INTRODUÇÃO
Sob uma ótica precisa e de acordo com uma exposição sucinta, visar-se-á, neste escrito, repassar a idéia aos leitores jurídicos acerca da ínsita discricionariedade que há na atividade do Delegado de Polícia, autoridade com labor direto frente ao direito fundamental de liberdade da pessoa humana.
A discricionariedade sustentada aqui diz respeito a possíveis interpretações favoráveis à pessoa; jamais em seu prejuízo. Com efeito, da mesma forma que o penalista costuma enfrentar a analogia[1] no Direito Penal, assim o deve ser pelo Delegado de Polícia. A discricionariedade deve vir em favor do agente, nunca em seu desfavor. De fato, contrariamente ao direito de liberdade do autor de infrações penais já existe, e de forma mais do que suficiente, a nossa Lei penal.[2]
O PODER DISCRICIONÁRIO DO DELEGADO DE POLÍCIA
O Delegado de Polícia é o primeiro receptor do caso em concreto, sendo-lhe compelido pelo ordenamento jurídico agir com cautela e prudência ante a íntima proximidade das suas atribuições para com o direito fundamental de liberdade da pessoa humana.
Deontologicamente, inobscurece de o Delegado de Polícia apreciar, com a devida prudência, o direito à liberdade do indivíduo, em todas aquelas hipóteses em que for possível a sua restrição, as quais são de extrema excepcionalidade.
Toda a atividade policial, por sua natureza, possui, em tese, o condão de tolher o direito à liberdade do indivíduo. Esse direito fundamental é, de fato, princípio constitucional,[3] compreendendo ele uma das chaves mestras de todo o nosso sistema normativo. Exatamente por isso, precisa ele ser visto como critério maior, mormente no campo penal. E se é pacífico que o próprio Estado-juiz não pode olvidar de observar com a devida máxima cautela esse direito constitucional, também o deve ser pela Autoridade Policial, pois não é fadado a esta cometer abusos manifestos contra os direitos da pessoa humana, sob o argumento de que não lhe é conferido pela norma competência para se levar a efeito, de acordo com o seu discernimento, a medida mais adequada ao caso concreto.
As Autoridades Policiais, por suposto, constituem-se agentes públicos com labor direto frente à liberdade do indivíduo. É da essência das suas decisões, por isso, conterem elas inseparável discricionariedade, tudo sob pena de, agindo-se de forma contrária, cometerem-se os maiores abusos possíveis, quais sejam, aqueles baseados na letra fria da Lei, ausentes de qualquer interpretação mais acurada, separadas da lógica e do bom senso.
A fundamentação plausível, é lógico, deve ser elemento sempre unificado ao ato discricionário da Autoridade Policial. Mencionado ato será sempre legítimo, se devidamente fundamentado. De fato, dentro do nosso ordenamento encontra-se o princípio elementar da proporcionalidade, com raiz na lógica e no bom senso, exigindo-se que o decisum[4] respectivo seja, como já foi dito, fundamentado, à luz do princípio do livre convencimento motivado.
A respeito desse poder discricionário ora festejado, aliás, vale a colação do seguinte excerto doutrinário da lavra do eminente HELY LOPES MEIRELLES onde ele nos faz interessante observação no sentido de que nem mesmo com relação aos atos vinculados o administrador está limitado a executar a lei cegamente:
“Tanto nos atos vinculados como nos que resultam da faculdade discricionária do Poder Público, o administrador terá de decidir sobre a conveniência de sua prática, escolhendo a melhor oportunidade e atendendo a todas as circunstâncias que conduzam a atividade administrativa ao seu verdadeiro e único objetivo – o bem comum”.[5]
Por outro lado, é de bom alvitre inserir-se neste texto interessante decisão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:
“A determinação da lavratura do auto de prisão em flagrante pelo delegado de polícia não se constitui em um ato automático, a ser por ele praticado diante da simples notícia do ilícito penal pelo condutor. Em face do sistema processual vigente, o Delegado de Polícia tem o poder de decidir da oportunidade ou não de lavrar o flagrante”. [6]
Por ocasião deste decisum colegiado, pois, fica clara a faculdade de o Delegado de Polícia, nas hipóteses de flagrante delito, levar a efeito, conforme o seu pertinente juízo de valor, aquela melhor decisão que lhe surgir à consciência, vertendo-se para a lavratura do auto ou não, consoante a sua apreciação daquilo que for o mais conveniente e o mais oportuno diante do caso em concreto.
CONCLUSÃO
Como se vê, exsurge aos olhos do atento observador a inseparabilidade que existe entre o instituto da discricionariedade e as decisões que o Delegado de Polícia precisa levar a efeito no exercício diário dos seus misteres, tudo diante daquelas hipóteses concretas que ordinariamente lhe advêm.
De fato, todo ato discricionário encontra seus parâmetros no sistema legal. Esse é o limite do administrador. Porém, dizer-se que à Autoridade Policial não compete discricionariedade no exercício das suas essenciais funções, no específico sentido de aplicação ao caso concreto de um apropriado discernimento seu, é o mesmo que se dizer não ser cabível o instituto da discricionariedade a qualquer outra autoridade pública que labore, da mesma forma, tão próxima dos direitos fundamentais da pessoa humana, incluindo-se, nesta seara, diga-se de passagem, o próprio Estado-juiz.
Informações Sobre o Autor
Roger Spode Brutti
Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito (UMSA). Mestre em Integração Latino-Americana (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos (FADISMA)