O português é idioma repleto de
guturais e nasais, com o que implica solenemente um dos maiores processualistas
penais brasileiros, cuja identificação é desnecessária. Aquele companheiro de
tertúlias jurídicas vive recortando, nos textos,
os “aõs” e os “ões”,
visando evitar rimas desagradáveis. Vem o raciocínio a termo quando se examina
o título da crônica: “Busca e apreensão nos domínios do Maranhão”. Fica feio,
mas é verdade. A Polícia Federal, todos sabem, invadiu imóvel que sediava empresas ligadas à candidata Roseana Sarney,
apreendendo documentação variada e grande quantia em dinheiro vivo. Havia,
justificando a diligência, mandado de juiz federal.
A candidata se irritou profundamente,
argumentando tratar-se de armadilha pré-eleitoral orquestrada, entre outros,
pelo Ministro da Justiça Aloysio Nunes Ferreira, cientes de tudo o Presidente da República e o Ministro Serra.
Fernando I e único, rei do Brasil, nega de pés juntos
qualquer ligação com o evento, secundado pelo candidato José. No meio tempo, o Partido
da Frente Liberal, tradicionalíssimo aliado do Governo, abandona o barco,
pressionado pela governadora e pelo ex-presidente, hoje senador, José Sarney.
Este, de acordo com os jornais, tece azedas críticas ao Governo, ao Serviço de
Inteligência do Exército e aos “arapongas”, não se
esquecendo, inclusive, de resmungar contra a espionagem ou grampeamento de
telefones pertencentes à governadora ou a empresa da qual a mesma é sócia.
Alguns aspectos merecem reflexão, uns
políticos, outros jurídicos. Os primeiros conduzem a memória ao tempo em que o
ilustre senador José Sarney era presidente da República. Não se devotava grande
respeito à privacidade do cidadão, porque o país ainda não se encontrava na
plenitude democrática. Sarney substituía Tancredo, morto por um acidente
vesicular. Triste história das nações: os líderes morrem de câncer, desastre de
avião, colisão de veículos em estrada iluminada por lua cheia, ou morrem de
velhice mesmo. Assim, José Sarney, hoje membro ilustre da Academia Brasileira de
Letras, deveu sua sorte a um azar do mineiro Tancredo. Conduziu a nação dentro
de contexto definível como autoritarismo híbrido. Aconteceu em meados de 1985. A interceptação
telefônica ainda funcionava bem. Lembro-me de que lancei, à época, um disco
político homenageando “Las Madres de Plaza de Mayo”, associadas a Hebe de Bonafini, atuante ainda na Argentina. Tenho, no papel que
contém a letra da música, um belo carimbo da censura federal. Não se deram os
censores ao trabalho de ouvir o canto, bonito por sinal, embora se tratasse de
um grito de dor pelos torturados da nação platina. Aconteceu, repita-se, sob o
governo Sarney. Não se queixe politicamente o senador. Como pai, tem o direito
inarredável de defender seu sangue. Vá às últimas conseqüências. Filho é filho,
com ou sem razão. No terreno político, entretanto, a indignação não tem
estrutura muito firme. Recordo-me do final dos anos 80: iniciava-se diálogo
telefônico com algumas ofensas às mães dos censores, exemplo seguido hoje de
vez em quando. Como
se vê, pouco mudou. O senador, velho caudilho do Nordeste, conhece as manhas da
profissão. Vai brigar com Fernando, sim, mas não o faria se a busca fosse
concretizada em locais que não lhe afetassem a família. Tocante a aspectos
jurídicos, afirma Cleonice A. Valentim Bastos Pitombo: “- Não
pode haver mandado incerto, vago ou genérico. A determinação do varejamento ou da revista há de apontar, de forma clara, o
local, o motivo da procura e a finalidade, bem como qual a autoridade
judiciária que a expediu. É importantíssimo a indicação detalhada dos motivos e
dos fins da diligência (Art. 143, número II, do Código de Processo Penal) a que
se destina”(Da Busca e apreensão no Processo Penal, Editora Revista dos
Tribunais, pág. 171). Evidentemente, o mandado de busca já referido há de ter
presentes os requisitos apontados, sob pena de ilegalidade. Não se deve, aqui,
invadir a intimidade de procedimento cautelar desconhecido. Ficam prevalecendo,
então, somente as considerações de caráter político, estas importantes porque
trazem a autenticidade de serem tratadas por um sobrevivente.
Informações Sobre o Autor
Paulo Sérgio Leite Fernandes
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.