Breves considerações sobre a greve dos magistrados

“sou
contra suas palavras, mas lutarei até a morte pelo teu direito de dize-las”

Uma vez que o presente seminário se destina a
tratar de “temas atuais sobre o Direito Previdenciário”, cumpre esclarecer que
não existe nada mais atual em matéria de Direito Previdenciário que a chamada
“reforma da previdência” dos servidores públicos.

Sobre a referida reforma, um aspecto que chamou a
atenção da mídia foi a possibilidade de greve dos
magistrados de todo o país.

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O objetivo deste breve estudo é, justamente, analisar
a greve dos magistrados que havia sido marcada para acontecer no início mês de
agosto de 2003.

Cumpre dividir o estudo em dois aspectos: 1) quanto à
constitucionalidade, ou não, da greve; 2) quanto ao objetivo desta greve.

I –
Quanto à constitucionalidade da greve 

Tal greve é, sem qualquer dúvida, plenamente Constitucional.  Primeiro porque a Constituição assegura aos
trabalhadores em geral – e, portanto, também aos servidores públicos, ai
incluídos os membros da magistratura – o direito à greve, no seu artigo 9º, e
não a proíbe, nos artigos que tratam dos servidores públicos (39 a 41), nem nos artigos
referentes ao Poder Judiciário (92
a 126), o direito dos magistrados à greve.

A única limitação constitucional ao Direito de greve é apresentado pelo § 1º do artigo 9º o qual especifica que
somente a lei poderá definir quais as atividades essenciais e que necessitam de
atendimento inadiável, não tendo, eu, conhecimento de qualquer lei que inclua
os serviços da magistratura dentro dos especificados na ressalva do § 1º. 

Em segundo lugar, por se tratar de matéria restritiva de direitos –
vedação, ou limitação do direito à greve -, não cabe qualquer interpretação
extensiva capaz de impossibilitar tal greve. Os autores em geral que tratam da
hermenêutica jurídica são uníssonos a respeito. 

Por outro lado, hão de pugnar pela inconstitucionalidade da greve,
provavelmente através do argumento de que a Constituição deve ser interpretada
como um todo, segundo uma visão sistemática, e que, assim, os magistrados fazem
parte de um dos Poderes da República Federativa do Brasil, e que, por isso
mesmo, não seria possível que o Poder Judiciário entrasse em greve.  

Outro argumento que certamente seria levantado pelos que condenam tal
greve seria o fato de que o dever dos magistrados é o de “dizer o direito”,
assim, seria inconstitucional a greve, uma vez que impossibilitaria o acesso à
justiça, ou, na “menos pior” das hipóteses,
contrariaria o entendimento de que “justiça tardia não é justiça”. 

Porém, nenhum dos argumentos é capaz de contrariar o Princípio de que
não se deve interpretar extensivamente uma lei restritiva de direitos,
corolário da lex stricta que é
uma das funções de garantia do princípio da liberdade (CF., art. 5º, XXXIX) insculpido de forma indelével no espírito do estado
Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput); além do que, se
tal greve fosse inconstitucional por implicar em lentidão no julgamento dos
processos, então, inconstitucional seria o próprio Poder Judiciário, uma vez
que é de conhecimento geral que quinze dias de greve não afetará em nada o
andamento dos processos, que já são extremamente lentos (mais por falta de
pessoal que propriamente por falta de interesse dos magistrados). 

II –
Quanto ao objetivo da greve

Analisando o objetivo da greve, manter o direito adquirido, fazer
cumprir a garantia da irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 95, III), e
lutar pela aposentadoria integral dos magistrados, chega-se a conclusão de que
tal greve é ilegítima. 

Primeiro, quanto a luta pela aposentadoria
integral, deve-se ater para o fato de que a Constituição Federal proíbe
qualquer diferenciação entre os cidadãos, afirmando que “todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, caput). Ou seja,
não existindo a possibilidade de que os cidadãos “comuns” se aposentem com
vencimentos integrais, seria injusto e inconstitucional conceder-se tal direito
aos magistrados.

Defenderão a aposentadoria integral afirmando que a lei é igual para
todos, e que todos podem prestar concurso público para magistratura, e assim,
ter direito à aposentadoria integral, que seria conseqüência da garantia de
irredutibilidade de vencimentos.  

Porém, esquecerão que, uma vez aposentados, os magistrados deixam de
fazer parte do corpo de juízes, não existindo mais qualquer motivo para
garantir-lhes a irredutibilidade de vencimentos, cuja única função é garantir a
independência dos juízes nos julgamentos. E, que, uma vez aposentados, os
juízes deixam de pertencer à classe dos magistrados, voltando a serem cidadãos
comuns, inexistindo qualquer fundamento para diferenciação entre os cidadãos
aposentados comuns, e os juízes aposentados. 

Quanto à questão do direito adquirido, se, por um lado, a garantia do
direito adquirido é pressuposto indispensável ao Estado Democrático de Direito,
por outro lado, não se pode esquecer da crise que assola o país, e,
principalmente da atual situação dos cofres públicos quanto ao pagamento de
aposentadorias, principalmente no setor dos servidores públicos. 

Deve-se invocar, contra o direito adquirido, a cláusula rebus sic standibus, ou seja, “é
garantido o direito adquirido, enquanto for possível ao Estado garantir o
direito adquirido”, sendo, absurdo que se exija do  Estado que este se sacrifique a ponto
de sucumbir, simplesmente para garantir o direito adquirido. 

Invocando-se a doutrina “Rousseauniana” do
Contrato Social, seria impossível exigir-se que um dos contratantes deixe de
existir, apenas para que pacta sunt servanda; mesmo porque, a existência de qualquer ente –
quer seja físico, quer seja jurídico – é um direito inalienável. 

Quanto à defesa da irredutibilidade de vencimentos da categoria,
apesar de ser plenamente justificável – e desejável – para a garantia da
independência das decisões, deve-se, mais uma vez, atentar-se para a realidade
brasileira.  O que se quer dizer com isso
é que, enquanto metade (número absolutamente aleatório, sem base científica
segura) dos brasileiros (sobre)vive com um salário
mínimo mensal de R$ 240,00, os magistrados defendem a irredutibilidade dos
vencimentos de uma classe que ganha, em início de carreira, não menos que 50
vezes este valor, chegando a receber, como no caso de desembargadores do Estado
de Minas Gerais em final de carreira, R$ 36.000,00 (conforme noticiado pelo Jornal
Nacional do canal de televisão Rede Globo, no dia 22 de julho de 2003). 

É uma questão de puro bom senso. Como permitir que uma classe continue
a receber 150 vezes o que recebe metade da população do país? 

Isso não parece nem um pouco condizente com o artigo 3º da
Constituição Federal, segundo o qual, são “objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade […] solidária; […] III –
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais…”  É claro que não se
desconhece a atual necessidade pela qual passam os magistrados. A maioria deles
precisa pagar duas vezes o valor do seu carro apenas para blindá-lo e proteger
a si e a sua família.  

Também não se desconhece a necessidade de se pagar mais de 20 salários
mínimos na compra de um simples terno à prova de balas, também para se
proteger. Além de pagar muito dinheiro para proteger sua casa com vigilância
eletrônica 24 horas por dia, e, em alguns casos até vigilantes particulares… 

Porém, esquecem-se esses mesmos magistrados que, na grande maioria, os
crimes ocorrem em virtude, justamente, da desigualdade social, e que, talvez,
diminuindo-se o seu salário, e convertendo-se essa diminuição salarial em
proveito de toda a sociedade, essa diferença entre ricos e pobres possa, também
diminuir, contribuindo para a diminuição da criminalidade, possibilitando menos
gastos com a segurança pessoal e patrimonial, não só dos magistrados, mas de
todos os membros das classes sociais mais abastadas… 

Por mais de 500 anos o Brasil luta para alcançar uma posição mundial
que seja condizente com sua grandeza territorial, mineral, ambiental e
populacional; e esse objetivo jamais será alcançado se não se deixar de lado os
interesses pessoais dos envolvidos.  

Assim como na mediação o objetivo é encontrar uma solução que seja
capaz de (des)agradar ambas
as partes por igual, para que, ao final, ambas saiam “vitoriosas”, é preciso
que todos os membros das classes mais afortunadas “percam” – num estágio
inicial -, para que ao final toda a sociedade saia em “lucro” – inclusive
aqueles que, inicialmente, saíram em desvantagem.


Informações Sobre o Autor

Enéas Castilho Chiarini Júnior

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Advogado em Pouso Alegre/MG, pós-graduado em Direito Constitucional pelo IBDC (Inst. Bras. de Dir. Constitucional) em parceria com a FDSM (Fac. de Dir. do Sul de Minas), capacitado para exercer as funções de Árbitro/Mediador pela SBDA (Soc. Bras. para Difusão da Mediação e Arbitragem), e membro, desde a fundação, do Quadro de Árbitros da CAMASUL – Câmara de Mediação e Arbitragem do Sul de Minas –, é, ainda, autor de diversas matérias jurídicas publicadas em revistas do Brasil e do exterior, e em diversos sites jurídicos.


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