Resumo: É competência das Câmaras Municipais julgar as contas dos Prefeitos e é competência dos Tribunais de Contas emitir parecer sobre as contas dos Prefeitos e julgar as contas dos Presidentes das Câmaras Municipais.
Palavras-chave: Tribunal de Contas. Competência para julgamento das contas. Prefeitos. Presidentes de Câmaras.
Abstract: It is the competence of the Municipal Legislature decide on the accounts of the Mayors and the Jurisdiction of the Court of Auditors perform opinion on the accounts of the Mayors and President of the Municipal Legislature
Keywords: Court of Auditors – Jurisdiction for trial of accounts – Mayors – Legislature Presidents
Sumário: 1. Sistemas. 2. Conceito. 3. “Contas de governo” e “contas de gestão”. 4. Obrigação de prestar contas. 5. Competência para julgamento das contas anuais dos Prefeitos. 6. Competência para julgamento das contas de gestão dos Prefeitos. 7. Competência para julgamento das contas dos Presidentes de Câmaras. 8. Contraditório e ampla defesa no julgamento das contas. 9. Suspensão liminar da decisão de rejeição de contas. 10. Revogação posterior pela própria Câmara do decreto de rejeição das contas. 11. Hipótese legal de inelegibilidade pela rejeição de contas e Repercussão geral sobre o tema no Supremo Tribunal Federal. 12. Ato de improbidade administrativa. 13. Órgão irrecorrível. 14. Competência para aplicar sanções. 15. Competência para aplicar sanções aos Chefes do Poder Executivo. 16. Execução das decisões do Tribunal de Contas.
1. Sistemas
Existem três sistemas ou modelos clássicos de tribunais de contas: o italiano, o francês e o belga. Pelo sistema francês de fiscalização orçamentária, as contas são examinadas depois, é o sistema denominado a posteriori, onde os funcionários pagadores são os responsáveis, não respondendo os funcionários ordenadores pelas consequências dos pagamentos indevidos. Outro sistema, o italiano, examina previamente os projetos orçamentários, impugnando-os quando assim o julgue. Já o sistema belga é caracterizado pelo exame prévio, podendo exercer a fiscalização posterior. Os tribunais de contas no Brasil reúnem os pontos altos e característicos da trilogia clássica, ou seja, exame prévio, exame a posteriori, veto absoluto, veto relativo[1].
2. Conceito
Segundo José Cretella Junior, Tribunal de Contas é órgão colegiado, preposto do Poder Legislativo, encarregado da fiscalização e orçamento. Orçamento é a previsão da receita e a fixação da despesa para determinado exercício financeiro, ou melhor, o plano de conjunto das necessidades monetárias do Estado para um período determinado, discutido e aprovado publicamente pelos órgãos de representação popular. E o ato pelo qual o Legislativo prevê e autoriza ao Executivo, por determinado período, as despesas destinadas ao funcionamento e a organização dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica do país, assim como a arrecadação da receita já fixada em lei.
O tribunal de contas julga as contas, não o responsável. O papel da Corte de Contas não é o de exercer julgamento sobre a culpabilidade subjetiva do responsável, mas, unicamente, o de examinar a regularidade objetiva da conta: segundo um adágio clássico, a Corte de Contas julga as contas, não os responsáveis. A decisão que o Tribunal de Contas profere é sobre a regularidade intrínseca da conta e não sobre a responsabilidade do exator ou pagador ou sobre a imputação dessa responsabilidade[2].
3. “Contas de governo” e “contas de gestão”
Órgão auxiliar do Poder Legislativo, o Tribunal de Contas aprecia e julga administrativamente as contas dos órgãos e entidades que devem ser fiscalizadas pelo Poder Legislativo[3]. Como é órgão auxiliar do Poder Legislativo, seu julgamento consiste em:
a) emissão de parecer sobre as contas do Chefe do Poder Executivo, no caso da Constituição Federal, artigo 71, I e 75 (I – Presidente da República, pelo Tribunal de Contas da União; II – Governador e Prefeitos, pelo Tribunal de Contas do Estado; III – Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro, pelo Tribunal de Contas de seus respectivos Municípios);
b) julgamento administrativo, nas hipóteses da Constituição Federal, artigo 71, II a VI.
Na precisa lição do Procurador da República Dr. Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, a diferença entre contas de governo e contas de gestão é que as primeiras se referem às implementações financeiras ou omissões ocorridas ao longo de todo ano fiscal. Cuidam de saber, por exemplo, se um Prefeito aplicou os recursos previstos na lei orçamentária e que estavam disponíveis, se atendeu aos gastos vinculados ou aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Já as contas de gestão se referem a contratos ou gastos públicos específicos.
Tema do mais relevante dentro da doutrina e da jurisprudência é estabelecer a diferenciação entre as “contas de governo” e as “contas de gestão”. Isto porque, parte da doutrina considera que o Tribunal de Contas teria competência para julgar o Chefe do Poder Executivo nas “contas de gestão”, especialmente em função da nova redação atribuída a alínea “g”, inciso I, artigo 1º, da Lei Complementar Federal nº 64/90. O Procurador da República Dr. Luiz Carlos dos Santos Gonçalves considera que o texto legislativo atribui ao Tribunal de Contas o exame das contas dos mandatários (Presidentes, Governadores e Prefeitos) que agirem como administradores de dinheiros, bens e valores públicos, mesmo que os recursos sejam da própria unidade federativa. Ainda segundo o Procurador, “retira, portanto, das Casas Legislativas (Congresso Nacional Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores) espaço de apreciação das contas de gestão dos chefes do Poder Executivo”. E “nesses casos, a decisão dos Tribunais de Contas será definitiva – salvo invalidação ou suspensão judicial”[4].
Entretanto, a posição unânime nos julgados do Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral é pela preservação do texto constitucional atribuindo somente ao Legislativo a competência para julgar as contas do Chefe do Poder Executivo, sejam elas de governo ou de gestão, como veremos nos próximos capítulos, sem desprezar que o Supremo Tribunal Federal apreciará em repercussão geral a constitucionalidade da mencionada alínea “g”, em processo de relatoria do Ministro Roberto Barroso.
4. Obrigação de prestar contas
Deve prestar contas qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito privado, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos. É o que estabelece o artigo 70, parágrafo único, da Constituição Federal.
5. Competência para julgamento das contas anuais dos Prefeitos
A prestação de contas de governo ou contas anuais, também chamadas contas institucionais, é o documento apresentado pelo Chefe do Poder Executivo ao Tribunal de Contas, composto de Balanço Orçamentário, Balanço Financeiro, Balanço Patrimonial e Demonstração das Variações Patrimoniais, com os resultados gerais do exercício financeiro-orçamentário, onde serão analisados todos os atos de governo, nele compreendidos os contratos administrativos, os certames licitatórios, as contratações e aposentadorias, a remuneração dos servidores, a cobrança da dívida ativa, o investimento em saúde e educação, entre outros. O exercício financeiro-orçamentário inicia-se em 1º de janeiro e termina em 31 de dezembro, do mesmo ano, conforme o artigo 34, da Lei Federal nº 4.320/64.
Estabelece o artigo 71, da Constituição Federal:
“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio, que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;”
E no mesmo sentido o artigo 82, da Lei Federal nº 4.320/64:
“Art. 82. O Poder Executivo, anualmente, prestará contas ao Poder Legislativo, no prazo estabelecido nas Constituições ou nas Leis Orgânicas dos Municípios.
§ 1º As contas do Poder Executivo serão submetidas ao Poder Legislativo, com Parecer prévio do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.”
Assim, somente o Poder Legislativo pode julgar a prestação de contas de governo, apresentada, anualmente, seja pelo Presidente, seja pelos Governadores dos Estados e do Distrito Federal ou pelos Prefeitos, depois de apreciadas, mediante parecer prévio dos respectivos Tribunais de Contas.
O órgão competente para aprovar ou rejeitar as contas do Chefe do Poder Executivo, sejam elas anuais ou de gestão, mesmo quando agir como ordenador de despesas, é o Poder Legislativo Municipal, ou seja, a Câmara de Vereadores. Essa é a orientação já firmada há alguns anos no Tribunal Superior Eleitoral, em razão do que ficou decidido no Recurso Extraordinário nº 132.747-2, do Supremo Tribunal Federal. Passamos a transcrever alguns julgados sobre o tema:
“A competência para o julgamento das contas do prefeito é da Câmara Municipal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio, o que se aplica tanto as contas relativas ao exercício financeiro, prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, quanto às contas de gestão ou atinentes à função de ordenador de despesas. (TSE – Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 2810-06.2009.6.15.0066, Relator Ministro Arnaldo Versiani. 04/05/2010)
Para efeito da incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, compete exclusivamente ao Poder Legislativo o julgamento das contas de gestão prestadas pelo chefe do Poder Executivo. (TSE – Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 34430, Acórdão de 18/12/2008, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Data 20/02/2009, Página 41)
A Câmara Municipal é o órgão competente para apreciar as contas de governo e de gestão do prefeito municipal. (TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 32958, Acórdão de 03/12/2008, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 03/12/2008 )
A jurisprudência do TSE é firme no sentido de que a autoridade competente para julgar contas de gestão ou anuais de prefeito é a Câmara Municipal. (TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 32934, Acórdão de 02/12/2008, Relator(a) Min. EROS ROBERTO GRAU, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 02/12/2008)
Registro. Prefeito. Art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Competência. 1. A competência para o julgamento das contas de prefeito é da Câmara Municipal, não importando se se trata de contas anuais, de gestão, de atos isolados, ou, ainda, de caso em que este tenha atuado como ordenador de despesas, cabendo ao Tribunal de Contas apenas a emissão de parecer prévio. 2. Tal entendimento não implica violação aos arts. 71, I e II, e 75, da Constituição Federal. Embargos rejeitados. (TSE – Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 32652, Acórdão de 26/11/2008, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 26/11/2008)
A recente jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que compete, exclusivamente, ao Poder Legislativo o julgamento das contas anuais prestadas pelo chefe do Poder Executivo, mesmo quando este exerça funções de ordenador de despesas. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 30516, Acórdão de 25/11/2008, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 25/11/2008)
Registro de candidatura. Prefeito. Inelegibilidade. Art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Competência. 1. A competência para o julgamento das contas de prefeito é da Câmara Municipal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio, o que se aplica tanto às contas relativas ao exercício financeiro, prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, quanto às contas de gestão ou atinentes à função de ordenador de despesas. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 33747, Acórdão de 27/10/2008, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 27/10/2008 )
ELEIÇÕES 2006. PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATO. 2. A autoridade competente para julgar contas de gestão ou anuais de prefeito é a Câmara Municipal. Precedentes. (TSE – Agravo Regimental no Recurso Ordinário nº 1.164. Relator Ministro Cezar Peluso. 23/11/2006)”
Recentemente, na Reclamação nº 10.456, o Supremo Tribunal Federal em julgamento da 2ª Turma, realizado em março de 2015, decidiu que “o acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência desta Corte, que firmou entendimento de que, quanto às contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo, cabe ao Tribunal de Contas apenas a apreciação mediante parecer prévio. A competência para julgá-las fica a cargo do Poder Legislativo.
Para os demais agentes públicos compete ao próprio Tribunal de Contas o julgamento dos administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público. A nova redação introduzida no final da alínea g, I, artigo 1º, da Lei Complementar nº 64/90, apenas reforça a regra do inciso II, artigo 71, da Constituição Federal, pois mesmo quando o Chefe do Poder Executivo age como ordenador de despesa o órgão competente para julgá-lo é o Poder Legislativo Municipal, especialmente por força dos artigos 31 e 49, inciso IX, da Constituição Federal, bem como jurisprudência já assentada sobre a questão.
A partir da data da decisão irrecorrível, o agente fica durante 08 (oito) anos inelegível. Anteriormente, esse prazo de inelegibilidade era de 05 (cinco) anos.
6. Competência para julgamento das contas de gestão dos Prefeitos
A prestação das contas de gestão ou contas especiais, também denominadas contas administrativas, é o documento onde são reunidas informações sobre os resultados específicos de determinado ato de governo e encaminhadas ao Tribunal de Contas. Essa prestação de contas pode ser decorrente de exigência legal no repasse de recursos federais ou estaduais aos Municípios por força de convênio ou quando houver suspeita ou denúncia da pratica de atos ilegais ou lesivos ao patrimônio público.
Ao contrário das contas de governo, cuja prestação é anual, a prestação das contas de gestão poderá ocorrer a qualquer tempo, por determinação legal ou requisição do Tribunal de Contas.
Preveem a prestação de contas de gestão os artigos 77 e 78, da Lei Federal nº 4.320/64:
“Art. 77. A verificação da legalidade dos atos de execução orçamentária será prévia, concomitante e subseqüente.
Art. 78. Além da prestação ou tomada de contas anual, quando instituída em lei, ou por fim de gestão, poderá haver, a qualquer tempo, levantamento, prestação ou tomada de contas de todos os responsáveis por bens ou valores públicos.”
E o inciso II, do artigo 71, da Constituição Federal:
“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
II- julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;”
O Chefe do Poder Executivo, entretanto, mesmo quando age como ordenador de despesas, assinando empenhos, contratos, ordens de pagamento ou cheques, não pode ser julgado pela Corte de Contas, pois tal como preconiza o artigo 31 da Carta Magna, a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado. Este é o entendimento firmado pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal:
“INELEGIBILIDADE – PREFEITO – REJEIÇÃO DE CONTAS – COMPETÊNCIA. Ao Poder Legislativo compete o julgamento das contas do Chefe do Executivo, considerados os três níveis – federal, estadual e municipal. O Tribunal de Contas exsurge como simples órgão auxiliar, atuando na esfera opinativa – inteligência dos artigos 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, 25, 31, 49, inciso IX, 71 e 75, todos do corpo permanente da Carta de 1988. Autos conclusos para confecção de acórdão em 9 de novembro de 1995.
Relator Ministro Marco Aurélio (fls. 15/17): (…)
Nota-se, mediante leitura dos incisos I e II do artigo 71 em comento, a existência de tratamento diferenciado, consideradas as contas do Chefe do Poder Executivo da União e dos administradores em geral. Dá-se, sob tal ângulo, nítida dualidade de competência, ante a atuação do Tribunal de Contas. Este aprecia as contas prestadas pelo Presidente da República e, em relação a elas, limita-se a exarar parecer, não chegando, portanto, a emitir julgamento.
Já em relação às contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, e às contas daqueles que derem causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo para o erário, a atuação do Tribunal de Contas não se faz apenas no campo opinativo. Extravassa-o, para alcançar o de julgamento. Isto está evidenciado não só pelo emprego, nos dois incisos, de verbos distintos – apreciar e julgar – como também pelo desdobramento da matéria, explicitando-se, quanto às contas do Presidente da República, que o exame se faz “mediante parecer prévio’ a ser emitido, como exsurge com clareza solar, pelo Tribunal de Contas.
A afastar, a mais não poder, a idéia de julgamento das contas do Presidente da República pelo Tribunal de Contas da União, tem-se a regra do inciso IX do artigo 49 da Constituição Federal, de acordo com o qual compete, privativamente, ao Congresso Nacional, e não ao Tribunal de Contas da União, julgar, as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo. (…)
Preceitua o caput do artigo 31 que “a fiscalização do município será exercida pelo Poder Legislativo, mediante controle externo e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei”. A limitar a atuação dos Tribunais de Contas dos Estados ou dos Municípios ou dos Conselhos, constata-se a existência, no próprio texto constitucional, de norma que os aponta como Órgãos auxiliares da Câmara Municipal – §1º – o que exclui, como é obvio, a possibilidade de lhes ser reconhecida a autonomia suficiente a rejeição das contas dos prefeitos, ainda que apreciadas sob a forma parcial, ou seja, mediante a submissão individualizada de processos relativos a licitações e contratos. Aliás, frente à regra constitucional, difícil é conceber a glosa parcial, a alcançar contrato por contrato firmado pela administração, isto quanto a atuação não de simples administradores, ma do próprio Prefeito, em relação ao qual se impõe a Lei Básica Federal a prestação de contas anuais – § 2º, do artigo 31, o que obstaculiza a rejeição, porque precoce e implementada por órgão incompetente, de efeitos nefastos – aponto de ensejar a inelegibilidade. No particular, o Acordao atacado é ate mesmo conflitante, no que a um só tempo reconhece ao Tribunal de Contas a competência de rejeitar contas parciais e revela que, anualmente, essas mesmas contas, em conjunto, são submetidas a julgamento da Câmara Municipal que decide, de forma irrecorrível, com eficácia ex tunc”. (STF – Recurso Extraordinário nº 132.747-2. Relator Ministro Marco Aurélio. 07/12/95)
O pronunciamento técnico-administrativo do Tribunal de Contas, quanto a contratos e a outros atos de caráter negocial celebrados pelo Poder Executivo, tal como se pronunciou o Ministro Celso de Mello no mesmo julgamento, tem o claro sentido de instruir o exame oportuno, pelo próprio Poder Legislativo – e exclusivamente por este – das contas anuais submetidas à sua exclusiva apreciação.
7. Competência para julgamento das contas dos Presidentes de Câmaras Municipais
Os Tribunais de Contas detêm competência constitucional para julgar as contas dos presidentes das Casas Legislativas[5][6].
O Tribunal de Contas é o órgão competente para o julgamento de contas de presidente de Câmara Municipal, nos termos do artigo 71, II, combinado com o artigo 75 da Constituição Federal, não havendo que se falar em necessidade de julgamento em sede de ação civil pública por ato de improbidade administrativa para a incidência da causa de inelegibilidade da alínea g, inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar Federal nº 64/90[7][8].
A jurisprudência do Tribunal é pacífica no sentido de que os Tribunais de Contas possuem competência para julgar as contas das Casas Legislativas. Eventual disposição em Lei Orgânica Municipal não desloca essa competência para a Câmara Municipal, conforme já decidiu este Tribunal, em caso similar, no Acórdão nº 12.645, relator Ministro Sepúlveda Pertence[9].
8. Contraditório e ampla defesa no julgamento das contas
O julgamento das contas deve observar o princípio do contraditório e da ampla defesa, sejam elas anuais ou de gestão, sejam do Chefe do Poder Executivo ou dos demais administradores.
Por força da norma prevista no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, tanto o Poder Legislativo como o Tribunal de Contas devem garantir ao responsável pelas contas o direito ao contraditório e a ampla defesa, devendo ser intimado de todos os atos para, querendo, apresentar sua defesa. Quando isso não ocorre, o processo administrativo e seu parecer prévio ou decisão devem ser objeto de anulação pelo Poder Judiciário.
Essa é a interpretação consolidada em nossos Tribunais:
“EMENTA: PREFEITO MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA DE VEREADORES. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DIREITO DE DEFESA (INC. LV DO ART. 5º DA CF). Sendo o julgamento das contas do recorrente, como ex-Chefe do Executivo Municipal, realizado pela Câmara de Vereadores mediante parecer prévio do Tribunal de Contas, que poderá deixar de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Casa Legislativa (arts. 31, § 1º, e 71 c/c o 75 da CF), é fora de dúvida que, no presente caso, em que o parecer foi pela rejeição das contas, não poderia ele, em face da norma constitucional sob referência, ter sido aprovado, sem que se houvesse propiciado ao interessado a oportunidade de opor-se ao referido pronunciamento técnico, de maneira ampla, perante o órgão legislativo, com vista a sua almejada reversão. Recurso conhecido e provido. (RE 261885, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 05/12/2000, DJ 16-03-2001 PP-00102 EMENT VOL-02023-05 PP-00996)
Súmula Vinculante nº 03, do Supremo Tribunal Federal: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão que puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação do ato de concessão especial de aposentadoria, reforma e pensão”.
Contrato administrativo – Administração, operação e exploração de terminal rodoviário – Irregularidade julgada pelo Tribunal de Contas – Falta de notificação da empresa vencedora para participar do processo administrativo – Inobservância do disposto pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal – Não é válida a intimação genérica pelo Diário Oficial a fim de atingir parte interessada no julgamento Súmula vinculante nº 3 – Sentença mantida – Recursos improvidos. (Apelação Cível nº 710.488-5/6, 6ª Câmara de Direito Público. Relator Des. Leme de Campos, 16/02/2009)
Nos termos do artigo 90, da Lei Complementar Estadual n 709, de 14 de janeiro de 1993, a intimação dos atos e decisões do Tribunal de Contas presume-se perfeita com a publicação no Diário Oficial, salvo as exceções previstas em lei. As exceções, nos termos da citada lei, estão previstas no artigo 91, que prevê, a notificação pessoal, nos processos de tomada de contas.” (Processo nº 053.07.111199-5, 9ª Vara da Fazenda Pública 21/01/2008. Em 26/04/10 negaram provimento ao Recurso do TCESP)
9. Suspensão liminar da decisão de rejeição de contas
A decisão irrecorrível do órgão competente somente deixa de produzir efeitos quando houver sido suspensa ou anulada por decisão do Poder Judiciário. Pela redação antiga, bastaria a propositura de ação judicial para os efeitos da inelegibilidade serem suspensos. Inclusive essa era a orientação descrita na Súmula 1, do Tribunal Superior Eleitoral, posteriormente alterada, passando a vigorar a nova orientação segundo a qual a mera propositura da ação anulatória, sem a obtenção de provimento liminar ou tutela antecipada, não suspende a inelegibilidade.
10. Revogação posterior pela própria Câmara do decreto de rejeição das contas
É ineficaz no campo eleitoral o decreto legislativo de revogação de decreto legislativo anterior de desaprovação de contas de Prefeito, quando desacompanhado de qualquer motivação[10].
Não mais subsiste o entendimento de que as Câmaras Legislativas dispõem de discricionariedade para revogação de decretos legislativos que rejeitam as contas de Chefe do Poder Executivo, uma vez que os referidos atos, apesar de imbuídos de natureza política, não são livremente revogáveis. Com efeito, só se justifica a revisão de tais decretos quando eivados de vícios formais que o maculam, ou seja, pela falta de observância de suas formalidades essenciais, cuja declaração de nulidade produzirá efeitos retroativos, alcançando o ato em sua origem, dele não decorrendo direitos ou obrigações[11].
Somente o Poder Judiciário pode revogar os atos administrativos expedidos pelas Câmaras Municipais para aprovar ou rejeitar o parecer de contas, pois uma vez julgado o Chefe do Poder Executivo pelos Vereadores, opera-se a coisa julgada administrativa. Já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral[12]:
“Rejeitadas as contas de Chefe do Poder executivo, por meio de decretos legislativos, antecedidos de pareceres da Corte de Contas, a Câmara Municipal não pode editar novo decreto, revogando os anteriores, se m ofensa ao art. 31, §2°, in fine, da CF”.
11. Hipótese legal de inelegibilidade pela rejeição de contas e Repercussão geral sobre o tema no Supremo Tribunal Federal
A rejeição das “contas anuais” ou das “contas de gestão” dos agentes públicos é hipótese de inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, “g”, da Lei Complementar Federal nº 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar nº 135/10:
“Art. 1º São inelegíveis:
I – para qualquer cargo:
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;”
A redação anterior constava nos seguintes termos:
“Art. 1º São inelegíveis:
I – para qualquer cargo:
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão;”
Tal como falamos acima, e há diversos julgados do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema, as contas anuais ou de gestão, do Chefe do Poder Executivo, somente podem ser julgadas pelo Poder Legislativo. A nova redação da lei federal, contrariando o texto constitucional, inclui a hipótese de julgamento dos mandatários que agirem como ordenadores de despesas.
Em função de toda essa polêmica criada pela nova redação da alínea “g”, em processo de relatoria do Ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, nº 848.826, foi atribuída “repercussão geral a definição do órgão competente – Poder Legislativo ou Tribunal de Contas – para julgar as contas de Chefe do Poder Executivo que age na qualidade de ordenador de despesas, à luz dos arts. 31, §2º; 71, I; e 75, todos da Constituição”.
Alguns autores alegam que a lei que alterou a alínea “g” foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou constitucional a Lei Complementar nº
135/10. Acontece que o julgamento não apreciou a constitucionalidade do conteúdo, do mérito, da mencionada alínea “g”. Isso foi dito na decisão do Ministro Roberto Barroso e é fundamento para a decretação da repercussão geral da matéria, que agora terá sua análise pelo Supremo Tribunal Federal. Não que houvesse dúvida antes sobre a aplicação da regra do artigo 71, incisos I e II, da Constituição Federal. O problema é que a alínea “g” traz uma regra que, em tese, contrária o texto constitucional e, consequentemente, a jurisprudência.
12. Ato de improbidade administrativa
Pela redação anterior, tornavam-se inelegíveis todos os que tinham suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável. De acordo com a atual redação, além da irregularidade ser insanável, deve configurar ato doloso de improbidade administrativa, em uma ou mais hipóteses previstas nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei Federal nº 8.429/92. Essa nova redação abrirá margem a inúmeras impugnações judiciais, em razão da maioria das decisões dos órgãos competentes de julgamento das contas não virem motivadas referindo-se expressamente a prática de atos de improbidade administrativa. Se a decisão não faz qualquer referência a esses atos, mesmo julgadas irregulares, mesmo sendo insanáveis, repito, pelo novo texto legal, não podem ser causa de inelegibilidade do pretenso candidato. Mas, mesmo que essas decisões mencionem o cometimento de atos dolosos de improbidade administrativa, poderá ser contestada a legitimidade dos órgãos competentes de julgamento das contas exercerem função para decidir sobre o dolo do agente público no suposto ato de improbidade, pois nos parece ser essa função reservada ao Poder Judiciário, após o devido processo penal.
Ocorre que, embora essa seja a tese de muitos advogados, o Tribunal de Contas vem decidindo que para a apuração da inelegibilidade prevista na alínea “g”, do inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar Federal nº 64/90, não se exige o dolo específico; basta, para a sua configuração, a existência de dolo genérico ou eventual, o que se caracteriza quando o administrador deixa de observar os comandos constitucionais, legais ou contratuais que vinculam a sua atuação. Está consolidado na Corte o entendimento de que as irregularidades decorrentes da extrapolação do limite máximo previsto no art. 29-A da Constituição Federal, a ausência de repasse de contribuições previdenciárias e a ausência de licitação, são insanáveis e constituem ato doloso de improbidade administrativa, aptos a atrair a inelegibilidade do artigo 1º, I, g, da Lei Complementar Federal nº 64/90[13]. Vejamos a jurisprudência sobre a matéria:
“A ausência de disponibilização pública das contas da Câmara para que qualquer contribuinte possa examiná-las, sem a comprovação de dolo, má-fé ou prejuízo à Administração Pública, não caracteriza irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa para incidência da inelegibilidade prevista no art. 1°, I, g, da LC n° 64/90. A nova redação da alínea g trazida pela LC nº 135 passou a exigir a configuração do dolo na conduta do agente, sendo inadmissível a sua mera presunção. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 10807, Acórdão de 12/12/2012, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 12/12/2012).
Constitui ato doloso de improbidade administrativa, para fins de incidência da cláusula de inelegibilidade da alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, o pagamento a maior de verbas a vereadores, sem respaldo legal. Precedentes. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 36509, Acórdão de 25/10/2012, Relator(a) Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 25/10/2012)
Está consolidado nesta Corte, o entendimento de que a irregularidade decorrente do superfaturamento de preços e dispensa indevida de licitação são insanáveis e caracterizam ato doloso de improbidade administrativa. Nos termos da jurisprudência do STJ, o dolo que se exige para a configuração de improbidade administrativa "é a simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica" (ED-AI nº 1.092.100/RS, ReI. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 31.5.2010). (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 20281, Acórdão de 06/12/2012, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 06/12/2012)
Uma vez rejeitadas as contas, a Justiça Eleitoral não só pode como deve proceder ao enquadramento jurídico das irregularidades como sanáveis ou insanáveis, isto para fins de incidência da inelegibilidade do art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Não lhe compete, entretanto, aferir o acerto ou desacerto da decisão emanada pela Corte de Contas. A nova redação da alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 exige ainda, para verificar se o ato gera inelegibilidade, que se indague acerca do dolo, devendo ser considerado como tal a intenção de sua prática pelo agente, ainda que sabedor da ilicitude. O excesso de gastos com folha de pagamento, em desacordo com a norma insculpida no art. 29-A da Constituição Federal, é considerado irregularidade insanável. Precedente. O pagamento de multa e a devolução de valores ao erário não são suficientes para sanar irregularidades. Precedentes. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 26579, Acórdão de 12/12/2012, Relator(a) Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 12/12/2012)
O TSE tem entendido ser cabível a análise da decisão de rejeição de contas, para fins de aferição da inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/90, em sede de recurso especial. Não há como afastar o caráter doloso da conduta consistente no pagamento indevido de diárias, em que o próprio ordenador de despesas tenha sido beneficiado.” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 5754, Acórdão de 30/10/2012, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 30/10/2012)
13. Órgão irrecorrível
Além disso, a decisão precisa ser julgada de forma irrecorrível pelo órgão competente. O órgão competente é determinado de acordo com a qualidade da pessoa que presta contas:
“De fato, o art. 71 da Constituição Federal distingue as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos, definindo que, na primeira hipótese, caberá ao Tribunal de Contas da União apenas a apreciação, ou seja, o juízo consultivo, e na segunda circunstância, lhe competirá o julgamento. Pela leitura do dispositivo constitucional invocado, observa-se que a mencionada distinção levou em conta a qualidade da pessoa que presta contas. Em outras palavras, as contas prestadas pelo Presidente da República serão sempre julgadas pelo Congresso Nacional, com parecer prévio do TCU, e aquelas prestadas por pessoa diversa, que exerça a função de administrador, ou que seja responsável por dinheiro, bens e valores públicos, serão julgadas pelo TCU”. (TSE – Recurso Especial Eleitoral 28.944. Relator Ministro Marcelo Ribeiro. 06/10/2008)
14. Competência para aplicar sanções
Como corolário do poder de julgar ou fiscalizar, há o poder de aplicar sanções. O inciso VIII do artigo 71 da Carta da República conferiu ao Tribunal de Contas o poder punitivo, mas o fez para ser exercido nos termos da lei, que no caso, é a sua lei orgânica. Segundo o dispositivo constitucional, compete à Corte de Contas aplicar aos responsáveis, em casos de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário.
Sem previsão em lei formal, não poderia a Corte de Contas impor sanções. Eventuais sanções previstas no Regimento Interno não têm respaldo jurídico.
O inciso VIII, do artigo 71 fez distinção entre irregularidade de contas e ilegalidade de despesa. Quando acontece apenas ilegalidade de despesa, temos um vício meramente formal, que não desfalca o patrimônio público. Ocorre apenas a ausência de um procedimento legalmente previsto para a realização da despesa. É o caso, por exemplo, da compra de um equipamento médico para um posto de saúde sem a realização da necessária licitação. Aí, o interesse público foi atingido com o suprimento da necessidade do órgão ou da entidade pública. Entretanto, o procedimento administrativo adotado se mostrou indevido. Nesses casos, pode ser aplicada ao responsável pela despesa, dependendo da gravidade da lesão ocasionada ao Poder Público, uma multa de cunho pedagógico.
No caso de irregularidade, as contas se mostram atingidas na sua integridade. Há um dano material. Seria o caso, por exemplo, do pagamento de uma obra que não foi concluída, não obstante todos os procedimentos legais tenham sido adotados. A conta financeira foi diminuída sem a contrapartida na conta patrimonial. O responsável ficará, então, sujeito à multa de natureza reparadora, proporcional ao dano causado[14].
15. Competência para aplicar sanções aos Chefes do Poder Executivo
Segundo já foi objeto de comentários nos capítulos anteriores, somente o Poder Legislativo é o órgão que tem competência para julgar e, portanto, aplicar sanções aos Chefes do Poder Executivo, mesmo quando estes agem como ordenadores de despesas.
As multas, portanto, somente podem ser aplicadas aos administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte prejuízo ao erário, conforme previsto no artigo 71, II, da Constituição Federal.
Eis o voto de muita lucidez do então Presidente do Supremo Tribunal Federal Ministro Sydney Sanches:
“Entendo que ao prefeito se aplica o inciso I, e não o inciso II do art. 71, porque não me parece possível entender-se que o Tribunal de Contas possa julgar contas do Presidente da República. O que ele pode é apreciar as contas, mediante parecer. E não é possível, a meu ver, também, que os dois incisos tratem das mesmas pessoas. No inciso I, deu-se destaque aos chefes políticos, Presidente da República, Governador de Estado, Prefeito de municípios. O inciso II tratou dos demais administradores, dos demais gestores. E é a esses que o Tribunal de Contas pode julgar, as contas desses administradores e não dos chefes políticos. Imagine-se a hipótese de o Tribunal de contas, julgando as contas do Presidente da República, aplicar multa. Não me parece seja isso possível.” (STF – Recurso Extraordinário nº 132.747-2. Relator Ministro Marco Aurélio. 07/12/95)
16. Execução das decisões do Tribunal de Contas
O § 3º, do artigo 71, da Constituição Federal, estabeleceu que as decisões do Tribunal de Contas de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. Concluído o processo de prestação ou tomada de contas, com o respectivo julgamento, o Tribunal de Contas profere sua decisão. Se esta imputar débito ou impuser multa ao responsável pelas contas, poderá ser executada diretamente, junto ao Poder Judiciário, sem a necessidade de um anterior processo judicial de conhecimento. É nisto que se constitui a eficácia de título executivo, que, na espécie, é de natureza extrajudicial. Em face disso, caberá ao executado (o responsável pelas contas) defender-se junto ao Judiciário mediante Embargos.
A competência para executar as decisões do Tribunal de Contas é da Procuradoria do Estado, mas somente se estiver tratando de recursos estaduais. Se os recursos forem municipais, as decisões das Cortes de Contas serão executadas pelas Procuradorias Municipais. O débito apurado pela Corte de Contas, quando do julgamento das contas de gestores responsáveis por recursos municipais, pertence ao Município, que deverá inscrever as multas em Dívida Ativa para posterior execução, caso não sejam pagas amigavelmente.
Segundo o parágrafo único, do artigo 1º, da Lei nº 9.492/97, as multas após inscritas em Dívida Ativa, poderão ser levadas a protesto.
A decisão da Corte de Contas de que resulte imputação de débito ou multa, não tem o atributo da auto-executoriedade, que está presente na maioria dos atos administrativos. O interesse em pauta é da Fazenda Pública, ou seja, um interesse público secundário.
Em vista do que dispõe o § 3º, do artigo 71, da Carta Magna, temos por inconstitucionais dispositivos legais que permitem a cobrança de débito e de multas impostos pelo Tribunal de Contas aos agentes públicos mediante retenção de parcelas salariais destes. Se a decisão do Tribunal de Contas tem apenas eficácia de título executivo, não podemos lhe emprestar efeitos mandamentais.
Informações Sobre o Autor
Jamilson Lisboa Sabino
Professor de Direito Administrativo. Pós-Graduado em Licitações e Contratos Públicos pela Fundação Getúlio Vargas. Foi Procurador Municipal. Autor, dentre outros, dos livros “Lei de Licitações comentada segundo a jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais” e “Lei de Licitações comentada segundo a jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo”