Breves considerações sobre a origem do futebol e sobre as alterações no seu regramento introduzidas pelo profut e pelo fair play trabalhista

Resumo: Este artigo busca, de forma não exaustiva, mostrar a evolução do futebol, com a sua respectiva profissionalização no Brasil e no mundo. Procura, ainda, explicar as principais mudanças trazidas ao Direito do Trabalho Desportivo em razão da superveniência da lei nº 13.155/15, que instituiu o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – PROFUT. No que se refere à metodologia abordada, o trabalho configurou-se por meio de pesquisa bibliográfica, com via descritiva e exploratória, visando explicar, interpretar e analisar os fatos, buscando o aprimoramento das ideias. A abordagem é qualitativa, pois busca uma maior compreensão das ações e relações humanas e uma observação dos fenômenos sociais. Concluiu-se que o futebol era esporte inicialmente ligado às elites, o que influenciou no caráter amador do mesmo. Entretanto, viu-se uma guinada de qualidade em razão da profissionalização. Observou-se, ainda, que o PROFUT ocasionou relevante impacto nos contratos especiais de trabalho dos atletas.

Palavras-chave: Direito Desportivo do Trabalho. PROFUT. Fair play trabalhista. Futebol.

Abstract: This essay aims to show the development of football, in a not exhaustive way, with its respective professionalization both in Brazil and at the world. It also intends to explain the main changes brought to Sports Labour Law by the law nº 13.155/15, which instituted the Modernization Program for the Management and Tax Responsibility of Brazilian Football – PROFUT. As of the methodology applied, this essay made a bibliography research, in a descriptive and exploratory manner. The approach is qualitative for it aims for a better understanding of human actions and relations and an observation of social phenomenon. It concludes that football used to be a sport initially connected to the elites, which influenced in the amateur characterization of the sport. Nevertheless, it could be observed a sheer of quality because of the professionalization. It was also observed that PROFUT caused a relevant impact at the special labour contracts of the athletes.

Keywords: Sports Labour Law. PROFUT. Labour fair play. Football.

Sumário: Introdução. 1. A Evolução e a Profissionalização do Futebol. 1.1. Evolução do Desporto em Geral, Criação do Futebol e a sua Profissionalização. 1.2. A Evolução e a Profissionalização do Futebol no Brasil. 2. O PROFUT e o fair play trabalhista. Conclusão. Referências.

Introdução

O futebol é o esporte mais praticado no mundo, contando com milhares de jogadores profissionais e amadores no planeta.

Somente no Brasil, segundo pesquisa realizada em 2006 pela Fédération Internationale de Football Association – FIFA, contamos com aproximadamente 16 mil atletas profissionalizados. Hoje certamente este número é muito maior.

Além daqueles que trabalham diretamente em campo, o futebol gera, somente no Brasil, 300 mil empregos diretos e indiretos (incluindo funcionários dos clubes, das entidades de administração do desporto, dos estádios, etc.).

No mundo inteiro este esporte movimenta US$ 250.000.000.000,00 (duzentos e cinquenta bilhões de dólares) anuais. Somente no Brasil movimentamos cerca de 1% de citado valor.

Além disso, é a modalidade desportiva mais popular e mais praticada no Brasil e no mundo.

O que se nota facilmente é que o futebol é um empreendimento extremamente lucrativo e, como tal, é merecedor da atenção do Direito, notadamente do seu ramo Laboral.

Nessa toada, comuns são os questionamentos jurídicos de direitos específicos daqueles que fazem do esporte sua profissão. Dentre os temas mais polêmicos podemos observar o regime de trabalho diferenciado, treinamentos, concentração, punições prolatadas pelos órgãos da Justiça Desportiva e suas ramificações trabalhistas, direito de imagem e direito de arena, entre diversas outras questões.

Recentemente, como meio protetivo ao atleta, foi instituído o fair play trabalhista, instituto do qual se tratará mais adiante.

Nesse artigo, portando, se abordará a evolução do Direito Desportivo, notadamente em relação ao futebol, bem como de seu sub-ramo, o Direito do Trabalho Desportivo, com ênfase nas alterações trazidas em razão do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – PROFUT e do fair play trabalhista.

1. A Evolução e a Profissionalização do Futebol

1.1. Evolução do Desporto em Geral, Criação do Futebol e a sua Profissionalização

A palavra desporto tem sua origem no mediterrâneo, mais especificamente dos marinheiros daquela região, os quais opunham a vida de portu àquela de trabalho no mar. Em Provença aparecem as palavras deports e solatz, sendo a primeira voltada para jogos de conversação, enquanto a segunda referia-se a exercícios corporais. Corroborando com isso temos a dicção de Amauri Mascaro do Nascimento, in verbis:

“O vocábulo desporte provém da linguagem gremial dos marinheiros mediterrâneos, que, à sua vida trabalhosa do mar, opunham a sua vida deliciosa do porto. Desporte é estar de portu. Na cultura de Provença aparecem as palavras deports e solatz, a primeira significando mais o jogo de conversação e poesia, a segunda representando exercícios corporais, caça, danças etc.” (NASCIMENTO, 2011, p. 229)

Huizinga assim define jogo:

“O jogo é uma atividade que tem em si seu princípio e seu fim, que se rege em si e para si, sem motivos estranhos, quer dizer, é livre. Nela o homem faz aquilo que diretamente quer e ama, isto é, seu espírito se move em perfeita liberdade, não está sujeito a jugos ou constrangimentos, é senhor, desfruta seu próprio fazer o que quer, da coincidência plena do querer com o fazer; e de tal forma descobre a zona da verdadeira e própria espiritualidade humana” (HUIZINGA, 1999, p. 27)

Já trabalho não é princípio e fim, mas meio. Do ponto de vista do empregador, é meio de enriquecimento. Já para o empregado, traduz-se em forma de sustento.

É precisamente no liame divisório entre jogo e trabalho que se encontra o desporto. Se o mesmo possui alto grau amador, tem muito jogo e pouco trabalho. Já se o mesmo é profissionalizado, tem mais trabalho que jogo.

O esporte sempre foi destacado no seio do ser humano.

Na antiguidade era instrumento para manter os soldados em forma enquanto não estavam em guerras. Faziam parte, igualmente, de rituais religiosos.

Na Grécia Antiga chegou-se à epítome de se criar os jogos olímpicos, cujos vencedores eram alçados à condição de verdadeiros heróis.

Já na Idade Média poderia se observar com maior facilidade esportes elitizados, realizados normalmente dentro dos feudos e entre os nobres, como, por exemplo, a justa e as corridas de cavalos.

Com a idade moderna e a contemporânea pudemos observar o ressurgimento do desporto como profissão, tendo tal como marco o restabelecimento dos jogos olímpicos de Atenas no ano de 1896.

Ora, o desporto atingiu tamanha importância que ganhou um viés extremamente político no Brasil e no mundo. Para tanto basta-se observar que o regime nazista buscou, através do esporte, afirmar a superioridade da “raça” ariana.

A atividade esportiva chegou até a merecer pronunciamento de Sua Santidade, o Papa Pio XII, o qual, no Congresso Italiano de Educação Física, em 8 de novembro de 1952, assim se pronunciou:

“O desporte e a ginástica têm como fim próximo educar, desenvolver e fortificar o corpo em seu aspecto estático e dinâmico; como fim mais remoto, a utilização, por parte da alma, do corpo assim preparado para o desenvolvimento da vida interior ou exterior da pessoa; também, como fim mais profundo, o de contribuir para a sua perfeição; por último, como fim supremo do homem em geral e comum a toda forma de atividade humana aproximar o homem a Deus.” (NASCIMENTO, 2011, p. 230)

Ora, em sendo tamanha a importância do desporto e, portanto, de quem o pratica, não poderia o Direito deixar de regulá-lo.

O Direito Desportivo tem seus primeiros traços na Grécia Antiga, onde as Cidades Estado competiam entre si e incentivavam seus atletas a galgarem as mais altas posições, sob promessa de elevada premiação. Com o intuito de regular a pratica do esporte os sábios daquela época aprovaram normas regentes dos mesmos.

Com a queda da civilização grega, os Romanos rapidamente apanham a tocha dos esportes, percebendo o potencial que os mesmos tinham, instituindo a política do pão e circo. Aqui ainda são aplicadas, salvo raras exceções, as regras de Direito Desportivo criadas pelos helênicos.

A revolução industrial traz novo fôlego ao Desporto, posto que, com a mesma, uma enorme massa teve acesso à prática de esportes. Nesse sentido a lição de Villanova, in verbis:

“A revolução industrial representou, de certo modo, a inclusão e expressiva camada da população na vida social, representando a possibilidade de práticas desportivas a um grande número de pessoas, trazendo de volta a preocupação, marcante na civilização grega, com o corpo, o físico e a saúde, o que contribuiu para o renascimento do atletismo, como forma de melhorar as condições físicas do homem inebriado pelo trabalho e que, portanto, precisava de uma válvula de escape.” (VILLANOVA, 2010, p. 11)

Justamente em razão da crescente popularidade dos esportes, diversos estados viram a necessidade de regular sua prática, notadamente a relação havida entre o atleta e a entidade de prática, no caso de esportes coletivos, como é o caso do futebol, desporto em estudo.

Citado esporte, o qual já era praticado, com regras bárbaras, desde o século XII, passa a ter sua acepção moderna ao final do século XVIII e início do século XIX, quando começou a ser utilizado, em conjunto com outros esportes, nas escolas públicas secundárias britânicas.

O esporte mais querido pelos brasileiros teve seu primeiro conjunto de regras escritas elaboradas pela escola Harrow, em 1830, de onde já se poderia observar a utilização de 11 jogadores de cada lado e duas traves verticais como meta.

Em razão da dificuldade que se enfrentava quando se buscava organizar jogos entre colégios de diversas localidades se resolveu unificar as regras do esporte. Tal ocorreu em Cambridge no ano de 1848 com a criação da Football Association.

Em 1863, em razão da violência que era permitida então no esporte, houve uma cisão do mesmo, definindo-se duas modalidades, quais sejam, o soccer, ou association football, mais próximo do futebol de hoje, e o rugger ou rugby football, atualmente conhecido apenas como rugby. Tal reunião ocorreu em uma taverna ligada à maçonaria, a Freemasons’ Tavern. Proni assim sintetiza essa divisão:

“Em suma, foi assim que começou. O que estamos denominando de ‘invenção’ do futebol moderno correspondeu a uma construção social, que implicou um processo gradual de regulamentação para obter (…) um equilíbrio entre o desejo de praticar uma atividade física que produzisse uma tensão emocional ‘excitante’ e a necessidade de restringir a violência desenvolvendo mecanismos de autocontrole.” (PRONI, 2000, p. 71)

Com a institucionalização do esporte tendo ocorrido na Inglaterra, nada mais natural que ali primeiro se falasse sobre os direitos trabalhistas dos atletas profissionais.

Aliás, é de se dizer que a profissionalização dos atletas foi outro fator diferenciador entre o soccer e o rugby football. O primeiro, em que pese tenha demorado, primou por uma busca pela profissionalização dos atletas, enquanto o segundo até hoje se mantém eminentemente amador, ainda que já estejam a surgir clubes profissionais na Europa. Tal característica veio a tornar o Rugby esporte elitista, enquanto o futebol se transformou em desporto das massas.

Tal guinada para o profissionalismo começou com a criação dos times Arsenal e Manchester United (GOMES, 2010, p. 12), os quais começaram a investir pesadamente e comprar jogadores oriundos principalmente da Escócia.

Já em 1904, consolidando o profissionalismo do esporte, foi fundada a Fédération Internacionale de Football Association – FIFA[1], a qual hoje detém 209 países associados, 16 a mais do que a Organização das Nações Unidas.

No ano de 1920 o futebol adentra no grupo de esportes praticados nas olimpíadas.

Em 1930, foi realizada a primeira Copa do Mundo, tendo a sede no Uruguai, país que se sagrou campeão.

O futebol, em razão de seu crescimento exponencial, se mostrou importante ferramenta política, tendo sido largamente utilizado como propaganda pelo regime fascista. Em razão do largo investimento estatal, a Itália sagrou-se campeã nos anos de 1934 e 1938.

Assim, a guinada dada em direção à profissionalização dos atletas se tornou irreversível. Alguns países, notadamente aquele de cunho mais liberal, evitaram regular a prática do esporte, enquanto outros editaram normas para direcionar os rumos do mesmo e dos atletas.

Aliás, comentando sobre a diferente tratativa dada por cada país ao futebol, Martinho Neves Miranda, in verbis:

“A regulação do movimento desportivo organizado por parte dos ordenamentos estatais varia de acordo com a importância que cada país atribui a essa atividade para enquadrar juridicamente o assunto.

Alguns Estados consideram o desporto organizado uma questão exclusivamente privada, sendo as associações desportivas reguladas pelo regime associativo em geral.

Outros, porém, concebem esta matéria como tema de interesse público, dispensando a essas organizações um tratamento peculiar, com a definição do regime próprio de atuação, dadas às especificidades da atividade empreendem, sobretudo pelo fato de que elas passaram a administrar matérias de grande repercussão econômica, demandando a formatação de modelos associativos adequados a essa nova perspectiva.

Assim, nesta última hipótese, sem embargo de não dispensar, via de regra, a aplicação supletiva das normas que cuidam do gênero das associações, observa-se a tendência de se editarem leis específicas disciplinando o funcionamento das associações de administração e de prática desportiva.

Contudo, importa sublinhar que mesmo nos ordenamentos em que se observa um intervencionismo estatal mais rigoroso no movimento desportivo, não se constata o interesse dos Estados em se substituírem às associações desportivas dirigentes. Ao revés, buscaram submeter a criação, o funcionamento e a organização desses entes à sua aprovação, como forma de coordenar e superintender tais atividades.

O expediente normalmente utilizado nesses casos é atribuir-se ao Estado a competência para autorizar o exercício das atividades das organizações desportivas, mediante a outorga de determinados poderes de caráter público e que exigem, em contrapartida, a satisfação por essas corporações de certos requisitos estipulados pela administração estatal.” (MIRANDA, 2007, p. 91-92)

A nosso sentir, andou bem aquela nação que tiver buscado regular a prática do desporto. Ocorre que a natureza da atividade do desportista é deveras diferente da de outros trabalhadores.

A Argentina, através da Lei nº 20.160/73 instituiu o Estatuto do Jogador de Futebol Profissional que, em conjunto com o Convenio Colectivo de Trabajo nº 430/75 regulamentam o ordenamento justrabalhista naquele país.

Nesse normativo, já em seu artigo 1º, observamos a natureza laboral da relação entre o atleta e o clube. Senão vejamos:

“Art. 1º – A relação jurídica que vincula as entidades desportivas com quem pratica o futebol como profissão, de acordo com a qualificação que a respeito dê o Poder Executivo, se regerá pelas disposições da presente lei e pelo contrato que as partes subscreverem. Subsidiariamente se aplicará a legislação laboral vigente que se resulte compatível com a atividade esportiva[2].” (ARGENTINA)

A Itália, como o Brasil, elaborou uma lei única aplicável para todos os esportes, qual seja, lei nº 91/81.

A legislação italiana prevê a possibilidade de contratação do atleta tanto de forma profissional como autônoma, sendo esta última alternativa e excepcional, o que não é previsto de forma expressa no Brasil.

Portugal, ao contrário da maioria dos países que preveem regras laborais para os atletas, permite expressamente o contrato de experiência.

Conforme bem se observa, quanto maior for a importância do esporte, tanto mais forte será a regulação sobre o mesmo.

1.2. A Evolução e a Profissionalização do Futebol no Brasil.

Em que pese a popularidade no futebol no Brasil, sua chegada em terras brasileiras levanta certo debate.

A versão mais aceita pela população em geral é a de que o esporte fora trazido para nossa nação pelo anglo-brasileiro Charles William Miller em 1894. Entretanto, existem aqueles que dizem que antes deste ano já eram disputadas partidas no Brasil. Sérgio Pinto Medeiros diz que “em 1878, os tripulantes do navio Crimeia chegaram ao Rio de Janeiro e disputaram uma partida de futebol na rua Paiçandu”[3]. Complementando, diz Orlando Duarte que “a revelação de futebol organizado antes de Charles Miller vem de estudo a respeito da estada, entre nós, dos jesuítas”[4].

Em seu início no Brasil o futebol era esporte extremamente elitista, sendo praticado dentro de clubes e tendo como atletas pessoas abastadas, que poderiam participar dos treinamentos e jogos sem prejuízos consideráveis a seu patrimônio.

Como indício do acima indicado é que somente após 26 anos de sua chegada no Brasil fora permitido a negros participarem das partidas.

Falando sobre o elitismo no futebol, Miguel Soares, in verbis:

“Os jovens das elites urbanas, ao voltarem de seus estudos no exterior, transportavam para o país o novo jogo que começava a virar febre na Europa. (….)

O caso de Charles Miller, ao trazer uma bola em sua bagagem, foi emblemático e simbólico, mas não foi o único. Como ele, diversos outros jovens da elite brasileira também tinham em suas malas a paixão pelo futebol. Aqui encontraram altos funcionários das empresas inglesas, que aportavam no país acompanhados de maciços investimentos do capitalismo britânico em terras brasileiras. Eram engenheiros, contadores, técnicos, também formados elas mesmas escolas inglesas, também seduzidos, que se reuniam em clubes particulares, onde praticavam o novo esporte. Nessa fase o futebol podia verdadeiramente ser chamado de ‘esporte bretão’.” (SOARES, 2007, p. 20-21)

Justamente essa característica elitista que levou o futebol brasileiro a demorar a ser profissionalizado.

No início do século 20 começou a se notar que a prática futebolística não ficaria adstrita somente à classe rica.

As empresas inglesas começaram a formar times com seus operários, os quais se apresentavam nos finais de semana e nos intervalos. Naturalmente estes trabalhadores logo começaram a praticar o esporte também nas ruas próximas de suas casas. Além disso, os obreiros que assistiam às partidas criaram um amor pelo esporte. Não tardou para que surgissem os primeiros craques da classe trabalhadora.

O primeiro time fundado no Brasil recebeu o nome de The Bangu Athletic Club, pertencente à Companhia Progresso Industrial. A distância entre citada empresa e a cidade do Rio de Janeiro não permitia que o clube fosse todo composto de ingleses, de sorte que operários passaram a fazer parte do mesmo, não por um anseio democrático dos dirigentes, mas por uma vontade de permanecer a praticar o esporte.

A chama do profissionalismo foi primeiramente acendida de forma pública por Antônio Gomes de Avelar, presidente do América Futebol Clube do Rio de Janeiro, em 1932, e foi consolidada com a união entre a Fundação Brasileira de Futebol e a Confederação Brasileira de Desportos, em 1937.

Martins, ao tratar sobre a profissionalização do esporte, explica que “o Rio de Janeiro adotou o profissionalismo no futebol a partir de 23 de janeiro de 1933, com quatro votos a favor (Fluminense, Vasco, América e Bangu) e três contra (Botafogo, Flamengo e São Cristóvão)” [5].

Já no estado do Ceará se vê o princípio da consolidação da profissionalização no ano de 1938, tomando por conta o fato da má campanha que a seleção cearense não jogou bem contra os outros estados.

Tal caminho, entretanto, não foi tão rápido. Para tanto basta ver excerto de notícia veiculada no jornal Gazeta de Notícias do ano de 1939, in verbis:

“Em sua sede provisória, à rua General Sampaio, reuniu se ontem em sessão extraordinária preparatória, o America Foot ball Clube. Grande foi o número de americanos presentes a mesma, não so da nova, como da velha guarda. O entusiasmo que vai pelas hostes americanas é mesmo de admirar. Tomando de uma grande febre de vencer e convictos de grandes triunfos no ano esportivo de 40, foi logo após aberta a sessão, sendo proclamado presidente do clube dr. Ubirajara, o dr. Jurandir Picanço, por unanimidade de votos. Entre outros assuntos interessantes tratados em sessão, foi objeto de discussão o caso do profissionalismo. O américa não adotará, em absoluto, tal regime. Entretanto, os seus cracks serão vantajosamente compensados, desde que saibam impor o seu valor. Oitenta por cento da renda dos jogos ganhos serão divididos com os mesmos. O américa, que se havia desligado da A.D.C o ano passado, pediu nova filiação, já tendo pago a taxa e solicitou inscrição para o campeonato deste ano.” (JORNAL GAZETA DE NOTICIAS, 1940, p. 7)

Com o advento do Estado Novo veio a primeira regulamentação legislativa para os esportes, através do Decreto-Lei nº 1.056/39, que criou a Comissão Nacional do Desporto.

Desde então diversas foram as normas que buscaram regulamentar a prática dos esportes. Nos deteremos aqui em mencionar apenas aquelas que tiveram relevante impacto na relação juslaboral dos atletas com as entidades de prática desportiva.

O Decreto-Lei nº 5342/43 criou a Carteira Desportiva, que seguia modelo elaborado pela CBD e aprovado pela CND. A emissão da mesma era obrigatória para o atleta profissional.

O Decreto 51.008/61 regulamentou a profissão do atleta de futebol, implantando normas tais como o intervalo obrigatório de 72h entre partidas. Instituiu também que durante a semana os jogos deveriam se realizar após as 18h. No verão não poderiam haver jogos entre 10h e 16h. Os jogadores deveriam gozar suas férias no período compreendido entre 18 de dezembro e 7 de janeiro.

O Decreto 53.820/64 instituiu o vínculo esportivo, mais conhecido como passe, que deveria ser pago pelo clube que recebesse o atleta para a entidade que o “vendesse”. A norma determinava que a transação somente poderia ser efetivada com a anuência do atleta, que tinha direito a receber 15% do valor da negociação.

A lei nº 5.939/73 inclui o jogador como beneficiário da previdência social. Pouco menos de um mês após a edição de citada norma fora editada a lei nº 6.251/73, que tratava sobre o direito de arena.

A lei nº 6.354/76 veio regulamentar a vida profissional do futebolista. Entre seus artigos, podemos citar o curioso art. 29, que confere à Justiça Desportiva a competência para julgar reclamações trabalhistas, in verbis:

“Art. 29 Somente serão admitidas reclamações à Justiça do Trabalho depois de esgotadas as instâncias da Justiça Desportiva, a que se refere o item III do art. 42 da Lei n. 6.251, de 8 de outubro de 1975, que proferirá decisão final no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados da instauração do processo.

Parágrafo único. O ajuizamento da reclamação trabalhista, após o prazo a que se refere este artigo, tornará preclusa a instância disciplinar desportiva no que se refere ao litígio trabalhista.”

(BRASIL, 1976)

É de se dizer que tal dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

Em 6 de julho de 1993 entra em vigor a lei nº 8.672/93, popularmente conhecida como Lei Zico. Esta norma recebeu esse carinhoso apelido em homenagem ao famoso jogador do Flamengo e da Seleção Brasileira, Arthur Antunes Coimbra, o Zico, que ocupava o cargo de Secretário Nacional de Esportes do Governo Collor, quando do início da tramitação da lei.

Atualmente o desporto nacional é regido pela Lei nº 9.615/98, a Lei Pelé, que será objeto de estudo, de forma esparsa, em todo este trabalho.

Como norma infralegal que igualmente será objeto de estudo mais acurado adiante podemos citar a resolução nº 1 do Conselho Nacional de Esportes, datada de 23 de dezembro de 2003, que instituiu o Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

A mais recente inovação legislativa a afetar a relação de trabalho entre o atleta e o clube é a lei nº 13.155/2015, lei de conversão da Medida Provisória nº 671/2015, que criou o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, mais conhecido como PROFUT. Igualmente nos deteremos mais profundamente no estudo dos impactos de tal lei em momento posterior.

2. O PROFUT E O FAIR PLAY TRABALHISTA.

A medida provisória de nº 671/2015, posteriormente convertida na lei nº 13.155/2015, criou o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, mais conhecido no meio futebolístico como PROFUT.

Citada norma trouxe ao cenário jusdesportivo brasileiro diversas alterações, notadamente para aqueles clubes e entidades de administração do desporto que resolvessem aderir à renegociação das dívidas fiscais com a União Federal. Entre essas alterações podemos destacar a limitação de reeleições, o teto máximo de gasto de folha (que deve ser de 80% da arrecadação), necessidade de incentivo ao futebol feminino e ingressos populares.

Entretanto, para os fins deste estudo, nos deteremos na alteração promovida por esta lei e que tem impacto direto na relação laboral dos atletas, assim como na inspiração que ela deu à CBF para avançar em tais alterações.

Citada norma alterou os §1º e §3º do Art. 10 do Estatuto do Torcedor, que passaram a ter a seguinte redação:

“Art. 10 (…)

§ 1o  Para os fins do disposto neste artigo, considera-se critério técnico a habilitação de entidade de prática desportiva em razão de:

I – colocação obtida em competição anterior; e

II – cumprimento dos seguintes requisitos:

a) regularidade fiscal, atestada por meio de apresentação de Certidão Negativa de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União – CND;

b) apresentação de certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; e

c) comprovação de pagamento dos vencimentos acertados em contratos de trabalho e dos contratos de imagem dos atletas.(…)

§ 3o  Em campeonatos ou torneios regulares com mais de uma divisão, serão observados o princípio do acesso e do descenso e as seguintes determinações, sem prejuízo da perda de pontos, na forma do regulamento:

I – a entidade de prática desportiva que não cumprir todos os requisitos estabelecidos no inciso II do § 1o deste artigo participará da divisão imediatamente inferior à que se encontra classificada;

II – a vaga desocupada pela entidade de prática desportiva rebaixada nos termos do inciso I deste parágrafo será ocupada por entidade de prática desportiva participante da divisão que receberá a entidade rebaixada nos termos do inciso I deste parágrafo, obedecida a ordem de classificação do campeonato do ano anterior e desde que cumpridos os requisitos exigidos no inciso II do § 1o deste artigo.” (BRASIL, 2003)

Ora, com citada alteração passou a ser critério para a inscrição dos clubes nos campeonatos oficiais a regularidade das dívidas trabalhistas. Acaso citado campeonato tiver mais de uma divisão e o clube não demonstrar que pagou aos seus atletas os respectivos salários e verbas relativas aos contratos de imagem, automaticamente estará rebaixado para a série inferior. Caso não haja mais de uma divisão ou a entidade de prática já estiver na mais baixa, não poderá se inscrever.

É dizer, a lei criou novo critério de acesso e decesso de clubes, qual seja, o financeiro. Desta forma o direito do trabalhador de receber seus salários em dia foi deveras privilegiado.

Inspirada por essa alteração a CBF adotou sistema que já vinha sendo usado pela Federação Paulista de Futebol denominado fair play trabalhista.

A entidade máxima do futebol nacional incluiu nos regulamentos específicos de cada competição normativo abrindo a possiblidade para o Superior Tribunal de Justiça Desportiva punir com perda de pontos os clubes que estiverem em mora com os salários mensais de seus atletas.

A norma ali prevista determina que o STJD determinará, após restar comprovado o atraso, o pagamento por parte da entidade de prática desportiva o pagamento de seus atletas, no prazo de quinze dias. Acaso tal não seja cumprido, será apenada com perda de 3 pontos por partida a ser disputada. Ressalte-se que não deve haver a perda dos pontos eventualmente ganhos pelo clube em tais jogos, uma vez que tal pena não é prevista.

A adoção de tal medida pela CBF está a incentivar as federações estaduais a fazer o mesmo, tendo várias já anunciado que aplicarão o fair play trabalhista a partir de 2016.

Alguns poderiam questionar se tal instituto não estaria a usurpar a competência da Justiça do Trabalho.

Ocorre que o fair play desportivo mais se aproxima de forma de fiscalização, ainda que somente se exerça mediante provocação, aplicando penalidade ao infrator mas sem o condão de determinar medidas assecuratórias do pagamento da dívida, assemelhando-se, portanto, à atividade fiscalizatória realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

De fato, citado instituto busca, antes de resolver a lide que haveria após o rompimento de uma relação de trabalho, preservar o emprego do atleta.

Naturalmente o acórdão da Justiça Desportiva não tem natureza de título executivo, de sorte que sua jurisdição poderá não ser definitiva para a resolução do problema, notadamente se o clube não realizar o pagamento do valor devido. Entretanto, evidentemente citado documento deverá servir como prova na Justiça do Trabalho em eventual reclamação trabalhista.

Da mesma forma, uma sentença transitada em julgado na Justiça do Trabalho poderá servir de fundamento para eventual decisão do STJD determinando seu pagamento sob pena da perda de pontos. Entretanto não é recomendável que o trabalhador ou sindicato aguarde o final de um processo judicial a fim de provocar a Justiça Desportiva, em razão do curto prazo prescricional que a Constituição Federal instituiu para as lides na mesma, qual seja, 60 dias.

Conclusão

O que se pode notar desse estudo é a enorme importância do futebol e de sua regulamentação, seja por se tratar de empreendimento humano extremamente lucrativo, seja por todas as paixões envolvidas na realização do desporto.

Concluímos que o futebol principiou como esporte das elites, tanto no restante do mundo quanto no Brasil, justamente pela característica eminentemente amadora que àquela época imperava. Vimos que a guinada pela qualidade do esporte, assim como sua popularidade, fez com que se fizesse necessária a profissionalização do mesmo, uma vez que começaram a surgir craques no meio da classe operária.

Por último, analisamos os impactos do PROFUT e do fair play trabalhista nas relações de emprego dos atletas.

O que se pode observar, entretanto, é que mais avanços são necessários para a garantia do espetáculo, tais como tornar imposição legal o fair play trabalhista.

Aliado a isso se faz indispensável medidas para incentivar o investimento por parte das entidades de prática desportiva na formação de atletas e no regular desenvolvimento do desporto.

 

Referências
ARGENTINA. Lei n. 20.160, de 15 de fevereiro de 1973. Estatuto del jugador de fútbol profesional. [S.l.]: [s.n.].
BRASIL. Lei nº 6.354/76. [S.l.]: [s.n.], 1976.
BRASIL. LEI Nº 9.615, DE 24 DE MARÇO DE 1998. [S.l.]: [s.n.], 1998.
BRASIL. LEI No 10.671, DE 15 DE MAIO DE 2003. [S.l.]: [s.n.], 2003.
DUARTE, O. História dos Esportes. São Paulo: Makron Books, 2000.
FIFA.COM , 2015. Disponivel em: <http://www.fifa.com/about-fifa/who-we-are/index.html>. Acesso em: 02 nov. 2015.
GOMES, W. A. O CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL: Unilateralidade ou Bilateralidade da Cláusula Penal? Brasilia: Universidade Católica de Brasilia, 2010. Monografia de Conclusão de Curso de Graduação.
HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 1999.
JORNAL GAZETA DE NOTICIAS. “O America agiganta-se para o campeonato de 1940” Nada de profissionalismo – 80 por cento das rendas para os jogadores. Gazeta de Noticias, Fortaleza, 27 janeiro 1940.
MARTINS, S. P. Direitos Trabalhistas do Atleta Profissional de Futebol. São Paulo: Atlas, 2011.
MIRANDA, M. N. O direito no desporto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
NASCIMENTO, A. M. Curso de Direito do Trabalho. 26ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
PRONI, M. W. A Metamorfose do Futebol. Campinas: Editora da Unicamp, 2000.
SAAD, E. G. Consolidação das Leis do Trabalho Comentada. 47ª. ed. São Paulo: LTr, 2014.
SOARES, J. M. A. Direito de Imagem e o Direito de Arena no Contrato de Trabalho do Atleta Profissional. São Paulo: PUC, 2007.
VILLANOVA, R. T. D. S. O Novo Código Brasileiro de Justiça Desportiva e seus Benefícios para o Desporto Nacional. Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, 2010. Monografia de Conclusão de Curso de Pós-Graduação Lattu Sensu.

Notas

[1] (FIFA.COM, 2015)
[2] Tradução livre.
[3] (MARTINS, 2011, p. 3)
[4] (DUARTE, 2000, p. 101)
[5] (MARTINS, 2011, p. 5)

Informações Sobre o Autor

Rodrigo Rocha Gomes de Loiola

Professor de Direito do Trabalho II, Direito Processual do Trabalho I e Direito Processual do Trabalho II na Faculdade Evolução Alto Oeste Potiguar


logo Âmbito Jurídico