCB, tornam-se defensores das garantias da democracia liberal[17]. Os discursos tinham como alvo principal o fascismo que havia sido derrotado durante a Guerra (com exceção da Espanha “Franquista” que acabou ingressando na Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, juntamente com os países ocidentais vencedores da Segunda Guerra), assim como o autoritarismo do governo do ditador Getúlio. Na realidade, miravam no Fascismo, mas o objetivo era atingir Getúlio Vargas. Todavia, como bem ressalta Nelson Werneck SODRÉ e João ALMINO, esta fase durou pouco. Logo o governo eleito do General Dutra, que trocou de lado com o fim do Estado Novo[18], aplicou uma política mais conveniente ao imperialismo e ao latifúndio:

“(…) favoreceu as velhas forças que, perfeitamente articuladas, e tão mais unidas quanto mais débeis, se esforçavam desesperadamente por deter as profundas transformações que sofria o Brasil e que nem sequer o Estado Novo tinha podido interromper” (SODRÉ, 1990:90-1)

Para João ALMINO, a ambigüidade do comportamento da classe dominante ficará manifesta nos discursos e ações do próprio presidente Eurico Gaspar Dutra (UDN), que ao mesmo tempo em que reconhecia como justas as reivindicações das greves operárias durante o período de campanha, em seu governo baixará um decreto nos moldes da constituição de 1937 impedindo a atividade sindical e as greves. Contraditoriamente, na verdade, o mesmo discurso que era utilizado em favor das garantias liberais era utilizado contra as organizações políticas da classe operária. O objetivo era impedir a reorganização dos sindicatos, que haviam sido incorporados pelo Estado durante o governo de Getúlio e, de forma reflexa, fragilizar politicamente o Partido Comunista. Buscava-se, ao mesmo tempo em que era pregado o fim do Estado Novo, manter vivas as disposições da Constituição de 1937 que impediam a organização política dos sindicatos, que se constituíam nos principais instrumentos de pressão da classe operária. Os discursos mais conservadores afirmavam que para impedir a “ameaça do comunismo” (novo inimigo do “Ocidente” no pós-guerra), o Brasil deveria promover uma “justiça social perfeita” através de garantias institucionais, principalmente por meio da Justiça do Trabalho. Defendiam os representantes das classes dominantes (a começar pelo próprio PTB de Vargas), a incorporação de todos pelo Estado, numa lógica tipicamente organicista como a do fascismo, contrariando a tradição liberal (que ironicamente era defendida pelas mesmas pessoas). A mesma burguesia defensora da disciplina jurídica da sociedade como forma de sustentar a democracia, negava validade à assinatura, por parte do Brasil, na Convenção Internacional Sobre Direito Sindical de Chapultepec, no México. No texto da Constituição de 1946, retirou-se o direito de organização sindical da esfera das garantias fundamentais (direito à livre associação), transferindo esta para a esfera do direito econômico. Tal estratégia tinha por objetivo legitimar o discurso da classe dominante que apontava como legítimas apenas aquelas greves que tivessem pauta econômica e não política (se é que este tipo de greve existe), taxando o segundo tipo de manifestação subversiva, quando não de golpe comunista.

Conforme destaca João ALMINO, no período do pós-guerra, foi institucionalizado pelos setores conservadores no país, um discurso tão ambíguo, quanto contraditório que procurava retirar o conteúdo político das decisões políticas[19]. O novo mito defendido pela nossa classe dominante, agora autodenominada Defensora da Democracia, afirmava que o país deveria ser administrado por técnicos e não por políticos, por pessoas que deveriam estar acima de quaisquer ideologias, como forma de garantir “os altos interesses da nação[20]. No meio da pregação por um Estado paternalista, quando não corporativista (e de novo inspiração no fascismo)[21], fazia-se ampla apologia, incluindo o PSD e o PTB, aos líderes fortes e tecnicamente “isentos”, um soldado, por exemplo. Para ALMINO, na esteira desta demagogia está a tentativa de impedir a organização política das classes dominadas e excluídas, de impedir o protesto contra a liberdade do capital:

“O pensamento juridicista formal do governo, que invocava os preceitos legais para reprimir as greves, era, por sua vez, completado por uma visão estatista (que implicava um elitismo tecnicista) do processo decisório. Ou seja, naquilo em que fosse necessário “ajustar a legislação à nova realidade do país”, os ajustes seriam feitos a partir de estudos cuidadosos que saberiam encontrar a fórmula perfeita. As decisões eram apresentadas como resultado de pareceres técnicos e não como produtos de uma luta política”. (ALMINO, 1980:250)

Para Maria do Carmo Campelo de SOUZA, o período do pós-guerra e de vigência da Constituição de 1946 vai ser uma continuidade do regime anterior. O legislativo brasileiro tinha uma estrutura fraca frente às estruturas burocráticas e ao executivo erigidos sob o Estado Novo A ausência de movimentos contestatórios com bases sociais, ou inspirados projetos ideológicos capazes de promover uma real ruptura, leva ao entendimento da associação entre o período do regime Vargas e o do pós 46:

“(…) O advento do pluralismo partidário, de eleições diretas, e o retorno à separação formal dos poderes do Estado, determinados pela Carta Constitucional de 1946, foram superpostos ou acoplados à estrutura anterior, marcada pelo sistema de interventorias, por um arcabouço sindical corporativista, pela presença de uma burocracia estatal detentora de importante capacidade decisória, para não mencionar a plena vigência, na quadra histórica a que nos referimos, de uma ideologia autoritária de Estado.” (SOUZA, 1976:105-6)

Pois Vargas irá retornar ao poder em 1951, só que desta vez eleito, e com o apoio popular obtido nas urnas.

CAMPELO DE SOUZA destaca que após o fracasso da gestão do General Eurico Gaspar Dutra, Vargas voltava ao poder com um discurso fortemente nacionalista, basicamente fundamentado na proteção ao trabalhador e defesa da economia nacional. Seu discurso populista e nacionalista será duramente combatido desde o início do seu novo governo pelos segmentos conservados, principalmente militares e pela burguesia, industrial e financeira, nacional e estrangeira. Após longa campanha foi instituindo-se o monopólio estatal da exploração e do refino e transporte do petróleo, através da criação, em 1953, da empresa Petróleos Brasileiros S.A. – Petrobrás,. Em 1952 será criado o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (o BNDE) e, em 1954, o governo encaminhará ao congresso nacional mensagem prevendo a criação da Eletrobrás, que só será aprovado um ano depois. Nelson Werneck SODRÉ, destaca que tais transformações se refletiam no fortalecimento do papel do Estado, o que motivou ataques dos setores sociais que negavam tal situação. Os arroubos populistas do ex-ditador fomentam um impasse deste com a esquerda. A ideologia oficial do “trabalhismo” consistia num assistencialismo paternalista e num forte controle exercido sobre as práticas sindicais, o chamado “peleguismo”. Somados às críticas de corrupção administrativa denunciada pelo principal opositor direitista de Getúlio Vargas, o Deputado e jornalista reacionário Carlos Lacerda, progressivamente o governo foi se desgastando e ficando isolado. No final, Solitário, e sem apoio das demais forças políticas, Getúlio buscou a saída da situação de isolamento no suicídio.

Segundo SODRÉ, com a morte de Vargas adiou-se por mais de dez anos um golpe de Estado que se delineava congregando as forças militares e lideranças da UDN. A enorme comoção popular provocou um refluxo da ascensão conservadora. Mas a eleição de Juscelino Kubistschek, candidato do PSD, somada ao vice João Goulart do PTB, ex-ministro do trabalho do governo de Getúlio, criará nova crise. Para complicar ainda mais a situação, o vice de Vargas, Carlos Luz, será acometido por um enfarto, aumentando o impasse político. Como solução, conforme relato de Luís Roberto BARROSO, o general Henrique Lott, que recém havia sido exonerado do Ministério da Guerra, convencido de que, sob a batuta de Carlos Luz, um golpe de estado, deflagrou aquilo que seria um dos mais curiosos episódios da história militar do país: um golpe preventivo, destinado a assegurar a manutenção da legalidade constitucional. Carlos Luz foi declarado impedido pelo Congresso Nacional, e Nereu Ramos, na condição de presidente do Senado, assume interinamente a Presidência da República, governando sob estado de sítio até a transmissão do cargo para o presidente eleito, Juscelino Kubstechek de Oliveira.

O governo de Juscelino Kubstechek enfrentará grande oposição política e dois levantes militares que não chegarão a comprometer a sua estabilidade. A grande habilidade política de JK, ajudará o governo a capitalizar como dividendos políticos os dois incidentes. Para Maria Victória BENEVIDES, além da habilidade política e do carisma do presidente, um dos fatores que contribuiu para a relativa estabilidade do governo do seu será a estrutura da aliança governamental, composta basicamente por dois partidos herdeiros da tradição varguista, o PSD e o PTB. No governo, o PSD buscava representar as forças burguesas, principalmente da burguesia industrial e financeira urbana, já o PTB autodenominava-se representante da classe trabalhadora. O fato do Partido Comunista, novamente ter sido colocado na ilegalidade, favoreceu as pretensões petebistas.

O governo de Juscelino obterá grande sucesso na realização de seu Programa de Metas, que tinha como lema um avanço de 50 anos em 5, inspirado pela ideologia desenvolvementista, mas manterá intactas as estruturas de estratificação social. O país atravessará um processo acelerado de industrialização, alimentado pelos investimentos governamentais em infra-estrutura e pela entrada capitais estrangeiros, principalmente na esfera industrial, o que acabou consolidando o projeto Varguista de substituição de importações. O maior marco da euforia que se espalhou pelo país, será a construção de Brasília, que acabou virando o símbolo da eficiência e da capacidade empreendedora do Presidente. Segundo Maria Victoria BENEVIDES, “numa análise mais séria, o símbolo da onipotência da burguesia brasileira e, na verdade, da megalomania populista de JK, que ostenta com dinheiro público um projeto caro, grandioso, desnecessário, mas que na época afastava a grande maioria do povo do local onde era decidido o seu destino”. No Rio de Janeiro a população estava muito próxima do “Catete”, e os protestos e revoltas populares também. Na nova capital isto ficará mais difícil. Todavia, esta orgia capitalista comprometeu a totalidade das poupanças fiscais do país e elevou a taxa inflacionária.

Segundo BENEVIDES, aos poucos a oposição ao governo de JK foi se avolumando. De um lado estava a esquerda, que criticava a inércia na questão fundiária e a internacionalização da economia, o que aumentava a nossa situação subalterna de dependência dentro do sistema capitalista internacional. Por outro lado, a direita, comandada pelo bloco udenista-militar, que buscava capitalizar o descontentamento que o crescimento da inflação e aumento do custo de vida provocava na sociedade, ao que associava um discurso de moralização administrativa. Por o fim a política econômica governamental acabou por fortalecer a hegemonia econômica do Centro-Sul, aumentando as disparidades regionais, o que forçou o governo a criar a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, que nunca foi um exemplo de eficiência administrativa:

“Assim, a aliança PSD/PTB, embora com interesses particulares a cada partido, funcionou principalmente (mas não apenas!) como bloco de apoio ao governo. Não podia “vingar” como uma aliança partidária permanente, evitando cisões e crises, pois era incapaz de absorver e canalizar as demandas que não estivessem previstas no plano do governo, predominando sempre a dependência da informação e da iniciativa do Executivo. Isso explica por que toda expressão de demandas novas se convertia em fonte de conflito e tema de cisão no interior da aliança; como por exemplo as demandas vindas da área de Goulart, dos nacionalistas radicais, dos favoráveis à reforma agrária etc., tornando mais tarde inviável a manutenção da aliança entre o PSD rural conservador e o PTB urbano e populista.” (BENEVIDES, 1976:103)

Curiosamente, apesar do governo de Juscelino ter sido vitorioso programaticamente, seu substituto foi o candidato da oposição, Jânio Quadros, uma tentativa medíocre de “bonapartismo[22]. Jânio era o candidato da UDN e PDC, eternos opositores políticos de Vargas, com forte base num movimento sindical de direita, o “janismo[23], e acabou tendo uma vitória avassaladora sob o General Henrique Lott, apoiado pela coligação do PTB, PSD e PSB além do apoio informal do PCB que estava novamente na ilegalidade. O homem da vassoura que prometeu varrer a corrupção do governo acabou se enredando em seus próprios “devaneios” e renunciou poucos meses após a posse, sendo substituído pelo vice João Goulart, que, por sua vez, fazia parte da coligação que foi derrotada para a presidência, beneficiado pelo da Constituição de 46 possibilitar a eleição de presidente e vice separadamente.

João Goulart, popularmente conhecido por “Jango”, encontrará dificuldades de tomar posse. Tais dificuldades serão um prenúncio do que estava por vir. A pressão popular por Reformas de Base (urbana, agrária e educacional), com apoio dos setores progressistas da Igreja Católica, a ação militante da Ligas Camponesas comandadas por Francisco Julião e a verdadeira “catarsis[24] do movimento sindical, que em 1962 fundou a Central Geral dos Trabalhadores – CGT, contribuirão para a explosão de greves por melhores condições de trabalho e salariais em todo o país. Tais condições históricas, nutrirão o medo da burguesia nacional de que uma revolução comunista que acabasse com a nossa chamada “Democracia”. Empurrado por uma forte pressão popular o governo do vacilante João Goulart ameaçava realizar as “reformas de base” tão reivindicadas pela sociedade. A UDR “tremia” frente à possibilidade da “reforma agrária”. Os Estados Unidos, em plena guerra fria, logo após a Revolução Cubana, preocupavam-se com a possibilidade de uma mudança de rumos em nosso país, e do conseqüente desalinhamento brasileiro da política internacional norte americana. O medo que a classe dominante brasileira tinha da radicalização da democracia e do aumento do poder popular, acabaram precipitando uma das páginas mais negras da nossa história recente: o golpe de 1º de abril de 1964, a “ditadura militar.

2. O IMPÉRIO DA INTOLERÂNCIA

Para Guillermo O’DONNEL a estabilidade do Estado capitalista é garantida pelo controle de dois dos principais recursos de dominação, o da coerção, e o ideológico. Os recursos econômicos estão nas mãos da classe capitalista. Quando falha o controle ideológico, o sistema coercitivo acaba prevalecendo como forma de manter o processo de acumulação exercitado pelos detentores dos recursos econômicos. A ideologia cumpre a função de legitimar a existência do Estado. Para este autor, o Estado capitalista é o primeiro a buscar um fundamento externo ao seu poder, no sentido de atender a burguesia vitoriosa que reivindicava obedecer somente a um poder formado consensualmente. Vão assim surgir, assim, as teorias contratualistas de Hobbes, Locke e Rousseau. Através de um amplo controle ideológico o Estado conquista e exerce a sua hegemonia sobre a sociedade, aparecendo como responsável pela custódia de um sentido compartilhado de vida em comum, suposto como natural e eticamente justo. Para O’DONNEL, o Estado capitalista “é uma oscilação permanente entre a hegemonia e o descobrimento de sua verdadeira imbrincação na sociedade” (O’DONNEL , 1981:73).

Ainda para o professor argentino, depois de politizar a sociedade, responsável pelas relações econômicas e pela esfera privada, o Estado, condensação do político, recria-se parcialmente e distorcidamente, em seu entrelaçamento, por meditações que negam a primazia fundante da sociedade. O Estado capitalista é a primeira forma de dominação que postula a igualdade jurídica entre os sujeitos inseridos em seu território: os cidadãos. Se por um lado, a igualdade e cidadania (imputadas a um sujeito abstrato) são um avanço em relação à comunidade política do escravo e do servo, por outro é a negação ideológica da existência de dominação na sociedade. Um outro referencial do Estado é a nação, conceito generalizado e abrangente da população do território. A nação serve como um instrumento de solidariedade, que induz a atuação comum no território delimitado do Estado, ou seja, o “nós”. O Estado tende a ser um coextensivo da nação, o “Estado-nacional”. A idéia de nação induz a compreensão de uma sociedade homogênea:

“(…) a invocação desta última é o que justifica impor decisões contra a vontade dos sujeitos, inclusive contra segmentos das classes dominantes, em benefício da preservação do significado homogeneizador da nação(…)” (O’DONNEL, 1981-II:76)

No sistema capitalista, o Estado Autoritário surge como um defensor dos valores supremos da nação, mas na prática nada mais é do que a representação da falha em sua função ideológica legitimadora, despojado de seus componentes normais de mediação e consenso:

“(…) é antes Estado capitalista que nacional, popular[25] ou de cidadãos. […], a face imponente da coerção é seu fracasso como organização de consenso e, portanto, como legitimação de suas instituições e como contribuição à hegemonia na sociedade” (O’DONNEL, 1981-II:82)

O golpe militar de 64 foi uma manifestação direta da perda de hegemonia pelos partidos das classes dominantes. Como forma de evitar o avanço do conflito entre as forças populares e a representação da burguesia, ampliou-se o poder de um dos setores burocráticos do Estado, exatamente daquele que possui maior identificação com a figura do Estado Nação: o exército[26]:

“iniciou-se intensa repressão, disseminada e anárquica, aos adversários da véspera, encabulhados todos sob o rótulo de “subversivos ou corruptos”. Pouco à frente, a intolerância política, acirrada pela vitória de oposicionistas em governos estaduais da Guanabara e Minas Gerais, materializando-se no Ato Institucional n.º 2, de 27.10.65. Em dias de desmando e prepotência, as instituições entraram em colapso, a legitimidade, já contestável, esvaiu-se e a autocracia se instituiu. […] Sob o peso de três atos institucionais, vinte emendas constitucionais e cerca de quarenta atos complementares, desabou a Constituição de 1946” (BARROSO, 1992:32)

O movimento militar de 1964 reivindicou para si o título de Revolução. Todavia, como bem destaca João Quartin MORAES (1987:36), a natureza do golpe desfechado pelo exército foi evidentemente contra-revolucionário[27]. De fato, como adverte o constitucionalista Luís Roberto BARROSO:

“(…) do ponto de vista da ciência política e da filosofia, uma revolução se caracteriza pela ruptura de uma determinada ordem institucional, com a radical transformação da estrutura política e econômica; e, num sentido ainda mais profundo, com a inversão das forças sociais predominantes. E, a toda evidência, tal não se verificou a partir de 1964. Antes pelo contrário, sintomas de movimento revolucionário poderiam ser detectados, ainda que de forma difusa, na atuação do governo então deposto” (BARROSO, 1992:33)

A ditadura militar no Brasil procurou legitimidade junto à sociedade através da promulgação de uma constituição que formalmente não se apresentava como outorgada. Para isto, convocou o Congresso para assinar embaixo do documento que, apesar da aparência formal, como BARROSO acertadamente, foi rigorosamente uma Carta Outorgada. Não havia sido investido de poder constituinte originário pela soberania popular, a menos que fosse admitida a discutível tese de que classificaria como delegatário soberano do poder constituinte o movimento vitorioso. Por outro lado, João QUARTIN DE MORAES ressalta que esta farsa será beneficiada pela aparência de um pluralismo, ou melhor, dualismo político, com a coexistência de dois partidos políticos em boa parte do regime. De um lado a ARENA (Aliança da Renovação Nacional), representante direto da ideologia que mantinha o sistema. De outro, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), uma verdadeira gelatina ideológica, que pouco apresentava de uma real oposição, na medida em que os verdadeiros oposicionistas eram ou cassados, ou expulsos do país, quando não mortos nos porões da repressão. Para QUARTIN DE MORAES, a diferença entre o MDB e a ARENA, consiste no fato do primeiro ser o partido que diz “sim” ao regime, já o segundo é o partido que diz “sim senhor”.

Com o aumento da movimentação oposicionista de massas nas ruas, em 13 de dezembro de 1968 a junta militar edita o Ato institucional nº 5, que determinou o fechamento definitivo do regime, suspendendo as garantias constitucionais como o habeas corpus para os acusados por crimes políticos, e que acabou sendo acrescido posteriormente da Emenda Constitucional nº 1 de 30 de outubro de 1969. Em 1970, a Comissão Internacional de Juristas, reunida na cidade suíça de Genebra, denunciou à Comissão Interamericana de Direitos de Homem, da OEA, a violação dos direitos humanos no tratamento dos presos políticos na Brasil[28].

“A Constituição teve vigência meramente nominal em grande número de seus preceitos. Com efeito, ressalvada sua parte orgânica, jamais se tornou efetivo o amplo elenco de direitos e garantias individuais, paralisados pela vigência indefinida do AI nº 5. Os direitos sociais, generosamente enunciados no título dedicado à Ordem Econômica e Social, jamais deixaram de ser uma “folha de papel”, para utilizar a expressão de Lassale[29]” (BARROSO, 1992:37)

Novamente chegamos ao paradoxo de CASTORIADES citado na abertura deste trabalho. Num país onde os direitos fundamentais foram cassados pelo governo autoritário, a Constituição pregava um extenso rol de garantias. Por outro lado, quando analisamos um pouco além da esfera político-constitucional o modelo proposto pelo golpe de 64, notaremos que a crise de hegemonia da classe dominante não se dava apenas na esfera política, pois a reforma golpista gerou profundos efeitos na esfera econômica. Como adverte GRAMSCI,

“embora a hegemonia seja ético-política, ela também deve ser econômica, deve ser essencialmente baseada na função decisiva da atividade econômica” (GRAMSCI apud CARNOY, 1994:102)

A política econômica da ditadura foi influenciada por profunda expansão do capital público, principalmente no setor financeiro, graças ao aumento da capacidade extrativa do Estado. Segundo Luciano MARTINS (1991:41-82), o período correspondente à ditadura militar foi marcado por dois movimentos, um centrípeto, com uma concentração e aumento da capacidade extrativa do Estado, principalmente da União, e outro centrífugo, com a expansão da atividade empresarial do Estado.

No campo financeiro vai ocorrer um incremento dos recursos orçamentários, notadamente de origem tributária, e uma expansão dos recursos extra-orçamentários, através da criação de grandes fundos e de outros mecanismos de captação de poupanças. A receita orçamentária atinge a marca de 10,5% do PIB em 1974, e 9,9% em 1980[30]. Também ocorre uma concentração de recursos na União, elevando sua participação de 49,5% em 1960, para 59,7% em 1976. Por outro lado, a dos Estados e Municípios reduz de 44,5% e 6% respectivamente, para 37,1% e 3,2% em 1976[31]. O mais absurdo deste movimento, o que caracteriza a postura autoritária do regime, é que a União promoverá uma política de incentivos a iniciativa privada através da redução de impostos de competência dos Estados (como o ICM)[32]. O resultado é que embora a arrecadação destes Estados tenha crescido em termos absolutos, em números relativos os resultados foram amplamente favoráveis à concentração de poderes pela União.

Outra estratégia utilizada pelo governo militar, foi a ampliação de fundos controlados pela União e aumento dos recursos extra-orçamentários. Foram criados fundos sociais como FGTS e PIS-Pasep, colocados no mercado financeiro títulos da dívida pública, ORTNs e LTNs, além da apropriação de parte dos recursos gerados pela exportação de produtos agrícolas e pelos jogos de azar (Loteria  Esportiva e Loteria Federal)[33]. Quanto ao FGTS, acabou cumprido dois papéis fundamentais ao regime, ou seja, o refinanciamento da política de habitação (com a Falência da política das letras imobiliárias), e a quebra da estabilidade dos trabalhadores. Uma das metas do programa econômico de Roberto Campos era vender a Fábrica Nacional de Motores (um dos símbolos da política de Vargas), e a estabilidade dos trabalhadores representava um passivo para os capitais estrangeiros. Ora, como pode ser visto, havia claramente um predomínio dos interesses do capital financeiro nas ações da “ditadura comissária[34] dos militares, não apenas políticos, mas fundamentalmente econômicos.

Luciano MARTIS destaca que o aumento da atividade empresarial do Estado foi acompanhado da abertura do capital das empresas públicas ao mercado de ações, com a adoção da figura jurídica das Sociedades de Economia Mista. Também ocorreu o aumentado do poder de autofinanciamento das empresas governamentais e a sua autonomia administrativa. O espírito privatista incorporado pelo serviço público acabou materializado com a formação de “lobbies” pelas empresas estatais junto aos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização da sua atividade. Aos poucos começaram a surgir as subsidiárias e joint-ventures, que tornaram praticamente impossível a delimitação entre o espaço público e privado no ambiente estatal. Formou-se uma verdadeira federação semi-privada entre os conglomerados estatais.

“Essa ‘feudalização’ do Estado é acelerada, por paradoxal que isso possa parecer, justamente pela introdução, como prática administrativa, do instrumento moderno por excelência que é a empresa. Do ponto de vista sociológico, isso sugere a emergência, junto ao Estado burocrático, de um Estado empresarial, ou a transformação do primeiro no segundo. No limite, a distância que pode separar um do outro é a mesma que separa o Estado ‘representante’ da nação, do Estado protagonista do ‘mercado’. Nesse sentido, aliás, a expansão das atividades estatais se faz acompanhar de uma ‘privatização’ do Estado, através da apropriação por grupos específicos (e não apenas de natureza burocrática) da coisa pública” (MARTINS, 1991:81 – grifos nossos)

Ainda segundo MARTINS, cria-se uma tendência para o isolamento do setor Governo, em meio a um Estado que se expande a partir das lógicas particulares das agências que nele se situam. Para resolver o problema da coordenação, em conseqüência, o governo, através da ação ministerial ou presidencial, utiliza-se constantemente da prática do autoritarismo.

Por outro lado, e como de resto se poderia esperar, a política econômica governamental dos governos militares, também foi caracterizada pelo aumento da concentração de renda:

“O curso encetado pela industrialização brasileira, de 1968 em diante, tende a polarizar socialmente o país, não mais em termos de heterogeneidade estrutural (setor ‘moderno’ X setor ‘tradicional’), que naturalmente persiste, embora em declínio, mas dentro mesmo do setor dominado pelo capital monopolista. À dicotomia de ganhos corresponde uma dicotomia de padrões de vida e de mercados de bens de consumo, que vão caracterizando cada vez mais a vida do país. Trata-se em última análise, de um desenvolvimento desigual e combinado, em que as novas formas de combinação com o capital tradicional geram formas também novas desigualdades” (SINGER, 1984:233)

Contudo, o aparente sucesso do chamado “milagre econômico” não sobreviveu à crise do petróleo. Conforme relata Paul SINGER, a criação do Pró-alcool para combater a falta do “combustível negro”, e para pagar o apoio dos usineiros nordestinos e paulistas ao regime político, somente atrelou ainda mais o país aos bancos internacionais com um drástico aumento da dívida externa. A recessão econômica do país alargava-se e a inflação subia a níveis insuportáveis. O estreitamento do crédito e o arrocho salarial oprimiam a classe média que se somavam aos setores mais fracos do empresariado vitimado pelas altas taxas de juros do capital financeiro. Os antigos pilares da ditadura começavam a entrar em choque com o regime. O clima de descontentamento foi ampliando. O assassinato do operário Manoel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog nos porões da polícia política da ditadura, externalizou e colocou a opinião pública contra as práticas de tortura. A “caça às bruxas”, não atingia mais somente “aos comunistas e subversivos”. Os militares entraram em confronto direto com setores da classe média, que até então lhes davam legitimidade. Isso acabou por acelerar a sua queda. Outro agente importante para a derrubada do regime militar foi o “novo sindicalismo brasileiro”, com destaque para o movimento dos metalúrgicos na cidade de São Bernardo do Campo, no grande ABC, liderados pelo então operário Luís Inácio Lula da Silva (LYRA, 1999:23), além do movimento dos Bancários no Rio Grande do Sul, petroleiros, professores, organizações campesinas, organizações eclesiais de base, e outros movimentos emancipatórios. É nesta época que também serão fundados a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partidos dos Trabalhadores.

Entre 1982 e 1984, o Brasil acompanhou um dos maiores acontecimentos políticos da história da República. A mobilização do povo brasileiro no movimento “Diretas Já”, demonstrou sua força e seu descontentamento com o sistema. Esse movimento acabou por criar a idéia fantasiosa, pregada por grande parte dos autores, de que, na transferência do regime autoritário para o democrático, houve uma ruptura com o regime militar. É importante ressaltar que o movimento das diretas não coube apenas aos que historicamente se opunham ao regime, mas também por antigos apoiadores, que foram vitimados pela falência do “milagre econômico” e pela opressão da polícia política da ditadura. O Movimento das diretas que começou de forma lenta e sem apoio dos meios de comunicação. Contudo aos poucos o seu crescimento proporcionou a realização de um comício em frente da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, com a participação de mais de 1 milhão de pessoas, que foi transmitido ao vivo para todo o país.

Contudo, aqueles que apoiaram o movimento, viram as suas esperanças frustradas pelo Congresso Nacional. O movimento foi derrotado no Congresso, que preferiu uma transição “segura”, via Colégio Eleitoral. Formou-se a “Aliança Democrática”, com representantes dos agora partidos de oposição (PMDB, PTB dentre outros, bem como de alguns dissidentes da ARENA reunidos em torno do PFL), exceção feita à esquerda (PT e PDT que ficaram fora), encabeçada por Tancredo Neves, que teve por vice um ex-presidente da ARENA, José Sarney. Do outro lado encontravam-se os herdeiros ideológicos (e da fama) do antigo ARENA, o PDS, representado pela figura de Paulo Maluf. A votação foi mera formalidade, a vitória da “Aliança Democrática” era certa. Com a morte “trágica” de Tancredo, o Brasil foi brindado com a repetição de um fenômeno que já havia ocorrido em 1946. O Brasil passou a ser administrado por um representante do antigo regime, cabendo a José Sarney, ex-presidente da ARENA, o papel que outrora foi representado por Dutra. Esta linha política adotada no processo de mudança de abertura, também atingiu a montagem da nova Constituição:

“a Constituição de 1967/69, era modificável de modo a ser posta com as aspirações do País (…), mas aparecia identificada com a ditadura pela sua origem e pela sua prática” (MIRANDA apud TAVARES, 1991:79)

Segundo Jorge MIRANDA, a escolha pelo processo adotado para a convocação da Constituinte:

“não foi meramente técnica; teve evidente significado político. Se não se tratava de já de mais uma Constituição vigente, tampouco se tratava de criar, por referência a qualquer legitimidade revolucionária, uma nova Constituição” (MIRANDA apud TAVARES, 1991:81)

Não houve eleição para uma Assembléia Constituinte que seria desconstituída após a realização dos seus trabalhos, e sim de um Congresso Constituinte, que além de impedir o real debate em torno das idéias constitucionais com a população. Os efeitos foram amplamente negativos neste aspecto. O movimento progressista de mudança, acabou sendo controlado pela formação de um bloco conservador autodenominado “Centrão”. Mais do que isto, a forma de composição da Constituinte, por meio de um Parlamento que ao mesmo tempo funcionava como Assembléia Constituinte, permitiu uma série de pressões, onde se destacou a imposição de mandato do presidente:

“Os militares ameaçaram golpear o Congresso, se este não aprovasse o regime presidencial de José Sarney. Coincidência ou não, pela primeira vez desde a convocação da Constituinte, todos os seus membros participaram da votação que concedeu o quinto ano de mandato a Sarney e derrotou a tentativa de implantação do parlamentarismo.” (ZAVERRUCHA, 1992:57)

Numa análise comparativa entre as transições argentina, brasileira e espanhola, Jorge ZAVERRUCHA destaca que diferentemente dos outros países, no Brasil foi mantida a autonomia das forças armadas no texto constitucional:

“Enquanto as transições espanhola e argentina tenderam a separar a polícia das Forças Armadas, a transição brasileira tomou rumo oposto. A constituição brasileira de 1988 reconheceu, pela primeira vez na história do país, em seu artigo 42, que tanto as polícias militares como o corpo de bombeiros são servidores militares. Com isso, os policiais militares estão proibidos de criar sindicatos e fazer greves, e seus eventuais comportamentos delituosos serão julgados pelo Código Penal Milita[35]r” (ZAVERRUCHA, 1992:62)

Os policiais militares ficam submetidos à dois comandos absolutamente distintos, o civil dos governos estaduais, e ao militar já que bombeiros e policiais militares são forças auxiliares e reserva do Exército. O exército mantém o controle sobre as áreas de atividade econômica civil, como indústria espacial, navegação e aviação, e por mais absurdo que pareça, do serviço de inteligência, que continuaram atuando tal qual no período anterior no controle do processo de organização popular.

Ora, como pode ser visto, mesmo no maior momento de efervescência popular, continuaram sendo adotadas medidas de castração da participação popular no processo de definição dos rumos do país. Ao contrário de aumentar a democracia, e realizar as reformas de base que eram exigidas pela população, o movimento militar deixou como herança uma “reforma de base” ao contrário, com o aumento da concentração de renda, concentração de poder, e transferências de bens públicos para setores privilegiados, como destaca este comentário de Aluísio BIONDI sofre os conflitos no “Pontal do Paranapanema”:

“Até hoje, mesmo os comentaristas de televisão que criticam acidamente o MST pelo ‘desrespeito ao direito de propriedade’ ignoram este significativo detalhe: as terras não são ou não eram dos senhores da UDR, mas sim de propriedade do Estado. Foram ‘doados’ no começo dos anos 80, aos milhões e milhões de alqueires, em Estados como Goiás, Maranhão, Tocantins, pelos respectivos governadores. Ou foram ‘griladas’ com a conivência dos governadores, até em Estados como São Paulo. Para exemplificar: 90 por cento das terras do Pontal do Paranapanema na verdade pertencem ao Estado, foram ocupadas pelos hoje senhores da UDR – que ameaçam derramar sangue dos sem-terra que cobiçam suas ‘propriedades’. A reforma agrária poderia ter sido executada nas terras públicas do país, mesmo no sul/Sudeste, ou principalmente no Brasil central. Foram confiscadas pelas elites. (…)” (BIONDI, 2000:51)

3. A DÉCADA DE 90: ASCENÇÃO DO DISCURSO NEOLIBERAL

Ao falar sobre o Brasil, o escritor uruguaio Eduardo GALEANO afirma que a “ditadura social sobreviveu à ditadura militar. A economia aniquila mais gente do que a política” (1999:68). Para ele, a Democracia no Brasil é “como um espetáculo montado por e para uma ilustrada minoria de minorias” (idem). Em pleno século XXI, esta situação continua sendo uma realidade indiscutível que ainda foi reforçada, pelo avanço das chamadas reformas liberalizantes, promovidas pelos governos da década de noventa. Especialmente os governos de Collor e Fernando Henrique Cardoso.

Em 1989, portanto quatro anos após o enterro do movimento das diretas, o Brasil reencontra-se com o processo eleitoral para presidente da República. Numa eleição em que participaram quase trinta candidatos, para a surpresa de todos, além de Fernando Collor de Mello (PRN), ex-governador de Alagoas e profundamente ligado ao antigo regime, o ex operário pernambucano Luís Ignácio “Lula” da Silva vai para o segundo turno das eleições presidenciais, suplantando figuras mais tradicionais como Leonel Brizola, Roberto Freire e Mário Covas. Com um discurso, então, marcado por uma proposta de autonomia e mudança do país, que incluía o não pagamento da dívida externa, “Lula” acabou sendo derrotado por Fernando Collor que obteve cerca de 35 milhões de votos contra os pouco mais de 31 milhões do candidato petista. Com um programa conservador e voltado para uma política de estrangulamento do consumo e achatamento salarial, além do incentivo às privatizações, ganhou a eleições de 17 de dezembro de 1989 para ser cassado pelo Congresso Nacional em processo de “impeachemant” em 30 de setembro de 1992, envolvido num enorme escândalo de corrupção. Depois do movimento pelas diretas e pelas Reformas de Base, talvez o movimento Fora Collor tenha sido a maior mobilização popular da sociedade civil brasileira. Contudo, desta vez, com grande cobertura dos meios de comunicação, que diversamente da época do movimento pelas diretas foram atropelados pela organização da sociedade civil herdada do processo constituinte e eleitoral.

A queda de Fernando Collor de Mello conduziu ao governo o seu vice Itamar Franco. O governo de Itamar foi contraditório. Ao mesmo tempo que num arroubo saudosista “presidente mineiro” trouxe para o cenário da república a “refabricação” do automóvel fusca, por outro foi no seu governo que ocorreu a implementação do “Plano Real”, através da ação do grupo comandado pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso. Foi neste período, também, que ao estilo da “dama de ferro” inglesa Margareth Tatcher, ou seja, perfeitamente dentro do receituário neoliberal, o governo buscará implementar a quebra da estrutura sindical[36]. Com a queda da inflação e a estabilização monetária, além de uma artificial paridade entre o Real e o Dólar, o principal produto deste movimento final do governo Itamar, foi a vitória eleitoral da política neoliberal com a condução à presidência de Fernando Henrique Cardoso, o qual conseguiu, inclusive, escapar de um escândalo que envolveu o Ministro da Economia Rubens Ricupero, que posteriormente substituído por Ciro Gomes.  Declarações de Ricupero foram captadas acidentalmente pelas antenas parabólicas, antes de uma entrevista, onde este ministro demonstra como o governo pretendia manipular a economia para garantir a vitória nas eleições.

O programa econômico de Fernando Henrique Cardoso, será fundada na estabilidade monetária através da artificialidade da banda cambial, privatizações[37], reforma do Estado[38] e numa brutal abertura da economia ao capital estrangeiro. A “nova abertura dos portos[39] e o aumento na repressão policial para conter o protesto popular, promoverá no país uma situação semelhante à apontada pelo então sociólogo Fernando Henrique CARDOSO, em referência à ação dos governos militares:

“(…). Os setores populares anteriormente mobilizados são politicamente excluídos pela imposição de um tipo particular de ‘ordem’ de coação extrema, incluindo a ‘despolitização’ da sociedade, e economicamente excluídos pelo deslocamento dos gastos sociais do Estado para a infra-estrutura[40] que promove o investimento estrangeiro e, acima de tudo, para a própria burocracia do Estado (…)” (CARDOSO apud CARNOY, 1994:253-4 – grifos nossos)

Tudo em nome da estabilidade fiscal que drenou uma massa imensa de recursos para pagamentos de juros e preservação da estabilidade cambial.

O governo do príncipe dos sociólogos será marcado por um forte “arrocho salarial” que se estenderá do serviço público, aos aposentados, e ao menor rendimento do serviço privado, malgrado a imensa publicidade governamental para provar o contrário[41]. Também proliferarão privatizações de estatais. As diversas crises fiscais, o autoritarismo da administração do país em constate “estado de sítio material”, mesmo que não formalmente alegado, pela edição descontrolada de medidas provisórias, a orgia financeira e a recessão econômica, somente serão algumas provas da verdadeira instabilidade provocada nas instituições democráticas pelo governo do capital financeiro, capitaneado por Fernando Henrique Cardoso. Segundo Aloísio BIONDI, após uma escandalosa e cara campanha, que incluiu a suspeita de compra de votos no Congresso Nacional para aprovar a Emenda da “Reeleição”, Fernando Henrique reunificou a direção dos partidos da classe dominante obtendo a recondução ao cargo maior do país, derrotando “Lula” pela segunda vez.

Em 2003, após uma conturbada campanha eleitoral, onde o candidato do governo, em que o candidato do governo, José Serra, apelou para um discurso de pregação do medo e de forte radicalização à direita. Lula por outro lado, com um programa de governo bem menos transformador do que nas primeiras candidaturas, e tendo como vice o empresário mineiro José de Alencar, beneficiou-se do desgaste e da crise do governo de Fernando Henrique e da alta taxa de desemprego, provocada por oito anos de aplicação radical da política neoliberal, sendo eleito com esmagadora votação. Pela primeira vez na história brasileira um operário chegava à presidência da República.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: “A POVOFOBIA E A EMANCIPAÇÃO POPULAR

Em palestra proferida em 1949, o sociólogo inglês Thomas H. MARSHALL demonstra acreditar numa continuidade evolutiva da expansão da cidadania, assentada na incorporação pelas sociedades e pelas constituições nacionais dos chamados direitos coletivos, efetivando o “Estado de Bem Estar”.

MARSHALL sustenta a formação uma espécie de “cidadania social” (CARVALHO; CARVALHO, 2000:22), através da introdução da lógica do status no contrato de trabalho, onde a sistemática de preços e concorrência do mercado capitalista é submetida a uma declaração de direitos subjetivos. Para o autor inglês, após a adoção pela ordem capitalista do contrato de trabalho “o que resta não é mais uma desigualdade de status, mas uma simples desigualdade de renda entre alguns setores do consumo privado. E este tipo de desigualdade é socialmente muito mais suportável, especialmente nas sociedades dinâmicas e democráticas nas quais não existam privilégios hereditários e a organização sindical seja permitida” (idem).

Conforme relato de Edson Ferreira de CARVALHO e Melenick de CARVALHO, esse otimismo de Thomas MARSHALL é criticado por Anthony GIDDENS, por “haver apresentado o desenvolvimento dos direitos de cidadania como um processo gradual, emergente de modo espontâneo do desenvolvimento “iluminado” das instituições de mercado  e graças à benevolente proteção do Estado e não ao invés, como um produto do conflito social e político”. Segundo Giddens, a interpretação de MARSHALL parece ignorar que a conquista dos direitos de cidadania foi em grande parte devida à luta política das classes subalternas, dirigida contra setores específicos da estrutura de classe e de seu poder. Para Giddens, “é ilusório pensar que a batalha pelos direitos civis e políticos já tenha sido cumprida e que a conquista das liberdades fundamentais possa, em razão disto, ser considerada irreversível. E no que toca aos direitos sociais introduzidos pelo Welfare State são, por sua vez, o centro de um conflito ainda aberto e não podem, de modo algum, serem interpretados como fatores de exaurimento tendencial do embate, da luta social.” (CARVALHO; CARVALHO, 2000:22)

A preocupação de GIDDENS com a consolidação da democracia social encontrou justificativa no avanço progressivo da ideologia neoliberal e o “desmanche” provocado por esta nos direitos e garantias sociais, exatamente a “pedra de toque” da teoria marshalliana. O receituário de uma ortodoxia monetarista e autoritária acabou tendo resultados nefastos para a “cidadania social”, como aponta Perry ANDERSON, exatamente ao analisar o caso da pátria da sua pátria, e também de MARSHALL e GIDDENS:

“(…) O modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram a taxa de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente – esta foi uma medida surpreendentemente tardia –, se lançaram num amplo programa de privatização, começando por habitação pública e passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água. (…)” (ANDERSON, 1996:12)

Se movimento neoliberal teve resultados tão graves no “berço do keynesianismo”, onde havia uma relativa consolidação de direitos democráticos, a situação se torna pior nos países da América Latina, onde as garantias sociais, em sua maioria, não foram alcançadas por grande da população, onde adicionamos o seguinte problema apontado pelo argentino Guilhermo O’DONNEL:

“Impressionados com a ineficácia, quando não as violações recorrentes, de muitos direitos básicos na América Latina, vários autores questionam a propriedade de se aplicar o rótulo ‘democracia’ à maioria dos países da região. No mínimo, como diz Juan Mendes, essas falhas indicam uma séria ‘abdicação da autoridade democrática’(…).” (O’DONNEL, 1998:37)

Na realidade, a história tem demonstrado, apesar da relativa estabilidade alcançada na Europa do pós-guerra, a incompatibilidade entre o conceito de “democracia substancial” e a coexistência do livre jogo do mercado capitalista, principalmente em países subdesenvolvidos como o Brasil. Guilhermo O’DONNEL utiliza o termo poliarquia, ou seja, democracia política, para classificar os modelos implementados na América Latina no período após ditaduras militares. Segundo ele, ou os autores concordam com uma definição estritamente política das democracias, basicamente shumpeteriana[42], argumentado que, embora as características socioeconômicas de um país nestas condições possam ser lamentáveis, classificariam o país como democracia. Trata-se de uma visão de democracia política independente das características do Estado e da sociedade (na realidade, de um tipo ideal, bem ao estilo weberiano). Em sentido contrário, outros autores acreditam que a democracia é um atributo sistêmico, dependente da existência de um grau significativo de igualdade socioeconômica e/ou de uma organização social e política geral orientada para a realização dessa igualdade. Conclui afirmando que a literatura contemporânea produziu fartas definições de democracia, mas se as opções se limitassem à estas duas, optaria pela primeira:

“(…). A definição que combina democracia com um grau substancial de justiça ou igualdade social não é útil em termos de análise. Além do mais, é perigosa, pois tende a condenar qualquer democracia existente e, portanto, favorece o autoritarismo – na América Latina, aprendemos isso por esforço próprio nas décadas de 60 e 70. Por outro lado, estou convencido de que um componente “politicista”, ou baseado unicamente no regime, é necessário mas insuficiente para uma definição adequada de democracia. (…)” (O’DONNEL, 1998:38-9)

Já Atílio BORÓN caminha mais longe e rejeita uma concepção “minimalista” de democracia, considerando impossível chamar de democrática, uma sociedade onde o cidadão indigente, para sobreviver, está disposto a vender a sua liberdade por um “prato de lentilhas”, e um outro disponha de riqueza suficiente para comprá-la a seu bel-prazer. Tais condições criam a possibilidade da restauração plebiscitária da ditadura:

“(…) para a teoria liberal-burguesa da democracia é irrelevante se o cidadão em questão é um proprietário ou um proletário. É premissa silenciosa de todas as elaborações que partem da matriz lockeana é que apenas o proprietário pode aspirar à cidadania. E foi precisamente esta condição restritiva e excludente que permitiu harmonizar a existência ‘terrena’ de uma sociedade classista e profundamente desigual – com a igualdade que imperava em um ‘céu político’ completamente independentizado da base material. (…)” (BORÓN, 1996:72)

Segundo ele, a concepção “politicista”, limitada às regras do jogo, da democracia obscurece nossa visão e nos instala em um universo fantasioso em que se tem correspondência com os processos reais e concretos que comovem as nossas sociedades. Acaba concluindo que,

“(…). Uma democracia ‘minimalista’ não tem condições de fazer frente aos grandes desafios e aos graves problemas sociais gerados pelo funcionamento do capitalismo latino-americano. A democracia se converteria em uma pura forma, e a vida social regressaria a uma situação ‘quase hobbesiana’, em que a desigual privatização da violência e o desespero ‘salve-se quem puder’, ao qual se veriam empurrados os indefesos cidadãos agredidos pelo capitalismo selvagem, dariam lugar a todo tipo de comportamento aberrantes. (…)” (BORÓN, 1996:110)

No Brasil, como bem destacou CHAUÍ, com o avanço do neoliberalismo, nos governos Collor e Fernando Henrique, ocorrerão tendências regressivas da democracia, com o alargamento do espaço ocupado pelo poder Executivo em detrimento do Legislativo e do Judiciário, além do aumento do autoritarismo institucional que recupera as relações tipicamente privadas do nosso “passado” colonial, fundadas no mando e obediência. Aliás, nada que já não tenha ocorrido em outros locais que adotaram o mesmo receituário, como na já citada Inglaterra, na Argentina (Menen), nos Estados Unidos (Reagan e Busch) , na Alemanha (Khol), dentre outros. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que será implantado o modelo de gestão neoliberal no Brasil, serão gestadas as primeiras experiências concretas de Democracia Participativa, que em muito superam o modelo conselhista instituído na década de oitenta como primeiro contraponto à ditadura. Após a vitória do Partido dos Trabalhadores em Porto Alegre em 1989, ocorrerá a implantação do orçamento participativo, considerado como o mais importante mecanismo de participação popular construído pela esquerda latino americana. Este modelo de participação congrega o tradicional modelo representativo com a participação direta do cidadão, e apesar da oposição dos setores mais conservadores, o orçamento participativo ganhará fama mundial, e será o principal atrativo para a realização do Fórum Social Mundial na cidade de Porto Alegre[43].

“O certo é que o fio condutor da participação popular começou a divisar um projeto de organização de direitos e liberdades fundamentais, de instrumentos e de mecanismos eficazes para a garantia desses direitos e liberdades básicos e, portanto, a constituir os nossos sujeitos autores autônomos desse processo.” (SOUZA JUNIOR, 1997:46)

Neste contexto, como afirma J. Luiz Marques (1999:20), o alargamento democrático da democracia, parodiando KANT, é um imperativo categórico:

“Somente a participação popular pode trazer novos conteúdos éticos, sociais e econômicos para a democracia, retirando-lhe a couraça politicista e juridicista. É a intervenção direta do povo mobilizado que evita a confusão entre o público e o privado, expressa no patrimonialismo praticado tradicionalmente pelos conservadores” (MARQUES, 1999:21).

Para o professor da Universidade Complutense de Madri, Tomás R. VILLASANTE (1999:97-105), a experiência de Porto Alegre, juntamente com Seattle nos EUA e Villa El Salvador, na região metropolitana de Lima, no Peru, são as alternativas democráticas mais efetivas adotadas em âmbito mundial. Para VILLASANTE,

“Uma democracia não é algo estático, é um processo. Um processo na história que se está construindo e em relação aos problemas concretos que deve ir resolvendo. É portanto uma coisa construída, que não cai do céu por milagre. (…)” (VILLASANTE, 1999:98)

Sendo assim, segundo o professor espanhol,

“A democracia não está tanto em representar as opiniões, mas sim em como elas são construídas. Porque as opiniões, como tudo mais, não estão aí preexistentes, à espera de que venhamos descobri-las, mas estão em permanente construção, e o interessante é que se possa construir livremente e com a maior informação possível. A democracia não é uma coisa abstrata realmente existente ou não, mas sim processos que se constroem ou destroem, dependendo do papel desempenhado pelas diferentes forças sociais, em cada situação concreta e complexa.” (VILLASANTE, 1999:100)

No lado brasileiro, Paulo BONAVIDES, vê no modelo participativo uma oportunidade e afirma que a sua superioridade consiste na sua força de repolitizar o princípio da legitimidade, que sistematicamente tem perdido o seu caráter de politicidade, em face do fenômeno da globalização da sociedade o que por conseqüência também provoca a perda significativa de legitimidade dos poderes executivo e legislativo, componentes essenciais da democracia representativa, que se afastam cada vez mais do conjunto da sociedade. Desta forma, “repolitizar a legitimidade equivale a restaurá-la, ou seja, desmembrá-la da legalidade formalista do modelo representativo, onde ela na essência não existe, porque o povo perdeu a crença e a confiança na república das medidas provisórias e na lei dos corpos representativos, cada vez mais em desarmonia com a sua vontade, suas aspirações, seus interesses existenciais[44]. Para o professor cearense a democracia participativa não deveria ficar limitada aos municípios, mas conduzida aos mais altos poderes da República.

Num país em que a frase de Marx, “as tradições de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”, tem fortes implicações reais, a experiência do “orçamento participativo”, além de um grande instrumento contra os retrocessos democráticos provocados pela orgia neoliberal, traz a perspectiva de um futuro mais promissor para o conjunto da população brasileira. A “práxis” embutida neste projeto tem servido como um instrumento para romper com o ostracismo que os vários anos de patrimonialismo e populismo impuseram à sociedade. Porém, apesar deste avanço, devemos ter consciência que para a real efetivação substancial da democracia é necessário promover a superação do atual modelo de produção. Da mesma forma, é necessário levar este importante mecanismo de participação cidadã para a esfera nacional, dando reais condições para a mudança da atual estrutura de poder existente no país. Mas para tanto é necessário aceitar o papel protagonista do povo, que em nosso país historicamente tem sido afastado da tomada de decisões.

 

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Notas
[1] Podemos citar dois exemplos em frases que demonstram o desprezo da classe dominante brasileira pela organização popular: a primeira proferida pelo positivista gaúcho Borges de Medeiros, que prefere “leis que governem homens, e não homens que governem leis”, e a segunda é manifestação mais pura de um pensamento Hobbesiano, de um dos mentores intelectuais da ditadura militar, Golbery do Couto e Silva, segundo o qual “o povo… não é o sujeito da história da nação… mas o objeto da ação estatal”;
[2] Um dos traços desta estrutura manda-obedece pode ser encontrada na organização patrimonialista presente no Estado Brasileiro e ainda não totalmente superada: “O colonialismo português, que, como o espanhol, foi produto de uma monarquia absolutista, assentou as bases do patrimonialismo, arquétipo de relações políticas, econômicas e sociais que predispõem à burocracia, ao paternalismo, à ineficiência e à corrupção. Os administradores designados ligavam-se ao Monarca por laços de lealdade pessoal e por objetivos comuns de lucro, antes que por princípios de legitimidade e dever funcional. Daí a gestão da coisa pública em obediência a pressupostos privatistas e estamentais, de modo a traduzir fielmente, na Administração Pública, as aspirações imediatas da classe que lhe compõe o quadro burocrático. O agente público, assim, moralmente descomprometido com o serviço público e sua eficiência, age em função da retribuição material e do prestígio social” – BARROSO, Luís Roberto, “O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas”, Rio de Janeiro, Renovar, 1992, pág. 9;
[3] Para a historiadora gaúcha Sandra Jatahy PESAVENTO, internamente, no Brasil, foi o início da república velha (1890-1930) que marcou a adoção do capitalismo: “Durante o período em apreço, o Brasil sofreu um processo de transformação que acabaria por fazer implantar-se no país o modo capitalista de produção. Desde o final do século XIX, quando o Brasil escravocrata transitara para uma economia de base assalariada, começaram a surgir rupturas fundamentais que promoveram a internalização do capitalismo no Brasil. Este processo renovador, que teve por centro São Paulo, originou-se do surto cafeeiro, com todas as implicações que vieram consigo: acumulação de capital de forma até então desconhecida, oportunizando não só a continuidade do processo produtivo na base da mão-de-obra, mas também a diversificação desse capital, que se reproduzia em efeitos multiplicadores por todo o contexto social; difusão de relações assalariadas de produção; ampliação do mercado interno para produtos industrializados ou de subsistência; dinamização das estradas de ferro e equipamentos dos portos; desenvolvimento bancário; ampliação do setor terciário; crescimento da indústria. No bojo deste processo, a oligarquia dos cafeicultores assumia, no final do século passado, uma conotação de burguesia agrária. Em outras palavras, a época da República Velha foi o momento em que se estruturaram no Brasil as bases para a formação do capitalismo. (…)” – PESAVENTO, Sandra Jatahy, “República Velha Gaúcha: Estado Autoritário e Economia”, In: “RS: Economia & Política”, Série Documenta 2, Porto Alegre, Mercado Aberto, 1979, pág. 194;
[4] A abolição formal da escravatura no Brasil acabou sendo acompanhada por uma manutenção fática das relações servis anteriores, na medida em que boa parte dos escravos continuaram trabalhando para os “ex senhores” e agora “patrões”, aos demais foi imposta a total exclusão social: “(…) A abolição se limitou ao plano político do problema. Quanto ao econômico, o mercado de trabalho mostrou que não havia condições de absorver, na qualidade de assalariados, uma massa de escravos cujo número era então superior a 700.000. O fardo da escravidão foi atirado à rua pela classe senhorial: ele era demasiadamente oneroso para que ela suportasse.” – SODRÉ, Nelson Werneck, “Evolução social e econômica do Brasil”, Segunda edição, Porto Alegre, Editora da Universidade – UFRGS, 1996, pág. 70;
[5] Outro fator que fortaleceu a queda do império foi a crise financeira do Estado em virtude das dívidas contraídas na aventura imperial na Guerra do Paraguai.
[6] É necessário destacar o papel atuante do setor latifundiário escravocrata no processo de formação da República, que estavam descontentes com o império pela perda do seu “patrimônio” na abolição. Alguns autores destacarão que no seio do império era estava sendo gestado um início de reforma agrária (como, por exemplo, as ocupações alemãs e italianas no Sul), inclusive abarcando os negros recém libertos. O medo de que o império tomasse um rumo mais liberal e progressista, também fortaleceu a “ânsia” republicada da elite rural escravista.
[7]El ordem y el progresso son los aspectos estático y dinámico de una sociedad. El orden se refiere a la armonia que prevalece entre las diversas condiciones de la existencia, mientras que el progresso apresenta al desarrollo ordenado de la sociedad, de acuerdo com leyes sociales naturales. Asi se reconcilían los dos princípios que antes eran antagónicos. Es natural y normal que los elementos del sistema social, la instituiciones (…) Todas las partes del sistema constituyen un todo armonioso, el qual, por definición, carece de elementos conflitivos, contradictorios antagónicos” –  ZEITLING, Irving, apud PESAVENTO, Sandra Jatahy, ob. cit. pág. 206;
[8] Inspiração meramente nominal no regime federativo norte-americano.
[9](…), oligarquia não identifica propriamente uma forma peculiar de governo, mas uma situação de fato em que o poder supremo se concentra em um restrito grupo de pessoas, ligadas por interesses econômicos e políticos, gerando um sistema de privilégios voltado para a autoconservação. […] No contexto específico que se vem retratando, o fenômeno oligárquico traduzia-se no predomínio praticamente absoluto da classe dos senhores territoriais, que encobria, por trás de uma fachada falsamente democrática, “um fundo medieval”. A vida política brasileira gravitava em torno dessas oligarquias, que dominavam os Estados e proviam as funções públicas , tanto no campo formalmente distribuído à escolha popular como no campo administrativo” – BARROSO, Luís Roberto, ob. cit., pág. 14;
[10] Por sinal, este personalismo continua ainda reinante no sistema eleitoral brasileiro, que adota um mecanismo de eleições por listas abertas, que só existe no Brasil e na Finlândia, fortalecendo o personalismo dos candidatos, em detrimento da unidade do programa partidário. Sobre o tema ler o nosso “A Crise da Democracia Representativa e a Reforma Política”, cujo referencial bibliográfico encontra-se no final deste artigo.
[11] Um exemplo deste fenômeno foi o Governo de Campos Salles: “O Brasil estava dividido em um número de feudos igual ao de seus estados federados e em cada um deles instalava-se um poder autônomo com forças militares próprias, que podia utilizar a seu bel-prazer, o que originou, nas regiões mais atrasadas, um regime de banditismo. Enquanto isso, a orientação financeira era definida por uma violenta deflação, que paralisou as transformações em curso. ‘Todos sabemos – disse um ensaísta – o que foi o quadriênio Campos Salles. Um verdadeiro aluvião tributário sem o menor critério econômico, sem nenhuma consideração pelos elevados interesses brasileiros, sem nenhum objetivo político ou econômico, sem tomar em conta uma só das relações que provocaria a mais completa rede fiscal que o país havia conhecido, estendida a todo e qualquer vestígio da economia.’ Uma estatística sobre o capital investido na indústria entre os anos 1885 e 1919, mostra que o período de Campos Salles registrou o menor nível de investimentos. Sua política consistia em deter o desenvolvimento industrial e submeter o país ao sistema colonial sob ordens do imperialismo[11]: ‘É tempo de tomar o caminho certo – dizia Campos Salles – e o que devemos fazer com esse fim é esforçar-nos por exportar tudo que possamos produzir em melhores condições que outros países e em importações o que eles possam produzir em melhores condições que nós’. Era uma apologia da estagnação.” – SODRÉ, Nelson Werneck. “Evolução social e econômica do Brasil”, Segunda edição, Porto Alegre, Editora da Universidade – UFRGS, 1996, pág. 82 e 83;
[12] O pensamento de Vargas possui diversas facetas, inicialmente com a influência positivista do Partido Republicano Riograndense, mas em 1928 tende a assumir políticas de crédito (ao contrário da pregação positivista) semelhante à de Keynes.  Pregava o progresso dentro da ordem, rejeitando a violência, as revoluções e as alternativas ilegais, como um bom positivista. O “trabalhismo” de Vargas, além do positivismo comteano era uma amalgama que incluía a  doutrina social cristã da igreja católica e o a social democracia do Partido Trabalhista Inglês. “(…) “Ser político” em toda sua acepção, Vargas não permite uma leitura única de seu discurso; as diferentes leituras podem ser legitimadas pela pluralidade de enfoques, nuances, paradigmas e cortes analíticos que usualmente acompanham as chamadas ciências humanas. […] A ideologia positivista manifesta-se principalmente, na velha pretensão comteana, agora levada á prática de forma mais clara e decidida, de “integrar o proletariado à sociedade moderna”. Evidentemente o trabalhismo superava a postura assumida pela bancada do PRR [Partido Republicano Riograndese] na Câmara dos Deputados na década de 1920 de ser contrária à “estatização” da questão. O trabalhismo de Vargas oscila entre uma tendência de, no discurso, colocar-se acima das classes, bem ao gosto positivista, e outra, que se põe facciosa em favor dos trabalhadores e do “povo”, em um estilo mais populista.(…)” – FONSECA, Pedro Cezar Dutra, “As Fontes do Pensamento de Vargas e seu Desdobramento na Sociedade Brasileira”, In: RIBEIRA, Maria Thereza Rosa (org.), “Interpretes do Brasil – Leituras críticas do pensamento social brasileiro”, Porto Alegre, Mercado aberto, 2001, pág. 105 e 118;
[13] O período do Estado Novo será marcado pela supressão das garantias individuais. Sob um discurso modernizador e nacionalista, Vargas se utilizará como nenhum governo até então, do poder da mídia radiofônica para divulgar a ideologia do Estado Novo. Tentará construir um mito de identidade nacional homogênia, de um país que é exemplo de igualdade racial para o mundo, enquanto perseguirá comunistas e descentes de alemães e italianos na região Sul, extinguirá com os partidos políticos, figuras que hipoteticamente, dado o seu caráter predominantemente regional, no discurso governamental, estariam conspirando contra a identidade nacional.
[14]A fim de preservar intacto o seu poder social, seu poder político deve ser destroçado”, comentário de Karl MARX sobre o comportamento da burguesia em relação ao golpe de Luís Bonaparte no “Dezoito Brumário” que muito se assemelha à situação encontrada no caso em tela.
[15] O termo estamento burocrático é utilizado por FAORO para da casta que comandava a ação estatal. Esta casta, tal qual a burocracia napoleônica, citada por Marx no Dezoito Brumário, vê a manutenção do regime, como uma “questão de garfo e faca”, e se mantém fiel ao seu interesse de conservação de poder, mesmo após a queda de Vargas, quando não contribuindo para a queda deste.
[16] Leôncio Martins Rodrigues (1981:532-3) classifica o governo getulista como Bonapartista. Já João Quartin de MORAES (1987:11-56), adotando a concepção gramsciniana de “cesarismo progressivo” e “cesarismo regressivo” (reacionário), entendendo o “bonapartismo” como uma forma de “cesarismo”, vai classificar o governo de Vargas até 1937 como “cesarismo progressivo”, e pós 37, “cesarismo policial”, forma como Gramsci classifica o fascismo: “(…) o cesarismo, se exprime sempre a solução ‘arbitral’, confiada a uma grande personalidade, de uma situação histórico-político caracterizará por um equilíbrio de forças de perspectivas catastróficas, não tem sempre o mesmo significado histórico. Pode haver um cesarismo progressista e um cesarismo reacionário; mas em última análise, o significado exato de cada forma de cesarismo só pode ser reconstruído pela história concreta, e não por um esquema sociológico. O cesarismo é progressista quando  a sua intervenção ajuda a força progressista a triunfar, mesmo com certos compromissos e medidas que limitem a vitória; é reacionário quando a sua intervenção ajuda a força reacionária triunfar, (…) O cesarismo é uma forma polêmico ideológica, e não um cânone de interpretação histórica (…) O cesarismo moderno, mais que militar é policial (…)” – GRAMSCI, Antônio, “Maquiavel, a Política e o Estado Moderno”, 8ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991, pág. 64-5;
[17]Durante o ano de 1946, aumentou o número de greves e ocorreu uma maior mobilização de parte dos próprios trabalhadores. Porém, esta ampliação da movimentação operária, caracterizada pela ocorrência de greves espontâneas por melhorias salariais não chegou a abalar a estrutura sindical consolidada durante o Estado Novo. De um lado, a burocracia sindical getulista mantinha as principais posições na estrutura sindical brasileira; de outro lado, até o início da “guerra fria”, em 1948, os comunistas no meio operário, procuraram evitar uma eventual radicalização das reivindicações e do comportamento operário que pudesse pôr em risco a formação de uma ‘frente democrática antifascista’” – RODRIGUES, Leôncio Martins, ob. cit., pág. 538;
[18] Dutra, outrora membro da base estadonovista, com o fim do regime mudou de lado e passou a representar o pensamento da oposição. Essa manobra de Dutra só encontrou paralelo recente com José Sarney, que no apagar das luzes deixou a presidência da ARENA, partido oficial da ditadura, para compor a Aliança Democrática, na condição de vice de Tancredo Neves,
[19] Na Democracia Brasileira do pós-guerra, a palavra política, verdadeira essência da Democracia, ganhou um caráter de ato criminoso. A ação política deixou de ser um atributo humano, como defendia Aristóteles, para se tornar algo que corrompia a nação.
[20] Já podemos ver a gestação do futuro regime de exceção que estava por vir no pós 64.
[21] Conforme destaca Martin CARNOY, no modelo corporativista a nação é vista como uma totalidade orgânica, comportando categorias hierarquicamente articuladas, cujo complementariedade é indispensável à realização dos objetivos nacionais permanentes. Este modelo define o Estado como representante do bem comum, razão que em si mesma dá a ele autoridade moral e legitimidade. O corporativismo procura não ser visto como uma ideologia, mas como um meio de organização das relações entre empresários e trabalhadores na sociedade capitalista industrial. O Estado, conseqüentemente, encara a moralidade, a ética e a ideologia para o povo, antes de refletir normas e valores gerais. O corporativismo é como uma solução não-coercitiva para o conflito de interesses em um sistema onde se supõe haver um interesse predominante, e como um substituto lógico para a democracia liberal em uma economia em que a indústria está altamente concentrada e o mercado livre não é mais a forma dominante  da relação econômica. Essa concepção vê o Estado como um organismo neutro e ignora a luta de classes: “(…),o corporativismo nas modernas sociedades capitalistas significa a integração da classe trabalhadora organizada ao Estado capitalista – não exatamente em suas origens, mas no seu funcionamento – incrementando o crescimento econômico e assegurando a harmonia das classes em face do conflito de classes.  […] As estruturas corporativas servem em parte para manter uma identidade de classe subordinada, setorial e limitada para esses grupos, particularmente àqueles que dependem da organização sancionada pelo Estado para terem poder político. Dessa forma, os sindicatos de trabalhadores servem para limitar a identidade da classe trabalhadora na medida em que eles restringem sua atividade ‘política” à barganha coletiva a nível de indústria e de empresa. Por outro lado, a política orientada para decisões, caracterizada pela atuação de grupos e pelas pressões pluralistas, e os parlamentos eleitos continuam a desempenhar uma função política central.” – CARNOY, Martin, “Estado e Teoria Política”, Campinas, Papirus, 1994, pág. 59-60;
[22] Alusão à figura de Luís Bonaparte, também figura medíocre, que conduzido ao poder por uma eleição  avassaladora na França de meados do século XIX, procurou através de um golpe de Estado, a exemplo do tio Napoleão I, restaurar a monarquia e consolidar o poderio da burguesia. Jânio vislumbrava-se nessa condição, até planejou um golpe de Estado, talvez inspirado no exemplo de Getúlio, mas “a farsa janista”, para utilizar a expressão de MARX no “Dezoito Brumário”, não teve êxito. Culminou em sua renúncia. Como diria GRAMSCI, “o demagogo é a primeira vítima da sua demagogia”!
[23] A atuação populista de Jânio Quadros, em 1953, acabou motivando a sua participação num piquete juntamente com trabalhadores em greve;
[24] O termo “catarsis” tem, aqui, a conotação dada por GRAMSCI, ou seja, a passagem de um momento puramente econômico (egoísta-patrimonial) ao momento ético-político;
[25] O popular não é a mediação abstrata da cidadania nem a mediação concreta indiferenciada de nação. Segundo O’DONNEL, o Estado capitalista somente pode ser realmente um Estado popular em circunstâncias históricas muito especiais e breve duração. Para o autor, nenhuma sociedade é “puramente” capitalista, embora a sua condição como tal tenda a subordinar suas outras dimensões. “O popular costuma ser território de lutas políticas definidas por seu conteúdo: o não-popular, o qual reúne, pelo menos, parte das classes dominantes. No seu limite, as lutas ao redor do popular implicam a pretensão de que seu âmbito é o da “verdadeira” nação, fusão entre o nacional e o popular: quem se situasse fora desse campo não seria em realidade parte da nação.(…)” – O’DONNEL, Guilhermo, “Anotações para uma teoria do Estado (II)”, in: Revista de Cultura e Sociedade, nº 4, fev./abr., 1981, pág. 79;
[26] Na teoria política, desde Maquiavel, o exército nacional é sempre visto como um símbolo de defesa da nacionalidade: “Na verdade, em quem encontrará a pátria fé mais firme do que naquele do que naquele que prometeu morrer por ela? Quem pode Ter maior amor à paz do que o soldado que a guerra virá ameaçar? Quem temer mais a Deus do que aquele que tem mais precisão de sua ajuda, porque está sujeito todo dia a perigos infinitos? Considerada como um bem pelos legisladores dos Estados e pelos que destinavam aos exercícios militares, essa necessidade fazia com que todos louvassem a vida do soldado, que era seguida e imitada atentamente.”– MAQUIAVEL, Nicolau – “A Arte da Guerra” – In “A  Arte da Guerra e Outros Ensaios”, Pensamento Político, Editora Universidade de Brasília, 2ª Edição, 1982, Tradução: Sérgio Bath, pág. 17;
[27] O caráter contra-revolucioinário do golpe, fica ilustrada no discurso apaixonado de um dos seus mais ferrenhos defensores quando este propõe estratégias para defesa da “Segurança Nacional”, Roberto CAMPOS, cuja linha política “conservadora e fortemente vinculada aos interesses norte-americanos” de suas idéias lhe rendeu o apelido, “Mr. Bob Fildes”, que recebeu de dirigentes da UNE: “Entre os antagonismos a considerar no conceito estratégico nacional, não há por que excluir aqueles motivados pelo descontentamento ativo de grupos dissidentes internos, desde que daí resultem ou possam vir a resultar nítidas pressões desfavoráveis à consecução de reconhecidos objetivos nacionais permanentes. Fica portanto excluída desde logo a oposição dos partidos políticos minoritários, exercendo-se nos regimes democráticos dentro de normas legais amplamente admitidas, e benéfica, essencial mesma à vitalidade e eficácia do sistema institucional; assim também a atividade normal dos chamados grupos de pressão, o jogo das influências regionais no panorama federativo, etc. Ao contrário, cabe incluir os antagonismos ligados à atuação de grupos importantes, tanto ilegais quanto aparentemente legítimos, que revolucionariamente se proponham a mudança do regime – os partidos comunistas nas democracias de hoje, por exemplo, tanto quanto uma organização clandestina de ideologia democrática nos Estados soviéticos – o irredantismo de minorias lingüísticas ou étnicas, as aspirações separatistas de certas províncias, a autodeterminação almejada por populações coloniais” – CAMPOS, Roberto apud MORAES, Reginaldo, “Celso Furtado – O subdesenvolvimento e as idéias da Cepal”, São Paulo, Ática, 1995, pág. 107;
[28] Segue relato do Frei Tito Alencar de Lima, sobre o estado em que se encontrado nos porões do DOI-CODI em 1970. O Frei Tito, em conseqüência das seqüelas psíquicas da tortura, cometeu suicídio no exílio na França, em 1974: “(…)Na cela cheia de lixo encontrei uma lata vazia. Comecei a amolar sua ponta no cimento. O preso ao lado pressentiu minha decisão e pediu que eu me acalmasse. Havia sofrido mais do que eu (teve os testículos esmagados) e não chegara ao desespero. Mas, no meu caso, tratava-se de impedir que outros viessem a ser torturados e de denunciar à opinião pública e à Igreja o que se passa nos cárceres brasileiros. Só com o sacrifício de minha vida isso seria possível, pensei. (…) Nos pulsos, eu havia marcado o lugar dos cortes. Continuei amolando a lata. Ao meio-dia, tiraram-me para fazer a barba. Disseram que iria para a penitenciária. Raspei mal a barba, voltei para a cela. Passou um soldado. Pedi que me emprestasse a gilete para terminar a barba. O português dormia. Tomei a gilete, enfiei-a com força na dobra interna do cotovelo, no braço esquerdo. O corte fundo atingiu a artéria. O jato de sangue manchou o chão da cela. Aproximei-me da privada, apertei o braço para o sangue jorrasse mais depressa. Mais tarde, recobrei os sentidos num leito do Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas. (…)” – “BRASIL: Nunca Mais” – Petrópolis, Vozes, 1986, pág. 221;
[29]A certa altura, a conversa toma rumo oposto. O magistrado aparentemente frio e objetivo, se comove. Acaba de receber dois documentos – diz ele – provenientes de fontes diversas e assinados por pessoas diferentes. Dois presos políticos afirmam terem assassinado a mesma pessoa, em tempo e circunstâncias totalmente inverossímeis. E ele, juiz, a concluir: ‘Imagine o senhor a situação psicológica, e quem sabe física, de quem chega ao ponto de declarar-se assassino, sem o ser!’” – ARNS, Dom Paulo Evaristo, In: BRASIL: Nunca Mais, ob. cit., pág. 12;
[30] Estes índices ultrapassarão a marca dos 30% após a realização das reformas neoliberais na década de 90.
[31] A situação ficou ainda mais agravada depois das reformas neoliberais da década de 90, que retomaram a política de concentração de poder interrompida pelo período de abertura política. Segundo dados do Ministério da Fazenda, de abril de 2003, contidos nos estudos de n.º 51 do Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 70,15% das receitas tributárias estão concentradas na União, 25,50% nos Estados, e apenas 4,35% nos Municípios, situação esta agravada com a prática de desvinculação de receitas adotada no governo de Fernando Henrique Cardoso.
[32] Esta prática foi retomada no governo de Fernando Henrique Cardoso com a famosa Lei Kandir, que nada mais era do que a desvinculação de receita do ICMS Estadual, em favor da empresas exportadoras.
[33] Além de fonte financeira, já no século XIX, MARX adverte que as loterias possuem outra função, de caráter ideológico: “queria-se que os sonhos dourados substituíssem os sonhos socialistas do proletariado do país; e que a perspectiva sedutora do primeiro prêmio substituísse o direito doutrinário ao trabalho” – MARX, Karl, “ O Dezoito Brumário”, ob. cit., pág. 79;
[34] O termo “ditadura comissária” era apontado no receituário de Roberto CAMPOS, influência pela lex curiata dos Romanos, que para enfrentar as crises de estabilidade interna e externa do sistema político e econômico e garantia do que chamava de Segurança Nacional. Na sua receita, apela para a expropriação dos direitos políticos e justifica-se num diagnóstico alicerçado em noções apocalípticas: “Com notável instinto de preservação, que lhes garantiu três séculos de história, façanha não desprezível, a “Lex Curiata” da República Romana admitia regimes transitórios de exceção para a solução de crises. Era, a dictadura rei gerundae causa – a ditadura para fazer as coisas – e a dictadura seditionis sedandae – a ditadura para debelar a sedição. Os nossos Atos Institucionais, cujo objetivos foram essencialmente semelhantes – quebrar um impasse institucional e expungir a subversão –, nada mais são do que a versão cabocla da lei curiata” – CAMPOS, Roberto, apud MORAES, Reginaldo, ob. cit., pág. 105-6 – grifos nossos;
[35] Apesar da dubiedade e da péssima redação que recebeu o artigo, pelo menos em tese, a emenda Constitucional n.º 18/98 retirou a limitação ao direito de sindicalização e greve dos servidores militares. Contudo manteve a idéia de que serviços tipicamente civis, corpo de bombeiros e polícia, são atividades realizadas por servidores militares.
[36] Francisco de Oliveira: “A intervenção do ministro Ciro Gomes, impedindo o acordo que as montadoras de automóveis realizavam com os sindicatos da categoria, foi bem interpretado pela imprensa: a matéria de hoje do Jornal do Brasil, daqui do Rio, lembra o quê? […] lembram da queda de braço entre o governo Tatcher e o sindicato dos mineiros ingleses. Durante um ano o sindicato sustentou, milagrosamente, uma greve duríssima, e a ‘dama de ferro’ aproveitou as condições para jogar a população contra o sindicato, e em seguida procedeu à privatização das minas de carvão. A intervenção de Ciro Gomes vai na mesma direção: o recado é para as montadoras endurecerem o jogo com os sindicatos que o governo bancará a aposta.” – OLIVEIRA, Francisco de, “Neoliberalismo à Brasileira”, In: SADER, Emir, GENTILI, Pablo, “Pós-neoliberalismo. As políticas sociais e o estado democrático”, 3ª edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996, pág. 28;
[37] A política suicida de privatizações tinha o claro objetivo de servir para cobrir os juros das dívidas externa e interna, além de criar recursos suficientes para “pagar” ao mercado financeiro os ataques de especuladores à artificial paridade que o real manteve com o dólar no início do Plano. Tal receituário é explicado de forma bem clara por um dos mentores da política da ditadura militar, o notório conservador, Roberto Campos:(…) A privatização não é uma opção acidental nem coisa postergável, como pensam os políticos irrealistas e burocratas corporativistas. É uma imposição do realismo financeiro. Há duas tarefas de saneamento imprescindíveis. A primeira consiste em deter-se o ‘fluxo’ de endividamento (o objetivo mínimo seria estabilizar-se a relação endividamento/PIB). Essa é a tarefa a ser cumprida pelo ajuste ‘fiscal’. A segunda consiste em reduzir o ‘estoque’ da dívida. Esse o objetivo da reforma ‘patrimonial’, ou seja, a ‘privatização’.” – CAMPOS, Roberto, “Reescrevendo a História”, Zero Hora, Porto Alegre, 21 de março de 1999, pág. 20 – GRIFOS NOSSOS;
[38] A política de reforma de Estado é uma imposição dos bancos internacionais e do FMI aos países endividados, como o Brasil, para garantir o pagamento da dívida. Tal linha é descaradamente defendida pelo “mentor” da Reforma do Estado do Governo FHC, Luiz Carlos Bresser Pereira: “A centro-direita pragmática e mais amplamente as elites internacionais, depois de uma breve hesitação, perceberam, em meados dos anos 90, que esta linha de ação estaca correta, e adotaram a tese da reforma ou da reconstrução do Estado. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento tornaram os empréstimos para a reforma do Estado prioritários. As nações Unidas promoveram uma assembléia geral resumida sobre a administração pública. Muitos países criaram ministérios ou comissões de auto nível encarregada da reforma do Estado. O World Development Report de 1997 tinha originalmente como título Rebuilding the State. A reforma do Estado tornou-se o lema dos anos 90, substituindo a divisa dos anos 80: o ajuste estrutural.” – PEREIRA, Luiz Carlos Bresser, “A Reforma do Estado dos anos 90: Lógica e Mecanismos de Controle”, Cadernos do MARE da Reforma do Estado, Brasília, MARE, caderno nº 1, 1997, pág. 17 – grifos nossos;
[39] Alusão à abertura dos portos às nações amigas por D. João VI em 1808, que acabou quebrando com a incipiente manufatura que se formava na colônia em proveito da indústria inglesa.
[40] Diferentemente do governo militar, a política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso privilegiou o capital financeiro em detrimento do investimento em infra-estrutura, o que acabou resultando no escândalo do Apagão, quando boa parte do país entrou em racionamento de energia, com exceção do Rio Grande do Sul, na época administrado pelo então governador Olívio Dutra (PT).
[41] No ponto de vista das relações de trabalho o governo de Fernando Henrique Cardoso foi amplamente favorável ao capital. Uma série de normas, incluindo, dentre outras, a Lei de Contratos Temporários (Lei 9601/98) e Lei de Trabalho Voluntário (Lei 9608/98), desconstituíram a estrutura de regulação do mercado de trabalho que vinham sendo conquistadas pela classe trabalhadora desde a década de 20. Talvez o exemplo mais clamorosa seja o decreto 2100/96 que denunciou a convenção 158 da OIT, norma internacional que impunha limites à demissão de trabalhadores. A desculpa desenvolvida pelo governo brasileiro consistia na argumentação de que a Convenção vinha tumultuando as relações de trabalho, face às decisões jurídicas com entendimentos distintos, além de apresentar “incompatibilidade” entre a norma e a conjuntura globalizada.
[42](…), convém tomar nota das perniciosas implicações teóricas e político-ideológicas desse triunfo contundente das concepções shumpeterianas, que reduzem a democracia a uma questão de método, completamente dissociado dos fins, dos valores e dos interesses que animam a luta dos atores coletivos a expensas das formulações clássicas. (…)” – BORÓN, Atílio, “A sociedade Civil depois do dilúvio neoliberal”, In: SADER, Emir, GENTILI, Pablo, “Pós-neoliberalismo. As políticas sociais e o estado democrático”, 3ª edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996, pág. 66;            “Segundo Schumpeter, democracia é ‘a ordenação institucional do processo de decisões políticas, graças á qual alguns adquirem a faculdade de decidir através de uma luta concorrencial pelos votos do povo’. […] Nesse sentido as instituições aparecem como um sistema de equilíbrio possível. Trata-se de uma concepção tecnicista que considera a democracia como um modelo que pode separar-se do processo real de sua origem social e, com algumas adaptações, pode aplicar-se a qualquer população.” – HABERMAS, Jurgen, “Participação Política”, in CARDOSO, F. H. & MARTINS, C. E., “Política e Sociedade”, São Paulo, Nacional, 1983, pág. 375;
[43]  Em 1996, o orçamento participativo de Porto Alegre acabou sendo reconhecido pela ONU, como uma referência internacional de gestão democrática, na “Conferência Mundial Habitat II”
[44] BONAVIDES, Paulo. “A Democracia Participativa como Alternativa Constitucional ao Presidencialismo e ao Parlamentarismo”. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, n.º 3, 2003, pág. 484;

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Sandro Ari Andrade de Miranda.

 

Advogado em Pelotas/RS Mestre em Ciências Sociais

 


 

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