Anotações sobre o Registro de Preços instituído pelo Decreto Federal nº 3.931/2001


Resumo: Análise legislativa e da natureza jurídica do Sistema de Registro de Preços, bem como das questões que envolvem a sua operacionalidade pela Administração Pública.


Sumário: 1 – Introdução, 2 – Sobre o Sistema de Registro de Preços, 3 – Da possibilidade de alteração da ata de registro de preços, prevista no Decreto Federal nº 3.931/2001, em razão da verdadeira natureza contratual que lhe foi conferida, 4 – Da necessidade de comprovação da ocorrência do desequilíbrio econômico-financeiro, 5 – Da necessidade de que haja vantagem para a Administração para que se realize a revisão, 6 – Do pedido de cancelamento da ata de registro de preços feito pelo fornecedor, 7 – Conclusão.


1) Introdução


O Decreto Federal nº 3.931/2001, ao regulamentar o art. 15, II, §1º à 4º da Lei Federal nº 8.666/93, trouxe ao ordenamento jurídico o Sistema de Registro de Preços (SRP), que por sua vez revelou-se ser uma ferramenta bastante útil à Administração Pública quando da realização das compras das quais ela necessita.


Apesar da singeleza de aplicação que denota de uma leitura perfunctória do Decreto Federal nº 3.931/2001, o registro de preços vez por outra impõe ao Administrador desafios típicos de um gestor de contratos, ante aos pedidos que lhe são dirigidos pelos particulares que registraram seus preços nas atas que instrumentalizam o SRP.


É de notório conhecimento dos que militam junto às demandas que envolvem o SRP, que não é incomum deparar-se o Poder Público com pedidos de reajuste de preços, correção monetária ou revisão de preços, típicos de relações havidas no âmbito de contratos administrativos. Ou seja, verifica-se que, na prática, o SRP tem trazido à lume discussões entre particulares e a Administração Pública que só eram travadas na seara dos contratos administrativos, conferido-se assim as suas atas de registro de preços uma natureza contratual.


E como todo contrato, há a hipótese de uma das partes não mais desejar permanecer a ele lindado e desonerar-se das obrigações de executá-lo.


Nas linhas que se seguem abordaremos alguns pontos nevrálgicos decorrentes da instrumentalização e aplicação do sistema de registro de preços (SRP) pela Administração Pública com destaque para o pedido de cancelamento da ata de registro de preços pelo fornecedor e para a possibilidade de concessão de reequilíbrio econômico financeiro (revisão dos preços constantes da ata).


2) Sobre o Sistema de Registro de Preços


O sistema de registro de preços (SRP), segundo a doutrina …


não se perfila no rol de modalidades de licitação, nem tampouco circunscreve um tipo licitatório.


O SRP deve ser encarado simplesmente como uma ferramenta de auxílio que se consubstancia num procedimento especial a ser adotado nas compras do Poder Público, quando os objetos forem materiais, produtos ou gêneros de consumo freqüente, e , ainda, em situações especialíssimas, nas contratações de serviços.” (Bittencourt, Sidney. Licitação de registro de preços: comentários ao decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, 2ª edição, rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 17)


Esta primeira visão doutrinária acima exposta sintetiza o entendimento exposto por vários autores, apesar destes se utilizarem das expressões “procedimento especial de licitação” ou “sistema de compras”, para conceituar o Sistema de Registro de Preços (o que poderia levar a entender que existe alguma divergência conceitual acerca do SRP):


“Registro de preços é o sistemas de compras pelo qual os interessados em fornecer materiais, equipamentos ou gêneros ao Poder Público concordam em manter os valores registrados no órgão competente, corrigidos ou não, por um determinando período e a fornecer as quantidades solicitadas pela Administração no prazo previamente estabelecido.” (Meirelles, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo, pág. 68, citado por: Bittencourt, Sidney. Licitação de registro de preços: comentários ao decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, 2ª edição, rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 19)


“O Sistema de Registro de Preços consiste num procedimento especial de licitação e contratação, a ser adotado para compras cujos objetos sejam materiais, produtos ou gêneros de consumo freqüente pelo Poder Público.” (Leão, Eliana Goulart. O sistema de registro de preços: uma revolução nas licitações, pág. 17, citada por: Bittencourt, Sidney. Licitação de registro de preços: comentários ao decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, 2ª edição, rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 19)


“Registro de preços é o sistema pelo qual, mediante licitação, seleciona-se proposta de preços unitários a serem utilizados pela Administração em contratos futuros destinados à aquisição de bens ou contratação de serviços, de consumo e uso freqüentes.” (Escobar, João Carlos Mariense. O sistema de registro de preços nas compras públicas: teoria e prática, pág. 21, citado por: Bittencourt, Sidney. Licitação de registro de preços: comentários ao decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, 2ª edição, rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 19)


“O Registro de Preços pode ser considerado como um sistema de aquisição de bens móveis, ou como (…) procedimento administrativo para compra de bens pela Administração.” (Tolosa Filho, Benedicto de e Tolosa Payá, Renata Fernandes, Entendendo, implantando e mantendo o sistema de registro de preços, pág. 11, citados por: Bittencourt, Sidney. Licitação de registro de preços: comentários ao decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, 2ª edição, rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 19)


“Registro de Preços significa a licitação não para compras imediatas, mas para eleição de cotações vencedoras, que, ao longo do prazo máximo de validade do certame podem ensejar, ou não, contratos de compra.” (Rigolin, Ivan Barbosa e Bottino, Marco Tullio, Manual prático das licitações: lei nº 8.666/93, pág. 227, citados por: Bittencourt, Sidney. Licitação de registro de preços: comentários ao decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, 2ª edição, rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 20)


“O Registro de Preços constitui-se num meio operacional para a realização de compras de materiais, gêneros e equipamentos de uso comum, o qual se concretiza mediante prévio certame licitatório, visando obter os melhores preços e condições para a Administração.” (Citadini, Antônio Roque. Comentários e jurisprudência sobre a lei de licitações públicas, pág. 89, citado por: Bittencourt, Sidney. Licitação de registro de preços: comentários ao decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, 2ª edição, rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 20)


“Registro de preços é o sistema de compras segundo o qual a Administração convoca os interessados em lhe fornecer materiais, equipamentos e gêneros, os quais, selecionados mediante licitação, obrigam-se a entregar-lhe, quando solicitado, os bens pelo preço classificado, atualizado ou não, nas quantidades pedidas, durante o prazo de validade do registro.” (Bazilli, Roberto Ribeiro e Miranda, Sandra Julien. Licitação à luz do Direito Positivo: atualizado conforme a Emenda Constitucional 19, de 4.6.1998, e a lei 9.648, de 27.5.1998, pág. 99, citados por: Bittencourt, Sidney. Licitação de registro de preços: comentários ao decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, 2ª edição, rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 20)


“Sistema de Registro de Preços é um procedimento especial de licitação que se efetiva por meio de uma concorrência ou pregão sui generis, selecionando a proposta mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, para eventual e futura contratação pela Administração.” (Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico, 3ª edição, rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 30)


Exposta a posição da doutrina, temos que concluir que o Sistema de Registro de Preços (ou SRP) não é uma modalidade de licitação (vez que estas se restringem à concorrência, à tomada de preços, ao convite, ao concurso e ao pregão, presencial ou eletrônico) e nem é um tipo licitatório (que, à luz do § 1º do art. 45 da Lei Federal nº 8.666/93 são: menor preço, melhor técnica, técnica e preço e maior lance ou oferta). É sim, na realidade, como bem diz o já citado Sidney Bittencourt, uma ferramenta procedimental inserida nas operações que envolvam as aquisições de materiais, produtos ou gêneros de consumo freqüente promovidas pelo Poder Público.


O Sistema de Registro de Preços é previsto pelo art. 15, II, §1º à 4º da Lei Federal nº 8.666/93, que, por sua vez é regulamentado pelo Decreto Federal nº 3.931/2001.


Sobre a aplicabilidade de tal decreto a Estados e Municípios trazemos à baila as lições do Ministro Moreira Alves:


“Para se configurar o vazio que deve ser preenchido supletivamente pelas leis estaduais é preciso que a não haja legislação federal, que abarca não somente as leis, mas também os diferentes atos normativos (decretos, regulamentos, circulares, portarias, etc.) que emanam da União Federal (RTJ, 115:1033).” (Citado por: Bittencourt, Sidney. Licitação de registro de preços: comentários ao decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, 2ª edição, rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2008, págs. 31/32)


Em igual sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro:


“A Lei nº 8.666/93, apesar de todas as discussões sobre se suas normas são todas gerais ou não e, portanto, obrigatórias para Estados e Municípios, aplica-se à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme consta do seu art. 1º. E, ainda que houvesse alguma dúvida com relação a vários dispositivos da lei, dúvida não existe de que a matéria pertinente ao procedimento, em especial nos critérios de julgamento, é norma geral de observância obrigatória. Portanto, qualquer decreto regulamentador dessas normas tem que ter forçosamente o mesmo alcance. E como no preâmbulo já constava a referência a essa lei, parece indubitável que, regulamentando dispositivo da lei de licitações, o dispositivo teria alcance nacional.” (Citada por: Bittencourt, Sidney. Licitação de registro de preços: comentários ao decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, 2ª edição, rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2008, págs. 33/34)


Seguindo tais lições doutrinárias, fica evidenciado que o Decreto Federal nº 3.931/2001, que traça as linhas gerais do Sistema de Registro de Preços, é aplicável não só à União e aos integrantes da Administração Indireta Federal, mas sim à Administração Pública Direta e Indireta de Estados e Municípios.


3) Da possibilidade de alteração da ata de registro de preços, prevista no Decreto Federal nº 3.931/2001, em razão da verdadeira natureza contratual que lhe foi conferida


Nos termos do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal de 1988 temos o seguinte:


 XXXI- ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”


Deduz-se do mandamento constitucional a preocupação de que seja garantido nos contratos com a Administração Pública uma intangibilidade na auferição de vantagens que advém da execução contratual, permitindo que não ocorram desequilíbrios que, provocados por forças estranhas ao contrato, ocasionem ganhos desproporcionais de alguma das partes contratantes.


No Registro de Preços, conforme se pode perceber da análise do art. 12 do Decreto Federal nº 3.931/2001 abaixo transcrito, também houve, tal qual na Constituição Federal de 1988, esta preocupação da manutenção do equilíbrio econômico financeiro.


Art. 12. A Ata de Registro de Preços poderá sofrer alterações, obedecidas as disposições contidas no art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.


§ 1º  O preço registrado poderá ser revisto em decorrência de eventual redução daqueles praticados no mercado, ou de fato que eleve o custo dos serviços ou bens registrados, cabendo ao órgão gerenciador da Ata promover as necessárias negociações junto aos fornecedores.


§ 2º  Quando o preço inicialmente registrado, por motivo superveniente, tornar-se superior ao preço praticado no mercado o órgão gerenciador deverá:


I – convocar o fornecedor visando a negociação para redução de preços e sua adequação ao praticado pelo mercado;


II – frustrada a negociação, o fornecedor será liberado do compromisso assumido; e


III – convocar os demais fornecedores visando igual oportunidade de negociação.


§ 3º  Quando o preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados e o fornecedor, mediante requerimento devidamente comprovado, não puder cumprir o compromisso, o órgão gerenciador poderá:


I – liberar o fornecedor do compromisso assumido, sem aplicação da penalidade, confirmando a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados, e se a comunicação ocorrer antes do pedido de fornecimento; e


II – convocar os demais fornecedores visando igual oportunidade de negociação.


§ 4º  Não havendo êxito nas negociações, o órgão gerenciador deverá proceder à revogação da Ata de Registro de Preços, adotando as medidas cabíveis para obtenção da contratação mais vantajosa.”


Comentando o art. 12 do Decreto Federal nº 3.931/2001, Sidney Bittencourt com razão afirma que:


Definitivamente, é de se ter em mente que o elaborador do decreto regulamentar tomou a Ata de Registro de Preços como se contrato fosse, de vez que admite alterações na mesma se obedecidas as disposições do art. 65 da Lei nº 8.666/93, que trata de modificações dos contratos.” (Bittencourt, Sidney. Licitação de registro de preços: comentários ao decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, 2ª edição, rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 119)


Recebendo a ata de registro de preços tratamento idêntico ao do contrato administrativo no que pertine às hipóteses de sua alteração, deve ser dito sobre reequilíbrio econômico-financeiro o seguinte:


Só tem sentido falar-se em reequilíbrio econômico-financeiro do contrato quando o equilíbrio inicial se haja rompido, em decorrência de fato da Administração, ‘Fato do Príncipe’, força maior, caso fortuito ou interferência imprevista, ou seja, de um fato superveniente à contratação e imprevisível pela parte afetada, contido na álea extraordinária do negócio. Se o preço do contrato foi subestimado, quer por incompetência, quer por má-fé, a equação econômico-financeira do contrato nasceu desequilibrada. Juridicamente não tem conserto”. (Amaral, Antônio Carlos Cintra do. Licitação e Contrato Administrativo – Estudos, Pareceres e Comentários, Belo Horizonte: Fórum, 2006, pág. 138)


Prosseguindo com as lições do mesmo autor temos ainda que:


1. Os contratos de obra pública podem ter seu valor aumentado em decorrência de fatos supervenientes à formação do vínculo contratual e imprevisíveis pelas partes, ou previsíveis, mas de conseqüências incalculáveis. Esses fatos podem ser agrupados em três categorias:


a) Fatos da Administração, tais como alterações, complementações ou adaptações do projeto, bem como não liberação de áreas nos prazos contratuais, sobretudo em decorrência de atrasos nas desapropriações;


b) Fatos do Príncipe, que constituem atuações estatais que interferem indiretamente na execução do contrato, tais como aumentos de tributos e exigências referentes à proteção do meio-ambiente; e


c) Teoria da Imprevisão, que compreende os motivos de força maior (em sentido lato) caso fortuito, sujeições imprevistas e outros.”(Amaral, Antônio Carlos Cintra do. Licitação e Contrato Administrativo – Estudos, Pareceres e Comentários, Belo Horizonte: Fórum, 2006, pág. 165)


Descontando-se o fato de a lição doutrinária acima fazer referência a um contrato de obras, é inconteste que as hipóteses acima declinadas, quando verificadas, ensejam a alteração no valor de quaisquer tipos de contratos administrativos e, como o Decreto Federal nº 3.931/2001 equiparou os casos de alteração nas atas de registros de preços aos casos onde ocorrem modificações dos contratos administrativos, serão sujeitas as atas de registros de preços a alterações sempre que forem comprovadas a ocorrência de fatos da administração, fatos do príncipe ou fatos insertos na teoria da imprevisão que alterem o equilíbrio-econômico financeiro.


Verificadas as hipóteses que ensejam a alteração de um contrato administrativo, resta-nos esclarecer que a mesma deverá ser efetuada mediante a apresentação de um pedido de revisão de preços. Como existe uma certa confusão terminológica acerca da expressão revisão de preços, cremos ser útil declinar a diferença entre a revisão, o reajuste e a correção monetária:


Com efeito, a cláusula de ‘reajuste de preços’ tem por função evitar que, na fase de execução, seja rompida a equação econômica do contrato, ruptura essa decorrente da elevação dos preços dos insumos.


A ‘correção monetária’, por sua vez, tem por função evitar a ‘perda de substância da moeda’, tanto no período entre o adimplemento da obrigação e o pagamento do preço ajustado, quanto por eventuais atrasos de pagamento.


Já a ‘revisão de preços’ tem por função restabelecer a equação econômica ou financeira inicial do contrato, desbalanceada: (a) por uma alteração unilateral efetuada pela Administração; (b) pela ocorrência de um ‘fato do príncipe’; ou (c) por um fato superveniente (ou de conhecimento superveniente) e imprevisível (ou de conseqüências imprevisíveis) que enseje a aplicação da teoria da imprevisão.” (Amaral, Antônio Carlos Cintra do. Licitação e Contrato Administrativo – Estudos, Pareceres e Comentários, Belo Horizonte: Fórum, 2006, pág. 182)


Para finalizar, trazemos a lição sintética de Lúcia Valle Figueiredo que, em poucas linhas, condensa tudo o que foi até aqui dito:


A equação econômico-financeira do contrato, repita-se ainda uma vez, caracteriza-se pelo equilíbrio entre as obrigações assumidas e as importâncias a serem recebidas. Esta a comutatividade do contrato, como bem asseverou Hely Lopes Meirelles.


De conseguinte, se alterada a equação econômico financeira do contrato, não, contendem, doutrina e jurisprudência, no sentido de que ou a Administração deve recompô-la, ou o contratado poderá pedir a rescisão, rompendo, pois, o laço contratual.” (Figueiredo, Lúcia Valle. Direito Público: estudos, Belo Horizonte: Fórum, 2007, pág. 100)


4) Da necessidade de comprovação da ocorrência do desequilíbrio econômico-financeiro


Lucas Rocha Furtado, com muito acerto, leciona que o desequilíbrio econômico-financeiro deve restar adequadamente comprovado pelo interessado na recomposição dos preços:


Em nosso Direito administrativo, a Lei nº 8.666/93 prevê, expressamente, a possibilidade de, por acordo das partes, ser promovida a recomposição do equilíbrio do contrato (… omissis …)


O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello (p. 339), ao examinar esse tema e sua aplicação no campo dos contratos administrativos, ressalta que ‘enquanto o particular procura o lucro, o Poder Público busca a satisfação de uma utilidade coletiva. Calha, pois, à Administração atuar em seus contratos com absoluta lisura e integral respeito aos interesses econômicos legítimos de seu contratante, pois não lhe assiste minimizá-los em ordem a colher benefícios econômicos suplementares ao previsto e hauridos em detrimento da outra parte’.


Segundo a definição legal, fatos previsíveis, de conseqüências que se possam razoavelmente estimar; não podem servir de fundamento à pretensão de recomposição de preços. A lei não visa suprir a imprevidência do particular ou sua imperícia em calcular o comportamento da curva inflacionária, por exemplo. Apenas o resguarda de situações extraordinárias, fora do risco normal da economia de seus negócios.


Ademais, os contratos, ressalvadas as hipóteses de contratação direta, são celebrados com a empresa vencedora do processo de licitação, em que a Administração, entre várias propostas que se lhe formularam, escolheu a que lhe era mais vantajosa. Mais vantajoso deve ser entendido como a que atende ao fim público visado e com menor custo possível.


De fato, admitir a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos administrativos fora das circunstâncias definidas em lei, vale dizer, aceitar a recomposição de preços nos contratos a todo tempo e modo, na hipótese de o contratante apenas demonstrar alterações na relação econômico-financeira, seria negar qualquer sentido ao instituto da licitação e premiar o licitante que por má-fé ou inépcia empresarial, apresentou proposta que, com o tempo, revelou-se antieconômica.


A licitação, caso não sejam definidos critérios rígidos para a aplicação da teoria da imprevisão, poderia conduzir a Administração à escolha de propostas apenas aparentemente mais econômicas. As empresas que oferecessem propostas adequadas, assentadas em previsões bem feitas e com margem de lucro razoável, poderiam ser derrotadas por propostas mal calculadas, que manifestariam seus malefícios somente mais tarde.


Variações de custos previsíveis, para mais ou para menos, são normais na atividade empresarial e constituem a álea normal do empreendimento a serem suportadas pelo empresárrio contratado. Impõe-se, desse modo, a definição dos requisitos necessários à recomposição do equilíbrio econômico do contrato”. (Furtado, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos, Belo Horizonte: Fórum, 2007, págs. 609/610)


A lição de Lucas Rocha Furtado não discrepa do posicionamento que os Tribunais brasileiros têm adotado.


Os sodalícios têm se manifestado no sentido de só se admitir o reequilíbrio em casos onde haja a comprovação de que os incrementos ensejadores da alteração contratual se deram de forma imprevisível:


“Acórdão. Origem: TRF – QUINTA REGIAO. Classe: AC – Apelação Civel – 353924. Processo: 200285000009454 UF: SE Órgão Julgador: Quarta Turma. Data da decisão: 28/06/2005 Documento: TRF500099258. Fonte DJ – Data::02/08/2005 – Página::482 – Nº::147. Relator(a) Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho. Decisão UNÂNIME. Ementa. ADMINISTRATIVO. ROMPIMENTO DE CONTRATO PELA INEXECUÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA. CLÁUSULA CONTRATUAL. LEI Nº 8.666. ART. 87. POSSIBILIDADE. RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ROMPIMENTO.


É possível a aplicação de multa pela inexecução de obra contratada através de certame licitatório, de acordo com cláusula constante do contrato celebrado entres as partes, em conformidade com o permissivo do art. 87 da Lei nº 8.666/93, norma de regência dos contratos administrativos. Para que haja o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro da avença, é necessário que reste comprovado o seu rompimento com base em fato imprevisível ou previsível mas de conseqüências incalculáveis, o que não ocorreu, limitando-se a apelante a referir a sua ocorrência. Apelo improvido. Data Publicação. 02/08/2005. Referência Legislativa”


Acórdão. Origem: TRF – PRIMEIRA REGIÃO. Classe: AC – APELAÇÃO CIVEL – 200001000459245. Processo: 200001000459245 UF: DF Órgão Julgador: SEXTA TURMA. Data da decisão: 13/8/2007 Documento: TRF100257022 . Fonte DJ DATA: 10/9/2007 PAGINA: 51. Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO. Ementa ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. AUMENTO SALARIAL. DISSÍDIO COLETIVO. AUMENTO DOS CUSTOS DA CONSTRUÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO. PRECEDENTES DO STJ E DO TRF DA 1ª REGIÃO. 1. Não pode ser aplicada a teoria da imprevisão para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo (Lei 8666/93, art. 65, II, d) na hipótese de aumento salarial dos empregados da contratada em virtude de dissídio coletivo, pois constitui evento certo que deveria ser levado em conta quando da efetivação da proposta. Precedentes: RESP 411101/PR, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 08.09.2003, RESP 134797/DF,  2ª T., Min. Paulo Gallotti, DJ de 1º.08.2000 e REsp 668.367/PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 05.10.2006 p. 242) 2. A alegação de desequilíbrio econômico-financeiro deve ser acompanhada do conjunto probatório tendente a demonstrar a ocorrência das causas majorantes dos encargos contratuais e ainda dos eventuais prejuízos. O reajuste decorrente do rompimento da equação inicial do contrato sujeita-se à presença do requisito da imprevisibilidade do fator que majorou os custos da contratada para a execução do ajuste. (AC 1999.01.00.121179-1/DF, Rel. Juiz Julier Sebastião Da Silva (conv), Terceira Turma Suplementar, DJ de 23/01/2002, p.39) 3. Nas causas em que não houver condenação (pedido julgado improcedente – C.P.C., art. 20, § 4º), os honorários advocatícios devem ser fixados mediante apreciação eqüitativa do juiz 4. Apelação parcialmente provida. Data Publicação 10/09/2007.”


O professor Jorge Ulysses Jacoby Fernandes, em seu “Vade-mécum de Licitações e Contratos”, apresenta um “roteiro prático” do reequilíbrio que, pela clareza dos seus termos, cremos ser válida a sua reprodução:


“1. requerimento do interessado


O reequilíbrio que visar a majoração de preços deve ter sempre por base o pleito do contratado, do mesmo modo que os que visem a redução de preços deve se basear na verificação da Administração Pública da redução de preços do mercado.


É ao contratado, quando pretende a majoração dos preços, que cabe pedir e demonstrar o direito ao reequilíbrio. A atuação de ofício, demonstra o interesse do agente público de zelar por interesse privado, absolutamente incompatível com a austeridade de quem gere recursos públicos.


2. Demonstração de desequilíbrio


Ao pleitear o reequilíbrio caberá ao contratado apresentar duas planilhas de custos: uma do tempo atual e outra da época da proposta.


São esses os períodos a serem considerados pela Administração Pública e somente esses justificam o atendimento do pleito.


Circunstâncias alheias ao custo do contrato, como má gestão da empresa, não justificam o reequilíbrio. (… omissis …)


3. exame econômico das planilhas


Atento ao que foi exposto, não deve o administrador conceder o reequilíbrio confiando, apenas, nos dados apresentados pelo contratado. Ao contrário, impõe-se-lhe o dever de verificar, item por item, a compatibilidade e veracidade da informação apresentada. Por força de lei, – art. 113, da Lei nº 8.666/93 -, houve a inversão da presunção de legitimidade dos atos praticados pelo administrador público em matéria de contratos. Cabe-lhe demonstrar a legalidade e regularidade dos atos que pratica e essa demonstração deve ficar no processo.” (Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. Vade-mécum de licitações e contratos: legislação selecionada e organizada com jurisprudência, notas e índices, 3ª edição, Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 882/883)


Pelo que está magistralmente exposto acima, fica patente que o ônus de provar o desequilíbrio faz que as partes contratantes se baseiem em provas robustas para poder implementá-lo.


Deve ser ressaltado que a comprovação da existência do desequilíbrio, é de incumbência do interessado, que, no caso do cancelamento de registro de preços é o fornecedor, consoante se pode concluir pelas lições abaixo expostas:


ÔNUS DO INTERESSADO – Vigora para o processo administrativo o mesmo princípio adotado no processo judicial no que toca ao ônus da prova: cabe ao interessado o ônus da prova em relação às alegações que tenha apresentado. O postulado já resulta do ensinamento dos romanos: ‘onus probandi incumbit ei dicti, non qui negat’.


No estatuto processual civil, tendo em vista que o processo contém um conflito de interesses no qual a pretensão de uma parte encontra resistência por parte da outra, a regra é a de quer o autor tem o ônus de provar o fato constitutivo de seu pedido, ao passo que o réu deve comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. O sistema atual, portanto, baseia-se na distribuição da prova e no interesse direto da parte no que tange à comprovação fática, e daí se realça a importância das alegações no processo: se quem faz a alegação relata determinado fato, a ela deve caber prová-lo.” (Filho, José dos Santos Carvalho. Processo Administrativo Federal, comentários à Lei n 9.784 de 29/1/1999, 3ª edição, Rio de Janeiro, RJ: Lúmen Juris, 2007, pág. 199)


5) Da necessidade de que haja vantagem para a Administração para que se realize a revisão


Jorge Ulysses Jacoby Fernandes nos brinda com um posicionamento inquestionável acerca de quais são os requisitos para se permitir a alteração numa ata de registro de preços. Para ele deve-se pautar a revisão de preços numa ata de SRP nos seguintes ditames:


a) a alteração, decorrente das questões propostas, deve ser sempre exceção;


b) tratando-se de ato discricionário, excepcional, deve ser amplamente motivado, retratando-se fundamentos de interesse público;


c) não pode ser violada, direita ou indiretamente a isonomia, de modo que, se outro fornecedor puder, em tese, atender o pedido em condições semelhantes, será preferível cancelar o registro do fornecedor que não puder cumprir a obrigação nos termos ajustados do que dar causa a um privilégio na contratação. Nessa hipótese, podem até ser aplicadas as disposições concernentes à contratação direta sem licitação. Ou para acréscimos, além das quantidades inicialmente previstas, nova licitação;


d) é preciso demonstrar a vantagem da modificação e, especialmente, a compatibilidade de preços com os praticados no mercado.” (Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico, 3ª edição, Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 392)


6) Do pedido de cancelamento da ata de registro de preços feito pelo fornecedor


Como aqui já dito, o Sistema de Registro de Preços tem seu disciplinamento normativo exposto no Decreto Federal nº 3.931 de 19 de setembro de 2001.


Tal decreto, sobre a possibilidade do cancelamento do registro de preços mediante solicitação do fornecedor, dispõe em seu art. 13, § 2º o seguinte:


“O fornecedor poderá solicitar o cancelamento do seu registro de preço na ocorrência de fato superveniente que venha comprometer a perfeita execução contratual, decorrentes de caso fortuito ou de força maior devidamente comprovados.”


Sobre as expressões em destaque: “caso fortuito”, “força maior” e “devidamente comprovados” diga-se o que se segue.


O Código Civil de 2002 disciplina as figuras do “caso fortuito” e da “força maior” em seu art. 393 como uma forma de extinção da obrigação que seria decorrente do inadimplemento de um negócio jurídico:


“O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente, não se houver por eles responsabilizado.


Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”


Comentando tal dispositivo, assim se manifesta a doutrina:


Nas hipóteses de força maior ou caso fortuito, desaparece o nexo de causalidade entre o inadimplemento e o dano, de modo que não haverá obrigação de indenizar. Trata-se, portanto, de causa excludente da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual.


(…) embora a lei não faça distinção entre tais figuras, o caso fortuito representa fato ou ato estranho à vontade das partes (greve, guerra, etc.); enquanto a força maior é a expressão destinada a aos fenômenos naturais (raio, tempestade, etc.).


A característica mais importante dessas excludentes é a inevitabilidade, isto é, a impossibilidade de serem evitadas por forças humanas.” (Bdine Jr., Hamid Charaf. Código Civil Comentado, Coordenador: Peluso, Ministro Cezar Barueri, SP: Manole, 2007, pág. 282)


Posto isto, fica patente que, ocorrendo fatos imprevisíveis e superiores às forças humanas de controlá-los, autorizado está o pedido de cancelamento do registro de preço firmado com a Administração Pública por parte de fornecedor.


Entretanto, como bem ressalva o art. 13, § 2 do Decreto Federal nº 3.931 de 19 de setembro de 2001, a ocorrência do “caso fortuito” e da “força maior” deverá ser devidamente comprovada.


7) Conclusão


Posto isso, parece-nos evidenciado que: 1) Só deve ocorrer revisão de preços na ata registrada pelo fornecedor junto à Administração Pública quando o primeiro comprovar que há um desequilíbrio na equação econômico-financeira da relação de fornecimento expressa na ata de registro de preços e que é vantajoso para o Poder Público promover a revisão de preços em detrimento de elaborar uma nova ata de registro de preços e; 2) O pleito de cancelamento de preço registrado em ata por particular em sede de SRP só merecerá provimento por parte da Administração Pública quando da comprovação, pelo fornecedor, da ocorrência de “caso fortuito” e/ou “força maior”.



Informações Sobre o Autor

Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado da UEN de Direito Administrativo do Escritório Lima e Falcão, Assessor Jurídico da Diretoria de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde do Recife e Consultor Jurídico do Departamento de Vigilância Sanitária de Olinda


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