Resumo: Este artigo tem como objetivo o estudo da hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso XXII, artigo 24 da Lei 8.666/93 e suas peculiaridades.
Palavras-chave: Licitação. Energia elétrica. Dispensa. Inexigibilidade
Abstract: This article has as objective the study of the hypothesis of exemption from bidding foreseen in item XXII, article 24 of Law 8.666/93 and its peculiarities.
Keywords: Bidding. Electricity. Waiver. Unenforceability
Sumário: Introdução. 1. Dispensa e inexigibilidade de licitação. 2. Da contratação de energia elétrica. Hipótese de dispensa ou inexigibilidade de licitação? 3. Procedimento. Conclusão.
Introdução
O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre a hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93 que trata da contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica ou gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado.
É certo que a exigência de licitação é regra para as obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações efetuadas pela Administração Pública com terceiros conforme prevê o artigo 2° da Lei 8.666∕93 que regulamenta o disposto no artigo 37, XXI da Constituição Federal.
A exigência de licitação decorre da necessidade de obtenção da melhor contratação, com a escolha da proposta mais vantajosa à Administração.
Saliente-se, ademais, que o artigo 37, XXI da Constituição Federal prevê a possibilidade de lei ordinária fixar hipóteses em que a licitação deixa de ser obrigatória.
Sendo assim, a Lei 8.666∕93 prevê nos artigos 17, incisos I e II e 24 as hipóteses de dispensa e, no artigo 25 as hipóteses de inexigibilidade de licitação, que são as duas modalidades de contratação direta.
Este artigo abordará a hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93 e tratará de suas peculiaridades.
Tal estudo se mostra importante já que a exigência da licitação constitui a regra a ser observada nas contratações efetuadas pelo Poder Público, sendo que a dispensa e a inexigibilidade constituem exceções de forma que é primordial a clara definição de quando ocorrem tais exceções.
Note-se que a correta caracterização de uma hipótese de dispensa ou de inexigibilidade de licitação é importante para que haja a correta aplicação dos princípios que regem a Administração, bem como para evitar danos ao erário, sendo que a declaração de dispensa ou inexigibilidade de licitação deve seguir um procedimento com determinados requisitos que serão estudados neste trabalho.
1. Dispensa e inexigibilidade de licitação
Nos casos de dispensa de licitação, ao contrário das hipóteses de inexigibilidade de licitação em que não há a possibilidade de competição, a licitação é possível, no entanto, a lei faculta a dispensa do processo licitatório deixando a decisão à Administração, no exercício de sua competência discricionária, após a análise de fatores que envolvem uma relação entre custos e benefícios a fim de se verificar se os custos inerentes à licitação superam os benefícios dela decorrentes. (MARÇAL: 2012, p. 334)
Na dispensa, a realização da licitação se mostra objetivamente contrária ao interesse público, já que conforme Marçal Justen Filho “A lei dispensa a licitação para evitar o sacrifício dos interesses coletivos e supraindividuais” (2012, p. 334).
As hipóteses de dispensa de licitação estão previstas nos artigos 17 e 24 da Lei 8.666/93 e são numerus clausus, ou seja, devem estar expressamente previstas em lei.
A inexigibilidade de licitação está prevista no artigo 25 da Lei 8.666/93 e ocorre sempre que for inviável a competição.
Após essas considerações gerais será tratada a hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93.
2. Da contratação de energia elétrica. Hipótese de dispensa ou inexigibilidade de licitação?
Com efeito, dispõe o artigo 24, inciso XII da Lei 8.666/93:
“Art. 24. É dispensável a licitação:
[…]
V- na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado, segundo as normas da legislação específica;”
Verifica-se da análise de tal dispositivo legal, que para aplicação da hipótese ora estudada se faz necessária a presença dos seguintes requisitos:
a) tratar-se de fornecimento ou suprimento de energia elétrica, de forma que a instalação de rede elétrica, troca ou manutenção de subestação própria da Administração e outros serviços dessa natureza não estão abarcados pela hipótese ora tratada, devendo ser objeto de licitação; (JACOBY:2013, p.490)
b) o contratado deve ser concessionários, permissionários ou autorizados para o fornecimento de energia elétrica.
Cumpre ressaltar que referido inciso foi acrescido pela Lei 9.648/98 após o fim do monopólio das empresas estatais para a prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica já que com o advento da Lei 9.074/95 surgiu a possibilidade de tais serviços serem prestados por concessionários ou permissionários, o que abriu a possibilidade de competição.
Como visto nas hipóteses de contratação direta com dispensa de licitação a realização da licitação é possível, no entanto, a lei faculta ao Administrador realizar a contratação com dispensa de licitação.
Ocorre que no caso de contratação de prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica na maioria dos municípios brasileiros existe um único fornecedor de energia elétrica, o que gera a discussão quanto à possibilidade da contratação da prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica se dar mediante a declaração de inexigibilidade de licitação.
Sobre a questão, os Tribunais de Contas dos Estados do Mato Grosso do Sul e de São Paulo, apesar de frisarem ser o caso de dispensa de licitação com fundamento no artigo 24, inciso XXII da Lei 8.666/93 têm julgado regulares as contratações de prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica mediante declaração de inexigibilidade de licitação no fornecimento.
Nesse sentido as seguintes decisões:
EMENTA – CONTRATAÇÃO DIRETA DISPENSA DE LICITAÇÃO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA EMPRESA CONCESSIONÁRIA REQUISITOS PRESENTES REGULARIDADE – FORMALIZAÇÃO CONTRATUAL CUMPRIMENTO DAS DISPOSIÇÕES LEGAIS REGULARIDADE É regular o procedimento de contratação direta, por dispensa de licitação, em caso de empresa concessionária para fornecimento de energia elétrica, observada as demais exigências legais quanto à sua formalização. É regular a formalização do contrato, no âmbito da qual esteja demonstrada o cumprimento das exigências legais. ACÓRDÃO: Vista, relatada e discutida a matéria dos autos, na 7ª Sessão Ordinária da Primeira Câmara, de 19 de abril de 2016, ACORDAM os Senhores Conselheiros, por unanimidade, nos termos do voto do relator declarar regulares a os atos administrativos de inexigibilidade de licitação- em verdade dispensa de licitação – e de firmação do Contrato n. 14, de2014, entre a Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural/AGRAER na gestão do Sr. José Antônio Roldão, Diretor e a Empresa Energética de Mato Grosso do Sul S.A./ENERSUL. Campo Grande, 19 de abril de 2016.Conselheiro José Ricardo Pereira Cabral Relator ACÓRDÃOS do egrégio TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MATOGROSSO DO SUL, proferidos na 8º Sessão Ordinária da PRIMEIRA CÂMARA, realizada no dia 26 de abril de 2016. (TCE-MS – CONTRATO ADMINISTRATIVO: 165612014 MS 1.548.629, Relator: JOSÉ RICARDO PEREIRA CABRAL, Data de Publicação: Diário Oficial do TCE-MS n. 1611, de 18/08/2017)
“ACORDA a Primeira Câmara do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em sessão de 03 de setembro de 2013, pelo voto dos Conselheiros Renato Martins Costa, Presidente e Relator, Cristiana de Castro Moraes e Dimas Eduardo Ramalho, na conformidade das correspondentes notas taquigráficas, julgar regular a contratação direta, ainda que realizada por fundamento equivocado.
Recomenda à Prefeitura Municipal de São José dos Campos que, doravante, adote como fundamento o inciso XXII, do artigo 24 da Lei de Licitação, bem como que cumpra os prazos de publicação do contrato e de encaminhamento do instrumento para exame desta Corte.” (TCE/SP – TC-000956/007/11 Objeto: Fornecimento de energia elétrica e execução dos serviços de instalação, manutenção e operação do sistema aéreo de iluminação pública. Em Julgamento: Inexigibilidade de Licitação (artigo 25, inciso I, da Lei Federal nº 8.666/93 e posteriores atualizações). Relator Renato Martins Costa. Data da publicação:12/09/2013)
O Tribunal de Contas da União também entende que a contratação da prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica deve se dar por meio de dispensa de licitação nos termos do disposto no artigo 24, XXII da Lei 8.666/93 em razão da expressa previsão legal.
Nesse sentido:
“i.8) contratação de fornecimento de energia por inexigibilidade quando deveria ser por dispensa de licitação, conforme prevê o art. 24, XXII, Lei 8.666/93 (item 6.2.1.2 – peça 5, p. 163-165);(…)
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da Segunda Câmara, ante as razões expostas pelo Relator, em:(…)
9.4.2. abstenha-se, no tocante à gestão de licitações e contratos, de não elaborar orçamento detalhado, de realizar despesas sem prévio empenho, de prorrogar contratos indevidamente e de contratar indevidamente por inexigibilidade de licitação, nos termos dos arts. 7, § 2º, inciso II, 25 e 57 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e do art. 60 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964;” (TCU, TC 021.265/2013-5, Segunda Câmara, Relator André Luís de Carvalho)
“(…) A unidade contratou serviços de fornecimento de energia elétrica com a Companhia Hidroelétrica São Patrício – Chesp para atender à Agência de Atendimento de Trabalho no Município de Ceres/GO, para o exercício de 2006, por inexigibilidade de licitação.
Apesar dos esclarecimentos do Delegado de que a Chesp é a única concessionária autorizada a fornecer energia elétrica para a região, inviabilizando a competitividade e tornando inexigível o certame, a CGU/GO sugeriu a aplicação do art. 24, inciso XXII, da Lei 8.666/1993, por entender que a contratação por meio de dispensa de licitação, além de ser menos burocrática, traz economia em função da não-obrigatoriedade da publicação no DOU.
O art. 25, I, da Lei 8.666/1993, permite a inexigibilidade da licitação, quando há inviabilidade de competição para aquisição de materiais, ou gêneros que só possam se fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo.
No caso da Chesp, apesar de ser a única provedora de energia elétrica para a região, a Lei de Licitações, em seu inciso XXII do art. 24, traz disposições específicas quanto à contratação de serviços de fornecimento de energia elétrica. Portanto, trata-se de falha formal sem a incidência de dano ao erário, devendo-se, por ocasião de mérito, apenas determinar à DRT/GO que, nos casos de contratação de energia elétrica, o faça com dispensa de licitação nos termos do art. 24, inciso XXII, da Lei 8.666/1993.”(TCU, TC 013.226/2007-2, Segunda Câmara, Relator André Luís de Carvalho).
3. Procedimento
Tanto no caso de dispensa ou de inexigibilidade de licitação deve ser observado o procedimento previsto no artigo 26 da Lei 8.666∕93, que assim dispõe:
“Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II – razão da escolha do fornecedor ou executante;
III – justificativa do preço.
IV – documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.”
Note-se que convém seja o procedimento de dispensa ou de inexigibilidade de licitação autuado em novo processo observando-se o disposto no artigo 26 da Lei 8.666/93 com a comunicação à autoridade superior no prazo de três dias, para ratificação e posterior publicação, no prazo de cinco dias. Além da comprovação do preenchimento dos requisitos constantes no inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93 já estudados, o procedimento deverá ser instruído com os elementos contidos nos incisos previstos no parágrafo único do artigo 26 supramencionado, quais sejam, razão da escolha do fornecedor ou executante e justificativa do preço.
Conclusão
Verifica-se assim que o inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93 trata da hipótese de dispensa de licitação nos casos de contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado.
Note-se que apesar de na maioria dos municípios brasileiros existir um único fornecedor de energia elétrica o que autorizaria a contratação mediante inexigibilidade de licitação o qual seria o fundamento correto ante a inviabilidade de competição devido à exclusividade no fornecimento, prevalece na jurisprudência dos Tribunais de Contas que a referida contratação deve se dar mediante dispensa de licitação com fundamento no inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93.
Por fim, cumpre ressaltar que o procedimento de dispensa ou de inexigibilidade de licitação deverá observar o disposto no artigo 26 da Lei 8.666/93 e a Administração deverá tomar todas as cautelas necessárias a fim de verificar se o caso em questão realmente se enquadra na hipótese de dispensa ou de inexigibilidade, sob pena da contratação ser irregular ocasionando prejuízos ao erário e aplicação de sanções ao Administrador.
Informações Sobre o Autor
Elisângela da Libração
Procuradora do Estado de São Paulo. Graduada em Direito em 2000 pela FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas. Pós-graduada em Direito Processual Civil em 2008 pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Pós-graduanda em Direito do Estado pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo