A atividade econômica e a garantia constitucional da livre iniciativa

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A Constituição Federal de 1988 consagrou uma economia de livre mercado de produção capitalista, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (art. 170, caput, da CF). O Estado, em regra, não intervém na atividade econômica, e qualquer exercício no mercado se dá por exceções estabelecidas na Constituição, que se configuram em razões de segurança nacional; ou imperativos de relevante interesse coletivo (art. 173, da CF); e ainda, através de monopólios em atividades de alta relevância (art. 177, da CF).


Ao se referir ao capitalismo, Eros Grau observa que não existe um único capitalismo, pois as sociedades não são iguais. Cada sociedade tem as suas próprias peculiaridades. Do mesmo modo não se pode falar em direito, e sim em direitos, porque o direito positivo varia de acordo com o tipo de sociedade[1].


Apesar de o nosso modelo de produção ser capitalista, o Estado deve interferir na ordem econômica para reprimir o abuso do poder econômico (art. 174, da CF)[2]; e para fiscalizar e incentivar determinadas atividades econômicas (art. 174, da CF). Nisso, a Constituição de 1998 se diferencia do Estado Liberal, em que os meios de produção são deixados ao livre alvedrio dos indivíduos.


Nesse sentido, é comum a prática pelos Estados e Municípios de concessão de incentivos fiscais, através de subsídios, com a redução da base de cálculo de tributos, ou isenções de tributos. Em ambos os casos, o objetivo é forçar o desenvolvimento de uma atividade econômica em uma determinada região para estabelecer o desenvolvimento. Ressalte-se, que a concessão de incentivos fiscais configura renúncia de receita, razão pela qual deve ser evitada. No entanto, se for necessária para o desenvolvimento econômico pode ser concedida, desde que observadas as regras constantes do art. 14 e seus parágrafos, da Lei Complementar 101/2000.


Com o passar dos tempos percebeu-se que, um modelo de estado primado exclusivamente na livre iniciativa provoca a ruptura do sistema, pois leva à concentração econômica nas mãos de poucos empreendedores, dotados de poder financeiro, com empecilho para os pequenos produtores ou comerciantes.


Por outro lado, os consumidores também são afetados, porque com a concentração econômica não há concorrência, e conseqüentemente, os grandes empresários são livres para estabelecer preços abusivos, e mercadorias em qualidade precária ao consumo[3].


 A Constituição de 1988 preserva a livre iniciativa, mas tem cunho social ao considerar a valorização do trabalho, como fundamento da ordem econômica. Valorizar o trabalho significa privilegiar a sobrevivência. Daí a importância da leitura conjunta dos dois valores. Assim, admite-se a livre iniciativa, mas não como valor absoluto. Havendo desigualdade nas relações econômicas, com o mais forte eliminando o exercício da atividade profissional do mais fraco há o desemprego, que deve ser a todo custo evitado pelo Estado, para preservar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito e da ordem econômica (art. 170, da CF).


Por outro lado, os fundamentos da ordem econômica devem ser lidos em comunhão com os seus princípios, capitulados nos incisos do art. 170: soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente (…); redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas pela lei brasileira, que tenham sede e administração no país.


Nesse sentido, ao se verificar a mudança de paradigma das atividades desenvolvidas no meio rural, o Estado não pode ficar ausente. Deve se voltar para políticas públicas que atendam os trabalhadores, para assegurar-lhes boas condições de trabalho. Ao se constatar que o trabalho não rural corresponde à maioria da ocupação dos habitantes da região, há de se ater a essa situação. Isso porque, o ordenamento jurídico tem como fim o homem em si mesmo, conforme os postulados de Immanuel Kant[4]. Assim, todas as instituições, como a família, a empresa, o Estado servem ao homem, e não o contrário.


Deve-se ter presente a idéia de que os postulados tradicionais de soberania do Estado, supremacia do interesse público sobre o privado encontram-se superados.


O mundo globalizado não contém a idéia da Nação como ente soberano, pois a ordem internacional caminha para a integração de estados-membros, que ao se unirem abrem mão de uma parcela de sua soberania. O exemplo típico é a União Européia. Por outro lado, o poder decisório dos Estados se limita com a expansão do poder das multinacionais. O mundo globalizado deixa de se centralizar no Estado – Nação, e prioriza os entes locais (os Municípios), por sua maior capacidade de reunir grupos de pessoas[5].


Por sua vez, a primazia é dada aos entes intermediários da sociedade civil. O exemplo atual corresponde às organizações sociais, encarregadas de exercer atividades de cunho social, também chamadas entes de colaboração, pois não pertencem ao Estado; são dotados de personalidade jurídica de direito privado, e celebram contrato de gestão com o Poder Público para o desempenho de encargos de relevante valor social, conforme previsto na Lei 9637/98.


O Estado de Direito contemporâneo é pluralista, no sentido de comportar uma generalidade de grupos distintos[6].


A sociedade contemporânea não se contenta com o Estado monoclasse, de feição burguesa. Assim, a sociedade civil organizada através de entes intermédios deve fazer prevalecer as suas decisões. O Estado só deve intervir em caráter subsidiário, sempre que se exija o exercício de poder estatal[7].


Nesse sentido, se for constado que os residentes em zona rural, em sua maioria, exercem atividade econômica não estatal, há necessidade de que esses trabalhadores se organizem em grupos para avaliar os seus próprios interesses. Caso verifiquem que o seu exercício profissional ou a sua subsistência estejam comprometidos por fatores exógenos, como grandes proprietários de terra, grupos de empresários, há necessidade de os mesmos, através de suas organizações fazerem valer suas manifestações no seio da sociedade. Isso se dá pela formação de partidos políticos, dotados de uma ideologia comum. Isso, contudo, não exime o Estado de reprimir o abuso do poder econômico e promover a redistribuição de terras, com a desapropriação da propriedade rural improdutiva, de competência da União, através do INCRA.


Uma sociedade dividida em grupos, com consciência de seus interesses, revela a autêntica democracia, que no século XXI, não se contenta com uma mera participação nas urnas, através do voto e eleição de seus representantes. A verdadeira democracia se dá com a participação de toda a comunidade, de modo a influir nas decisões políticas fundamentais, ainda que seus argumentos não sejam aceitos pela maioria, pois a favor da minoria há sempre o recurso ao Poder Judiciário, que é o guardião dos direitos fundamentais, assim como para assegurar o cidadão a fazer valer seus direitos positivados em lei quando há desrespeito ou omissão pelos Poderes Públicos.


 


Notas:

[1] Grau, Eros. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo. Editora Malheiros. 2005.P.118.

[2] A Lei 8.884/94 dispõe sobre a prevenção e repressão das infrações contra a ordem econômica.

[3] A Lei 8078/90 foi um grande avanço nas relações de consumo, por tratar de modo desigual os desiguais, com tratamento mais benéfico à parte fraca da relação, o consumidor vulnerável.

[4] Reale, Miguel. A pessoa, valor –fonte fundamental do Direito in Nova Fase do Direito Moderno. São Paulo. Editora Saraiva. 1990. P.P. 59/60.

[5] Recomenda-se a leitura de Manuel Castells. A Sociedade em Rede, 1º volume, trilogia da Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra. 1999.

[6] Giannini, Massimo Severo. Diritto Amministrativo. Milão. Giuffrè. Vol I. 1988. P. 109.

[7] Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Transferências de execução de atividades estatais a entes da sociedade in Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro. Editora Renovar. 2007. P.138.


Informações Sobre o Autor

Simone de Sá Portella

Procuradora do Município de Campos dos Goytacazes/RJ; Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU/FDC); Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU/FDC); Membro do IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública; Professora de Direito Constitucional; Autora do Livro “As Imunidades Tributárias na Jurisprudência do STF”, Editora Baraúna; Colunista da Revista Jurídica NETLEGIS


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