Resumo: O presente estudo torna hialina a questão da inconstitucionalidade superveniente, enfocando e delimitando as correntes hoje existentes, bem como, aponta o posicionamento da Suprema Corte no cenário jurídico-brasileiro atual.
Palavras-chave: Direito Constitucional; Constituição Federal de 1988; Corte Constitucional; Controle de Constitucionalidade; Inconstitucionalidade Superveniente; Ação Direta de Inconstitucionalidade; Ação Declaratória de Constitucionalidade; Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Como dizia Epíleto, um filósofo grego, “é impossível para um homem aprender aquilo que ele acha que já sabe”, mas como o conhecimento é algo que nunca se possui por inteiro, nunca é demais recordar que o controle de constitucionalidade no Brasil,
“[…] é a verificação da adequação vertical que deve existir entre as normas infraconstitucionais e a Constituição. É sempre um exame comparativo entre um ato legislativo ou normativo e a Constituição. Todo ato legislativo ou normativo que contrariar a lei fundamental de organização do Estado deve ser declarado inconstitucional” (Pinho, 2007, p. 30).
Denota-se que o controle de constitucionalidade das normas infraconstitucionais pelo Poder Judiciário foi uma construção do direito norte-americano. Vários precedentes judiciais levaram a criação do mecanismo de verificação judicial da adequação vertical das leis ao Texto Constitucional, até a eclosão do famoso caso Marbury v. Madison, relatado em 1803, por John Marshall, Presidente da Suprema Corte norte-americana (PINHO, 2007). Afirma Correa (2007, p. 03) que “essa doutrina do controle da constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário como uma decorrência inevitável da superioridade da Constituição escrita em relação às demais normas consolidou-se na jurisprudência norte-americana. […]”, e ambos os autores supra ditos narram que em 1891, o Brasil, influenciado por este modelo, adotou o controle judicial de constitucionalidade em sua primeira Constituição Republicana.
Por sua vez, na Europa, conforme Correa (2007, p. 03)
“[…] a partir do século XX, com fundamento nas idéias de Kelsen, desenvolveu-se um outro modelo para assegurar a supremacia das normas constitucionais. Foi instituído o controle de constitucionalidade em abstrato, exercido por um órgão não pertencente ao Poder Judiciário, um Tribunal ou uma Corte Constitucional, examinando a lei em tese e com efeitos erga omnes.”
No Brasil, narra Pinho (2007, p. 31):
“[…] essa forma de controle foi definitivamente introduzida em 1965, com a Emenda Constitucional nº. 16 à Constituição de 1946. A Constituição de 1934 já continha a possibilidade de representação interventiva por Procurador-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal.”
No cenário atual, com sustentáculo na Magna Carta de 1988 e nos mandamentos ditados pelo Supremo Tribunal Federal, pode-se afirmar que a inconstitucionalidade superveniente não é reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro, está é a corrente majoritária.
Segundo Pereira e Leite (2008, p. 08) o controle de constitucionalidade “[…] superveniente é o repressivo e cujo objetivo é afastar a norma inconstitucional”, sendo “[…] tipicamente exercido pelo Poder Judiciário e atipicamente pelo Poder Legislativo e Executivo”.
É de conhecimento geral, que no Brasil o sistema de controle constitucional adotado são o controle de normas concentrado[1] e difuso[2]. Sendo que neste o controle de constitucionalidade poderá ser decretado por qualquer juízo pela via incidental, desde que respeitada a cláusula de reserva de plenário ditada pelo art. 97, da Constituição Federal[3] e naquele o controle, referente a leis e atos normativos, será efetuado pela via da ação direta de inconstitucionalidade (ADI), da ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e da argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
Sendo assim, tanto as leis quanto os atos normativos que tiverem passado a integrar o ordenamento jurídico após a Constituição Federal de 1988, estarão sujeitos ao controle de constitucionalidade, devendo se observar os requisitos materiais e formais para que possam transpor as barreiras impostas pelo sistema, para nulificar as normas inconstitucionais presentes no mundo jurídico.
Sabias são as compilações de Gütschow (2008, p. 01) ao afirmar que:
“No sistema de controle concentrado de constitucionalidade, uma vez proposta a respectiva ação, o Supremo Tribunal Federal não estará adstrito apenas aos fundamentos jurídicos nela alegados. A Corte Constitucional analisará a norma de maneira abrangente, fazendo o cotejo desta com o texto de toda a Carta Magna, o que, por sua vez, impedirá o ingresso de nova ação contra a mesma lei, mesmo que por fundamento constitucional diverso e/ou proposta por outro legitimado. Esse é o entendimento adotado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o qual toma por base o caráter de esgotamento da análise acerca da constitucionalidade da lei ou ato normativo feita pelo tribunal, que abarca os preceitos constitucionais como um todo, independentemente destes terem ou não sido adotados como fundamento da ação.”
“Esta posição é tão rigorosa que nem mesmo se, em decorrência do exercício do poder constituinte reformador, superviesse uma emenda constitucional – ulterior à decisão pela constitucionalidade – que tornasse inconstitucional aquela norma, seria possível uma nova ação. A solução dada é que essa norma seria considerada revogada tacitamente pelo novo ordenamento jurídico constitucional.”
Como já referido anteriormente, segundo a posição majoritária adotada pelo Supremo Tribunal Federal, não há inconstitucionalidade superveniente, o que ocorrerá é a revogação da lei em virtude da aplicação do brocardo lex posteriori derogat priori (Gütschow, 2008). Acrescenta-se, a título ilustrativo, o arresto da Suprema Corte apontado por Alvear (2005, p. 04) que ratifica esta afirmação:
“CONSTITUIÇÃO – LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE – REVOGAÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – IMPOSSIBILIDADE – 1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. 3. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido”. (STF – ADI 2 – DF – T.P. – Rel. Min. Paulo Brossard – DJU 21.11.1997).
Em contraponto a este entendimento, há outra corrente, porém minoritária. Esta, por sua vez, defende que existe a possibilidade de se fazer um controle de constitucionalidade do direito pré-constitucional, o qual tem como principal adepto o Ministro Sepúlveda Pertence.
Em que pese a prevalência da tese pela inadmissão da teoria da inconstitucionalidade superveniente na atual jurisprudência do Supremo, existem posicionamentos doutrinários em sentido oposto que a consagram. Com efeito, em consonância com este, admite-se a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo quando o vício se manifestar posteriormente a uma alteração da Norma Fundamental, decorrer de uma renovação da interpretação do texto da Carta Magna ou em virtude de mudanças nas circunstâncias de fato. Nessas hipóteses, seria possível a declaração de inconstitucionalidade por meio de ação direta, através de controle concentrado.
No entanto, o posicionamento que prevalece no Supremo Tribunal Federal, não admite a inconstitucionalidade superveniente em hipótese alguma. Consoante Gütschow (2008, p. 02):
“o […] tribunal segue a linha de que esta não ocorre, nem mesmo quando é promulgada uma nova Constituição. O que pode acontecer, igualmente ao que já se falou, é a recepção da norma editada anteriormente à nova CF, quando aquela estiver materialmente de acordo com esta; ou, a contrário senso, a sua revogação, quando esta padecer do vício da inconstitucionalidade material. Observe-se que a apreciação da constitucionalidade formal de norma anterior é incabível. Assim, já decidiu o STF[4] que normas formalmente compatíveis com o sistema jurídico anterior ao da CF[5] de 1988 não necessitam atender a este requisito para serem consideradas constitucionais. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o Código Tributário Nacional e com a Lei nº 4.320/64, ambos editados antes da Carta Magna e por esta recepcionados com força de lei complementar.”
Assim sendo, em virtude da posição dominante na Suprema Corte, considera-se impossível o reconhecimento de inconstitucionalidade superveniente no Brasil, não podendo, assim, ser objeto de Ações Direta de Inconstitucionalidade e Declaratória de Constitucionalidade normas editadas anteriormente à nova ordem constitucional, independentemente de ter sido esta estabelecida pelo poder constituinte originário ou reformador (Gütschow, 2008). Porém, conforme sustenta o mestre Gilmar Mendes (2008), não se pode dizer o mesmo em relação à argüição de descumprimento de preceito fundamental, hipótese em que o entendimento adotado pelo Supremo é de que caberá ação declaratória de preceito fundamental mesmo que tenha como objeto norma anterior à atual constituição, obedecendo, de qualquer modo, o seu caráter subsidiário, o qual se traduz no fato desta somente poder ser admitida quando não houver outro meio eficiente para evitar ou reparar a lesão a preceito fundamental da atual norma constitucional. E Gütschow (2008, p. 02) conclui que:
“Da mesma forma, a própria Lei nº 9.882/99[6], a qual disciplina o procedimento a ser adotado na ADPF apesar de não o fazer para a ADPF autônoma, prevista em seu artigo 1º, admite expressamente a ADPF incidental de lei ou ato normativo anterior à CF, no parágrafo único, inciso I, do mesmo dispositivo legal.”
Informações Sobre o Autor
Eliana Descovi Pacheco.
Acadêmica de Direito pela Universidade de Cruz Alta/RS (Unicruz)