Ausência notificação na LIA: nulidade relativa x absoluta

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Com efeito, destaca-se que as ações judiciais calcadas em dispositivos legais insertos no domínio do Direito Sancionador, ramo do Direito Público que formula os princípios, as normas e as regras de aplicação na atividade estatal punitiva de crimes e outros delitos, devem observar um rito que lhe é peculiar, como é o caso da Ação de Improbidade Administrativa, que deve seguir rito próprio, previsto na Lei 8.429⁄92, que a sujeita a condições específicas que não se exigem para os demais processos cíveis.

Nessa toada, dispõe o artigo 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92 (“Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.”), observada a alteração feita pela MP 2088-35, publicada em 28/12/00, sendo renovada pela MP 2225-45 de 04/09/01.

Observa-se, nesse aspecto, que a Lei de Improbidade Administrativa impõe a necessidade de prévia Notificação do acionado para que apresente manifestação por escrito antes de o Juiz decidir pelo recebimento ou não da petição inicial (art. 17, § 7º), marcando o encerramento da fase preliminar; e assim é porque, nesta fase, o órgão julgador deve proferir um juízo provisório de admissibilidade – positivo ou negativo – a depender de restar convencido (ou não) da razoabilidade da referida iniciativa processual; a citada análise destina-se a averiguar, eminentemente, as condições da ação, correspondentes à legitimidade das partes, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.

Notificar, na hipótese, visa a permitir a alguém oferecimento de defesa previamente ao recebimento da inicial, em conformidade ao princípio do contraditório. Sobre o tema, dispõe o art. 17 da Lei nº 8.429/92, verbis:

“Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.(…)

§ 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 8º Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 9º Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação”. (grifo pessoal)

A norma transcrita estabeleceu uma fase de defesa preliminar, em benefício do demandado, objetivando a manifestação antes da admissibilidade da petição inicial, tendo em vista as consequências severas de um procedimento de tal porte e seus reflexos no meio social.

Assim a doutrina:

“A modificação legislativa inspirou-se igualmente no procedimento referente aos crimes funcionais, sendo praticamente uma cópia do art. 514 do CPP, e estabeleceu uma fase de defesa preliminar, em prol das pessoas demandadas, em respeito à dignidade das mesmas, e, em certa medida, em resguardo do regular funcionamento do serviço das pessoas jurídicas mencionadas no art.1º da LIA, que poderia ficar comprometido em sua credibilidade com a repercussão da admissibilidade da ação de improbidade, havendo a possibilidade de apresentação, pelo notificado, de esclarecimentos e elementos probatórios contrários à aceitação de demandas temerárias e manifestamente incabíveis”[1]

“Há quem defenda a dispensa da notificação prévia na ação de improbidade administrativa, se a petição inicial estivesse instruída com inquérito civil, pois o aludido procedimento teria a função de reunir prova adequada para a demanda civil, evitando-se ações temerárias. Não nos parece, todavia, que a alteração legislativa tenha levado tal circunstância em consideração quando inseriu a defesa prévia no procedimento relacionado à improbidade administrativa. O objetivo foi estabelecer a necessidade da manifestação dos demandados antes da admissibilidade da petição inicial, tendo em vista as graves conseqüências de um processo dessa natureza para os réus e, eventualmente, para a própria Administração, sendo certo que o contexto fático que propiciou a modificação estava relacionado com a existência de diversas ações de improbidade em face de agentes políticos, havendo em algumas, muito provavelmente, a presença do aludido inquérito”[2]  

Portanto, a notificação do demandado para se manifestar por escrito, trata-se de fase prévia e obrigatória nos procedimentos previstos para as ações que visem à condenação por atos de improbidade administrativa, porquanto a análise da viabilidade da ação somente será aferida após a apresentação da defesa prévia.

A inobservância dessa providência (notificação prévia) portanto, configura expressa violação à ampla defesa e do contraditório, ou seja, pela ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição, assegurado pela LIA em seu art. 17, § 10; em face da natureza da nulidade (jure et jure), à luz da teoria geral das nulidades.

Nesse contexto, haveria, contudo, supressão de instância, ao impossibilitar a interposição do recurso cabível diante do recebimento da inicial, nos exatos termos do § 10 do art. 17 da Lei nº 8.429/92 (“Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.”), possibilitando o exame da decisão pelo órgão recursal, podendo mantê-la ou reformá-la, mediante a prolação de resultado diverso, rejeitando a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita, a teor do § 8º do art. 17 da Lei nº 8.429/92 (“Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.”).

A matéria trazida a baila, suscita ainda divergência nos principais tribunais pátrios, no entanto, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça prevalece o entendimento de que, em ação civil pública na qual se apuram atos de improbidade administrativa, a ausência da notificação do réu para a defesa prévia, prevista no art. 17, § 7º, da Lei n. 8.429⁄1992, só acarreta nulidade processual se houver comprovado prejuízo (pas de nullité sans grief). Nesse sentido: AgRg no REsp 1225295⁄PB, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 06⁄12⁄2011; REsp 1233629⁄SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 14⁄09⁄2011; REsp 1184973⁄MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 21⁄10⁄2010; REsp 1134461⁄SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 12⁄08⁄2010.

Nesse segmento, a interpretação do § 7°, do art. 17, da Lei 8.429/92 não pode se distanciar dos postulados constitucionais da ampla defesa e do contraditório, corolários do princípio mais amplo do due process of law, oportunizando ao acusado da prática de ato improbo, o oferecimento de manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias, notadamente porque a inserção do contraditório preambular, inserto no mencionado dispositivo legal, além de proporcionar ao acusado o exercício da ampla defesa e do contraditório, possibilita ao magistrado na fase posterior, cognominada "juízo prévio de admissibilidade da ação", proceder ao recebimento da petição inicial ou a rejeição da ação civil pública de improbidade (§§ 9º e 10, do art. 17, da Lei 8.429/92).

Ademais, como dito estaria por fulminar o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao direito ao duplo grau de jurisdição, já que, de acordo com o art. 17, § 10 da Lei 8.429⁄92, da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento; referida garantia processual encontra-se prevista, inclusive, na Convenção Interamericana de Direitos Humanos (art. 8º., 2 g), ratificada pelo Brasil em 1992, não podendo ser ignorada para a defesa de interesses do Estado; entendimento contrário configuraria evidente inversão de valores, levando em consideração que a essência das garantias processuais é, originariamente, a defesa do indivíduo frente ao Poder Estatal, que, ao longo da História Social, mais frequente e duramente tem investido contra os direitos e as liberdades individuais. Em casos semelhantes, assim já se pronunciou o STJ: REsp. 883.795⁄SP, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, Rel. p⁄ Acórdão Min. LUIZ FUX, DJe 26.03.2008.

Sobre o thema leciona Marino Pazzaglini Filho, in Lei de Improbidade Administrativa Comentada, Ed. Atlas, São Paulo, 2007, litteris:

"(…) Trata-se, na essência, de um procedimento especial preambular, estabelecendo um juízo prévio ou julgamento preliminar da ação civil de improbidade (petição inicial), e seguida ao recebimento da defesa prévia do requerido, à semelhança do que acontece no procedimento criminal, de rito especial, relativo aos crimes imputados a funcionários públicos que estejam no exercício de suas funções (arts. 513 a 518 do CPP). Dentro desse procedimento, cabe ao Juiz, completado este contraditório vestibular, em decisão fundamentada, receber a petição inicial ou rejeitar a ação, se convencido, ou não, da existência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita (§§ 8º e 9º). Violar esse regime processual singular é violar a garantia da ampla defesa (art. 5º, LIV, CF)

Considerando a inicial em devida forma, o Magistrado ordenará sua autuação e a notificação do requerido para manifestação por escrito, dentro do prazo de 15 dias, sobre os termos da ação proposta, cuja defesa pode ser instruída com documentos e justificações (§ 7º).

Trata-se, pois, de chamamento inicial do requerido para oferecer defesa prévia contra a ação proposta. A inobservância do disposto no § 7º do art. 17 da LIA, vale dizer, a falta de notificação do requerido para apresentação de defesa preliminar, antes do recebimento da petição inicial da ação civil de improbidade administrativa, configura nulidade absoluta e insanável do processo, que não se convalida pela não-argüição tempestiva, porque afronta ao princípio fundamental da ampla defesa. (grifo nosso)

Após a fase de apresentação da defesa prévia do requerido ou superado o prazo para o seu oferecimento, vem a fase de "juízo prévio da admissibilidade da ação", ou seja, o Juiz, em decisão fundamentada preliminar, recebe a petição inicial ou rejeita a ação civil de improbidade (§§ 8º e 9º do art. 17).(…)" p. 201-204

Resta, contudo, transparente a necessidade de serem assegurados o devido processo legal e defesa concreta ao demandado, sob pena de violar princípios constantes do art. 5º, LIV e LV, da Carta Magna. Em semelhante sentido, a possibilidade de justificação confere ao investigado acesso às alegações iniciais para a construção de sua defesa, ressaltando que o mero conhecimento da ação não exclui a necessidade da citação, a teor do art. 17, §9º, da LIA, e demais procedimentos dispostos na legislação.

Por tudo, podemos concluir a inobservância da norma mencionada, prevista na legislação infraconstitucional com o recebimento da inicial, antes de facultada a manifestação por escrito do demandado, acaba por ferir a ampla defesa, contraditório, bem como o duplo grau de jurisdição, configurando, portanto, nulidade absoluta e insanável, e assim é, porque à Ação de Improbidade, dado o seu paralelismo com a Ação Penal (ante sua evidente carga sancionatória) devem ser aplicados os mesmos postulados garantísticos.

 

Notas:
[1] NEIVA, José Antonio Lisboa. Improbidade Administrativa. Legislação comentada artigo por artigo. Doutrina, legislação e jurisprudência. Niterói: Impetus, 2009. p. 195
[2] Idem, p. 198.


Informações Sobre o Autor

Dennis Cincinatus

Especialista em Improbidade Administrativa. Advogado, Pós Graduado em Processo Civil e Mestre em Direito Público. Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção Barra da Tijuca e Presidente da Comissão de Direito Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção da Barra da Tijuca


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