Resumo: O presente artigo trata-se de um breve estudo sobre a multa do art. 475-J do CPC, dispositivo este introduzido pela Lei 11.232/05 à luz dos direitos e garantias fundamentais previstos em nossa Constituição Federal, onde serão analisados a sua natureza jurídica, finalidade, modo de utilização e o momento de sua aplicação pelos operadores do direito.
Palavras chaves: Celeridade, Efetividade, Execução Civil, Multa.
Abstract: This article is a brief study on the fine art. 475-J of the CPC, introduced by Law 11.232/05, agree of the fundamentals rights and guarantees provided in our Federal Constitution, which will be examined by their legal nature, purpose, method of use and moment of their application by operators of the right.
Keywords: Celerity, Effectiveness, Civil Execution, Fine.
Sumário: 1. Introdução; 2. A inefetividade da sentença condenatória; 3. O cumprimento voluntário da sentença condenatória e a multa do art. 475-J do CPC; 4. Conclusões; 5. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Diante das mudanças sociais, econômicas e tecnológicas que vem, hodiernamente, sofrendo a nossa sociedade, o legislador pátrio, antenado com os novos adornos preconizados na Constituição Federal de 1.988 – a qual garante ao jurisdicionado uma tutela efetiva, célere e justa (art. 5º, XXXV, LXXVIII) -, além da criação de diversas legislações infraconstitucionais extravagantes, vem implantando, desde 1994, uma série de reformas em nosso Código de Processo Civil.
Embora o direito processual civil já tenha passado por inúmeras modificações, principalmente, em seu Livro I que trata sobre o processo de conhecimento, temos que o nosso legislador reconheceu que as mesmas não foram suficientes para dar efetividade à tutela jurisdicional prestada pelo Estado.
Para o aprimoramento de todo o sistema processual, o legislador se deu conta que se fazia necessário, agora, a introdução de novas alterações legislativas na execução civil, principalmente na modalidade por quantia certa contra devedor solvente representada por título judicial, a qual ainda estava vinculada às técnicas arcaicas e rígidas do passado, eis que assentada em um modelo de proteção excessiva do executado em detrimento do exeqüente.
Diante de toda a problemática exposta acima, a execução civil por quantia começou a ser alvo de críticas e insatisfações pelos operadores do direito em face de sua inefetividade, seja em razão do seu procedimento moroso e custoso para a parte exeqüente, ou pela ausência de mecanismos legais capazes de induzir o executado a adimplir o seu débito.
Fora nesse ambiente de insatisfação que o nosso legislador, preocupado em solucionar esta crise de execução que passa o direito processual civil na atualidade, ancorando-se nos direitos e garantias fundamentais – e, agora, em especial, no Princípio Constitucional da Razoável Duração do Processo introduzido no inciso LXXVIII do art. 5º do Texto Maior -, e calçado em técnicas processuais de aceleração, passou impingir importantes modificações no processo de execução civil, culminando no que podemos considerar de a Terceira Grande Etapa da Reforma Processual Civil.
2. A inefetividade da sentença condenatória
Com a elaboração da Lei 11.232/2005, o legislador deu um passo importante na busca de um modelo constitucional do processo que prega um processo célere e eficaz com a implantação de uma nova sistemática para a execução de títulos judiciais.
O processo civil passou a ser lido e relido à luz da Constituição Federal, e diante dessa concepção passaram os estudiosos a enxergar que não bastava mais o juiz “dizer”, ou melhor, “declarar” um direito, principalmente quando esse direito dissesse respeito a uma condenação referente ao pagamento de certa quantia em dinheiro.
A tutela jurisdicional, diante desse novo modelo constitucional de processo, não pode mais ser vista como aquela que declara ter alguém direito a um crédito líquido, certo e exigível em desfavor de outrem. Isso, na verdade, nada tem a haver com tutela, pois não está se realizando o verdadeiro direito da parte vencedora que é o recebimento do seu crédito, ou seja, essa decisão não tinha a virtude de poder mudar ou transformar a realidade fática das coisas.[1]
Não podemos, logicamente, desconsiderar a importância que sempre teve a sentença condenatória de soma em dinheiro, até porque ela constitui um dos requisitos para se buscar a execução forçada fundada em título judicial (ou seja, para o ingresso da fase de cumprimento de sentença) com a expropriação de bens do executado. Em contrapartida, devemos convir que a sentença condenatória, por si só, não tinha o poder de realizar a satisfação do direito da parte vencedora. Por essa razão, alguns autores, como Marcelo Lima Guerra, sustentavam que a sentença condenatória apenas possuía uma “função instrumental” para se buscar essa tutela executiva. [2]
Desta forma, temos que os estudiosos do direito passaram a denotar que a sentença condenatória, por si só, não ensejava qualquer tutela jurisdicional e, por conseqüência, não tinha o condão de acarretar o fim do “ofício jurisdicional” pelo magistrado, haja vista que a sua prolação não acarretava a satisfação do direito da parte litigante, o que necessitaria, para tanto, da interposição de uma nova ação com a formação de um novo processo, agora, executivo, para tentar receber a quantia devida.
Insta consignarmos aqui, que essa constatação, inclusive, teve o condão de alterar o conceito de sentença descrito no art. 463 do CPC que rezava: “Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional […]”, o que, de acordo com os fundamentos acima, data maxima venia, consistia num grande equívoco.
Diante dessa conscientização, adveio a nova lei de execução de títulos judiciais, visando dar efetividade à tutela jurisdicional implantando, dentre outros, importante mecanismo de aceleração processual acarretando a fusão dos processos de execução e conhecimento em uma única relação jurídica processual, com a utilização da técnica denominada pela doutrina de sincretismo processual.[3]
No modelo descrito acima, o cumprimento da decisão ocorre no próprio processo de conhecimento, sem a necessidade de nova citação do réu que será, nessa fase, intimado pessoalmente ou através de seu advogado para, em 15 (dias), pagar o débito sob pena de incidir em multa fixa no montante de 10% (dez por cento) incidente sobre o valor da condenação devidamente atualizada ou, após serem realizada a penhora, apresentar a sua impugnação, a teor do que reza o art. 475-J e seguintes do Código de Processo Civil.
Desta forma, não há como negarmos que a multa de 10% (dez por cento) inserida no art. 475-J do CPC – apesar de, em nosso entender, ser fixada num percentual relativamente baixo -, fora implantada pela Lei 11.232/05 para dar mais eficácia a essa sentença condenatória, forçando o devedor inadimplente ao cumprimento voluntário de sua obrigação, como será melhor explicado abaixo.
3. O cumprimento voluntário da sentença condenatória e a multa do art. 475-J do CPC
Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, seja em razão da não interposição do recurso de apelação pela parte interessada, pelo seu não provimento ou reconhecimento, ou em face de seu recebimento apenas no efeito devolutivo, o devedor tem a obrigação de realizar o pagamento do débito que se tornou líquido, certo e exigível, não justificando mais que o mesmo “[…] possa permanecer inerte, em desobediência à ordem jurídica”, como bem se manifestaram Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart.[4]
Este pagamento poderá ser feito no próprio processo em que se formou o título ou diretamente ao credor que dará quitação do débito.
Neste pagamento, naturalmente, devem estar inseridos não só o valor da condenação principal, mas também os das custas processuais, honorários advocatícios arbitrados na sentença e mais os juros de mora.
Diante desses acréscimos, o devedor, para realizar o pagamento do débito, poderá não ter condições de aferir, de plano, o montante devido, devendo, por esse motivo, realizar a liquidação deste quantum. No entanto, pelo fato desta liquidação depender apenas da realização de simples cálculos aritméticos, o próprio devedor poderá apresentá-los no processo que gerou a sentença/acórdão de natureza condenatória juntamente com o depósito. Essa obrigação, como observado por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,[5] será exclusivamente do devedor que não poderá se eximir de cumprir a sentença utilizando-se desse pretexto.
No entanto, reza o art. 475-J do CPC que, caso o devedor não realize o pagamento espontâneo de quantia certa ou fixada no prazo de quinze dias, o credor ao fazer o seu requerimento para o início da execução deverá acrescer a multa fixa de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação ou do saldo devedor, no caso de pagamento parcial (§ 4º, art. 475-J).
Nada impede, contudo, que as partes transacionem judicial ou extrajudicialmente outro prazo diverso daquele fixado em lei (quinze dias) para que o devedor efetue o pagamento da dívida.
Como podemos denotar, diante da reunião entre os processos de conhecimento e de execução em uma mesma relação jurídica, o nosso legislador ordinário se esforçou ao máximo para tornar a sentença condenatória efetiva dotando-a de técnicas para que ocorra o cumprimento espontâneo da obrigação pelo devedor, o que dispensaria o credor de ingressar na nova fase de cumprimento de sentença e, por conseqüência, não demandaria mais tempo e trabalho para o Judiciário e para os patronos das partes, tudo isso em consonância com os incisos XXXV e LXXVIII, do art. 5º, da CF/88.
Imperioso se faz a concretização do entendimento de que as decisões judiciais, não importando a sua natureza (declaratória, constitutiva, mandamental, condenatória…), devem ser obrigatoriamente cumpridas. Não se admite mais uma postura de desprezo das partes perante as decisões judiciais. O juiz não pede ou faculta, mas determina. E, para tanto, deve ter ao seu lado mecanismos legais (técnicas processuais) para que a sua decisão seja cumprida.
E, uma dessas técnicas adotadas pelo legislador fora a inserção da multa no montante fixo de 10% (dez por cento) no caso de não pagamento voluntário no prazo de quinze dias mencionado alhures.
No entanto, críticas não faltaram por parte da doutrina a esta técnica adotada pelo legislador para tornar efetiva a sentença condenatória e, contudo, forçar o devedor a pagar voluntariamente o seu débito.
Araken de Assis, por exemplo, aduz que a concessão de um incentivo econômico para o devedor, como é o caso descrito na ação monitória (art. 1.102-C, § 1º do CPC) que estimulava o devedor ao cumprimento do mandado inicial que determina o pagamento do débito (ou a entrega do bem devido) com a isenção do pagamento das custas e honorários advocatícios, poderia ser mais convincente, senão vejamos os seus comentários:
“O objetivo da multa pecuniária consiste em tornar vantajoso o cumprimento espontâneo e, na contrapartida, onerosa a execução para o devedor recalcitrante. Só o tempo ministrará subsídios que permitam avaliar o êxito da providência. À primeira vista, pareceria mais conveniente conceder um incentivo econômico ao devedor, como sucede na ação monitória.”[6] [7]
Já Alexandre Freitas Câmara entende que seria mais eficaz a decisão condenatória caso o legislador fixasse “[…] uma multa diária, nos mesmos moldes do que se tem nas obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa”. [8]
Embora respeitemos os posicionamentos acima externados, acreditamos que fora louvável a tentativa de implantação pelo legislador na utilização dessa técnica processual penalizando o devedor no caso do não cumprimento voluntário. E mais, acreditamos que o nosso legislador, ainda, poderia ter aumentado o percentual da multa como forma de tornar mais oneroso o débito do devedor, pois só assim poderia se dar mais efetividade à decisão condenatória,[9] apesar de que “[…] mau pagador é, sempre, mau pagador, em juízo ou fora dele, com ou sem multa”, como profligaram J.E. Carreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral.[10]
Deixadas de lado as possíveis sugestões e insatisfações, em que pese a fixação ope legis da multa acima mencionada, o nosso legislador não foi claro em dizer o momento exato que se daria início o cômputo do prazo de quinze dias para que o devedor possa realizar o pagamento.
Diante dessa omissão, várias poderiam ser as interpretações realizadas pelos doutrinadores e Tribunais desse país. Poderia se sustentar que esse prazo começaria a correr: a) no momento em que a sentença condenatória, mesmo tendo sido recorrida através de apelação recebida no efeito devolutivo apenas (que constitui em exceção a regra contida no art. 520 do CPC); b) após o trânsito em julgado da decisão (sentença/acórdão); c) após o trânsito em julgado e o requerimento do credor para o cumprimento de sentença por execução; d) após o trânsito em julgado e o requerimento do credor para o cumprimento de sentença, por execução, que começaria a fluir somente após a intimação pessoal do credor[11]; ou, e) após o trânsito em julgado e o requerimento do credor para o cumprimento de sentença, por execução, bastando a intimação do seu advogado.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, por exemplo, entendem que não se faz necessário o trânsito em julgado da sentença condenatória para que a mesma possa começar a gerar seus efeitos. Mesmo sendo essa sentença alvo de recurso de apelação, mas desde que a esse recurso não lhe seja emprestado o efeito suspensivo – o qual, como sabemos, juntamente com o devolutivo constitui regra geral para o recebimento do recurso da apelação (art. 520 do CPC) -, a referida decisão começará a surtir os seus efeitos. Ainda, de acordo com o posicionamento dos doutrinadores acima citados, será com a sua ciência através da sua publicação no Diário Oficial que começará a fluir o prazo para o pagamento voluntário pelo devedor, senão vejamos os seus comentários:
“O efeito condenatório da sentença não se opera apenas com o trânsito em julgado ou com alguma subseqüente comunicação ao réu de que deve cumpri-la. Como sinaliza a própria idéia de ‘execução provisória’ (rectius: execução de decisão provisória), o efeito condenatório é capaz de incidir a partir do momento em que contra a sentença condenatória não exista recurso com efeito suspensivo.”
(…)
“Em síntese: quando o recurso tem efeito suspensivo, não se inicia a contagem do prazo de quinze dias para o cumprimento da sentença; quando o recurso não tem efeito suspensivo, o prazo flui a partir do instante em que o réu tem ciência da decisão.”[12]
Concordamos com a posição acima externada, até porque não teria qualquer sentido o devedor, sabedor que existe uma decisão transitada em julgado, ou que seja objeto de recurso recebido apenas no efeito devolutivo, condenando-o ao pagamento de montante em dinheiro, ser intimado pessoalmente para cumprir essa decisão, além do que o CPC nada reza nesse sentido. Por que então sustentar essa posição que somente terá o condão de protelar a execução?
Ademais, o réu/devedor, ao ser demandado em processo de conhecimento em que se busca a prolação de uma sentença condenatória, ou seja, a constituição de um título executivo judicial, desde o primeiro momento deve ter a consciência de que, se derrotado no processo cognitivo ou terá que pagar voluntariamente o débito ou sofrer com as conseqüências de uma execução forçada com a expropriação de seus bens e também, agora, com a incidência da multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC.
Não se venha, ainda, alegar a hipótese em que o advogado, o qual é intimado via imprensa oficial, não informe o seu cliente sobre o resultado da decisão. Ou, ainda, que esse advogado pode não ser mais o representante do seu cliente na fase de execução. Em primeiro lugar, a escolha do profissional que irá representar os seus interesses no processo cabe à parte, assim como se dá na contratação de qualquer outro prestador de serviço. Caso o devedor realize a escolha errada contratando um profissional desqualificado que não informe o seu cliente sobre o conteúdo e as conseqüências de tal decisão, esse advogado poderá ser responsabilizado pela sua falta de zelo e desídia tanto perante a instituição que integra (Ordem dos Advogados do Brasil) quanto judicialmente nos casos em que essa atitude causar prejuízos ao seu cliente (devedor).
Já na segunda hipótese, maiores preocupações não terão qualquer razão para subsistir. Em razão da técnica do sincretismo processual empregada pelo legislador para a execução dos títulos judiciais acarretando a reunião entre os processos cognitivo e executivo que serão realizados numa mesma relação processual, o patrono das partes, além de prestar os seus serviços na fase cognitiva do processo, também terá que dar continuidade em seu trabalho caso não haja um acordo entre as partes litigantes, pagamento voluntário do devedor ou caso esse profissional não tiver firmado um contrato expresso com seu cliente para a prestação de seus serviços, especificamente, na fase de conhecimento do processo. Assim, o patrono do devedor deverá defender os interesses do seu cliente tanto na fase cognitiva quanto na executiva. Caso este advogado não queira mais prestar os seus serviços, o mesmo poderá renunciar ao mandato e cientificar (através de notificação judicial ou extrajudicial) o seu cliente para que o mesmo nomeie substituto, nos moldes do que reza o art. 45 do CPC.
Entretanto, alguns juízes e Tribunais, valendo-se da multiplicidade de interpretações que pode gerar o famigerado art. 475-J, andando, data maxima venia, na contramão daquele ideal reformador implantado pelo legislador ordinário que está alicerçado nos princípios constitucionais da efetividade e da celeridade (art. 5º, incisos XXXV e LVXXIII), não estão aplicando de forma correta a aludida técnica, entendendo, na maioria das decisões, que a aplicação dessa multa somente teria início após o trânsito em julgado da decisão e o requerimento para cumprimento de sentença com a intimação pessoal do devedor, ou, quando muito, de seu advogado.
Ora, o entendimento acima, definitivamente, não pode e não deve subsistir sob pena de estarmos retroagindo aos velhos comezinhos do CPC de 1973, o qual era dotado de regras excessivamente protetivas ao executado e que, por essa razão, sempre o deixava numa situação de vantagem na execução civil, bastando, contudo, manter-se inerte.[13]
O legislador, ao introduzir a aludida multa, tentou dar mais eficácia a sentença condenatória e, ainda, tentou impingir o ônus ao devedor de tomar a iniciativa de cumprir a sentença de forma voluntária, na tentativa de tornar mais célere a prestação jurisdicional.
Não perceber esses objetivos é não enxergar a ideologia que está por trás destas reformas que tem por base os direitos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal, em especial, os princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição e da razoável duração do processo.
O STJ (Superior Tribunal de Justiça), através do recente julgamento do Recurso Especial (REsp) n.º 954.859-RS, proferido pela sua 3ª Turma, realizado em 16/08/2007 e publicado no DJ em 27/08/2007 na p. 252, sob a relatoria do Ministro Humberto Gomes de Barros, acabou com qualquer dúvida que ainda poderia permear entre os operadores do direito, principalmente entre os magistrados, entendendo não ser necessária a intimação do devedor ou de seu advogado para que comece a fluir o prazo para o cumprimento da sentença que deverá ocorrer em quinze dias contados do trânsito em julgado da decisão no caso do eventual recurso ter sido recebido apenas no efeito devolutivo, in verbis:
Diante da ementa acima colacionada, podemos verificar que a mesma está fundamentada justamente no ponto em que estamos nos referindo de forma incessante nesse trabalho que diz respeito a necessidade de se tornar o processo efetivo e célere dotando-o, para tanto, de técnicas adequadas para alcançar essa finalidade.
O ideal do legislador, repita-se, parece-nos bem claro: buscar a efetividade do processo e, com isso, potencializar os efeitos de uma sentença condenatória que, até então, não passava de um “arremedo de sentença”, pois, na prática, não era capaz de forçar o devedor a entregar o bem da vida almejado pelo credor de forma voluntária, ou seja, sem a necessidade de que este último tivesse que ingressar com outra demanda autônoma, ou requerer a prática de atos executivos que pudesse invadir a sua esfera patrimonial, o que demandaria mais tempo e, portanto, tornaria a prestação judicial mais onerosa para o vitorioso.
Nesse ínterim, convém colacionarmos trecho do voto proferido pelo Ministro relator Humberto Gomes de Barros no julgamento acima explicitado:
“[…]
Há algo que não pode ser ignorado: a reforma da Lei teve como escopo imediato tirar do devedor da passividade em relação ao cumprimento da sentença condenatória. Foi-lhe imposto o ônus de tomar a iniciativa de cumprir a sentença de forma voluntária e rapidamente. O objetivo estratégico da inovação é emprestar eficácia às decisões judiciais, tornando a prestação judicial menos onerosa para o vitorioso.
[…]
O excesso de formalidades estranhas à Lei não se compatibiliza com o escoppo da reforma do processo de execução. Quem está em juízo sabe que, depois de condenado a pagar, tem quinze dias para cumprir a obrigação e que, se não fizer tempestivamente, pagará com acréscimo de 10%.
Para espancar dúvidas: não se pode exigir da parte que cumpra a sentença condenatória antes do trânsito em julgado (ou, pelo menos, enquanto houver a possibilidade de interposição do efeito suspensivo).
O termo inicial dos quinze dias previstos no Art. 475-J do CPC, deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo da lei, independente de nova intimação do advogado ou da parte para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação.
[…]”[15]
De acordo com trecho do brilhante voto colacionado acima, podemos denotar que a multa do art. 475-J do CPC, incontestavelmente, veio para potencializar os efeitos da decisão condenatória. Ou seja, aquele devedor que não cumprir com o pagamento do montante líquido, certo e exigível a que foi condenado, com a decisão transitada em julgado ou na pendência de recurso de apelação recebida no efeito meramente devolutivo, deverá sofrer com a aplicação de uma sanção que, ao nosso entender, possui natureza eminentemente punitiva.
Logicamente que, em se tratando de decisão pendente de recurso de apelação recebido apenas em seu efeito devolutivo, o eventual julgamento de procedência, com a conseqüente reversão do julgado, terá o condão de fazer cessar a execução provisória, na qual, inclusive, fora inserida a multa de 10% (dez por cento), tornando-a, por óbvio, inexigível.
Devemos ressaltar, ainda, no caso de ser requerida a execução provisória e na eventualidade da sentença condenatória vier a ser reformada pelo Tribunal ad quem, além de não poder ser exigida a multa de 10% (dez por cento) sobre o montante da execução, o exeqüente ainda será responsabilizado pelos danos que o executado possa a vir a sofrer, inclusive, com a previsão de liquidação desses danos por arbitramento no próprio processo, a teor do que rezam os incisos I e II do art. 475-O do CPC.
Como já dissemos acima, essa multa do art. 475-J tem caráter ope legis, ou seja, desde que ocorrendo a situação fática descrita na lei, independentemente de qualquer outro requisito, ela deverá incidir em percentual já fixado, sendo a mesma, destarte, impossível de ser majorada ou minorada, com a finalidade exclusiva de punir aquele que descumpriu a ordem fixada em sentença condenatória.
Nesse mesmo sentido Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart sustentam que a referida multa possui natureza punitiva, podendo ser considerada um efeito anexo da sentença condenatória e não um instrumento de coerção para que o devedor cumpra a sua obrigação, como passamos a transcrever o aludido posicionamento:
“A multa em exame tem natureza punitiva, aproximando-se da cláusula penal estabelecida em contrato. Porém, diversamente desta última, a multa do art. 475-J não é fixada pela vontade das partes, mas imposta – como efeito anexo da sentença – pela lei.
Esta multa não tem caráter coercitivo, pois não constitui instrumento vocacionado a constranger o réu a cumprir a decisão, distanciando-se, desta forma, da multa prevista no art. 461, § 4º, do CPC.”[16] [17]
No entanto, como conseqüência secundária da aplicação da sanção de caráter punitivo, podemos elencar a prevenção como uma de suas características. Essa prevenção, por óbvio, terá o condão de incutir medo à parte contra a qual é dirigida. Frise-se, contudo, que esta não é a característica principal das sanções de natureza punitiva, mas sim a retribuição que é a possibilidade de concreção de um mal (punição) àquele que descumprir algum preceito legal que, no caso, corresponde a ausência de pagamento da quantia certa fixada em sentença condenatória.
Assim, utilizando dos ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio da Cruz Arenhart, temos que “[…] a multa do art. 461 é instituída ‘para fazer cumprir’, ao passo que as multas do art. 14, parágrafo único, e do art. 475-J são instituídas ‘para punir pelo descumprimento’”.[18]
Em que pese o nosso posicionamento sobre a natureza punitiva da multa do art. 475-J do CPC, a qual constataria, em nosso pensar, exatamente com a razão de ser de sua inserção em nosso sistema processual civil, temos que esse posicionamento não se faz unânime perante a doutrina que se encontra dividida.
Alguns estudiosos, ao analisarem as conseqüências secundárias da aplicação da multa do art. 475-J que, sem sombra de dúvidas tem o condão de prevenção, classificam essa sanção como sendo de natureza coercitiva.[19]
Controversas à parte acerca da natureza da multa de 10% (dez por cento) que ainda será alvo de incessantes debates por parte da doutrina, o importante é denotarmos o intuito do legislador ao inseri-la no art. 475-J que fora de forçar o pagamento voluntário por parte do devedor, e dotar a decisão condenatória de maior eficácia, tornado, por conseqüência, a prestação jurisdicional mais célere.
4. Conclusões
Diante de todo o exposto nesse trabalho, temos que a multa fixa de 10% (dez por cento) prevista no art. 475-J do CPC constitui importante instrumento para sancionar o devedor que deixou de cumprir voluntariamente a obrigação de pagar quantia certa fixada em sentença/acórdão, como forma de potencializar os efeitos dessa decisão e, por conseqüência, abreviar o tempo do processo.
Embora tenha sido louvável a introdução do referido mecanismo em nosso CPC, acreditamos que não basta somente a implantação técnicas processuais pelo legislador ordinário para se buscar a efetividade do processo de execução ou da nova fase de cumprimento de sentença, por execução, mas também que haja uma conscientização de todos os operadores do direito ao aplicarem-nas aos casos concretos, principalmente, dos magistrados, os quais deverão realizar a interpretação dessas normas em acordo com a Constituição Federal.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Lanzi de Moraes Borges
Mestre em Direito Constitucional pela ITE/SP. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Advogado