Calamidade pública e omissão estatal: limites da Responsabilidade Civil do Estado

Resumo: O presente artigo tem como objetivo a análise da responsabilidade civil do Estado nos casos de omissão perante a doutrina e os Tribunais Superiores do Brasil. Para atingir tal propósito, o artigo destaca a controvérsia existente dentro do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e entre os doutrinadores, acerca da natureza da responsabilidade civil a ser aplicada nos casos de omissão do Poder Público. Para tanto, analisam-se os posicionamentos e os fundamentos dos defensores de cada teoria a ser aplicada nos referidos casos. O artigo tem como principais referenciais teóricos MELLO, Celso Antônio Bandeira., PIETRO, Maria Sylvia Zanella di., CAVALIERI FILHO, Sérgio.


Palavras-Chave: Responsabilidade Civil do Estado. Omissão Estatal. Responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva. Jurisprudências do STF e STJ.


Abstract: This article aims to review the State’s liability in cases of default before the doctrine and the Superior Courts of Brazil. To achieve this purpose, the article highlights the current controversy within the Supreme Court, Superior Court and among scholars, about the nature of liability to be applied in cases of failure of the government. To this end, we analyze the positions and the fundamentals of the advocates of each theory to be applied in those cases. The article’s main theoretical MELLO, Celso Antônio Bandeira., PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di., CAVALIERI FILHO, Sergio.


Keywords: Liability of the State. Default State. Strict liability and subjective responsibility. Jurisprudence of the STF and STJ.


INTRODUÇÃO


O presente trabalho proporciona a discussão da responsabilidade estatal relacionando-a com os casos de omissão nas calamidades públicas.


 Reveste-se o tema de grande importância em razão da preocupação da sociedade em buscar uma atuação administrativa pública transparente e dentro dos ditames legais voltados para a realização do interesse público, ampliando seu grau de responsabilidade.


O novo código civil trata desse assunto em variados artigos, exemplifica-se: Código Civil, Art. 186 (BRASIL, 2002): “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”; Código Civil, Art. 187 (BRASIL, 2002): “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”


E, mais adiante, o Código Civil, Art. 927 (BRASIL, 2002):


“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”


Sabe-se que o Estado pode causar danos aos administrados por ação ou omissão. Nas hipóteses de conduta omissiva, constatamos divergências doutrinárias quanto ao assunto da responsabilidade civil do Estado, visto que nem toda conduta omissiva tem como conseqüência um descuido do Estado em cumprir um dever legal. Consiste em ser, o Estado, responsabilizado civilmente quando este somente se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano. Portanto, pode-se garantir que a responsabilidade estatal por ato omissivo vem sempre de um ato ilícito, pois havia um dever de agir atribuído pela norma ao Estado que, pela omissão, foi violado. A respeito deste assunto, temos dois posicionamentos, um que concorda com os argumentos de Celso Antônio Bandeira de Mello e que defende a teoria da responsabilidade subjetiva, com base no Código Civil, Art. 43 (BRASIL, 2002); e outra, apoiada por vários autores, que concorda com a teoria da responsabilidade objetiva, aplicando-se o art. 37, §6º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).


Por fim, este trabalho estende a discussão entre a responsabilidade do Estado pela sua omissão e os freqüentes danos causados pelos fenômenos naturais experimentados pela população. Há de se analisar também a posição do doutrinador Celso Antonio Bandeira de Mello, onde afirma que se o Estado for chamado a responder sempre objetivamente pelos danos decorrentes de conduta estatal omissiva, este estará sendo edificado à condição de segurador universal.


1. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO


A Administração Pública imputa a seus agentes, funcionários ou servidores, atribuições ou poderes para agirem em seu nome, de maneira que, os atos por estes praticados são concebidos como da própria entidade administrativa, à qual são vinculados. Estas pessoas no desempenho das atividades que lhes foram conferidas são capazes de causar danos aos administrados, fazendo surgir a chamada responsabilidade civil da Administração Pública, tendo como fim a obrigação de indenizar os danos causados por seus agentes.


Em sentido lato, a responsabilidade patrimonial da Administração Pública decorre de suas atitudes, comissivas ou omissivas, lícitas ou ilícitas, as quais resultam em lesão à esfera jurídica patrimonial, até mesmo à moral do cidadão, sem quaisquer indagações quanto à culpa do causador do dano.


A responsabilidade civil do Estado alcança todas as situações em que o exercício de atividades lícitas ou ilícitas desenvolvidas pelas pessoas jurídicas de Direito Público ou pelas pessoas de Direito Privado prestadoras de serviços públicos viole direitos dos particulares causando-lhes prejuízo material ou moral. (FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo, Belo horizonte, 2007, p. 1001.)


1.1 Natureza jurídica do instituto


A noção de responsabilidade para o Direito constitui na idéia de que alguém, o responsável, deverá responder perante a ordem jurídica pelas conseqüências danosas dos seus atos. Já nos deparamos com dois pressupostos indispensáveis do instituto da responsabilidade: o fato e sua imputabilidade a alguém, ou seja, por um lado, tem que ter ocorrido o fato gerador da situação jurídica, seja ele de caráter comissivo ou omissivo; por outro, é preciso que o sujeito responsável tenha a aptidão jurídica de responder perante a ordem jurídica pelo fato ocorrido.


No tocante ao fato gerador, este pode ser lícito ou ilícito. Como regra, temos que o fato ilícito é aquele que acarreta a responsabilidade, mas, em algumas ocasiões, sendo estas especiais, o ordenamento jurídico estabelece a responsabilidade decorrente de fatos lícitos.


Quanto à origem, a responsabilidade pode ser classificada em contratual ou extracontratual. A primeira delas resulta da falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação, não precisando o contratante provar a culpa do inadimplente para obter reparação das perdas e danos, basta provar o inadimplemento. Deve-se lembrar também que nesta responsabilidade o ônus da prova caberá ao devedor, competindo a ele provar os fatos impeditivos do direito do autor. A segunda é a lesão a um direito sem que entre o ofensor e o ofendido preexista qualquer relação jurídica. Aqui, ao contrário da contratual, caberá à vítima provar a culpa do agente. 


Como se pode perceber, a princípio, a responsabilidade extracontratual baseia-se na culpa, onde o lesado deverá provar para obter reparação que o agente agiu com imprudência, imperícia ou negligência. Mas poderá abranger ainda a responsabilidade sem culpa, baseada no risco, gerada pela atividade do causador do dano. Portanto, duas são as modalidades de responsabilidade civil extracontratual quanto ao fundamento: a subjetiva, se fundada na culpa, e a objetiva, se ligada ao risco.


No âmbito deste trabalho será estudada a responsabilidade extracontratual do Estado, sendo esta a decorrente de um fato não vinculado a um contrato, ou seja, decorrente da prática de um dano antijurídico por um agente público ou da violação de um dever fundado em algum princípio geral de direito, não havendo vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligadas por uma relação obrigacional ou contratual.


O professor MELLO (2006, p. 983) conceitua a responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado como sendo: “a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”. Explica, ainda, que se fala em responsabilidade do Estado por atos lícitos nas hipóteses em que o poder deferido ao Estado e legitimamente exercido acarreta, indiretamente, lesão a um direito alheio, ocasionando uma quebra da isonomia perante os demais membros da sociedade.


Como uma análise final, na atualidade é maior a interferência da Administração Pública na vida do cidadão ao gerenciar a coisa pública com o fim da realização do bem comum. Nesta atividade, desenvolvida por seus agentes, é possível a ocorrência de danos ao patrimônio dos cidadãos. Assim agindo, forçam o Estado à obrigação jurídica de reparação desses danos, mediante a indenização dos prejuízos. A Administração responde perante os particulares, pelos atos de seus agentes que venham em prejuízo daqueles. Ao dever indenizatório da Administração Pública, nestes casos, tem-se conferido a denominação de responsabilidade civil.


Por fim, é fato que a adoção do termo “responsabilidade civil” nos leva a idéia de que a responsabilidade da Administração Pública rege-se apenas pelo direito civil, porém o direito administrativo é preponderante neste tema.


1.2. Evolução: Teorias Explicativas da Responsabilidade do Estado


Inúmeras teorias têm sido elaboradas para tratar do tema da responsabilidade civil do Estado, o qual tem recebido tratamento diverso no tempo e no espaço. Nestes, diversos foram os regimes jurídicos adotados, para o qual a doutrina já apresentou posicionamentos que iam desde a irresponsabilidade absoluta até as teorias mais radicais, como, por exemplo, a do risco integral.


A regra adotada por muito tempo foi a teoria da irresponsabilidade absoluta do Estado, em seguida passou por vários estágios até alcançar a teoria da responsabilidade objetiva consignada no texto constitucional em vigor, que independe da noção de culpa.


Atualmente, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público é uma realidade absolutamente difundida entre os países ocidentais, havendo um consenso quanto a esse aspecto na doutrina, na jurisprudência e na legislação dos países influenciados pelo direito administrativo francês, como é o caso do Brasil.


1.2.1. Irresponsabilidade do Estado


No período do absolutismo, predominava a idéia de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade sobre os atos praticados por seus agentes, ele exercia plenamente a sua autoridade, não havendo por parte dos súditos a possibilidade de contestação. O Estado era a expressão da lei e do Direito, sendo inadmissível a idéia de concebê-lo como violador da ordem que teria por dever preservar.


Nessa época, os governantes eram vistos como representantes de Deus e, por isso, acreditava-se que eles jamais cometiam erros. Imperava a imagem: “The King can do no wrong”, o rei nada faz de errado.


Essa noção da intangibilidade do soberano não prevaleceu por muito tempo e foi substituída pela teoria do Estado de Direito, onde o Estado passou a submeter-se ao império da Lei, sendo sujeito de direito, ou seja, titular de direitos e obrigações.


Dessa forma, a teoria da irresponsabilidade, que nunca foi admitida no Brasil, foi sendo superada e deixou de ser definitivamente adotada pelas duas últimas nações que a sustentavam. Nos Estados Unidos, a teoria foi abandonada em virtude do Federal Tort Claim Act, de 1946. Já na Inglaterra, o fim veio com o Crown Proceeding Act, de 1947.


O fim dessa fase e a adoção das teorias civilistas têm início com a aprovação do Código Civil francês e a previsão de que todo aquele que por ação ou omissão, por negligência, imperícia, imprudência ou dolo, cause prejuízo a terceiro é obrigado a ressarcir o dano causado.


1.2.2. Teoria da Responsabilidade com Culpa do Agente


A doutrina civilista da culpa imputava a responsabilidade estatal no caso de ação culposa de seu agente, ou seja, cabia à vítima demonstrar que o dano teria decorrido de negligência, imprudência ou imperícia do servidor público. Inicialmente, a responsabilidade do Estado foi admitida somente para determinados atos, pois se imaginavam que casos em que o Estado estivesse em posição de supremacia, não haveria responsabilidade. Essa divisão de atos do Estado se apresentou em atos de império e atos de gestão.


Os atos de império decorriam do poder soberano do Estado e por isso eram coercitivos. Os atos de gestão se aproximavam dos atos de direito privado. Portanto, se o Estado produzisse um ato de gestão, poderia ser civilmente responsabilizado. Diferentemente, se produzisse um ato de império não poderia haver qualquer responsabilidade, pois o fato seria regido pelas normas tradicionais de direito público, protegendo a figura estatal. Tal teoria causou grande confusão e inconformismo justamente por essa divisão, pois não era fácil distinguir o que era ato de império e ato de gestão.


Por fim, ainda nesta teoria, houve uma fase em que não mais havia essa divisão, mas tinha que ser demonstrada a culpa do agente para que fosse reconhecida a responsabilidade estatal.


1.2.3. Teoria da Responsabilidade por culpa do serviço (culpa anônima)


A teoria da culpa do serviço ou da falta do serviço poderia consumar-se de três maneiras: pela inexistência do serviço (omissão), pelo mau funcionamento do serviço ou pelo retardamento do serviço. Por algum desses motivos seria legítimo pleitear indenização.  Ela é chamada também de teoria da culpa anônima, pois o Estado passou a ser chamado a responder pelos danos sofridos pelos particulares independentemente da necessidade de ser demonstrada culpa de qualquer agente público específico.


Foi consagrada pela doutrina de Paul Duez, na qual afirmava que não precisaria o lesado identificar o agente estatal causador do dano. Apenas necessitava comprovar o mau funcionamento do serviço público, mesmo que fosse impossível de saber qual o agente que o provocou.


Desse modo, a formulação dessa teoria foi extremamente relevante para a construção da moderna teoria da responsabilidade objetiva.


1.2.4. Teoria da Responsabilidade Objetiva


A responsabilidade do Estado evoluiu e desenvolveu esta teoria com maior benefício ao lesado, dispensando-o de provar alguns elementos que dificultam o surgimento do direito à reparação dos prejuízos, haja vista ele figurar como pólo hipossuficiente na relação com o Estado.


Na teoria da responsabilidade objetiva há a dispensa da verificação do fator culpa em relação ao fato danoso, bastando ao lesado comprovar a relação causal entre o fato e o dano, podendo ainda incidir sobre fatos lícitos ou ilícitos.


Por ser o Estado mais poderoso que o indivíduo deverá, pois, arcar com um risco natural decorrente de suas inúmeras atividades. Pela grande quantidade de poderes correspondendo a um risco maior, nasce o fundamento da responsabilidade objetiva do Estado que é a teoria do risco administrativo.


Para caracterizar tal teoria tem-se que configurar certos pressupostos formando um elo entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. Esses pressupostos são:


a) Conduta comissiva ou omissiva por agente público.


b) Dano específico (porque atinge apenas um ou alguns membros da coletividade) e anormal (porque supera os inconvenientes normais da vida em sociedade, decorrentes da atuação estatal. )


c) Nexo de causalidade entre eles.


Por sua vez, a teoria do risco subdivide-se em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral. Em regra, ambas as teorias prescindem da apreciação da culpa, seja a culpa do agente ou a do serviço. Desta forma, basta ao administrado demonstrar que houve um comportamento comissivo ou omissivo e o fato danoso, bem como o nexo de causalidade.


As teorias do risco administrativo e do risco integral se diferenciam no que diz respeito à existência de hipóteses excludentes de responsabilidade. Na teoria do risco administrativo a responsabilidade do Estado é afastada nos casos em que há força maior, fato de terceiros ou culpa exclusiva da vítima, sendo que nos casos em que há culpa concorrente da vítima o Estado indenizaria na proporção inversa do grau de culpa da vítima, ou seja, quanto maior a culpa da vítima menor será o valor devido pelo estado a titulo de indenização. Já a teoria do risco integral é uma modalidade extremada da teoria do risco, pois não admite nenhuma causa excludente da responsabilidade, obrigando o estado a indenizar mesmo que o dano seja resultante da culpa ou dolo da vítima ou de força maior. No direito moderno, esta última teoria é criticada como sendo absurdo, só se aplicando em situações excepcionais.


Em resumo, conforme o entendimento da maior parte da doutrina, a teoria do risco foi acolhida no Brasil com o advento da Constituição de 1946, sendo mantida na vigente Constituição em seu art. 37, §6°. No entanto, sob reiterada jurisprudência e apoio da doutrina, a teoria do risco foi admitida na modalidade do risco administrativo, ou seja, há a possibilidade do Estado eximir-se da responsabilidade quando existir algumas das causas excludentes. Apesar disso, a teoria do risco integral também é adotada, só que de forma restrita, sendo admitida apenas nos casos de ataques terroristas e danos nucleares.


2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO À LUZ DA CF/88


O texto constitucional consagra a Teoria da Responsabilidade Objetiva do Estado regulando a matéria no Art. 37, §6° (BRASIL, 1988): “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”


Além desse dispositivo, a CF menciona ainda no seu art. 21, XXIII, alínea “d” que “a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”, vindo a reforçar a sujeição do Poder Público à responsabilidade objetiva, tendo como fundamento a teoria do risco integral, de modo que, se a União ou outra pessoa de sua administração causarem qualquer tipo de dano no desempenho das atividades nucleares estarão inevitavelmente sujeitas ao dever de reparar os respectivos prejuízos através de indenização.[1]


3. EXCLUDENTES E ATENUANTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO


As causas de excludente da responsabilidade do Estado são: força maior, culpa exclusiva da vitima e fato de terceiros. Há quem diferencie força maior e caso fortuito, explicando que aquele é o acontecimento imprevisível, inevitável e estranho às vontades das partes (tempestade, terremoto, raio) e este como sendo casos em que o dano seja decorrente de ato humano ou de falha da administração.


Mesmo ocorrendo motivo de força maior, a responsabilidade do Estado poderá sobrevir se houver omissão do Poder Público na realização de um serviço. Ex: quando as chuvas provocam enchentes na cidade, inundando casas e destruindo objetos, o Estado responderá se ficar demonstrado que a realização de determinados serviços de limpeza dos rios ou dos bueiros e galerias de águas pluviais teria sido suficiente para impedir a enchente.


A culpa exclusiva da vítima se dá na hipótese de autolesão, o Estado não tem qualquer responsabilidade civil dada a inexistência de nexo de causalidade, ele não pode ser responsabilizado por um fato a que, de qualquer modo, não deu causa. Outro cenário possível de acontecer é quando se conclui pela existência de culpa concorrente, ou seja, se ficar comprovado que tanto o particular quanto o agente público agiram com culpa, haverá atenuação da responsabilidade do Estado, devendo os danos serem divididos entre as partes em razão da culpabilidade de cada um deles.


Para finalizar as excludentes de responsabilidade, temos o fato de terceiro, que é a causada ao administrado por outrem, por um terceiro, e não pelo Estado. Diante desse fato, deve o Poder Público se esforçar no sentido de comprovar a culpa do terceiro, sob pena de ter que indenizar o particular lesionado.


4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE DE CONDUTA OMISSIVA


É sabido que o Estado poderá causar danos aos administrados por ação ou omissão. Entretanto, afirma parte da doutrina que, nos casos de conduta omissiva, tem-se que perquirir quando o não-agir estatal ensejará a responsabilidade civil, visto que omissões há que não retratam um descumprimento de dever legal. Em face do princípio da legalidade, que determina ao Estado agir quando devidamente autorizado por lei – o que se configura concomitantemente como dever e poder-, apenas as omissões diante de um dever de agir legalmente imposto à Administração consubstanciam-se em fato gerador da responsabilidade civil do Estado.


Ao lado da conclusão a que se chegou no parágrafo anterior, observa-se igualmente que a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre decorrente de ato ilícito.


A natureza da responsabilidade civil do Estado nos casos de omissão é um assunto bastante controverso dentro da doutrina e da jurisprudência. Este estudo traz consigo um amplo campo de debate jurídico. A respeito, tem-se duas posições, uma que segue os argumentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, que defende a teoria da responsabilidade subjetiva, cuja base legal é a aplicação do artigo 186 do novo Código Civil; e outra, sustentada por vários autores, que defendem a teoria da responsabilidade objetiva, aplicando-se o artigo 37, §6°, da Constituição Federal.


A seguir, é exposta cada corrente com seus fundamentos e particularidades.


4.1. Teoria da Responsabilidade estatal subjetiva por conduta omissiva


Parte da doutrina tem sustentado a responsabilidade subjetiva nos casos em que o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado, ou seja, quando o serviço não funcionou, funcionou tardiamente ou foi ineficiente. Portanto, se o Estado não agiu, para que ele seja considerado o autor do dano, faz-se necessário demonstrar que ele tinha o dever de agir. Só faz sentido responsabilizá-lo se o mesmo descumpriu um dever legal que lhe impunha impedir o evento lesivo. Nem toda conduta omissiva significa um desleixo do Estado em cumprir um dever legal, não sendo este responsabilizado em todas as hipóteses, mas somente quando se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos.


Para MELLO (2009, p. 1002) deve-se aplicar a teoria subjetiva à responsabilidade estatal por conduta omissiva. Para isso, o autor argumenta que a palavra “causarem” do artigo 37, §6° da Constituição Federal abrange somente os atos comissivos, excluindo os omissivos.


Ensina o nobre doutrinador, MELLO (2009, p. 1004),  ao dizer que:


“De fato, na hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fator que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado.”


Por tal motivo, o doutrinador exclui os atos omissivos do referido artigo e consequentemente a responsabilidade objetiva em tais atos, configurando assim a responsabilidade subjetiva para os casos omissivos.


Para que haja a responsabilidade por omissão é necessário que se configure o dever de agir por parte do estado e a possibilidade de agir para evitar o dano. Na análise da possibilidade de agir, tem-se que verificar a efetiva existência de mecanismos para evitar o dano, consoante os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, incidindo inclusive a teoria da reserva do possível.[2]  Sabe-se que cabe ao Estado prover a todos os interesses da coletividade, porém os adeptos da teoria subjetiva acreditam que admitir a responsabilização do Estado em toda e qualquer hipótese, em que alguém sofra evento lesivo causado por terceiro, conduziria a absurdos. Ao admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o Estado estaria adotando a postura de segurador universal.


Em casos, por exemplo, de enchentes, de um assalto e até mesmo de uma agressão sofrida em via pública, poderia o lesado argumentar sempre no sentido que o serviço não funcionou. Contudo, se o Estado fosse responsável por todos estes casos gerais, haveria um grande dano ao próprio erário. Ao dizer isso, não significa que o Estado não tenha que exercer e desenvolver políticas sociais.


Diferentemente do que foi ilustrado, há casos em que é razoável a responsabilização do Estado por ter descumprido um dever legal na adoção de providências obrigatórias, como é o caso da ocorrência de enchentes pelo fato dos bueiros de escoamento estarem entupidos ou sujos.


A responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. Conforme preceitua o Código Civil, Art. 186 (BRASIL, 2002): “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”


Sendo responsabilidade por ilícito, será necessariamente proveniente de dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia), cuja apuração é requisito imprescindível para não transformar o Estado em responsável por todos os danos socialmente suportados.  


Portanto, a conseqüência da responsabilidade civil do Estado nas condutas omissas apenas se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa.


Alguns acontecimentos são suscetíveis de acarretar responsabilidade estatal por omissão ou sua atuação insuficiente, a exemplo disso temos:


– Fato da natureza: cuja lesividade o Poder Público não obstou, embora devesse fazê-lo. Tendo como exemplo o alagamento de casas por força do empoçamento de águas pluviais que não escoaram por omissão do Poder Público em limpar os bueiros e galerias que lhes teriam dado vazão.


– Comportamento material de terceiros: cuja atuação lesiva não foi impedida pelo Poder Público, embora pudesse e devesse fazê-lo. Por exemplo: assalto processado diante de agentes policiais inertes. 


Com relação ao ônus de provar, tem-se a sua inversão, em face das dificuldades que os administrados encontrariam para demonstrar dolo ou culpa quanto a atividades que eles muitas vezes sequer conhecem o funcionamento. Destarte, compete ao Poder Público provar que agiu em consonância com o seu dever. Vale dizer, o administrado ocupa uma posição extremamente frágil, podendo ter dificuldades, e até mesmo impossibilidade de demonstrar que o serviço não se desempenhou como deveria. Por este motivo é que nos casos de falta de serviço é de admitir-se uma presunção de culpa do Poder Público, devendo ele provar que não houve omissão culposa ou dolosa. Ao fazer isso, ele estará excluindo sua responsabilidade em face do evento danoso. 


4.2. Teoria da Responsabilidade estatal objetiva por conduta omissiva


Informada pela teoria do risco, a responsabilidade do Estado apresenta-se hoje, na maioria dos ordenamentos, como responsabilidade objetiva. Nessa linha, não se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da Administração. Deixa-se de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o questionamento da licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da Administração. Portanto, demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano, o Estado deve ressarcir.


Nesse raciocínio, tem-se a adoção da teoria da responsabilidade objetiva do Estado por atos omissivos, fundamentando-se no artigo 37, §6° da Constituição Federal, conforme seus defensores. Dentre os diversos filiados, estão Emerson Gabardo, Weida Zancaner Brunini, Hely Lopes Meirelles, Odete Medauar e Romeu Felipe Bacellar Filho.


Os fundamentos da responsabilidade objetiva do Estado estão diretamente relacionados com a história da responsabilidade do Estado. Esses fundamentos vieram à tona na medida em que se tornou compreensível que o Estado tem maior poder e mais prerrogativas do que o administrado. É o sujeito jurídico, político e economicamente mais poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que protegido por normas do ordenamento jurídico. Sendo assim, não seria justo que, diante de prejuízos provenientes da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar excessivamente para obter reparação, cabendo evitar que a demonstração da culpa se torne uma barreira intransponível para a reparação do dano, pois a vítima não teria meio hábil para demonstrar culpa nas complexas atividades estatais.


Para que seja configurada a responsabilidade objetiva é preciso preencher os pressupostos, que são: I) consumação do dano, II) omissão administrativa, III) o vínculo causal entre o evento danoso e o comportamento estatal e IV) a ausência de qualquer causa de excludente que pudesse ocorrer para exoneração da responsabilidade civil do estado.


Sobre o assunto, ensina BRUNINI (1981, p.32) que a teoria objetiva é aplicada na responsabilidade do Estado. Porém, a teoria subjetiva ainda permanece na relação Estado-funcionário, quanto ao direito de regresso do Estado contra seu agente, pois condicionada está à culpabilidade deste.


A evolução da responsabilidade do Estado, no sentido de sua objetivação, fica ainda mais evidente quando se constata a redação do Código Civil, Art. 43 (BRASIL, 2002): “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”


Fica claro, portanto, que o legislador considerou, mais uma vez, a responsabilidade objetiva do Estado, estando presente a apuração do elemento subjetivo (culpa ou dolo) tão somente na ação regressiva do Estado em face do agente causador do dano.


A responsabilidade do Estado, fundamentada na Teoria do Risco Administrativo, apresenta-se, na maioria dos ordenamentos jurídicos, regida pela teoria da responsabilidade objetiva. Os seguidores dessa teoria afirmam que a adoção da responsabilidade objetiva do Estado traz o sentido de igualdade de todos ante os ônus e encargos, pois como nem sempre é possível identificar o agente causador do dano, nem de demonstrar a culpa ou o dolo, é melhor que se assegure os direitos da vítima através da aplicação da responsabilidade objetiva do Estado.


Os doutrinadores dessa teoria rebatem o argumento lançado por Celso Antônio Bandeira de Mello, citado no item anterior, onde afirma que o §6° do artigo 37 da CF não engloba os atos omissivos. Esta outra corrente afirma que a conduta omissiva estatal não pode ser considerada condição, mas sim causa, pois esta é todo fenômeno capaz de produzir um poder jurídico pelo qual alguém tem o direito de exigir de outrem uma prestação (de dar, de fazer ou não fazer).


A Constituição Federal, no artigo supracitado, não diferenciou a conduta comissiva da conduta omissiva, assim, o vocábulo “causarem” deve ser lido como “causarem por ação ou omissão”. Os doutrinadores dessa teoria, preocupados com as dificuldades, para o terceiro prejudicado, de obter ressarcimento na hipótese de se discutir o elemento subjetivo, entendem que o dispositivo constitucional abarca os atos comissivos e omissivos do agente público. Desse modo, basta demonstrar que o prejuízo sofrido mantém uma relação de causa e efeito com o ato comissivo ou com a omissão. Não haveria que se cogitar de culpa ou dolo, mesmo no caso de omissão.


Por esses entendimentos, podemos concluir que o comportamento omissivo do Estado deve ser considerado como causa do dano, e não simples condição deste, como entende a corrente doutrinária subjetiva, anteriormente citada. Portanto, o parágrafo 6° do artigo 37 da Constituição Federal contempla, além da responsabilidade por atos comissivos, aquela decorrente da conduta omissiva.


É importante salientar que Celso Antônio entende que a conduta comissiva decorrente de ato ilícito gera responsabilidade objetiva e que a conduta omissiva decorrente também de ato ilícito gera responsabilidade subjetiva. Adeptos da teoria objetiva questionam essa posição do nobre doutrinador e indagam se essa distinção é pelo fato da primeira conduta ser uma causa do dano e a segunda ser mera condição. Para concluir, acreditam que essa distinção deve ser afastada, por não mais se sustentar cientificamente.


5. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NA VISÃO DO STF E STJ


Como já explanado anteriormente, há controvérsias doutrinárias sobre a natureza da responsabilidade civil do Estado nos casos de omissão. Esta mesma divergência existe nas posições do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, portanto, analisaremos os posicionamentos jurisprudenciais desses dois Tribunais Superiores do Brasil.


5.1. Posicionamento do Supremo Tribunal Federal


Na esfera do Supremo Tribunal Federal há acórdãos nos dois sentidos, tanto aderindo a responsabilidade objetiva do Estado, sem apurar a culpa do agente, quanto adotando a teoria da responsabilidade subjetiva, onde será analisada a presença de dolo ou culpa na omissão estatal que resultou em prejuízos a terceiros.


Para ilustrar, nos autos do Supremo Tribunal Federal (STF) (RE 238.453-6/SC) (BRASIL, 2002), em que se busca a responsabilidade do Município de Concórdia/SC pelo acidente ocorrido na lagoa de um Parque Turístico que vitimou um pai e seus dois filhos, todos por afogamento, o Ministro Moreira Alves reconhece que houve responsabilidade do Município pelo evento lesivo, “já que não somente instalou o Parque Turístico na área verde, como também colocou à disposição dos turistas botes para passeio, sem qualquer manifestação ou orientação quanto ao perigo da lagoa”. Nesta hipótese houve omissão do Poder Público, pois não tinha sequer sinalização de perigo, que já seria o suficiente para evitar o acidente. Portanto, pelo nexo de causalidade entre o fato danoso e omissão atribuída à municipialidade, aplica-se a responsabilidade objetiva nos moldes da teoria do risco administrativo.


Diferente desse entendimento, relatores como o Ministro Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence adotam a teoria subjetiva para casos de responsabilidade civil estatal por omissão. O Ministro Carlos Velloso no julgamento do (STF) (RE 382.054-1/RJ) (BRASIL, 2004), é enfático ao expor que em se “tratando de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por este ato é subjetiva”, pois exige o dolo ou a culpa, em uma das três vertentes sendo a negligência, imprudência ou imperícia, sem precisar individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta de serviço.


O Ministro Eros Grau, na decisão do (STF) (RE 573595 AgR) (BRASIL, 2008), em que se analisava a eventual responsabilidade estatal pelo crime de latrocínio cometido por um foragido da colônia penal do Estado do Rio Grande do Sul, constatou que houve negligência do Estado “na vigilância do criminoso, a inércia das autoridades policiais diante da terceira fuga e o curto espaço de tempo que se seguiu antes do crime são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade”.


Assim sendo, vale registrar a pesquisa realizada pela autora PINTO (2008, p.62) acerca da omissão do Estado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Segundo a autora, foram julgados pelo STF desde 1946 até 2006 cerca de 62 (sessenta e dois) casos envolvendo a omissão estatal na prestação do serviço público.


No período de 1946 a 1967 foram julgados pelo Supremo Tribunal Federal cerca de 12 acórdãos, dentre estes, em 11 (onze) foram aplicados a teoria subjetiva e 1 (um) acórdão aparece como indefinido. Já no período de 1967 a 1988 foram julgados 11 acórdãos, sendo que, em 10 (dez) foram aplicados a teoria subjetiva e 1 (um) acórdão como indefinido.


Por fim, no período compreendido entre 1988 a 2006, foram julgados 39 acórdãos pela Suprema Corte, onde em 16 (dezesseis) foram aplicadas a teoria objetiva, em 10 (dez) foram aderidos a teoria subjetiva e 13 (treze) acórdãos aparecem como indefinida.


Diante do exposto, verifica-se, estatísticamente, que o STF tem-se manifestado no sentido de adotar a teoria objetiva consagrada no artigo 37, § 6º, sem a necessidade de o cidadão ter que comprovar a culpa ou do dolo do ente estatal, bastando para isso, somente a prova do nexo de causalidade entre o dano e a omissão.


5.2. Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça


No Superior Tribunal de Justiça também há divergências de acórdão quanto à natureza da responsabilidade civil do Estado por atos omissivos. Assim sendo, passa-se a análise de alguns julgados, uns adotando a teoria subjetiva e outros aderindo à teoria objetiva.


 A exemplo da teoria subjetiva, temos o (STJ) (REsp 738.833/RJ) (BRASIL, 2006) de relatoria do Ministro Luiz Fux onde se busca a responsabilização do Estado do Rio Janeiro, por danos materiais e morais, decorrente do falecimento de funcionário de hospital público ocasionado por ausência de segurança.


Conclui o Ministro relator indicando que neste caso há responsabilidade subjetiva estatal, mais especificamente, “por omissão do Poder Público” na prestação de segurança à sociedade, dependendo de comprovação da inércia do Estado na prestação do serviço público. Assim, tratando-se de atos omissivos, embora a doutrina esteja dividida entre as correntes dos adeptos da teoria objetiva e aqueles que adotam a teoria subjetiva, vai prevalecer “na jurisprudência a teoria subjetiva do ato omissivo, de modo a só ser possível indenização quando houver culpa do preposto”. (idem)


No que tange aos danos ambientais causados por omissão do Estado, o Superior Tribunal Justiça tem-se manifestado no sentido de adotar a teoria objetiva. Neste sentido está o (STJ) (REsp 604.725/PR) (BRASIL, 2005) onde foi relator o Ministro Castro Meira, onde se busca a responsabilização do Estado do Paraná por danos causados ao meio ambiente por “ausência das cautelas fiscalizatórias no que se refere às licenças concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente estatal”.


Ficou consignado no acórdão que o Estado tem o dever de preservar e fiscalizar a preservação do meio ambiente. Nesta hipótese, “o Estado, no seu dever de fiscalização, deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório, bem como até a realização de audiências públicas acerca do tema, ou até mesmo a paralisação da obra”. (idem)


6. CALAMIDADE PÚBLICA E OMISSÃO ESTATAL


O Decreto n° 7.257, de 4 de agosto de 2010, dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, sobre o reconhecimento de situação de emergência e estado de calamidade pública, sobre as transferências de recursos para ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e reconstrução nas áreas atingidas por desastre, e dá outras providências.


O Decreto n° 7.257/2010, Art. 2°, IV (BRASIL, 2010) conceitua calamidade pública como sendo:


Art. 2o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:


IV – estado de calamidade pública: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido;”


O reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Poder Executivo Federal se dará mediante requerimento do Poder Executivo do Estado, do Distrito Federal ou do Município afetado pelo desastre.


O requerimento previsto no parágrafo anterior deverá ser realizado diretamente ao Ministério da Integração Nacional e precisará conter certas informações, como por exemplo: tipo do desastre; data e local; descrição da área afetada, das causas e dos efeitos do desastre; estimativas de danos humanos, materiais, ambientais e serviços essenciais prejudicados; declaração das medidas e ações em curso, capacidade de atuação e recursos humanos, materiais, institucionais e financeiros empregados pelo respectivo ente federado para o restabelecimento da normalidade; e outras informações disponíveis acerca do desastre e seus efeitos.


A calamidade pública pode ser decretada quando existir danos provenientes de fenômenos naturais, danos à saúde e aos serviços públicos em sua totalidade. Tem que ficar demonstrado o impacto do desastre para a coletividade, não podendo ser apenas impacto individual, e as necessidades relacionadas com recursos humanos, materiais, institucionais e financeiros.


Nesse estado, os governantes podem contratar serviços, obras ou pessoas sem o processo de licitação, desde que vinculados ao combate à calamidade pública, consoante art. 24, IV, da Lei n° 8.666/93, podem também receber recursos federais ou estaduais mesmo que estejam em débito com a União ou o Estado.


Um dos maiores motivos para a decretação da calamidade pública no nosso país é o caso das chuvas. Não se pode negar que elas trazem auxílio nas plantações e na diminuição da fome e da pobreza, mas por outro lado, em outras regiões, elas ocasionam desastres, deixando as pessoas desabrigadas e com perda total de seus bens.


O problema abrange vários fatores, um deles é o aspecto cultural da própria população, pois esta despeja lixos nas ruas, calçadas, locais inadequados, ocasionando o entupimento dos bueiros e valas e, consequentemente, impedindo que a água escoe nos seus devidos lugares. Outro aspecto relevante é a questão da falta de políticas públicas específicas para prevenir estas calamidades, acarretando a omissão Estatal por se afastar da inexorável proteção do interesse público, tendo em vista a imperiosidade de diagnosticar o problema, implantar soluções e assegurar os direitos das partes lesionadas. Portanto, se esses aspectos fossem vencidos e a legislação fosse cumprida, a maioria das tragédias ocasionadas pelas chuvas seria evitada, principalmente a efetivação das medidas que proíbem a ocupação irregular das encostas.


A legislação brasileira possui diversas leis relacionadas ao tema. O artigo 182, da Constituição Federal de 1988, estabelece a política de desenvolvimento urbano, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Por causa desta determinação urbanística criou-se a lei n° 10.257 de 10 de julho de 2001, que é o Estatuto das Cidades e as legislações municipais pertinentes ao Plano Diretor.


As leis citadas acima visam à ordenação do crescimento das cidades, como também a garantia do direito a cidades sustentáveis como o direito à moradia, ao saneamento ambiental, ao trabalho, ao lazer, aos serviços urbanos, transportes e uma justa distribuição nos processos de urbanização. Só que, infelizmente, na realidade isso não ocorre. O que vemos são construções de casas e propriedades em encostas, áreas de risco, de preservação ambiental, terrenos íngremes, propriedades estas em que incide a cobrança de IPTU, ficando demonstrada a concordância dos órgãos públicos com estas edificações.


As legislações existem para serem concretizadas, tanto aquelas relacionadas à responsabilidade do Estado que não permitem as construções em áreas de risco, quanto aquelas que existem para frear a omissão do Estado e sua responsabilização na prestação de serviços de forma correta, permitindo ao lesado acionar os órgãos do Poder Judiciário para validar seus direitos. Então, é importante uma mudança de postura da população e dos governantes para alterações concretas relacionadas às enchentes e suas conseqüências, pois o objetivo é que esses problemas sejam coibidos, evitando devastar cidades, patrimônios históricos, vidas ou sonhos de uma vida inteira em apenas alguns minutos.


Na maioria dos casos de enchentes, não haveria o dano, ou suas conseqüências seriam muito menores, acaso os eventos da natureza não fossem conjugados a omissões dos entes públicos, que tinham o dever de agir e poderiam ter evitado os referidos prejuízos.


Em regra, os fatos da natureza seriam excludentes de responsabilidade, mas mesmo que ocorra motivo de força maior, haverá responsabilidade do Poder Público se ficar caracterizado a omissão deste na realização de um dever legal.


Com isso, como já explanado em todo o trabalho, existem duas correntes doutrinárias que tece a respeito desse assunto. Uma, estabelece que o Estado é objetivamente responsável sem sequer apurar a culpa; outra, acredita ser necessário apurar a culpa do Estado para que o mesmo seja responsabilizado por algum desses eventos danosos.


Diversas são as críticas entre as correntes existentes e diversas são as defesas de cada uma delas. Portanto, até hoje não se tem uma jurisprudência consolidada sobre tal assunto, ficando a cargo do Poder Judiciário decidir caso a caso.


7. ANÁLISE CRÍTICA


Diante de todo o exposto, fica evidenciado que, sobre a responsabilidade civil do estado nos casos de omissão estatal por calamidade pública, não há ainda um entendimento convergente. Tal entendimento diverge tanto na doutrina quanto nas instâncias de julgamento.


Anuindo com a posição do nobre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, acredito que nos casos de omissão do Estado, deve-se apurar a culpa para saber se este descumpriu um dever legal ou não.


De fato, a responsabilidade civil do Estado nas hipóteses de omissão não poderão ser encaradas pelo ordenamento jurídico tal qual as circunstâncias em que a conduta estatal comissiva tenha dado causa ao dano. E assim o é porque a omissão nunca será causa direta do dano, mas, sim, uma concausa que conjugada a outro fator possibilita a sua ocorrência.


Vale dizer, em situações como tais, não é o Estado que produz o resultado danoso diretamente, porém, se ele tivesse agido, ao invés de ter-se omitido, poderia impedir a concretização do resultado. Em assim sendo, cabe sempre indagar se ele tinha o dever jurídico de impedir a concretização do dano, ou até mesmo se havia possibilidade fática de o fazer, consoante a lógica do possível de Recasens Siches.


Desta maneira, como há de ser verificada a infração ou não de um dever jurídico, força em convir com que só o é possível fazer aplicando-se a teoria subjetiva para a responsabilidade civil.


Analisando a posição dos adeptos da teoria objetiva, se os pressupostos são preenchidos, ou seja, se houve a consumação do dano, a omissão administrativa e o nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento estatal, há que se falar em responsabilização do Estado. Embora, creio inconcebível atribuir culpa ao estado por toda e qualquer omissão que haja vínculo de causalidade com o dano, pois isso resultaria em grande prejuízo ao erário, tornando o Estado em um segurador universal.


Ainda mais, consoante já exposto anteriormente, repise-se o fato de que é preciso saber se o Estado tinha como realmente evitar o fato danoso, levando-se em consideração a teoria da reserva do possível, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 


No caso das calamidades públicas por chuvas, posiciono-me no sentido de que quando o Estado for omisso, além de ter o nexo causalidade entre o comportamento estatal e o dano ocorrido, deve-se indagar a culpa deste, para saber se realmente ele pode ser responsabilizado.


Outrossim, responde-se à crítica dos que advogam a tese da teoria objetiva, no que diz respeito ao fato de que a vítima poderia ficar indene acaso ela tivesse que demonstrar a culpa do Estado – haja vista ser ela a parte hipossuficiente na relação -, com a aplicação de uma simples técnica processual, inversão do ônus da prova, aplicável em diversas em hipóteses em que haja esta disparidade de forças entre autor e réu.


Vale dizer, competirá ao Estado demonstrar que não infringiu qualquer dever jurídico, desta forma, não havendo obrigação de indenizar o dano, pois a sua omissão fática não é valorizada juridicamente como causa do dano ocorrido.


Perante toda essa divergência da doutrina e da jurisprudência, ao observar-se com mais cautela, percebe-se que as distâncias entre as duas posições não são tão grandes quanto aparentemente seriam, elas convergem sem que seus autores nem mesmo se apercebam disto. De fato, tal qual a teoria subjetiva, a teoria objetiva também apura a culpa, só que de forma indireta. Ao relacionar o fato com o dano, analisando se existe o nexo de causalidade entre eles, pra mim, isso é um modo de apurar a culpa, saber se realmente o comportamento omisso daquele ente foi o causador do dano.


CONCLUSÃO


Conceituar responsabilidade civil não é uma tarefa fácil devido a sua amplitude, porém sabe-se que esta tem como finalidade a indenização por aquele dano causado.


Com relação a atos comissivos, a responsabilidade civil do Estado tem o seu fundamento na teoria objetiva, preceituada no artigo 37 da Carta Magna de 1988, independente da culpa, precisando apenas demonstrar a existência do dano, a conduta do agente e o nexo causal entre eles. Tal teoria tem como objetivo ressarcir os danos causados aos administrados pelo funcionamento do serviço público, bastando apenas que seja comprovado o nexo de causalidade entre a Administração e o dano que dela resultou, para configurar sua responsabilidade e, consequentemente, a indenização devida.


Portanto, o Estado não é obrigado a indenizar toda e qualquer situação danosa sofrida pelo administrado, pois a Constituição Federal não adota a teoria do risco integral e sim a teoria do risco administrativo, que admite causas de excludentes de responsabilidade, como por exemplo, a culpa exclusiva da vítima, a força maior e o fato de terceiro.


Quanto aos atos omissivos, a responsabilidade civil do Estado navega por uma enorme discussão doutrinária e jurisprudencial. Existe discussão sobre a aplicação ou não do artigo 37, §6°, da CF às hipóteses de omissão do Poder Público, para alguns o artigo engloba a conduta e a omissão do Poder Público, mas para outros, o artigo só se refere aos atos comissivos e aplica-se, diferentemente, em caso de omissão, a teoria da responsabilidade subjetiva.


Os adeptos da teoria objetiva nos casos de omissão do Estado acreditam que basta demonstrar que o prejuízo sofrido teve um nexo de causa e efeito com o ato omissivo, não tendo que apurar culpa ou dolo.


Para outros, a responsabilidade, no caso da omissão, é subjetiva, ou seja, o Estado responde desde que o serviço público não funcione, quando deveria funcionar; funcione atrasado; ou funcione mal, portanto apurando a culpa.


A responsabilidade decorrente de omissão existe quando há o dever de agir por parte do Estado e a possibilidade de agir para evitar o dano, e este não agiu. Com isso, percebe-se que o Estado não será responsável por todo e qualquer ato omissivo.


Conclui-se que, na omissão estatal, a responsabilidade há de ser subjetiva, pois esta equilibra devidamente a posição do Estado, que só será obrigado a indenizar quando efetivamente tenha dado causa ao dano, além de não deixar desamparada a vítima do dano, quando esta efetivamente tenha razão.


Referências bibliográficas:

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006

PINTO, Helena Elias. Responsabilidade civil do Estado por omissão na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. p. 62.

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BRASIL. STF, Recurso Extraordinário n. 409203/RS, Rel. Joaquim Barbosa. Julgado em 20.04.2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=409203&base=baseAcordaos> Acesso em: 28 set. 2010.

BRASIL. STF, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 573.595/RS, Rel. Eros Grau. Julgado em 24.06.2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=573595&base=baseAcordaos> Acesso em: 28 set. 2010.

 

Notas:

 

[1] De igual forma, tem-se a adoção da teoria do risco integral nos atos terroristas, tendo em vista que a Lei 10.744/03 aduz que a União assume a responsabilidade civil perante terceiros, na hipótese de danos a bens e pessoas provocados por atentados terroristas, ato de guerra ou eventos assemelhados, ocorridos no país ou no estrangeiro, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público.

 

[2]  A cláusula da reserva do possível é invocada quando há discussões acerca das restrições à efetivação de direito fundamentais sociais. Sua origem não se refere diretamente à existência de recursos materiais suficientes para a concretização do direito social, mas à razoabilidade da pretensão com vistas a sua efetivação. Atualmente, as decisões jurisprudenciais têm exigido a comprovação de ausência de recursos e não só a mera alegação da inexistência destes. Portanto, a reserva do possível tem aptidão de afastar a intervenção do Poder Judiciário na efetivação de direitos fundamentais apenas na hipótese de comprovação de ausência de recursos orçamentários suficientes para tanto.


Informações Sobre o Autor

Laís Morais

Bacharel em Direito


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