Intersecção entre direito administrativo disciplinar e direito penal: Uma visão garantista do ilícito administrativo disciplinar

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Resumo: A presente monografia defende a necessidade de aplicação de teorias, princípios e institutos garantistas originários do Direito Penal no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar, a fim de alcançar a paz social no seio do serviço público, evitando que a autoridade sancionadora incorra em arbitrariedades e abuso de poder. Estando o Direito Administrativo Disciplinar ainda carente de normas claras, jurisprudência e doutrina robusta, não se pode desprezar a contribuição que se pode obter com a conexão aos sedimentados princípios e institutos do Direito Penal. Sob a égide da Constituição Cidadã, não mais se deve restringir suas garantias à esfera penal, mas sim estender a todo Direito sancionador que limite os direitos do cidadão, notadamente, o acusado em processos administrativos disciplinares. É prudente que o jus puniendi no âmbito administrativo disciplinar só deva ser sacudido em casos de significância, sob o risco de intoxicação do serviço público com um remédio em dose amarga e acima da recomendada. Que esta obra possa contribuir para o esclarecimento das autoridades julgadoras, comissões disciplinares e demais operadores do direito; bem como servir de alento aos cidadãos-servidores acusados em processos administrativos disciplinares, tudo visando ao engrandecimento do Direito Administrativo Disciplinar.[1]


Palavras-chave: Direito Administrativo Disciplinar. Direito Penal. Ilícito Disciplinar. Garantismo.


Abstract: This monograph argues the need for application of guarantist theories, principles and institutes of criminal law in Disciplinary Administrative Law in order to achieve social peace in the public service, preventing the sanctioning authority to incur arbitrariness and abuse of power. Once the Disciplinary Administrative Law still lacks clear standards, robust jurisprudence and doctrine, one cannot disregard the contribution that can be achieved with the connection to sedimented principles and institutes of criminal law. Under the auspices of the Citizen Constitution, should no longer restrict their guarantees to a criminal court, but extend to any law sanctioning that limits the rights of citizens, notably, the accused in disciplinary administrative proceedings. It is prudent to jus puniendi in administrative disciplinary only should be shaken in significative cases, at risk of poisoning the public service with adose of bitter medicine and above recommended. That this work may contribute to the clarification of the judging authorities, disciplinary committees and other law professionals, as well as serve as an encouragement to the citizen-servants charges in disciplinary administrative, all aimed at the enhancement of Administrative Law Disciplinary.


Keywords: Disciplinary Administrative Law. Criminal Law. Disciplinary Illicit. Guarantism.


Sumário: Introdução. 1. Garantismo jurídico.1.1. As acepções do termo. 1.2. Elementos formais e substanciais. 1.3. Princípios fundantes. 1.4. A fundamentação constitucional do jus puniendi.2. Intersecção entre direito administrativo disciplinar e direito penal. 2.1. ilícito penal e ilícito administrativo. 2.2. princípios penais constitucionais. 2.2.1. Normas Jurídicas. 2.2.2. Princípio da Intervenção Mínima. 2.2.3. Princípio da Lesividade ou Ofensividade. 2.2.4. Princípio da Legalidade. 2.2.5. Principio da insignificância. 2.3. Tipicidade do ilícito disciplinar. 2.4. Teoria da ação no processo administrativo disciplinar. 3. Uma visão garantista do ilícito administrativo disciplinar. 3.1. Aspectos introdutórios. 3.1.1. Poder Disciplinar e Discricionariedade. 3.2. No regime disciplinar. 3.1.1. Ilícito Administrativo. 3.1.2. Ilicitude Material. 3.1.3. Erro Administrativo Escusável. 3.1.4. Impossibilidade de Responsabilização Objetiva. 3.1.5. Atos da Vida Privada. 3.1.6. Infração Moral. 3.2. No processo administrativo disciplinar. 3.2.1. Instauração e a Subsidiariedade da Esfera Disciplinar. 3.2.2. Designação da Comissão de Apuração (e não de Acusação). 3.2.3. Praxe Administrativa e Legalidade. 3.2.4. Verdade Sabida e o Devido Processo Legal. 3.2.5. Indeferimento de Testemunhas e a Ampla Defesa. 3.2.6. Indiciamento Genérico e o Exercício do Contraditório. 3.2.7. Relatório Final e a Presunção de Inocência. 4. O direito administrativo disciplinar in concreto. 4.1. Nos normativos internos da administração pública federal. 4.1.1. Termo Circunstanciado Administrativo. 4.1.2. Compromisso de Adequação Funcional. 4.2. Na jurisprudência dos tribunais. Considerações finais. Referências.


INTRODUÇAO


O poder de punir do Estado na esfera administrativa bebe na mesma fonte do Direito Penal, por isso, estão umbilicalmente ligados. Ambos os ramos do direito provém de um só tronco que é o texto constitucional, portanto, não se podem negar ao polo passivo do direito sancionador administrativo os benefícios conquistados, à duras penas, pelos praticantes de ilícitos penais.


Durante a pesquisa, buscou-se analisar temas como: princípios da insignificância e da intervenção mínima, lesividade do bem jurídico, ilicitude material, dentre outros, sempre com o intuito de conectar o Direito Administrativo Disciplinar ao Direito Penal.


Não há a mínima intenção de aqui defender a existência ou criação de um Direito Administrativo Penal ou Direito Penal Administrativo. Ocupa-se este trabalho de fatia importante desse universo que é a seara disciplinar e suas conexões com o direito penal, visto sob uma ótica garantista e constitucional.


Assim, no presente trabalho intentou-se fazer uma abordagem da concepção garantista iniciada no âmbito penal, pinçando princípios, institutos e normas que possam dar resguardo aos servidores públicos, aclarando sua aplicabilidade no direito administrativo disciplinar.


O exercício do jus puniendi do Estado jamais deverá ultrapassar os limites no percurso pela busca da justiça. Esse poder estatal deve traduzir em essência o conteúdo reprovador de que deve a sanção estar revestida. Sem prevaricação ou arbítrio, apenas seguindo o ideário do justo.


O direito administrativo disciplinar não pode servir de cortina para justiçamentos. A vontade do Estado não pode vir travestida de vingança, má-fé ou vaidade, devendo sim, servir à busca da paz social no âmbito do serviço público. A penalidade deve representar um verdadeiro mal causado à administração, nunca a vontade particular da autoridade sancionadora.


Ressaltamos que a necessidade é da constituição de uma imunidade – e não im(p)unidade – dos servidores-cidadãos contra a arbitrariedade das punições descabidas.


Cabe ao servidor guindado tempo-espacialmente à condição de autoridade sancionadora aplicar o estatuto e as demais normas administrativas, com base na abalizada doutrina, jurisprudência e preceitos advindos do direito penal.


Afinal, como se admitir que garantias atribuídas àqueles que transgrediram a norma penal, protetora de bens jurídicos tidos como mais importantes para a sociedade, não se apliquem à proteção dos servidores do próprio estado?


Pensar assim levaria à lógica conclusão de que os servidores públicos seriam uma espécie de subcategoria dentre os cidadãos, aos quais não seriam garantidos os mesmo direitos dos demais, nem mesmo àqueles afetos a quem cometeu crimes.


Fechar os olhos para a não sujeição dos servidores a tais avanços conquistados pelo Direito Penal é permitir um permanente estado de constrangimento perante o poder punitivo do Estado, institucionalizando o que poderia se cogitar de chamar de verdadeiro “Direito Disciplinar do Inimigo”.


Entretanto, a desanimadora situação a que estão sujeitos os servidores públicos acusados em processos administrativos disciplinares não requer a defesa de soluções apocalípticas. Muito menos se pretende a crítica pela crítica.


O que se busca é o aperfeiçoamento do sistema jurídico, com a correta aplicação dos normativos existentes, de modo a evitar o uso equivocado do poder disciplinar.


Visando a esse aprimoramento, o exame acurado de tão importante ramo do Direito Administrativo é medida basilar para o correto e limitado exercício de tal poder pelo Estado.


Em tempos em que o país vem ganhando importância em todos os fóruns, e por isso sendo alvo da atenção mundial, não se pode olvidar da importância crescente que terá o processo administrativo (incluindo a sede disciplinar) para a profissionalização da máquina pública, exigindo, assim, investigações teóricas visando a esclarecer os contornos ainda nebulosos e carentes de delimitação do Processo Administrativo Disciplinar.


A fim de melhor analisar o tema, dividimos o nosso estudo e, consequentemente, os resultados da nossa pesquisa em áreas temáticas que acabaram correspondendo às seções principais da monografia.


Na primeira seção nos debruçamos sobre o garantismo jurídico defendido por Luigi Ferrajoli, por ser essa a teoria penal que demonstrou condições de oferecer guarida à tese em apreço, pois além de já em seu âmago considerar o acusado um sujeito de direitos amparado por princípios constitucionais, a teoria acaba por extrapolar a sede penal para atingir outros ramos do direito, como o direito administrativo disciplinar.


Em seguida, o esforço foi no sentido de aproximar ainda mais os dois ramos do direito público punitivo, refutando divergências, elencando princípios penais aplicáveis e abordando teorias e institutos próprios do direito penal, como teoria da ação e tipicidade.


Nas duas últimas seções, adentramos ao universo do direito administrativo disciplinar já carreado do espírito garantista, inicialmente, esclarecendo como se dá essa visão garantista do ilícito disciplinar, destacando tópicos relacionados aos aspectos substancial (Regime Disciplinar) e instrumental (Processo Administrativo Disciplinar) desse universo, para finalizar com exemplos em concreto da aplicação (ou desatendimento) dessa postura garantista nos normativos da Administração Pública Federal e em julgados do Superior Tribunal de Justiça.


1. GARANTISMO JURÍDICO


O mundo jurídico nesse início de século aparenta viver uma crise. O Estado encontra-se cada vez mais incapaz de suprir o fenômeno jurídico a partir apenas de seus parâmetros estatais. A teoria do direito também não vem conseguindo atender satisfatoriamente a essas mudanças. Um positivismo tradicional e formalista e um sociologismo exacerbado se digladiam para se sobressair nesse panorama de transformação, naufragando sem se atentar que restam superadas essas dicotomias.[2]


O garantismo surge exatamente da observação desse cenário de descompasso entre as normas estatais e o mundo real de práticas autoritárias nas atuações administrativas e penais. A ideia é aproximar essas duas realidades díspares, mas que não deveriam ser antagônicas. O garantismo visa então unir a normatividade à efetividade.


Na preleção de Paulo Rangel:


“A teoria do garantismo penal defendida por Luigi Ferrajoli é originária de um movimento do uso alternativo do direito nascido na Itália nos anos setenta por intermédio de juízes do grupo Magistratura Democrática (dentre eles Ferrajoli), sendo uma consequência da evolução histórica dos direitos da humanidade, que, hodiernamente, considera o acusado não como objeto de investigação estatal, mas sim como sujeito de direitos, tutelado pelo Estado, que passa a ter o poder-dever de protegê-lo, em qualquer fase do processo (investigatório ou propriamente punitivo). Segundo a fórmula garantista, na produção das leis (e também nas suas interpretações e aplicações), seus conteúdos materiais devem ser vinculados a princípios e valores estampados nas constituições dos estados democráticos em que vigorem.”[3]


Destaque-se que as bases conceituais do garantismo penal, estabelecidas por Ferrajoli na sua obra Direito e Razão, subsidiam uma teoria geral do garantismo, aplicáveis, pois, a todos os demais ramos do direito, dentre eles o direito administrativo disciplinar, por sua proximidade com o direito penal, desenvolvida no presente trabalho.


Destaca Ferrajoli que:


“Da palavra garantismo é, então, possível distinguir três significados diversos: modelo normativo de direito, teoria jurídica da validade e da efetividade da norma, e filosofia política, que podem ser estendidos a todos os campos do ordenamento jurídico (grifo nosso).[4]


1.1. As acepções do termo


A primeira acepção do termo garantismo relaciona-se a um modelo normativo de direito, decorrente do princípio da legalidade, base do Estado de Direito. Visa impor ao Estado um sistema de proteção às garantias do cidadão, como passo na direção de um real Estado Constitucional de Direito.


“O Garantismo vem determinar um modelo normativo de direito, precisamente no que diz respeito ao direito penal, o modelo de estrita legalidade, próprio do Estado de Direito, que pode ser entendido sob três planos: o epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo; o político, por sua vez, se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade; por fim, o jurídico, como um sistema de vínculo impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos (grifo nosso). [5]


Afora as óticas política, jurídica e epistemológica, o garantismo deve servir para aproximar os elementos de validade e efetividade do direito, pois desses decorrem o que o autor chama de graus de garantismo, que terá sua variância justamente em função do compasso ou descompasso entre os elementos.


Nas palavras de Edihermes Marques Coelho


“A noção de validade garantista talvez seja o ponto mais delicado do garantismo enquanto teoria geral do Direito, pois sua formulação mexe com noções tradicionais, arraigadas nas concepções jurídicas contemporâneas”.[6]


Outra acepção do garantismo é a da busca pela legitimidade ético-política dos comandos e práticas do Estado. Essa justificativa externa ao sistema jurídico seria algo como uma metafísica jurídica, pois seriam fundamentos para o surgimento das normas jurídicas.


Para o Jurista italiano, “o garantismo é considerado como uma filosofia política, que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a finalidade”. [7]


São essas três acepções: a vinculação do poder público ao estado de direito; a dualidade entre vigência e validade; e as visões externa (ético-política) e interna (jurídico); que acabam por caracterizar a teoria geral do garantismo.


O Garantismo pode ainda ser entendido como instrumento capaz de aferir a validade da intervenção do Estado no caso concreto, ou seja, permite observar se os parâmetros constitucionais (princípios) estão sendo cumpridos de fato (verificar se o ser está de acordo com o dever ser).


Para o Mestre italiano, “o garantismo jurídico opera como doutrina jurídica de legitimação e, sobretudo, de perda da legitimação interna do direito penal, que requer dos juízes e dos juristas uma constante tensão critica sobre as leis vigentes, (…)”. [8]


1.2. Elementos formais e substanciais


Para além dos aspectos formais, a teoria garantista vem acrescer um novo aspecto a ser observado no fenômeno jurídico, que é o elemento substancial. O aspecto formal encontra-se ligado ao procedimento previsto para o surgimento de determinada norma, sendo seu pressuposto de legitimidade.


Até esse aspecto, a teoria de Ferrajoli ainda não se distancia muito da teoria pura do direito de Kelsen, para quem a validade de uma norma está em outra norma anterior no tempo e superior em hierarquia, existindo, portanto um mecanismo de derivação entre as normas jurídicas.[9]


“Enquanto os juízos de vigência ou não de normas apresentam um caráter fortemente descritivo, eis que dizem respeito a fatos concretos, tais como a promulgação daquelas por autoridades competentes e a observância do devido procedimento da edição, os juízos sobre a validade – pelo fato de pretenderem verificar processos de adequação valorativa – trazem uma acentuada carga axiológica. No entanto, enquanto as condições formais constituem requisitos de fato em cuja ausência as normas não chegam juridicamente a existir, as condições substanciais de validade – e de forma especial as da validade constitucional – consistem no respeito aos valores – tais como a igualdade, a liberdade e as garantias dos direitos dos cidadãos – cuja lesão produz uma antinomia, isto é, um conflito entre normas de significados incompatíveis.”[10]


Kelsen, adotando pressupostos da Escola Neokantiana, considerava o direito como seu objeto de estudo apenas em seu aspecto formal, isentando-o de questões ligadas ao seu conteúdo valorativo.


“Para Kant, a determinação racional da possibilidade e limite do conhecimento puro precede ao conhecimento do real. Da mesma forma, para Kelsen a necessidade de uma teoria pura, que delimite o objeto do conhecimento jurídico e estabeleça as condições e possibilidades do mesmo, precede logicamente o conhecimento das ciências jurídicas positivas. Por isso, tarefa prioritária da teoria pura é estabelecer as categorias jurídicas distintas e determinantes, em última instância, do campo temático específico das ciências jurídicas, as categorias constituintes da normatividade.”[11]


Para Kelsen, “a validade normativa está confundida com a vigência das normas: se a norma existe juridicamente enquanto norma, sendo formalmente apta a emanar os seus efeitos, ela é válida”. [12]


Ferrajoli tecendo suas críticas a esta visão, pontua que:


“Um conceito deste tipo não poderá dar conta da estrutura dos sistemas jurídicos complexos que comportam as atuais democracias constitucionais, para cuja explicação, a noção de validade das normas deverá incluir também a coerência de seus conteúdos ou significados com os princípios de caráter substancial enunciados na Constituição, como o princípio da igualdade e os direitos fundamentais, e deverá admitir, portanto, a possibilidade de normas formalmente vigentes e, entretanto, substancialmente inválidas.”[13]


Para o autor italiano, ao procedimento de validade deve ser acrescentado um elemento substancial, de conteúdo material, que são os direitos fundamentais. Para o autor, uma norma que não se encontra de acordo com essas garantias elencadas na Constituição Federal seria inválida.


Ainda, conforme Luigi Ferrajoli,


“a especificidade do moderno Estado Constitucional de Direito está precisamente no fato de que as condições de validade estabelecidas por suas leis fundamentais incorporam não só requisitos de regularidade formal, senão também condições de justiça material. Esses traços substanciais de validade, inexplicavelmente ignorados pela maior parte das definições juspositivistas de direito válido, sejam normativistas ou realistas, têm uma relevância bem maior do que a dos meramente formais.”[14]


1.3. PRINCÍPIOS FUNDANTES


O Sistema Garantista funda-se sobre dez axiomas, que pretendem determinar as regras do jogo fundamental. Em resumo, tais princípios são os seguintes:


1) princípio da retributividade ou da sucessividade da pena em relação ao delito cometido (que demonstra o expresso reconhecimento de Ferrajoli da necessidade do Direito Penal, contrariamente a visões abolicionistas. Aliás, Ferrajoli reiteradamente tem dito tamos009.usivamenteno Brasil que o garantismo penal é a negação do abolicionismo); 2) princípio da legalidade: inviável se cogitar a condenação de alguém e a imposição de respectiva penalidade se não houver expressa previsão legal, guardando esta a devida compatibilidade com o sistema constitucional vigente; 3) princípio da necessidade ou da economia do Direito Penal: somente se deve acorrer ao Direito Penal quando absolutamente necessário, de modo que se deve buscar a possibilidade de solução dos conflitos por outros meios. É a ultima ratio do Direito Penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do ato: além de típico, o ato deve causar efetiva lesividade ou ofensividade ao bem jurídico protegido, desde que deflua da Constituição (direta ou indiretamente) mandato que ordene sua criminalização; 5) princípio da materialidade; 6) princípio da culpabilidade: a responsabilidade criminal é do agente que praticou o ato, sendo necessária a devida e segura comprovação da culpabilidade do autor; remanescendo dúvidas razoáveis, há se aplicar o aforisma in dubio pro reu; 7) princípio da jurisdicionalidade: o devido processo legal está relacionado diretamente também com a estrita obediência de que as penas de natureza criminal sejam impostas por quem investido de jurisdição à luz das competências estipuladas na Constituição; 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação: numa frase significa unicamente que o julgador deve ser pessoa distinta da do acusador; 9) princípio do encargo da prova: ao réu não se deve impor o ônus de que é inocente, pois é a acusação quem tem a obrigação de provar a responsabilidade criminal do imputado; 10) princípio do contraditório: sendo inadmissíveis procedimentos kafknianos, deflui do devido processo legal que o réu tem o direito fundamental de saber do que está sendo acusado e que lhe seja propiciada a mais ampla possibilidade de, se quiser, rebater (ampla defesa) as acusações que lhe são feitas” (grifo nosso). [15]


Como se pode depreender até aqui, o Sistema Garantista encontra-se alicerçado no positivismo e no constitucionalismo, pois apesar de haver nascido com os olhos voltados para o direito penal, só pode se concretizar com a articulação de todo o ordenamento.


Sérgio Cademartori é um dos autores brasileiros que primeiro intentaram expandir o garantismo para além da seara penal.


“O jurista ao criticar o direito vigente (e para Ferrajoli isto é fazer ciência) assume os valores constitucionalmente positivados como parâmetros do próprio discurso jurídico, independentemente da sua adesão moral. (…) Assim, os juízos de validade são científicos e desempenham um controle da produção normativa, comum ao Estado de Direito.”[16]


Segundo Ricardo Guastini:


“Uma organização jurídica diz-se garantista quando inclui estruturas e instituições aptas a manter, oferecer proteção, defender e tutelar algumas liberdades individuais bem definidas. Dessa forma, um jurista legitima-se como garantista quanto dirige suas atividades para o aumento ou eficácia das estruturas e dos instrumentos oferecidos pela organização jurídica para tutelar, defender, etc, as liberdades individuais.”[17]


Enfim, em um Estado Democrático de Direito, todos os ramos do direito devem se amoldar aos princípios constitucionais. Assim o direito penal e os órgãos do sistema criminal. Assim o direito disciplinar e a Administração Pública no seu exercício do jus puniendi.


1.4. A FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO JUS PUNIENDI


Admitindo que a força normativa da Constituição estende-se até a relação entre os particulares, não poderia o Estado, enquanto ente de direito público, desprezar os ditames constitucionais no exercício de seu jus puniendi na seara administrativo-disciplinar.


Conforme pontifica Luiz Flávio Gomes:


“A chamada constituição material, justamente porque trata dos seus conteúdos substanciais e centra na pessoa e nos seus direitos fundamentais a base de toda a realidade jurídico-política do Estado, conta com a eficácia interpretativa que, indubitavelmente, se estende a todo o ordenamento jurídico(grifo nosso). [18]


Preleciona, também nesse sentido, Luciano Santos Lopes:


“Todavia, não se trata de simplesmente oferecer justaposições da Constituição às outras normas positivadas. Trata-se de fazer com que a Carta Magna, legitimada por seus princípios, consiga exercer realmente a função sistematizadora e promotora de unidade em um sistema jurídico determinado. Requer-se, também, que a Constituição tenha força normativa. Sob pena de restar como referência meramente retórica. A importância da Hermenêutica constitucional faz-se visível neste plano de discussão.[19]


Assim, a teoria do garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli abre a possibilidade de interpretação da norma estatutária à luz de princípios penais basilares presentes na Carta Magna, estabelecendo nova leitura dos direitos fundamentais no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar.


“Os princípios e institutos de direito penal, secularmente estudados e desenvolvidos, são plenamente aplicáveis ao direito administrativo disciplinar, mormente quando direitos e garantias fundamentais constitucionalmente qualificados são objetos de relação jurídica, formal e material, formada entre o Estado-administração, no exercício do poder disciplinar, e o servidor público acusado, em instrumento apuratório e punitivo, de cometimento de falta grave ou média” (grifo nosso).[20]


 


2. INTERSECÇÃO ENTRE DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E DIREITO PENAL


O direito administrativo sancionador se conecta com os mais diversos ramos do direito.


“(…) guarda relações com o direito civil (noções de domicílio, de pessoa jurídica), constitucional (princípios e garantias constitucionais incidem diretamente no processo administrativo disciplinar, como do juiz natural, da irretroatividade da norma penal, da inadmissibilidade de provas ilícitas, do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal, da legalidade, moralidade, eficiência, publicidade, etc), penal (conceito de crime contra a Administração Pública como falta disciplinar passível de pena demissória, contagem da prescrição das faltas administrativas pelos prazos prescricionais do Código Penal – art. 142, Lei federal n. 8.112/1990, idéias de excludentes de ilicitude e de culpabilidade, inimputabilidade, etc), processual civil e penal (procedimentos em audiências e para coleta de provas, etc), comercial (conceitos de comércio e gerência, de atividade comercial incompatível com a função pública, para fins de demissão do agente transgressor), dentre outros tantos exemplos” (grifo nosso). [21]


Todavia é perceptível pela leitura da bibliografia colacionada, que a maior aproximação se dá sobremaneira com o Direito Penal, enquanto ramos do direito público de caráter punitivo.


Sem requerer aprofundamento nos temas, mas apenas para corroborar a dimensão em que se dá essa intersecção, é que, não exaustivamente, listamos institutos em que o Direito Administrativo Disciplinar tem o Direito Penal (material e processual) como fonte:


a) Código Penal:


– dos arts. 330 e 342, acerca dos crimes de desobediência e de falso testemunho,


– dos arts. 151 e 153, acerca dos crimes de revelação de correspondência e de revelação de segredo,


– do art. 26, acerca de inimputabilidade,


– dos arts. 69 e 70, acerca de concursos de normas ou de infrações,


– dos arts. 18 a 26, acerca da definição analítica de crime,


– dos arts. 92 e 312 a 326, acerca de crimes contra a administração pública e do efeito acessório da condenação penal de perda do cargo,


– do art. 63, acerca de reincidência,


– dos arts. 109 e 110, acerca de prescrição criminal, e


– do art. 107, acerca de extinção da punibilidade.


b) Código de Processo Penal:


– do art. 20, acerca de sigilo em sede investigativa,


– do art. 80, acerca de desmembramento,


– dos arts. 563 a 565, acerca de nulidade,


– dos arts. 111 e 112, acerca dos incidentes de suspeição e de impedimento,


– dos arts. 353, 360 e 362, acerca de notificações ou de citações por precatória, de réu preso e com hora certa,


– dos arts. 156 e 386, VI, acerca do ônus probante e da absolvição por ausência de provas,


– do art. 236, acerca de tradução,


– dos arts. 202 a 224, acerca de oitiva de testemunhas,


– do art. 226, acerca do reconhecimento de pessoas ou de coisas,


– dos arts. 159 e 174, acerca de perícias,


– dos arts. 229 e 230, acerca de acareação,


– do art. 157, acerca de provas ilícitas,


– dos arts. 151 e 153, acerca de vedação à violação das comunicações telefônicas,


– dos arts. 185, 186, 190 e 197 a 200, acerca de interrogatório, dos direitos de o acusado não fazer prova contra si mesmo e de se manter calado e de confissão,


– dos arts. 149 a 152, acerca do incidente de insanidade mental,


– do art. 497 do CPP, acerca de defesa inepta,


– dos arts. 383 e 384, acerca de alteração de enquadramento, e


– dos arts. 65 e 935, acerca de independência das instâncias.


Nesta seção trataremos dos aspectos que se inter-relacionam nesses dois universos jurídicos, privilegiando, em função da dimensão desta obra, as temáticas voltadas para o objetivo principal do trabalho.


Apesar de o título poder sugestionar, não é o propósito abordar os crimes praticados pelo servidor público, em sua dimensão penal, (por exemplo, crimes contra a administração pública dos arts. 312 a 326 do CP e os crimes contra a ordem tributária do art. 3º da Lei nº 8.137, de 27/12/90, abuso de autoridade, conforme definidos nos arts. 3º e 4º da Lei nº 4.898, de 09/12/65.) senão apenas nos aspectos em que tiverem reflexo no mundo processual disciplinar.


Os atos funcionais cometidos por servidor que podem ser considerados crimes não serão administrativamente apurados como tal – como crimes – em função da independência das instâncias, da harmonia entre os Poderes e das competências exclusivas de cada Poder. Não se aceita que uma comissão disciplinar, no termo de indiciação ou no relatório de um processo administrativo disciplinar, enquadre o ato funcional infracional que também configura crime no dispositivo da lei penal, sob pena de sobrestar a instância administrativa até a manifestação definitiva da sede penal, exclusivamente competente para tal. Mas isso não significa que tais atos restem impunes na sede administrativa. Ao contrário, se o ato associado ao exercício do cargo público comporta tal gravidade e reprovabilidade social a ponto de configurar crime, também configurará ilícito administrativo disciplinar e, dentro dessa definição e com o devido processo legal da Lei nº 8.112, de 11/12/90, é que será administrativamente apurado e, se for o caso, penalizado, com enquadramento em algum dos incisos dos arts. 116, 117 ou 132 dessa Lei” (grifo nosso). [22]


2.1. ILÍCITO PENAL E ILÍCITO ADMINISTRATIVO


De início, convém introduzir a temática abordando a análise de Aníbal Bruno, que trata da tentativa de encontrar diferenças entre os ilícitos civis e penais, e que se pode aplicar também na compreensão da adequada dimensão do ilícito administrativo:


“Antes de tudo o problema fora mal formulado: o que se buscava era inexistente, não há diferença em substância entre ilícito penal e ilícito civil. O que os distingue é antes questão de grau que de essência. Todo ilícito é uma contradição à lei, uma rebelião contra a norma, expressa na ofensa ou ameaça a um bem ou interesse por esta tutelado. A importância social atribuída a esse bem ou interesse jurídico é, em grande parte, o que determina a natureza da sanção – civil ou penal. É uma questão de hierarquia de valores. Ao legislador é que cabe, tomando em consideração condições do momento, fixar que espécie de bens jurídicos devem ser elevados à tutela penal, e, portanto, a que determinados fatos se atribuirá o caráter de crime. Mas afinal a pena é um recurso extremo de que se vale o legislador quando de outro modo não lhe seria possível assegurar a manutenção da ordem jurídica. A sua oportunidade é marcada pela insuficiência da sanção civil” (grifo nosso). [23]


Assim também é o entendimento de Nelson Hungria. Para o autor é irreal a distinção ontológica entre ilícito administrativo e ilícito penal, pois


“conforme acentua Beling, a única diferença que pode ser reconhecida entre as duas espécies de ilicitude é de quantidade ou de grau: está na maior ou menor gravidade ou imoralidade de uma em cotejo com a outra. O ilícito administrativo é um minus em relação ao ilícito penal.”[24]


Na mesma trilha Cretella Jr.:


“No campo do direito, o ilícito alça-se à altura de categoria jurídica e, como entidade categorial é revestida de unidade ôntica, diversificada em penal, civil, administrativa, apenas para efeito de integração, neste ou naquele ramo, evidenciando-se a diferença quantitativa ou de grau, não a diferença qualitativa ou de substância. Deste modo, o ilícito administrativo caminha em plano menos elevado do que o ilícito penal, é um minus em relação a este, separando-os o matiz de oportunidade conveniência, avaliado pelo critério axiológico, possível na esfera discricionária do administrador e do magistrado, contingente ao tempo e às áreas geográficas” (grifo nosso).[25]


Complementando a análise dessa distinção, que, como exposto, não é de substância e sim de grau, vejamos algumas lições acerca do instituto que representa essa quantificação, consubstanciado no bem jurídico tutelado.


Conforme ensina Luiz Regis Prado:


“Assim, originariamente, com base na mais pura tradição neokanista, de matiz espiritualista, procura-se conceber o bem jurídico-penal como valor cultural – entendida a cultura no sentido mais amplo, como um sistema normativo. Os bens jurídicos têm como fundamento valores culturais que se baseiam como em necessidades individuais. Estas se convertem em valores culturais quando são socialmente dominantes. E os valores culturais transformam-se em bens jurídicos quando a confiança em sua existência surge necessitada de proteção jurídica.”[26]


Os bens jurídicos são preexistentes ao direito, são bens da vida. Esse é o magistério de Arturo Rocco:


(…) como o bem, antes de ser jurídico, é um bem da vida humana individual e social, e o interesse, antes de ser jurídico, é um interesse humano, assim, o conceito de bem, antes de ser jurídico, é um conceito sociológico ou psico-sociológico (…).”[27]


Ainda de acordo com Luiz Flávio Gomes: “Não é reduzido o grupo de doutrinadores que afirmam que a constituição é o referencial mais idôneo para que a teoria do bem jurídico venha a cumprir uma função crítica e limitadora do jus puniendi” (grifo nosso). [28]


É imperiosa a necessidade de se tutelar valores constitucionais a fim de legitimar qualquer ato jurídico. Não pode ser diferente nos atos emanados no bojo do processo administrativo disciplinar, seja pela comissão processante, seja pela autoridade instauradora/julgadora.


Ensina Salo de Carvalho que:


“A estrutura arquitetônica piramidal elaborada por Kelsen, cuja concepção é cerrada sob a visualização da constituição lógico-formal e direcionada ao interior do sistema jurídico estatal, inverte-se e amplia-se, voltando seu olhar tanto para o interno quanto para os novos valores e princípios abstratos advindos do exterior. Trata-se de legitimidade que provem de fora ou, nas palavras de Ferrajoli, de um modelo heteropoiético de legitimação do direito – legitimità dal basso. O interessante é notar que esta legitimidade externa conforma sua nova estrutura escalonada dos ordenamentos jurídicos, não mais referendados por princípios e valores jusnaturalistas (metajurídicos), mas por instrumentos legais positivados pelos Estados signatários das declarações de direitos (grifo nosso)”. [29]


2.2. PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS


Não poderia ser o objetivo desse texto o esgotamento da análise dos princípios reitores do processo administrativo disciplinar. O rol é amplo, pois vai desde os princípios gerais de direito, passando pelos princípios constitucionais reitores da administração pública.


Como o escopo do presente trabalho são as conexões entre o direito administrativo disciplinar e o direito penal, é sobre os princípios constitucionais regentes deste último ramo com reflexos sobre a tese defendida que nos ocuparemos.


2.2.1. Normas Jurídicas


As normas jurídicas são compostas por duas categorias, a saber: os princípios e as regras. Dos princípios extraem-se mandamentos que perpassam todo o ordenamento jurídico e tem abrangência e abstração muito maiores que as regras.


Conforme destaca Celso Antônio Bandeira de Mello:


“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, (…) no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônio (…). Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma (…); É a mais grave ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”.[30]


Na mesma linha o mestre José Armando da Costa:


“Não obstante, destaque-se que os princípios jurídicos são bem mais importantes do que as normas escritas, razão por que é bastante correto dizer que se afronta muito mais o direito quando se desacata um dos seus princípios do que quando se desatende a uma de suas normas textuais, posto que uma regra expressa contém apenas uma diretiva, enquanto que um princípio encerra um conteúdo informador e formador de várias normas.”[31]


Caso haja colisão entre duas regras, deve-se optar por apenas uma a ser aplicada ao caso concreto. Já os princípios comportam aplicação simultânea devendo se reconhecer apenas que um deles deve obter maior relevância frente ao outro.


Nesse sentido observam Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos:


“A ponderação de valores, interesses, bens ou normas consiste em uma técnica de decisão jurídica utilizável nos casos difíceis, que envolvem a aplicação de princípios (ou, excepcionalmente, de regras) que se encontram em linha de colisão, apontando soluções diversas e contraditórias para a questão. O raciocínio ponderativo, que ainda busca parâmetros de objetividade, inclui a seleção de normas e de fatos relevantes, com a atribuição de pesos aos diversos elementos em disputa, em um mecanismo de concessões recíprocas que procura preservar, na maior intensidade possível, os valores contrapostos”.[32]


2.2.2. Princípio da Intervenção Mínima


Perseguir esse princípio é admitir que o direito penal só deva entrar em ação em graves ofensas a bens jurídicos por demais importantes, quando não albergados satisfatoriamente por outros ramos menos invasivos ao direito do cidadão.


O direito penal é concebido como ultima ratio do Estado para tutelar um bem jurídico, a fim de que não sejam atingidos direitos fundamentais. Este princípio também é conhecido como princípio da subsidiariedade.


Pertencendo também ao ramo de direito público punitivo e visando tutelar bens jurídicos, que embora menos amplos, não podem ser vistos sempre como menos relevantes; ao direito administrativo disciplinar deve sim se estender a cautela proposta pelo principio da intervenção mínima.


Na esteira de tal entendimento é que se defende a tese de aplicação subsidiária da sede administrativa disciplinar em relação a outros remédios jurídicos ou de gestão no âmbito da administração pública (conforme subseção 3.3.1).


2.2.3. Princípio da Lesividade ou Ofensividade


Também denominado de princípio da exclusiva proteção a bens jurídicos, traduz a necessidade de ofensa efetiva a bem jurídico, não bastando a incidência em caso de conduta apenas formalmente típica, mas inofensiva.


Segundo Francesco Palazzo:


“A afirmação do princípio de lesividade como indicação tendente a evitar que, em sua complexidade, o sistema se afaste de balizas de um direito penal da ofensa, é comum a todos os ordenamentos examinados. Deve-se, todavia, observar que o princípio se fez objeto de maior atenção e particular sistematização científica por parte da doutrina italiana, que bem lhe precisou a autonomia conceitual e o específico significado político-constitucional por intermédio de uma acurada reconstrução das referências normativo-constitucionais que o fundamentam.”[33]


Na lição de Luiz Flávio Gomes:


“Por força do princípio da ofensividade resulta impossível ao legislador configurar como delito uma mera desobediência ou uma simples transgressão de uma norma ou de um dever jurídico. Nem sequer é delito a conduta formalmente típica, mas sem nenhum resultado ofensivo.”[34]


A cerca do princípio da ofensividade, nos valemos ainda da teoria do mestre Italiano Luigi Ferrajoli:


“Este cânone tem o valor de critério polivalente de minimização das proibições penais. Ele equivale a um princípio de tolerância tendencial da desviação, idôneo para reduzir a intervenção penal ao mínimo necessário e, com isso, reforçar a sua legitimidade e fiabilidade, pois, se o direito penal é um remédio extremo, devem ficar privados de qualquer relevância jurídica os delitos de mera desobediência, degradados à categoria de dano civil os prejuízos reparáveis, e à de ilícito administrativo todas as violações de normas administrativas, os fatos que lesionem bens não essenciais ou que são, só em abstrato, presumidamente perigosos.”[35]


2.2.4. Princípio da Legalidade


Apesar de não ser o principio da legalidade uma especificidade dos ramos em análise (direito penal e direito administrativo disciplinar), não poderia deixar de expor nossa visão crítica acerca desse princípio.


Embora seja um princípio fundamental, não pode este se sustentar sozinho de modo dissociado dos demais princípios gerais e específicos.


Escorado, principalmente, no art. 2º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.784, de 29/01/99, que estabelece que no processo administrativo, se atuará conforme a lei e o direito; não podemos ver o principio da legalidade como mandamento para um inquestionável e submisso acatamento da fria literalidade da lei.


Lei nº 9.784/99 – Art. 2º (…)


Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:


I – atuação conforme a lei e o Direito (grifo nosso);


Na aplicação do princípio em questão não se pode desprezar outros tantos como o da razoabilidade e da proporcionalidade, além de questões essenciais como senso de justiça e interesse publico. É ver a legalidade não apenas como uma legalidade formal, mas buscar enxergá-la em sua materialidade.


Afinal, na aplicação da lei, principalmente aquela capaz de ferir direitos arraigados do cidadão-servidor, deve-se sempre auferir a uma interpretação consoante o método teleológico, buscando atender aos fins sociais para os quais a lei foi editada, conforme preceitua o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “LICC – Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.


2.2.4.1. Principio da Reserva Legal e da Anterioridade e Irretroatividade da Lei Penal


Aberto tópico apenas para frisar que os princípios em tela, assentam-se perfeitamente ao direito administrativo disciplinar. Não há possibilidade de imputar responsabilidade disciplinar com aplicação da penalidade respectiva, para além das previstas no estatuto do servidor.


Também tem reflexo em sede disciplinar a irretroatividade da lei, em caso de inovação legislativa, salvo, é claro, a retroatividade benigna.


2.2.5. Principio da insignificância


Tendo sua sede na esfera penal, a fim de atender ao princípio da insignificância, defende Damásio que, “o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves”. [36]


Verifica-se assim que, ao ver-se sacudido pelo princípio da insignificância, o fato torna-se atípico, pois afastada estará a tipicidade material.


Rogério Greco,[37] escorado na douta visão de ZAFFARONI, leciona que a tipicidade penal é formada pela tipicidade formal e pela tipicidade conglobante, estando esta última subdividida em:


a) conduta antinormativa;


– contrária à norma penal, e


– não imposta ou fomentada por ela; e


b) ofensiva a bens de relevo para o direito penal, (tipicidade material).


Portanto, sendo insignificante o bem ofendido excluída estará a tipicidade material e consequentemente a tipicidade de forma geral, não se podendo a partir de então considerar mais o fato como criminoso.


Conclui-se assim, que se reconhecendo o princípio da tipicidade no âmbito do direito administrativo disciplinar, como se defenderá adiante (subseção 2.3), este, por conseguinte sofrerá afetado também pelo princípio da insignificância ou da bagatela.


Da mesma forma que não se pode lançar mão do Direito Penal para coisas insignificantes, assim também para o Direito Administrativo Disciplinar. “Não se mata um mosquito com um canhão”.[38]


Não significa que o fato sem lesividade não vá ser objeto de intervenção pela a administração. Porém, outros mecanismos (jurídicos ou de gestão) devem ser suficientes para solucionar o caso, sem carecer lançar mão do direito punitivo, consubstanciado nos processos administrativos disciplinares.


O jus puniendi no âmbito administrativo só deve ser exercitado em hipóteses com significância, sob pena de intoxicação do serviço público com um remédio em dose amarga e acima da recomendada.


Indo além, acabamos por concluir que tal princípio se faz ainda mais necessário nos ilícitos administrativos, por compreender um espectro maior de lesividade do que nos ilícitos criminais. Explico: enquanto ao direito penal importa à persecução de condutas de maior grau de afronta aos bens jurídicos tutelados; ao direito administrativo disciplinar cabe perquirir um amplo universo de gravidade de infrações, estando a analisar condutas tais como pontualidade, urbanidade, presteza no atendimento, todas em grande maioria ensejadoras de lesividade inexpressiva ao interesse público.


2.3. TIPICIDADE DO ILÍCITO DISCIPLINAR


O majoritário entendimento da doutrina pátria ainda é que os ilícitos penais são típicos e os ilícitos administrativos são atípicos. Tal fato encontraria respaldo e conexão com a discricionariedade de que é dotada parte do poder estatal.


Segundo essa corrente, “basta que a lei defina genericamente a infração, para que a autoridade administrativa aplique a pena, usando nessa aplicação, de uma larga margem de poder discricionário, tal como definido e justificado”.[39]


Nessa linha, Fábio Medina Osório ministra:


Como se vê, a garantia da tipicidade não pode ser interpretada em dissonância com o princípio da segurança jurídica, tendo em conta, sempre, a dinâmica interna do Direito Administrativo Sancionador, que é diferente do Direito Penal, mas guarda raízes comuns com a normativa que preside o Direito Público Punitivo. Essas peculiaridades do terreno administrativo admitem uma tipicidade proibitiva mais ampla, genérica, tendo por referência o comando legislativo, mas também exigem coberturas normativas que induzam à previsibilidade dos comportamentos proibidos.


Resulta clara a possibilidade de uso de normas em branco, cujos preceitos primários são incompletos, carentes de uma integração normativa, em matéria de Direito Administrativo Sancionador, até por­que tal técnica não constitui novidade nos sistemas punitivos comparados e nacional. (…)


Conceitos ou termos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais serão instrumentos comumente utilizados no Direito Administrativo Sancionador, especialmente nos casos em que há relações de sujeição especial envolvendo agentes públicos, visto que nesses casos há peculiaridades ligadas à necessária tipicidade permissiva da conduta dos agentes públicos. Assim, uma norma proibitiva de comportamento de agente público resulta indissoluvelmente ligada à norma permissiva, vale dizer, ao princípio da legalidade positiva, visto que o agente público somente pode atuar com suporte em comandos legais. Não é raro, portanto, que, em casos como esses, o legislador utilize tipos proibitivos bastante am­plos, genéricos, sem vulnerar a garantia da tipicidade, da lex certa, por­que o Direito Administrativo Sancionador pode apanhar relações de sujeição especial em que se encontrar envolvido um agente público. No terreno disciplinar, tais relações assomam em importância e intensida­de, diante dos valores protegidos pelo Estado e da especialidade intensa das relações” (grifo nosso).[40]


Também pela atipicidade do ilícito disciplinar, a professora Maria Sylvia Zanella DI PIETRO:


No direito administrativo prevalece a atipicidade. São muito poucas as infrações descritas na lei, como ocorre com o abandono de cargo. A maior parte delas fica sujeita à discricionariedade administrativa diante de cada caso concreto; é a autoridade julgadora que vai enquadrar o ilícito como ‘falta grave’, ‘procedimento irregular’, ‘ineficiência no serviço’, ‘incontinência pública’, ou outras infrações previstas de modo indefinido na legislação estatutária. Para esse fim, deve ser levada em consideração a gravidade do ilícito e as consequências para o serviço público” (grifo nosso). [41] 


Como já se alertou outrora, mesmo que se adotasse tal entendimento, não caberia ao administrador se utilizar desse poder-dever a ele atribuído para lançar-se à arbitrariedade e abuso de poder, sob pena de ter seu ato apreciado pelo Poder Judiciário:


Origem: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO


Classe e nº da decisão: Apelação Cível nº 100.1131.417


Nº do processo original e UF: 199901001131417 – DF


Data da decisão: 27/04/00


EMENTA: Administrativo. Sanção disciplinar. Exame judicial. Possibilidade. Advertência. Ausência de indisciplina. Desvio de finalidade.


1. Cabe ao Poder Judiciário apreciar os atos administrativos, para aferir a sua conformidade com a lei, inclusive no que se refere ao mérito administrativo, desde que, sob esse rótulo “se aninhe qualquer ilegalidade resultante de abuso ou desvio de poder” (Hely Lopes Meirelles, 21ª edição, pg. 138).


2. Nulo, portanto, o ato administrativo consubstanciado na penalidade de advertência, se o julgamento não se ateve aos critérios objetivos fixados na Lei nº 8.112/90 (arts. 116, XI e 127 e 129).


3. Inexistência, outrossim, de elementos fáticos que autorizem, no caso, a caracterização de ausência de urbanidade no trato com as pessoas, a possibilitar a pena de advertência nos termos do art. 116, XI, da Lei 8.112/90.


4. Robusta prova testemunhal confirmando a lhaneza da servidora no trato social com seus colegas e superiores hierárquicos” (grifo nosso).


Em homenagem a essa situação de proteção minimizada do servidor, é que alguns doutrinadores vêm defendendo a aproximação da seara administrativa disciplinar da sede penal. Assim, Barros Junior, proclama:


“As modernas legislações oferecem, aliás, aos acusados, suficientes garantias de objetividade, no procedimento para a apuração das faltas disciplinares. A propósito deste aumento de proteção, alude-se à tendência jurisdicionalizante do processo disciplinar, que consistiria, precisamente, na adoção das formas e meios da repressão penal e conseguinte diminuição do poder discricionário das autoridades, nesse assunto (grifo nosso). [42]


O Direito Administrativo Sancionador, no que se refere à previsão da conduta ilícita e das penas cabíveis, possui natureza de direito penal geral, enquanto visa a inibir determinadas condutas nocivas ao desenvolvimento da administração pública.


Ainda, é sabido que algumas penas previstas no Estatuto do Servidor ultrapassam e muito em impacto na vida do cidadão quando comparadas aquelas infrações penais de menor potencial ofensivo, por exemplo.


Some-se a isto o fato de que durante o processo administrativo disciplinar o Estado-administração atua como vítima, parte e Juiz e teremos o servidor acusado em posição de total inferioridade no que se refere a garantias de direito material e processual, comparados com o delinquente penal.


Em que pese à laboriosa doutrina na defesa do princípio da atipicidade disciplinar,[43] vislumbra-se aqui a necessidade premente de avanço na forma de análise da conduta no que podemos chamar de tipo disciplinar.


O tipo disciplinar não autoriza ilação preguiçosa e descuidada no sentido de complementar a indeterminação da conduta para o prejuízo do servidor. O que se deve operar sim é apropriação dessa característica, a fim de respeitar ainda mais as garantias constitucionais do acusado em processos disciplinares.


Se no tipo penal, que por característica principal tem sua especificidade, é necessário ainda percorrer um homérico percurso, ultrapassando as “barreiras” da tipicidade (em todos os seus elementos), da antijuridicidade e da culpabilidade, não pode o julgador administrativo se abstrair de tais análises ao decidir sobre a vida funcional do servidor, muitas vezes até quanto ao seu fim, como no caso de demissão.


O escopo do presente trabalho foi delimitado a abarcar o universo dos servidores públicos civis federais. Assim, as condutas ilícitas nessa esfera estão prevista no Título denominado Regime Disciplinar da Lei nº 8.112/90, contendo descrições normalmente abertas e flexíveis.


Baseado nesse aspecto é que a doutrina comumente sustenta estarem os ilícitos disciplinares afetados pelo princípio da atipicidade. Desprezando outras repercussões da aplicação do princípio em comento, nos concentremos no que se refere ao afastamento da análise dos elementos objetivos, subjetivos e normativos do tipo disciplinar, sob o manto da discricionariedade administrativa.


Entretanto, sopesando os argumentos dos nobres administrativista, não nos resta o convencimento nesse sentido, principalmente nos casos de faltas graves e gravíssimas,[44] pois tal discricionariedade não proporciona uniformidade nas decisões, dificultando a apuração de possível abuso de poder na prática do ato administrativo de julgamento.


Tal situação afronta ao devido processo legal material e ao principio da igualdade, pois dá margem a aplicação de penas distintas para iguais condutas e punições similares para casos distintos.


Adiante Luiz Flávio Gomes leciona a cerca do substantive process of law:


“De nada adianta estabelecer limites formais à atuação estatal, se ela não conta com barreiras no precioso momento da formulação dessas mesmas regras jurídicas, primordialmente as que se destinam a restringir a liberdade das pessoas. Justo ou devido, portanto, deve ser não só o processo, senão também o próprio procedimento de elaboração da lei [ ou de qualquer outro ato normativo] , seja no aspecto formal, seja no substancial (material), porque o legislador não pode transformar em ‘processo devido’ o que é, por natureza, arbitrário, desproporcional, indevido. (…) Toda pessoa tem o direito de reivindicar não somente que qualquer restrição a sua liberdade ou propriedade ocorra rigorosamente consoante os ditames legais (judicial process), senão sobretudo que o legislador observe o valor de justiça também no momento da construção dessas normas [ ou dos seus atos] , de tal modo a impedir-lhe que crie um arbitrário e injusto conjunto normativo (substantive process). (…) O significado essencial do substantive process of law (aspecto material) previsto no art. 5.° da Cf consiste em que todos os atos públicos devem ser regidos pela razoabilidade e proporcionalidade, incluindo-se primordialmente a lei [ ou qualquer outro ato emanado do poder legislativo] , que não pode limitar ou privar o indivíduo dos seus direitos fundamentais sem que haja motivo justo, sem que exista razão substancial” (grifo do autor). [45]


Seguindo na crítica à indeterminação conceitual dos tipos disciplinares, agressora também do princípio da segurança jurídica, nos valemos das lúcidas lições a seguir. Heleno Taveira Tôrres pontua:


“(…) e um direito será definido como ‘seguro’ quando dele possa decorrer previsibilidade, pela certeza, previsibilidade, legalidade, respeito à hierarquia normativa e publicidade, e quando fique garantida a isonomia, a irretroatividade do não favorável, e a interdição da arbitrariedade. Com isso, figuram como inteiramente incompatíveis atuações discricionárias da Administração, bem como o uso de conceitos indeterminados (grifo nosso). [46]


Na mesma senda o insigne Ministro Gilmar Ferreira Mendes:


“O princípio da segurança jurídica, elemento fundamental do Estado de Direito, exige que as normas restritivas sejam dotadas de clareza e precisão, permitindo que o eventual atingido possa identificar a nova situação jurídica e as conseqüências que dela decorrem. Portanto, clareza e determinação significam cognoscibilidade dos propósitos do legislador” (grifo nosso). [47]


Consolidando os apontamentos até aqui delineados, se está a defender, com base nos fundamentos propostos, a limitação da discricionariedade na decisão da autoridade julgadora em sede disciplinar, escondido sob o manto da indeterminação dos tipos disciplinares, sob pena de ferir garantias fundamentais consignadas na Constituição Federal, consubstanciado no devido processo legal material.


“Ementa: (…) O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos” (grifo nosso).[48]


Todavia, com a alteração do quadro só podendo vir com a atuação do legislador ordinário ou com a declaração da inconstitucionalidade dos dispositivos presentes na Lei nº 8.112/90, seguimos na proposição de aproximar doutrinariamente, cada vez mais, o Direito Disciplinar do Direito Penal.


Rogerio Greco pontifica:


“A certeza da proibição somente decorre da lei. O princípio da reserva legal não impõe somente a existência de uma lei anterior ao fato cometido pelo agente, definindo as infrações penais. Obriga, ainda, que no preceito primário do tipo penal incriminador haja uma definição precisa da conduta proibida ou imposta, sendo vedada, portanto, com base em tal princípio, a criação de tipos que contenham conceitos vagos ou imprecisos. A lei deve ser, por isso, taxativa. Exemplo de tais conceitos vagos ou imprecisos seriam encontrados naqueles tipos penais que contivessem em seu preceito primário a seguinte redação: ‘São proibidas quaisquer condutas que atentem contra o interesse da pátria.’ O que isso significa realmente? Quais são essas condutas que atentam contra o interesse da pátria? O agente tem de saber exatamente qual a conduta que está proibido de praticar, não devendo ficar, assim, nas mãos do intérprete, que dependendo do momento político pode, ao seu talante, alargar a sua exegese, de modo a abarcar todas as condutas que sejam de seu exclusivo interesse (nullum crimen nulla poena sine lege certa), como já aconteceu na história do direito penal no período da Alemanha nazista e da Itália fascista” (grifo do autor).[49]


Sandro Lúcio Dezan, adaptando a doutrina de GRECO relacionada ao princípio da legalidade para o Direito Administrativo Disciplinar, propõe a:


“- proibição da retroatividade da lei. (nullum sanctio iuris sine lege praevia);


– proibição de criação de ilícitos administrativos e penas pelos costumes. (nullum sanctio iuris sine lege scripta);


– proibição do emprego da analogia para definir ilícitos administrativos e fundamentar ou agravar penas. (nullum sanctio iuris sine lege stricta);


– proibição de incriminação vagas e indeterminadas. (nullum sanctio iuris sine lege certa).”[50]


Ratificando, assim como no direito penal, os tipos disciplinares vagos e indeterminados não se coadunam com os princípios elencados supra, por ofender aos direitos e garantias fundamentais albergados pela Carta da República.


A fim de concretizar o tema, confrontamos dois tipos disciplinares, ambos ensejadores da pena capital ao servidor (demissão); respectivamente, exemplos do que deveria e do que não deveria ser a tipificação de um ilícito administrativo disciplinar:


a) Art. 132, inciso VII da Lei 8.112/90:


“ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem”.


b) Art. 132, inciso V da Lei 8.112/90:


incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição.


No primeiro caso, presente um verdadeiro tipo-total de injusto, rico em elementos objetivos descritivos (ofensa física, em serviço), normativos (a servidor ou a particular) e excludentes de ilicitude no próprio tipo (salvo em legítima defesa própria ou de outrem).


Para um melhor entendimento, seguem algumas definições da lavra do mestre Guilherme de Souza Nucci,[51] acerca dos elementos do tipo:


a) objetivos descritivos: “são todos aqueles que não dizem respeito à vontade do agente (…), passíveis de reconhecimento por juízos de realidade (sentidos humanos)”.


b) objetivos normativos: “desvendáveis por juízos de valoração (…), distante da mera descrição de algo (…). Juízos de valoração jurídica”.


c) tipo-total de injusto: “é o tipo que congrega, na sua descrição (…) as causas de justificação” (… salvo em legítima defesa própria ou de outrem).


Seguindo na crítica, no segundo exemplo, ocorre total indeterminação dos elementos e consequentemente alargada demasiadamente a margem de discricionariedade ao julgador.


Sujeitar-se a tais tipos disciplinares afronta sobremaneira os princípios constitucionais da segurança jurídica, da igualdade e do devido processo legal substancial, por deixar o cidadão-servidor refém de aspectos alheios ao universo jurídico, tais como a formação e moralidade do julgador, bem como cultura e costume regional.


Em conclusão parcial, filiamo-nos aos argumentos do jurista Romeu Felipe Barcelar Filho, que aceita a aplicação do princípio da tipicidade no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar, pelo que nos permitimos transcrever trecho de festejada obra, in verbis:


Nesse sentido, cabe citar alguns dispositivos da Lei n.° 8.112/90: ‘insubordinação grave ao serviço’ (art. 132, inc. IV), ‘incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição’ (art. 132, inc. V), ‘corrupção’ (art. 132, inc. XI), dever de ‘exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo’ (art. 116, inc. I). Como qualificar escândalo, zelo ou dedicação?


A abertura legislativa está presente não somente na definição da conduta ilícita, mas também na aplicação da sanção, como exemplifica o art. 128 – ‘Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais’; o § 2.° do art. 130 – ‘Quando houver conveniência para o serviço, a penalidade de suspensão poderá ser convertida em multa, na base de 50% (cinqüenta por cento) por dia de vencimento ou remuneração, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço’. Como ponderar os elementos natureza/gravidade/dano/agravantes/atenuantes? Como identificar conveniência ou inconveniência?


A Constituição de 1988 não se compatibiliza com afirmação do tipo ‘no Direito Administrativo Disciplinar admite-se a atipicidade da infração e a ampla discricionariedade na aplicação da sanção, que é renunciável pela Administração, possibilidade inconcebíveis em Direito Penal’. Afinal, o princípio da reserva legal absoluta em matéria penal (5.°, XXXIX, da Constituição Federal) – nullum crimen, mulla poena sine lege – estende-se ao direito administrativo sancionador.


(…) Para Marçal JUSTEN FILHO, a compreensão segundo a qual a competência punitiva é discricionária mostra-se incompatível com o Estado democrático de Direito. Afinal, ‘não se admite, numa democracia, que o Estado receba competência para impor punições àqueles que ‘agirem mal’ ou ‘descumprirem seus deveres’. Essas cláusulas genéricas retratam poderes não delimitados, que põem em risco valores constitucionalmente tutelados.


(…) ‘Na doutrina espanhola, Eduardo GARCIA DE ENTERRÍA e Tomás RAMON FERNANDEZ incluem a tipicidade entre os princípios do direito administrativo sancionatório, a exigir descrição legal de uma conduta específica conectada a um sanção administrativa e a vedar (i) cláusulas gerais ou indeterminadas de infração administrativa e (ii) aplicação analógica de normas definidoras de infrações ou sanções’”(grifo nosso).[52]


2.4 TEORIA DA AÇÃO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR


Tem-se inicialmente como pressuposto que inexiste diferença substancial entre os ilícitos previstos no diversos ramos do ordenamento jurídico, constituindo em categoria jurídica, e não “noção privativa de nenhum ramo do Direito, podendo assumir várias modalidades, conforme o aspecto das ciências jurídicas que, no caso, seja abordado”. [53]


A necessidade de um ponto de partida decorre da divergência dos administrativistas, quanto às teorias aplicáveis na interpretação do operador do direito (autoridade, comissão, corregedorias) no bojo do processo administrativo disciplinar.


Temos tanto os defensores de que o direito administrativo carrega doutrina particular quanto à imputação disciplinar, [54] quanto os que apresentam uma proposta intermediária, trazendo para a seara disciplinar, institutos do direito penal.[55]


A doutrina clássica, influenciada pelo caráter absoluto da sanção, com origem em Hegel e Kant, sustenta que devem estar presentes três elementos para a constatação da imputação disciplinar:


“O juízo pelo qual o magistrado imputa civilmente a um cidadão uma ação de antemão declarada, pela lei politicamente imputável, é, por sua vez, a decorrência de três diferentes juízos. O magistrado encontra naquele indivíduo a causa material do ato, e lhe diz: fizeste – imputação física. Acha que aquele indivíduo praticou tal ato com vontade inteligente, e lhe diz: fizeste voluntariamente – imputação moral. Verifica que aquele fato era proibido pela lei da cidade, e lhe diz: obraste contra a lei – imputação legal. É apenas em consequência dessas três proposições que o magistrado pode declarar o cidadão: Eu te imputo este fato como delito”.[56]


Essa visão defendida por Carrara serviu de base para o desenvolvimento da teoria da imputação de crime no sistema causal, naturalista da ação, e psicológico da culpabilidade, aprimorada por Franz Von Liszt, que inseriu os elementos anímicos: dolo e culpa.


O avanço da Teoria causal da ação foi trazer a imputação pautada na responsabilidade subjetiva (dolo/culpa), seja na teoria tricotômica (conceito de crime), seja na teoria dicotômica (pressuposto de aplicação da pena).


Passando pelo sistema neoclássico de Reinhard Franck (erro de proibição / inexibilidade de conduta diversa), desaguou a teoria da ação no sistema finalista de Hans Welzel, que reordenou os elementos integrantes do conceito de crime.


Esse breve sobrevoo sobre as teorias da ação no direito penal, aplicáveis aos demais ramos do direito nos quais o Estado exercita seu jus puniendi, serve de introdutório para as críticas seguintes ao cenário atual do tema no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar.


Embora muitos doutrinadores administrativistas já não enxerguem diferenças ontológicas entre os ilícitos administrativos e penais, custam ainda a transpor o avanço das teorias penalistas para o universo punitivo estatutário.


Ocorre que já há muito, com a égide da Constituição Cidadã, não mais se deve restringir as garantias presentes naquela carta à esfera penal, mas sim estender a todo Direito sancionador que limite os direitos do cidadão, incluindo-se aqui os servidores na condição de acusado em processos administrativos disciplinares.


Com efeito, insta deferir ao ilícito administrativo disciplinar a decorrência de um fato típico, antijurídico e culpável, a exemplo ilícito no direito penal, aferindo-se a conduta finalística dolosa ou culposa, dentro do fato típico, composto do resultado, do nexo causal e da tipicidade, sendo esta uma descrição fática legal, minuciosa e analítica (nullum sanctio juris sine lege certa), sem embargo das análises da antijuridicidade e da culpabilidade normativa. A culpabilidade deve ser formada pelos seguintes elementos: imputabilidade (regular situação do servidor público, investido no cargo ou na função sob o amparo de uma relação jurídica de direito material estatutária válida), exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude” (grifo nosso).[57]


O direito administrativo disciplinar não deve se prestar a impor a sanção como simples meio de vingança da administração, carecendo a suplantação de visão retrógrada da autoridade julgadora, substituindo por uma postura garantista na análise da conduta do servidor acusado.


Assim, há de se refutar a imputação disciplinar pautada simplesmente na análise da imputação física, moral e legal, sistema pré-causal com análise incipiente e ao acaso dos elementos anímicos de forma implícita quando da análise da voluntariedade (Escola Clássica Italiana), para, com fins garantistas, visar à dignidade da pessoa humana e, com efeito, a certeza e a justiça do Direito, aplicando-se, destarte, teoria finalista do delito, de Welzel, ao ilícito em sede de Administração Pública Disciplinar.


Contudo, nada obsta que se aplique a teoria funcionalista moderada de Claus Roxin, inserindo a imputação objetiva quando da análise do primeiro elemento do conceito analítico de ilícito disciplinar. Essas novas possibilidades que se apresentam com a transposição de teorias desenvolvidas por estudiosos do Direito Penal só veem a ampliar de forma harmônica com a nossa Carta Magna o leque de direitos e garantias fundamentais do agente acusado de prática de ilícito(grifo nosso). [58]


Levantados esses aspectos relacionados à ilicitude administrativa, avancemos à consequência imediata da falta disciplinar: a sanção.


De início convém ressaltar que


“as sanções disciplinares são meios de que dispõe o Estado para manter a boa ordem do serviço e para assegurar a observância dos deveres prescritos, porque a relação de serviço do direito público acarreta, necessariamente, fidelidade e devoção especiais e qualquer contravenção não representa que esse fato isolado tem importância muito maior, porque dele se podem inferir conclusões sobre a existência de sentimentos que estão de acordo com aquela exigência fundamental”.[59]


Conforme a gravidade do fato será aplicada a sanção prevista. Aqui mais uma vez se apresenta a discricionariedade como elemento de ponderação.


O que se defende nessa obra, é a possibilidade de que o dispositivo que traz essa abertura seja aplicado também em momento anterior à aplicação da sanção.


Assim, embora com respaldo doutrinário e jurisprudencial ainda tímido no Brasil, como até aqui exposto, defende-se que já na análise inicial da autoridade, quando faz seu juízo de admissibilidade, seja o art. 128 da Lei nº 8.112/90, enquanto fundamento normativo, interpretado à luz de princípios da insignificância e lesividade; servindo, portanto, como verdadeira porta de entrada legal para a teoria garantista e constitucional do delito na seara disciplinar.


“Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.”


Tal aferição se aproximaria da verificação da tipicidade material do direito penal, onde se levanta aspectos relacionados à lesividade e insignificância da falta já na análise da conduta. Ou seja, No mesmo rumo das mais modernas teorias penalistas, deve a apreciação do desvalor da ação do servidor supostamente irregular ser antecipado para fases anteriores e não apenas quando da aplicação da penalidade.


3. UMA VISÃO GARANTISTA DO ILÍCITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR


O tema Direito Administrativo Disciplinar é por deveras amplo e complexo. Não nos propomos a abarcar todos os aspectos desse tão intrincado braço do Direito Administrativo, senão o suficiente e necessário à complementação dos argumentos colacionados até aqui e que darão guarida aos fundamentos subsequentes.


Como introito, in verbis:


“Direito Administrativo Disciplinar, como ramo do Direito Público, decorre da competência de a administração pública impor modelos de comportamento a seus agentes, com o fim de manter a regularidade, em sua estrutura interna, na execução e prestação dos serviços públicos. Nesse objetivo, o processo administrativo disciplinar é o instrumento legalmente previsto para o exercício controlado deste poder, podendo, ao final, redundar em sanção administrativa. A sanção legalmente prevista funciona para prevenir ostensivamente a ocorrência do ilícito e, acaso configurada, para reprimir a conduta irregular. Ou seja, o objetivo da sede administrativa disciplinar é manter e retomar o regular e eficiente funcionamento da administração pública federal.”[60]


O que se intentará é demonstrar a necessidade de aplicação de, mais que uma visão, uma postura verdadeiramente garantista do Estado-administração diante de suposto ilícito administrativo disciplinar, no âmbito do Serviço Público Federal.


3.1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS


Nos termos do art. 24 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os entes federativos ficaram obrigados a editar lei adequando-se ao novo texto constitucional. Em função disto, pela União, foi editada a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, denominada Estatuto ou Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis Federais.


“Art. 24. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios editarão leis que estabeleçam critérios para a compatibilização de seus quadros de pessoal ao disposto no art. 39 da Constituição e à reforma administrativa dela decorrente, no prazo de dezoito meses, contados da sua promulgação”.


De início há de se reconhecer certa frustração em virtude do desperdício de oportunidade de adequação do regime disciplinar dos servidores aos preceitos recém-estabelecidos na novel Constituição Cidadã.


Infelizmente, ao menos em matéria disciplinar não houve avanços com relação ao Estatuto dos Funcionários (Lei nº 1.711, de 28/10/52), o qual também reproduzia dispositivos de norma editada ainda durante o regime do Estado Novo (Decreto-Lei nº 1.713, de 28/10/39).


Tal situação já aponta preliminarmente que, ultrapassado no tempo, não poderia estar imune às críticas que receberá no presente trabalho. Sob o cochilo do legislador e vacilante jurisprudência é que ainda mais necessário se faz um papel de vanguarda da doutrina para corrigir tais desvios da norma com a realidade atual.


Da mesma forma que em outras sedes, o Direito Administrativo Disciplinar é composto de parte material e processual. O componente substancial é regulado pelo Título IV (Regime Disciplinar), arts. 116 a 142; e o instrumental encontra-se, precipuamente, no Título V (Processo Administrativo Disciplinar) arts. 143 a 182, tudo da Lei nº 8.112/90.


Enquanto no regime disciplinar encontra-se consubstanciado questões como o rol de infrações e penalidades aplicáveis, competência e prazos prescricionais; o processo define o rito, ou seja, proclama o procedimento com o encadeamento dos atos previstos, os quais podem se dar sob três diferentes ritos:


a) processo administrativo disciplinar stricto sensu (rito ordinário);


b) processo administrativo disciplinar stricto sensu (rito sumário); e


c) sindicância contraditória.


Essas duas faces (regime e processo) somam-se para compor o meio que o Estado-administração dispõe para exercer seu jus puniendi, reprimindo, mas também prevenindo as infrações capazes de abalar o regular desenvolvimento do serviço público.


“O Estado, fazendo conhecer com caráter absolutamente legal e moral esta punição, adequada para a natureza da infração, ele, implicitamente, está fazendo também conhecer que possui inquestionavelmente a sua pretensão punitiva, e esta atua como que indiretamente numa verdadeira coação subjetiva de caráter genérico, quer para o agente potencial da infração estatutária, quer para o servidor público que, in concreto, cometeu um ilícito administrativo.”[61]


3.1.1. Poder Disciplinar e Discricionariedade


Segundo Themístocles Cavalcanti, a “teoria do poder discricionário constitui um dos pontos essenciais da teoria e prática do poder disciplinar”. [62]


Admitida a discricionariedade como um dos elementos presentes no poder disciplinar, reforça-se a defesa de que deixar a matéria disciplinar sujeita à discricionariedade desmedida do Estado é abrir espaço para o abuso e o excesso de poder. Assim,


“convém insistir que o Estado tem a obrigação legal de exercer a sua força coercitiva para manter a disciplina no seu corpo diretivo em toda sua atividade funcional, porém insistimos, dentro desta obrigatoriedade legal, jamais poderá haver um laivo sequer de arbitrariedade pessoal ou diluída, porque, então, ela constituiria, inegavelmente, flagrante lesão de direito. É tão grande e tão importante esta obrigatoriedade do Estado em exercer o seu poder discricionário, que ela própria como que justifica e explica a existência concisa e concreta do direito administrativo disciplinar.”[63]


No mesmo diapasão Celso Antônio Bandeira de Melo:


“Demais, a discricionariedade é pura e simplesmente o furto da finitude, isto é, da limitação da mente humana. A inteligência dos homens falece o poder de identificar sempre em toda e qualquer situação, de maneira segura, objetiva e inobjetável, a medida idônea para preencher de modo ótimo o escopo legal. Logo, nos casos em que, em juízo equilibrado, sereno, procedido, segundo os padrões de razoabilidade, seja confiável que dada providência seguramente é a melhor ou que seguramente não o é, ter-se-á de reconhecer inexistência de discricionariedade na opção que houver discrepado de tal juízo.”[64]


Assim, consumada a discricionariedade como inserta na essência do poder disciplinar, necessário se faz ainda mais a aplicação de uma concepção garantista do ilícito disciplinar, como forma de restrição a esta discricionariedade e potencialização das garantias fundamentais previstas no texto constitucional.


Felizmente, os tribunais superiores já denotam uma visão restritiva do aspecto discricionário no jus puniendi disciplinar, como que prevendo a necessidade de vigilância sobre os atos administrativos nessa seara:


Origem: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Órgão julgador: Quinta Turma


Classe e nº da decisão: Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 19.741


Nº do processo original e UF: 200500447835 – MT


Data da decisão: 11/03/08


EMENTA: I – “Tendo em vista o regime jurídico disciplinar, especialmente os princípios da dignidade da pessoa humana, culpabilidade e proporcionalidade, inexiste aspecto discricionário (juízo de conveniência e oportunidade) no ato administrativo que impõe sanção disciplinar.”


II – “Inexistindo discricionariedade no ato disciplinar, o controle jurisdicional é amplo e não se limita a aspectos formais. […]” (MS 12983/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 12.12.2007, DJ 15.02.2008).


No mesmo diapasão:


Origem: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO


Órgão julgador: Sétima Turma Especializada


Classe e nº da decisão: Apelação Cível nº 361.011


Nº do processo original e UF: 200051010006367 – RJ


Data da decisão: 02/07/08


EMENTA: Constitucional. Administrativo. Servidor público civil federal ativo estável. Processo administrativo disciplinar. Preponderância da vinculação sobre a discricionariedade. Possibilidade de controle judicial. Prática de conduta tipificada como infração administrativa disciplinar. Realização de demissão. Direção da produção de provas dentro dos lindes da legalidade e conforme os nortes da razoabilidade.


I. Como no PAD – processo administrativo disciplinar prepondera a absoluta vinculação sobre a relativa discricionariedade, é possível a realização de controle judicial daquele, tanto sobre a legalidade administrativa quanto, em certa medida, sobre o mérito administrativo, em favor da observância dos princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, da motivação e da razoabilidade.”


3.2 NO REGIME DISCIPLINAR


Debrucemo-nos agora sobre questões relacionadas à parte material do Direito Administrativo Disciplinar, agregando-as nesta seção sob o título (Uma Visão Garantista do Ilícito Administrativo) no Regime Disciplinar.


3.2.1. Ilícito Administrativo


Dos diversos ilícitos que estão passíveis de cometerem os servidores públicos federais, nos ocuparemos mais detidamente nesta seção do ilícito administrativo. Antes, porém, alguns apontamentos sobre os ilícitos civil e penal.


“(…) ilícito é o comportamento contrário àquele estabelecido pela norma jurídica, que é pressuposto da sanção. É a conduta contrária à devida. É o antijurídico. Neste sentido, ilicitude e antijuridicidade são sinônimos e confundem-se num mesmo conceito, de unívoco conteúdo”.[65]


“Lei nº 8.112, de 11/12/90 – Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.”


No Código Civil, o ilícito possui definição genérica: “CC – Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Acarreta para o servidor o dever de indenizar, não tendo, portanto caráter punitivo.


O ilícito penal é a conduta descrita no Código Penal (e leis especiais), acarretando responsabilização pessoal do agente, com índole punitiva apurável em ritos previstos no Código de Processo Penal.


O ilícito administrativo-disciplinar por sua vez é a conduta contrária aos dispositivos estatutários praticados como atos funcionais pelo servidor.


O Estatuto, como já foi visto, fixou os deveres gerais dos servidores públicos e as proibições, cujo descumprimento constitui ilícito administrativo e, como tal, passível de aplicação, na forma da lei, de medidas disciplinares.


O ilícito administrativo, em suas origens, verifica-se pela perturbação do bom funcionamento da administração, em virtude do descumprimento de normas especialmente previstas no elenco de deveres, proibições e demais regras que integram o Regime Jurídico (…) do Servidor Público Civil da União.


Caracteriza-se, pois, pela ofensa a um bem jurídico relevante para o Estado, que é o funcionamento normal, regular e ininterrupto das atividades de prestação de serviços públicos. No ilícito administrativo, agride-se o funcionamento interno do Estado.


Assim é que o regime disciplinar prevê um elenco de hipóteses configuradoras de faltas administrativas de conceituação genérica concebidas, propositadamente, em termos amplos para abranger a um maior número de casos. Daí dizer-se que a infração disciplinar pode ser atípica para uns, de tipicidade aberta para outros, mas, para ambas as posições, de comprovado e bem caracterizado prejuízo ao interesse público” (grifo nosso).[66]


Da combinação das espécies vistas, pode-se concluir pela existência da seguinte classificação de ilícitos administrativos:


a) Ilícito administrativo puro: afeta somente a administração;


b) Ilícito administrativo-civil: conduta contrária a dispositivo estatutário e causadora de prejuízo ao erário ou a terceiro;


c) Ilícito administrativo-penal: afeta não apenas a administração, mas a sociedade como um todo; e


d) Ilícito administrativo-penal-civil: além de afetar a administração e a sociedade, causa prejuízo ao erário ou a terceiro.


Os ilícitos administrativos englobam o descumprimento dos deveres do art., 116, das proibições do art. 117 e as condutas previstas no art. 132, todos da Lei nº 8.112/90:


Art. 116. São deveres do servidor:
I – exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
II – ser leal às instituições a que servir;
III – observar as normas legais e regulamentares;
IV – cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;
V – atender com presteza:
a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo;
b) à expedição de certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal;
c) às requisições para a defesa da Fazenda Pública.
VI – levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo;
VII – zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público;
VIII – guardar sigilo sobre assunto da repartição;
IX – manter conduta compatível com a moralidade administrativa;
X – ser assíduo e pontual ao serviço;
XI – tratar com urbanidade as pessoas;
XII – representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.
Parágrafo único. A representação de que trata o inciso XII será encaminhada pela via hierárquica e apreciada pela autoridade superior àquela contra a qual é formulada, assegurando-se ao representando ampla defesa.
Art. 117. Ao servidor é proibido:
I – ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato;
II – retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição;
III – recusar fé a documentos públicos;
IV – opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço;
V – promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição;
VI – cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado;
VII – coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação profissional ou sindical, ou a partido político;
VIII – manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil;
IX – valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;
X – participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;
XI – atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro;
XII – receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições;
XIII – aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro;
XIV – praticar usura sob qualquer de suas formas;
XV – proceder de forma desidiosa;
XVI – utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares;
XVII – cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias;
XVIII – exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho;
XIX – recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado.
Parágrafo único. A vedação de que trata o inciso X do caput deste artigo não se aplica nos seguintes casos:
I – participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros; e
II – gozo de licença para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91 desta Lei, observada a legislação sobre conflito de interesses.
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I – crime contra a administração pública;
II – abandono de cargo;
III – inassiduidade habitual;
IV – improbidade administrativa;
V – incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI – insubordinação grave em serviço;
VII – ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;
VIII – aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX – revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X – lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI – corrupção;
XII – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII – transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117 .   


3.2.2. Ilicitude Material


Como já pontuado, o Direito Administrativo Disciplinar cuida desde condutas que ensejam concomitância aos crimes, afrontosas à normalidade da administração até as de ínfimo grau, fronteiriças com atitudes irrelevantes.


É sobre a delimitação dessa fronteira que vem o conceito de ilicitude material nos auxiliar a enxergar os marcos demarcatórios que devem afastar da repercussão disciplinar hipóteses sem ou quase nenhuma lesividade.


Por sua proximidade com a sede penal, não se pode olvidar aqui também da cautela necessária pautada no princípio da intervenção mínima, sem menosprezar ainda princípios como o da eficiência, razoabilidade e proporcionalidade, todos positivados no ordenamento pátrio, inclusive constitucionalmente (art. 37 da CF e caput do art. 2º da Lei nº 9.784/99).


Não pode o operador do direito disciplinar lançar mão da sede correicional de forma desarrazoada e antieficiente, escorado apenas na ilicitude formal da conduta.


Superada essa indispensável etapa, necessário ainda avaliar a caracterização da ilicitude material, que ocorre quando da lesão efetiva ao bem jurídico tutelado pela norma.


A tipificação do ato ilícito, na esfera do Direito Administrativo Sancionatório, passa por um dúplice estágio: formal e material. (…)


A tipificação formal é apenas um primeiro passo no enquadramento da conduta do agente, fruto, via de regra, de uma leitura preliminar do texto legal, na perspectiva de incidência da norma. Necessário, ainda, verificar a adequação material de sua conduta à norma proibitiva, o que pressupõe valorações mais profundas, exame de particularidades comportamentais, circunstâncias concretas, causas e motivações específicas e relevantes do agir humano, fatores sociais complexos e influentes no resultado, enfim, um conjunto interminável de circunstâncias. Logo, a tipicidade formal é uma espécie de estágio preliminar no raciocínio jurídico da decisão, não o estágio definitivo.


O efetivo impacto da conduta formalmente típica no bem jurídico tutelado pela norma repressiva é pressuposto da adequação típica material. Trata-se de um processo que exige complexas valorações, notadamente do julgador, mas também da autoridade administrativa. (…). Descreve-se a conduta proibida com suporte em um juízo abstrato, valorativo de pautas comportamentais básicas, levando em conta padrões de conduta abstratos. Sem embargo, a ocorrência efetiva da conduta no mundo real torna imperioso o exame das particularidades do caso concreto, daí emergindo a possibilidade de uma real conduta que não ofenda, de fato, o bem juridicamente protegido.[67]


Cerne da questão, a todo instante defendida no presente trabalho, estando o Direito Administrativo Disciplinar ainda carente de normas claras, jurisprudência e doutrina robusta, não se pode desprezar a contribuição que pode ser obtida junto aos sedimentados princípios e institutos do Direito Penal.


Dessa outra seara punitiva do Direito público emprestamos os ensinamentos do insigne Francisco de Assis Toledo:


Para que a conduta humana seja considerada crime, é necessário que dela se possa, inicialmente, afirmar a tipicidade, isto é, que tal conduta se ajusta a um tipo legal de crime (…). Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida real; de outro, o tipo legal de crime, constante da lei penal. A tipicidade formal consiste na correspondência que possa existir entre a primeira e a segunda.


(…) se considerarmos o tipo não como simples modelo orientador ou diretivo, mas como portador de sentido, ou seja, como expressão de danosidade social e de periculosidade social da conduta descrita, ampliar-se-á consideravelmente esse poder de decisão a nível de juízo de atipicidade. (…) se o fenômeno da subsunção (= sotaposição de uma conduta real a um tipo legal) estiver subordinado a uma concepção material do tipo, não bastará, para afirmação da tipicidade, a mera possibilidade de justaposição, ou de coincidência formal, entre o comportamento da vida real e o tipo legal.


Será preciso algo mais (…). Modernamente, porém, procura-se atribuir ao tipo, além desse sentido formal, um sentido material. Assim, a conduta, para ser crime, precisa ser típica, precisa ajustar-se formalmente a um tipo legal de delito (‘nullum crimen sine lege’). Não obstante, não se pode falar ainda em tipicidade, sem que a conduta seja, a um só tempo, materialmente lesiva aos bens jurídicos, ou ética ou socialmente reprovável.[68]


Decerto já se podem enxergar alguns exemplos no seio da administração de tal abordagem. Vejamos um exemplo extraído de Despacho da Consultoria-Geral da União:


Observo, inicialmente, que a reafirmação do entendimento contido em diversas manifestações desta Advocacia-Geral da União, no sentido da obrigatoriedade da aplicação da pena de expulsão quando configurada infração disciplinar prevista no art. 132 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, vale como regra geral.


Ocorre, entretanto, que, na linha do despacho do Consultor-Geral da União, na apreciação da Nota nº AGU/WM-24/2003, de 16 de junho de 2003, relativa ao processo nº (…), já aprovado por Vossa Excelência, não se exclui a possibilidade de, ‘quando for o caso, em face de infrações menores, de potencial insignificante, afasta-se a aplicação da penalidade em razão de atipia, como a concebem os tribunais no campo penal’. Em resumo, faltando objetiva relevância jurídico-administrativa, a conduta, mesmo irregular, pode ser considerada insuficiente para aplicar-se a penalidade.[69]


3.2.3. Erro Administrativo Escusável


A autoridade administrativa e as comissões disciplinares não podem perder de vista como pressuposto fático indissociável, também no labor administrativo, a falibilidade humana.


Ensejando erros de fato ou erros de direito, várias podem ser as causas colhidas na experiência do dia-a-dia das repartições: desatenção, precipitação, pressa, cansaço, falta de concentração, atividades repetitivas, etc.


Às vezes a simples iniciativa no desempenho de tarefas novas já podem acarretar erros não pretendidos, pois só não erra quem nada faz.


“(…) Não é porque se trate [a Administração] de um ambiente profissional, onde haja deveres de informação, mais acentuados, que se desprezará o espaço aos erros razoáveis, dentro dos parâmetros técnicos reconhecidamente aplicáveis ao setor especializado. Afinal, os profissionais também erram, e de modo escusável, mesmo os maiores especialistas.”[70]


A falha escusável não pode ser inibida pela punição disciplinar, pois inerente à condição humana, sendo assim, não estará o jus puniendi cumprindo seu papel precípuo de prevenção de novas práticas.


O erro administrativo escusável pode ser definido como uma conduta em desconformidade com a norma, cuja repressão disciplinar não se mostre condizente com o principio da razoabilidade.


Seriam três os requisitos cumulativos para que sobreviesse o erro administrativo escusável. São eles: [71]


a) atitude culposa;


b) eventualidade; e


c) ofensividade mínima


Por óbvio que carece também o reconhecimento do erro e sua reparação por parte do servidor, sob pena de não se validar tal entendimento para o caso.


Na analogia com o Direito Penal, enquanto o principio da insignificância e a consequente atipicidade material se apresentam como excludentes da tipicidade, no erro administrativo escusável se opera a exclusão da culpabilidade.


Portanto, tal leitura favorece e reforça a uma sistemática de aplicação garantista da norma estatutária, ao apresentar ao operador do direito na seara disciplinar, mais uma oportunidade (ou uma barreira a depender do ponto de vista) de preservação das garantias do servidor acusado em processos administrativos disciplinares.


3.2.4. Impossibilidade de Responsabilização Objetiva


Para a imposição de penalidade administrativa, requer-se a comprovação de que a conduta do servidor se deu de forma dolosa ou culposa. Não havendo provas nesse sentido, não se pode pleitear responsabilização.


“Lei nº 8.112, de 11/12/90 – Art. 124. A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função” (grifo nosso).


Não é suficiente, por exemplo, a ocorrência pura e simples do extravio de um patrimônio para que se vislumbre responsabilização do servidor detentor, sendo crucial explicitar qual conduta dolosa ou culposa, omissiva ou comissiva, deu causa ou contribuiu para o sinistro.


“Ao vedar responsabilidade objetiva para mero ressarcimento dos cofres públicos, a Carta Política também veda, implicitamente, responsabilidade objetiva no Direito Punitivo. Ao consagrar necessária responsabilidade subjetiva para o Direito das responsabilidades derivadas de ações ou omissões de agentes públicos, o constituinte sinaliza tendência à responsabilidade por culpabilidade no Direito Sancionador (grifo nosso).[72]


É necessário enfatizar que o direito, dentro da nova ordem constitucional, (…) não se compraz com a responsabilização e punição sem culpa, aferida objetivamente. (…)


Assim, diante do atual quadro normativo vigente, entendemos imprescindível a culpa, ‘lato sensu’, como elemento necessário para a caracterização da infração administrativa” (grifo nosso).[73]


É, portanto necessário, além da comprovação do fato e sua relação causal com a conduta do servidor, que se comprove ainda que tal conduta ensejou ânimo no mínimo culposo.


Dito de outra forma, a responsabilização de índole punitiva tem natureza subjetiva, não objetiva, carecendo que se comprove que o fato ocorreu em virtude de imperícia, negligência, imprudência ou que a conduta se deu com consciência e intenção pelo acusado.


Felizmente, nossos tribunais superiores vêm reafirmando seus posicionamentos a cerca da necessidade da análise de elementos subjetivos na conduta do acusado em processo administrativo disciplinar, em respeito a princípios constitucionais regentes do Direito Sancionador de forma geral.


ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. INFRAÇÃO FUNCIONAL. CONDUTA CULPOSA. DEMISSÃO (LEI Nº 8.112/90, ART. 132, VII). ILEGALIDADE. DISSENSO ENTRE A PENA SUGERIDA E A PENA IMPOSTA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.


– Em sede de processo administrativo instaurado para apurar infração funcional consubstanciada em conduta de natureza culposa, é inaplicável a regra do art. 132, VII, do Estatuto (Lei nº 8.112/90), sendo descabida a pena de demissão.


– Segundo a regra do art. 168, do Estatuto, somente é cabível a discrepância entre a penalidade sugerida pela Comissão de Inquérito e a imposta pela autoridade julgadora quando contrária à prova dos autos, demonstrada em decisão fundamentada.


– Segurança concedida.


Os verbetes e ementas acima transcritos corroboram o preceituado pelo professor Sebastião JOSÉ LESSA, ao ensinar que “o direito disciplinar, como já dito, não é infenso à analogia penal, ainda mais quando se cogita de pena de natureza grave, conforme se vê do entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, manifestado no RE78.917 (RTJ 71/284): ‘O direito disciplinar não é infenso à analogia penal, ao que ensina Themístocles B. Cavalcanti nos casos das penas puramente administrativas, os mesmos princípios podem também ser aplicados por analogia (Direito e Processo Disciplinar, p. 179)’. Então vigoram no âmbito administrativo os mesmos princípios observados na esfera processual penal.” (grifo nosso). [74]


Em suma, a responsabilização decorrente de ato funcional, requer a comprovação de ânimo subjetivo do agente, quer seja por culpa, quer seja por dolo. Comprovação e não presunção, pois no processo administrativo disciplinar, assim como nos demais, o que pode e deve ser presumível é a inocência do servidor.


3.2.5. Atos da Vida Privada


Grave risco corre o servidor caso se opere uma leitura equivocada da norma constante do art. 148, in fine, da Lei nº 8.112/90, por poder gerar uma zona cinzenta na sua interpretação.


“Art. 148 O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido” (grifo nosso).


Analisemos o que alguns doutrinadores explanam sobre a (im)possibilidade da extensão do regime disciplinar para atos da vida privada do servidor. Renomada doutrina aponta no sentido de que apenas os atos praticados pelo agente na condição de servidor são alcançados pelo direito disciplinar:


“Poder disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração (…)


O poder disciplinar é exercido como faculdade punitiva interna da Administração e, por isso mesmo, só abrange as infrações relacionadas com o serviço (…)” [75]


“(…) a má conduta na vida privada, para caracterizar-se como ilícito administrativo, tem que ter, direta ou indiretamente, algum reflexo sobre a vida funcional, sob pena de tudo, indiscriminadamente, poder ser considerado ‘procedimento irregular’ (…)” [76]


Embora bastante escassa doutrina específica de Direito Administrativo Disciplinar, segue ainda alguns autores que trataram o tema abordado no citado final do art. 148 da Lei nº 8.112/90.


Também favoráveis ao alcance restrito do dispositivo apenas para os atos funcionais:


“Outro exemplo ocorrerá quando a representação informa que a servidora fulana de tal está se prostituindo nos fins de semana. Ora, a prostituição no Brasil não é crime, crime é explorar a prostituição alheia. Mas mesmo que fosse um crime, ele não teria relação com o exercício do cargo nem estaria sendo cometido no horário de expediente. Assim, num exame perfunctório de tal denúncia, a autoridade já poderia arquivá-la ao fundamento de que o fato denunciado não constitui ilícito disciplinar” (grifo nosso). [77]


“A responsabilidade que interessa ao Direito Administrativo Disciplinar é aquela que se refere à coisa pública, e a fenomenologia da sua configuração está diretamente ligada aos meios de prova permitidos em lei.”[78]


“(…) a responsabilidade do servidor só pode ser cobrada como resultante de ação ou omissão, praticados no desempenho de seu cargo. Afinal, sua vida privada não pode ser invadida pela Administração Pública. (…) os atos da vida privada dizem respeito somente a ele (grifo nosso). [79]


Em sentido oposto, alguns autores intentam alargar esse espectro de abrangência para abarcar o servidor também em sua conduta particular:


“O artigo 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90 estabelece que tanto as irregularidades praticadas, pelo servidor, no exercício das atribuições específicas do seu cargo, quanto aquelas não específicas, mas apenas indiretamente com elas relacionadas, ensejam formação e condução de processo disciplinar. Natural que assim seja, porque irregularidades o servidor pode praticar não só no exercício próprio de seu cargo, como também desempenhando funções apenas eventualmente relacionadas com aquelas.”[80]


Não obstante, o bom conceito que deve gozar a coisa pública perante a coletividade dos administrados é tão importante e essencial que se requer do funcionário não apenas uma conduta normal dentro da repartição em que serve. Exige-se, também, procedimento privado regular, pois que este, uma vez não sendo recomendável, poderá pôr em descrédito a moralidade e a seriedade do serviço que é realizado pelo órgão em que é lotado esse elemento inescrupuloso e ímprobo.


Em sentido material, pode-se definir transgressão disciplinar como proceder anômalo, interno ou externo, do agente público que, além de pôr em descrédito a administração, redunda em detrimento da regularidade do serviço público.


Escudando-se nestas noções, podem-se, desde logo, dividir as transgressões disciplinares em internas e externas. As internas infringem deveres profissionais; enquanto que as externas referem-se a comportamentos da vida particular do funcionário. São cometidas fora do exercício da função.


Ressalte-se que os conceitos ‘interna’ e ‘externa’ não pretendem rigorosamente expressar que seja a conduta exercida dentro ou fora da repartição, respectivamente. E, sim, traduzem que as primeiras (internas) são realizadas, dentro ou fora, em razão do exercício da função pública. Já as segundas, são exteriorizadas em atividade meramente particular, sem nada a ver com a atividade funcional. A não ser porque repercutem negativamente em seu detrimento” (grifo nosso). [81]


Procedimento correto na vida pública e privada. O desempenho da função pública deve ser, por princípio, confiável e respeitável, impondo-se ao servidor zelar, a todo o tempo, para que esse princípio seja efetivamente uma verdade.


Esse cuidado deve começar obviamente por si próprio, seja no exercício de suas atribuições públicas, seja no procedimento cotidiano, em sua vida privada, mas sem desrespeitar-se, é claro, a liberdade e a privacidade de cada um, na aplicação desta determinação” (grifo nosso). [82]


Apesar de ter tentado dar à outra visão a possibilidade do convencimento racional, ao sopesar os argumentos, não pôde ser outra a conclusão deste graduando senão a de rechaçar peremptoriamente qualquer invasão do Estado-Administração nos atos da vida cotidiana e pessoal do servidor.


Assim no seguinte julgado:


“TRF da 1ª Região, Apelação em Mandado de Segurança nº 1999.01.00.061930-0: “Ementa: 1. O art. 143 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, prevê: ‘A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa’. Assim, o fato gerador para abertura de sindicância ou processo administrativo é a ciência de irregularidade no serviço público, não se estendendo a fatos da vida privada, ocorridos em uma partida de futebol, sem qualquer relação ou repercussão no exercício da função pública. 2. Na hipótese dos autos, a sindicância foi desvirtuada de sua natural finalidade, para punir servidor público que não cometeu nenhuma irregularidade no exercício de suas funções. Instauração de sindicância nula” (grifo nosso).


Já se poderia prenunciar pelo posicionamento até aqui colocado, frente aos mais diversos temas, que esta seria nossa postura. Tal entendimento, mesmo que minoritário, não pode ser bem vindo à doutrina administrativista disciplinar, por ferir sorrateiramente a intimidade do cidadão-servidor, caracterizando uma intromissão descabida do Estado.


“Na honestidade profissional, ao contrário, homens com vícios morais podem encaixar-se tranqüilamente, desde que observem as regras de bom exercício de suas atividades funcionais. (…)


Os agentes públicos gozam de direitos fundamentais, entre os quais está, é óbvio, o direito à intimidade, à privacidade, ao desenvolvimento livre de seus privados estilos de vida e personalidades. Em todo caso, os agentes públicos têm, sem lugar a dúvidas, espaços privados nos quais podem praticar atos imorais, desde que esses atos não transcendam os estreitos limites da ética privada, não afetem bens jurídicos de terceiros. Os direitos humanos, fundamentais, do homem e do cidadão, protegem o indivíduo contra atuações abusivas, ilícitas, desnecessárias, do Estado” (grifo nosso). [83]


3.2.6. Infração Moral


Do interesse do presente trabalho por emanar ainda certa dose de cerceamento desse aspecto, que em principio seria alheio ao direito, analisemos a questão da moral na seara administrativa disciplinar.


Certamente podemos encontrar correlação da temática, de forma mais abrangente, com o principio da moralidade, de assento constitucional, e, especificamente, no dever funcional insculpido no art. 116, IX da Lei nº 8.112/90: “manter conduta compatível com a moralidade administrativa”.


Um pouco extensa, mas extremamente elucidativa quanto à afetação de direitos fundamentais pela pretensão punitiva do estado relacionada à moralidade, segue lições no ministério de Fábio Medina Osório:


Desde logo, cabe aduzir que existem limites materiais de tipificação dos comportamentos, construindo-se os tipos na base dos valores e princípios constitucionais, das liberdades públicas e dos direitos fundamentais da pessoa humana. É na exemplificação dos processos tipificatórios que pretendo abordar o problema das chamadas ‘infrações morais’, categorias tão presentes em ordenamentos jurídico-administrativos, estatutos disciplinares e legislação extravagante. É um tema atual, portanto. Mais ainda, é um tema relevante, porque envolve a produção de um raciocínio jurídico lastreado na defesa de direitos fundamentais, que não podem ser afetados indevidamente pela pretensão punitiva do Estado, ainda que esta venha veiculada em esferas de relações de especial sujeição entre o Poder Público e o infrator. (…)


Se para o Direito Penal essas considerações parecem pertinentes, creio que também ao Direito Administrativo, em sua medida, se revelam adequadas as mesmas cautelas. O Direito Administrativo não pode qualificar de ilícita uma conduta tão-somente porque se revele eventualmente atentatória ao juízo de moralidade comum, porque tal perspectiva abriria um vasto campo de insegurança jurídica, desmoronando o pilar de legalidade que sustenta o Estado de Direito. Não creio que isso seja possível. (…)


Nesse contexto, sabe-se que a moralidade protegida pelo Direito insere-se no campo da Ética pública, diferenciando-se da ‘Ética privada’. (…). O Direito é o campo por excelência da Ética pública. Por tal motivo, as normas jurídicas não devem adentrar o campo privado dos comportamentos imorais, eis um outro pilar da autonomia destas instâncias de controle. Preceitos morais, no entanto, tratando de condutas privadas de pessoas, incorporados ao Direito numa perspectiva de Ética pública, não constituem uma raridade jurídica. Pelo contrário, no setor público são comuns as iniciativas de normatização de comportamentos imorais situáveis ordinariamente na esfera privada dos indivíduos.


(…) parece importante insistir na idéia de que a moralidade pública exige pautas bem mais objetivadas de condutas, não podendo ingressar na esfera mais subjetiva da autonomia volitiva inerente ao campo da moralidade crítica. Insisto que o problema não reside tanto na tentativa de apartar, definitivamente, Direito e Moral, até porque ninguém duvida de que seja saudável a aproximação correta dos dois fenômenos. Ninguém advogaria pela existência de normas jurídicas ‘imorais’ ou mesmo ‘amorais’, dada a natureza ética do fenômeno jurídico. O que ocorre é a notória dificuldade na identificação de limites da moralidade, que não podem ser invadidos pelo Direito, eis o ponto crucial da polêmica relação entre Direito e Moral. No campo sancionatório, essa separação (dos limites ou fronteiras) resulta fundamental para a proteção das liberdades individuais e dos direitos fundamentais da pessoa humana, visto que uma infração pode, em tese, utilizar elementos tão indeterminados e genéricos que, na prática, eventualmente suscitam dúvidas e incertezas, cabendo ao intérprete (operadores jurídicos) a tarefa de delimitar claramente o âmbito de incidência da norma.


(…) A moralidade do ato administrativo resta atrelada a uma moral da instituição, o que a diferencia da moralidade comum. Parece pouco dizer isso, lugar-comum na doutrina? É verdade que não se trata de uma advertência nova, até porque remonta ao início do século XX, com Maurice Hauriou, mas não deixa de ser importante, porque nos remete à idéia correta de que a tutela jurídica da moral, nas mais variadas dimensões, não equivale a absorver essa mesma moralidade pelo Direito, menos ainda esgotá-la. O universo jurídico tem a prerrogativa de selecionar temas ou problemas morais, emprestando seu próprio enfoque, seu olhar concentrado e especializante. E pode valer-se da terminologia ‘moralidade’ para designar espaços jurídicos funcionalmente abertos ao controle ético, mais maleáveis e adaptáveis aos casos de transgressões, cujo alcance se ambiciona. A moralidade institucional, nessa perspectiva, é uma moral fechada, com um conteúdo bastante específico, podendo revestir-se de juridicidade específica do Direito Administrativo. É extremamente complicado estabelecer um parâmetro adequado ou universal ao juízo de moralidade comum, donde incabível confundir, de forma direta, moral comum e moral administra­tiva ou pública, em que pese a possibilidade de convergência em muitos casos. É induvidoso que as instâncias se relacionam, tanto que encontram valores convergentes para efeito de proteção, daí porque muitos ilícitos jurídicos configuram graves atentados às normas morais vigentes. As relações entre moralidade aberta, fechada, institucional, administrativa e outras categorias jurídicas não escapam às zonas de penumbra, mas, nem por isso deixam de adentrar numerosos campos de inequívoca significação. Essa pode ser considerada a visão padrão de um pensamento dominante no cenário nacional.


Em realidade, necessário efetuar distinção entre Moral e Direito no mínimo a partir da interioridade e exterioridade, deixando-se um âmbito próprio à personalidade do indivíduo, que fica livre da ingerência do Estado. Pelo menos a consciência individual ficaria completamente fora do poder do Estado, aí residindo uma importância fundamental de separar Direito e Moral.


Ademais, outorgar ao princípio jurídico da moralidade administrativa ou aos tipos sancionadores de condutas eticamente reprováveis um sentido tão amplo a ponto de abarcar todo e qualquer ato imoral dos agentes públicos, com a devida vênia de entendimento diverso, equivaleria a liquidar com o Estado Democrático de Direito e seu pilar de legalidade. Se o administrador ou agente público somente pode agir fundado em lei, a mera inobservância de um preceito moral não poderia acarretar-lhe sanções. Anote-se, nesse terreno movediço, que o próprio administrado ficaria exposto a ações administrativas amparadas na moralidade e não na juridicidade, se acaso resultasse admitida a confusão progressiva entre as instâncias. (…)


Claro que não se quer o divórcio absoluto de Direito e Moral, como se apenas o que não é moral pudesse ser juridicizado. Seria uma perspectiva absurda de análise. O que se quer, e nisso se deve insistir, é a garantia de que o foro íntimo do indivíduo não seja punido, compreendendo-se esse foro íntimo a partir de seus desdobramentos em diversos estilos de vida.[84]


Tão identificado com as ideias acima – motivo pelo qual nos delongamos – nos resta ratificar seu inteiro teor, acrescentando apenas que o princípio da moralidade, encartado no art. 37 da Constituição Federal guarda relação, a nosso ver, mais com as condutas enquadráveis em improbidade administrativa, enquanto imoralidade qualificada. nos termos da Lei nº 8.429/92, do que com a vaga norma estatutária.


Por conseguinte, consideramos temerário o comando presente no inciso IX do art. 116 da Lei nº 8.112/90, por sua generalidade e imprecisão, pois pode dar margem à má interpretação da “moralidade administrativa”, situando-a mais próximo à moral comum do que ao princípio constitucional, mais uma vez invadindo parcela constitucionalmente protegida da intimidade e da privacidade do servidor.


Deve existir, entre o descumprimento do preceito ‘moral’ e a função pública que se busca preservar, uma dependência necessária. Há hipóteses em que a vida privada de um sujeito pode, irremediavelmente, comprometer a dignidade de suas funções, mas esse juízo valorativo não será tão elástico quanto o é um simples juízo de moralidade. Será necessário avaliar se, em um dado contexto, o comportamento que se busca censurar realmente abala a noção média que se tem a respeito da dignidade das funções públicas ou do cargo ocupado pelo agente. Será indispensável avaliar a real gravidade e nocividade do comportamento privado aos valores defendidos pela Instituição a que pertence o agente público. Imperiosa será a análise dos reflexos negativos, reais e potenciais, do aludido comportamento na sociedade e no campo institucional.


Não se cogita, portanto, de uma equiparação dos juízos de moralidade comum e moralidade administrativa ou pública, e tampouco se sustenta eventual alegação de que as pessoas detentoras de cargos públicos importantes não poderiam ter suas vidas privadas, ter suas pequenas distorções humanas.


Nem se diga, nesse passo, que bastaria uma norma jurídica genérica dizendo que ‘é obrigatório respeitar a moral e os bons costumes’, pois semelhante norma tampouco aniquilaria com a distinção entre os círculos jurídico e moral. Moralidade jurídica já é, por definição, conceito que escapa aos contornos da moralidade comum. Assim sendo, moral administrativa não se confunde com moral comum. Infrações que sancionam comportamentos imorais, no Direito Administrativo Sancionador, devem ser interpretadas restritivamente, com vinculação inarredável aos limi­tes dos conceitos indeterminados e das cláusulas gerais (grifo nosso).[85]


3.3. NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR


Sob o título acima, analisemos caros aspectos que se relacionam ao componente instrumental do Direito Administrativo Disciplinar.


3.3.1. Instauração e a Subsidiariedade da Esfera Disciplinar


A autoridade com poder disciplinar não deve confundir sua competência correicional com os atos de gerência de pessoal comuns ao cotidiano das repartições. A competência disciplinar deve ser vista como residual em relação às demais, mesmo considerando seu caráter vinculado.


Por obvio que não se defende a omissão ou condescendência da autoridade. Defende-se aqui que na grande maioria das vezes o administrador pode lançar mão de outros mecanismos capazes de voltar os rumos do serviço público para a normalidade. Citemos em ordem de invasividade na vida do servidor-cidadão:


a) comissões de ética;


b) procedimentos investigativos prévios; e


c) auditórias


Desperdiçar esses mecanismos despertando precipitadamente o direito administrativo disciplinar, atenta contra os princípios da eficiência e razoabilidade, ferindo garantias e direitos do servidor.


Além do ónus material (recursos humanos, financeiros e estrutura) o processo desnecessário atinge aspectos imateriais da vida do servidor como honra, imagem e reputação; vulgarizando, banalizando e trazendo certa ojeriza para o Direito Administrativo Disciplinar.


Para que o processo disciplinar seja instaurado com legitimidade não basta tão-somente que seja a autoridade hierárquica competente para tanto, havendo, de rigor jurídico, a necessidade de um mínimo legal que, traduzindo possibilidade de condenação (‘fumus boni juris’), se estribe em elementos concretos indicadores de tal viabilidade.


Não é jurídico nem democrático que o servidor público venha, sem mais nem menos, responder a processo disciplinar.


A garantia constitucional do devido processo legal não somente contenta-se em que o processo recepcione a ampla defesa e o contraditório, como também exige, para sua legítima inauguração, que haja, no mínimo, um princípio de prova. Sem esse princípio de prova (‘fumus boni juris’), sinalizador da plausibilidade da pretensão punitiva da Administração, não poderá haver processo disciplinar.


Tais elementos, embora não seja exigível que já possam, no limiar do processo, traduzir um juízo seguro ou razoável de certeza, devem, contudo, apresentar, pelo menos, um juízo de possibilidade condenatória em desfavor do servidor imputado. Consistindo em qualquer detalhe lícito produtor de convicção definível como princípio de prova, esses elementos constituem os conectivos processuais ensejadores da abertura de tal empreitada apuratória de possíveis transgressões disciplinares. Sem tais conectivos, não é lícita a abertura de tais procedimentos.


O Direito Processual Disciplinar exige a presença desses conectivos (princípios da prova) como forma de evitar que venha o servidor público sofrer os incômodos e os aborrecimentos oriundos de um processo disciplinar precipitadamente instaurado, além de, com tal cuidado, proporcionar resguardo à dignidade do cargo ocupado pelo acusado, o que reverte-se, por fim, em benefício da normalidade e regularidade do serviço público, escopo inarredável a que deve preordenar-se toda repressão disciplinar” (grifo nosso). [86]


Momento importante para o atingimento desse mister é sem dúvida o de juízo de admissibilidade, relevante decisão exercida pela autoridade com poder disciplinar previamente à instauração, a qual deve ser a mais profunda e detalhada possível, embasada em prévia instrução, a fim de evitar instaurações inócuas por falta de objeto.


Lei nº 8.112, de 11/12/90: Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.


Art. 144. Parágrafo único. Quando o fato narrado não configura evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto (grifo nosso).


Saliente-se que já nesse momento pré-processual é imperioso que sejam considerados, além dos indícios de materialidade e autoria, outros aspectos como: prescrição, viabilidade de produção de provas e bens tutelados, sempre amparados em princípios como da intervenção mínima, da insignificância e da lesividade.


3.3.2. Designação da Comissão de Apuração (e não de Acusação)


No processo judicial encontra-se presente uma tríade de atores, onde há uma parte que acusa/pleiteia, outra que defende/contesta e acima o Estado-juiz que julga, dizendo o direito.


No processo administrativo não há (ou pelo menos não deveria haver) antagonismo entre partes, mas somente uma relação processual composta pelo Estado-administração atuando na condução do apuratório, por oficialidade, e do outro o servidor a tentar defender-se.


Um primeiro ponto delicado nesse percurso é que o mesmo Estado-administração que dá cabo da apuração (embora com atores diferentes) procede também ao julgamento.


Não ocorrendo, como já exposto, essa bipolaridade, com um Juiz acima e no vértice, a sopesar os trabalhos realizados, deve a busca das provas serem marcadas pela atuação imparcial da comissão, o que nem sempre se observa nos processos do mundo real no Serviço Público Federal.


A comissão não pode fechar os olhos para essa ausência de bipolaridade acusação/defesa, sob pena de transformar-se sempre numa comissão de acusação ao invés de uma verdadeira comissão de apuração, caracterizada pela imparcialidade e interesse público.


“Em outras palavras, a comissão não acusa, mas sim apura. A comissão não atua como acusação, mas sim como polo de apuração. Apurar não necessariamente se confunde com acusar”. [87]


3.3.3. Praxe Administrativa e Legalidade


À luz do princípio da razoabilidade, não podem as comissões disciplinares e a autoridade julgadora desprezar aspectos relacionados à realidade do órgão na análise do caso em concreto.


As condições de trabalho e as especificidades regionais, inclusive culturais, o contexto, enfim, a praxe administrativa deve sim ser levada em conta ao processar ou julgar o servidor no processo administrativo disciplinar.


Entendido o principio da legalidade em seu sentido material, a lei não pode encorajar análise distanciada da realidade e do contexto concretamente apurados. Não se pode estar em busca de super-homens que operem acima e além das condições ofertadas pelo Estado-administração.


Destarte, invariavelmente, o que se observa é o servidor a suprir lacunas deixadas pela falta de amparo da administração, ainda fechando os olhos quando de supostas faltas atribuídas ao servidor, muito embora decorrentes da ineficiência do próprio serviço público.


“Ademais, impõe-se aos integrantes dos conselhos disciplinares e autoridades decidir acerca do cometimento de infração funcional pelo servidor, de acordo com a realidade logística e estrutural de trabalho, o ambiente e as circunstâncias nas quais se encontrava o acusado quando do exercício do seu cargo (…), enfim, aplicando o direito administrativo disciplinar sob uma ótica concreta, e não, como sói ocorrer, de se exigir do funcionário processado a perfeição no cumprimento dos seus ofícios públicos (…)”.[88]


As praxes administrativas configuram a cristalinização da atividade reiterada e uniforme da Administração no tratamento e na solução de determinados casos


Embora haja divergências entre os doutrinadores sobre a validade das praxes administrativas como fonte do direito, desposamos o entendimento de que elas, nos casos em que forem silentes as leis, podem prestar valioso auxílio ao Direito Processual Disciplinar.


As praxes, conquanto não se confundam, em sentido rigorosamente científico, com os costumes, devem, no nosso entender, ter a mesma receptividade conferida a estes. De conformidade com a Lei de Introdução ao Código Civil, os costumes são fontes secundárias do direito (art. 4º)” (grifo nosso).[89]


3.3.4. Verdade Sabida e o Devido Processo Legal


Partindo do pressuposto de que ao instaurar o processo ocorreram ao menos indícios de falta disciplinar enxergado pela autoridade com poder disciplinar, não pode a comissão se contentar apenas com uma fagulha indiciária, o qual pode conduzir a erros de julgamento.


Não deve a comissão fazer da apuração mera formalidade, pois caracterizaria forte pré-julgamento baseado em mera presunção. Descabido, portanto, impor determinada conclusão à vista apenas de suspeitas não comprovadas.


Não pode ser este o intento do processo administrativo disciplinar. A manifestação da comissão deve estar confirmada pelas provas dos autos de maneira insofismável. Não se pode julgar por presunção ou suspeita. Somente a prova tem o condão de afastar o erro de julgamento, o que acarretaria impor ao servidor penalidade injusta e afastada da verdade real.


Assim já se manifestou a Advocacia-Geral da União em parecer vinculante, ao referir-se a forma de atuação da comissão:


“10. A atuação da comissão processante deve ser pautada pelo objetivo exclusivo de determinar a verdade dos fatos, sem a preocupação de incriminar ou exculpar indevidamente o servidor, motivo por que lhe é atribuído o poder-dever de promover a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências, com vistas à obtenção de provas que demonstrem a inocência ou culpabilidade, podendo recorrer, se necessário, a técnicos e peritos. Com esse desiderato, efetua a completa apuração das irregularidades e, em consequência, indicia somente aqueles em relação aos quais são comprovadas a existência da infração e sua autoria” (grifo nosso). [90]


O que se pode esperar da comissão é envidar os máximos esforços nos atos de instrução, pois a falta de provas inviabiliza completamente o exercício do direito da defesa, pois fere os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, não se cogitando mais o emprego da antiga e odiosa verdade sabida.


Assim, não cabe mais falar no instituto da ‘verdade sabida’. Se este permitia à autoridade que tomasse conhecimento pessoal e imediato de fato punível, poder aplicar a sanção independentemente de apuração em processo disciplinar ou sindicância, com o advento da citada norma constitucional do art. 5°, LV, passa-se ao entendimento de que ‘mesmo nas penalidades de advertência e suspensão de até 30 dias, impõe-se a instauração de sindicância para apuração de responsabilidades, observando-se o princípio da ampla defesa – Parecer SAF n° 83/92, DOU 23.03.92.”[91]


3.3.5. Indeferimento de Testemunhas e o Princípio da Ampla Defesa


Por certo que a lei faculta o indeferimento de pedidos de provas impertinentes e protelatórias ou que nada auxiliem para o esclarecimento dos fatos.


Lei nº 8.112, de 11/12/90:


Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.


§ 1º O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos”.


Frise-se, entretanto, que indeferimento dessa estirpe deve estar precisa e fundamentadamente justificado, pois, estará surrupiando do acusado o direito a uma prova que requereu.


Na esteira de respeitada doutrina:


“(…) a denegação dos pedidos precisará estar razoavelmente fundamentada, demonstrando-se quão indevido é o pedido. Em assim não acontecendo, remanescerá ao requerente um claro direito à obtenção da prova, factível até pela via do mandado de segurança” (grifo nosso). [92]


As garantias da ampla defesa e do contraditório devem ser encaradas pela comissão como a base da condução do processo, pois são os pilares da validade dos atos processuais, da decisão prolatada e de todo o processo em si, independentemente do rito (se processo administrativo disciplinar em rito ordinário ou sumário ou se sindicância punitiva). A comissão deve reservar, no curso de todo o apuratório, constante atenção a esses dois direitos, visto que, como regra, no processo administrativo disciplinar, sua inobservância é a causa mais comum de nulidade (grifo nosso). [93]


A negativa imotivada da oitiva de testemunhas arroladas pelo acusado (e não de defesa, pois as testemunhas são do processo) carreia o processo de nulidade de maior gravame, por ferir de morte os princípios do contraditório e da ampla defesa.


Repisando, são os princípios que direcionam a elaboração das normas. Nesse sentido, pode se revelar muito mais afrontoso ao Direito não observar um princípio do que descumprir uma norma positivada. Assim, um processo conduzido com inobservância de princípios reitores só poderá desaguar em nulidade.


Segue julgado a corroborar tais assertivas:


Origem: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Nº do processo original e UF: 200100463797 – DF


Data da decisão: 11/09/02


EMENTA: (…) 2. A falta de fundamentação no indeferimento de ouvida de testemunha caracteriza cerceamento de defesa.


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA Nº 7.469/DF


RELATÓRIO


O Senhor Ministro Paulo Gallotti: A União opõe embargos de declaração contra acórdão assim ementado:


“Mandado de segurança. Administrativo. Servidor público. Processo disciplinar. Acumulação de cargos. Incompatibilidade de horários não comprovada. Conclusões de relatório e de pareceres antagônicos entre si. Indeferimento não fundamentado de ouvida de testemunha de defesa. Cerceamento caracterizado.


1. O antagonismo existente entre os diversos relatórios e pareceres constantes dos autos evidenciam não estar devidamente comprovada a alegada incompatibilidade de horários no exercício dos cargos públicos acumulados pelo impetrante.


2. A falta de fundamentação no indeferimento de ouvida de testemunha caracteriza cerceamento de defesa.


3. Ordem concedida.” (…)


Daí se vê que o processo administrativo não pode ser tido como regular, acabando por violar o princípio constitucional da ampla defesa, reproduzido tanto na Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico único dos servidores públicos, como na Lei nº 9.784/99, que regula sua tramitação no âmbito da administração pública federal, estabelecendo esta última, em seu art. 2º, parágrafo único, X, a garantia da produção de provas.


Em casos semelhantes, esta Corte tem reiteradamente decidido, ‘verbis’:


 ‘Mandado de segurança. Administrativo. Servidor público. Demissão. Processo disciplinar. Falta de inquirição de testemunha de defesa. Cerceamento de defesa caracterizado. Desídia não configurada.


A testemunha-chave, devidamente apresentada pelo impetrante, deixou de ser ouvida, entendendo a administração que se trataria de medida protelatória do impetrante, sem maiores argumentações, o que caracteriza, plenamente, o cerceamento de defesa.


Provas insuficientes para a caracterização da desídia.


Ordem concedida com vistas a anular o ato demissório, reintegrando-se, em conseqüência, o impetrante no cargo de que fora demitido.


(MS nº 6.900/DF, Relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJU de 04/06/2001)’


No caso concreto, frente à apontada divergência entre os pareceres e ao evidente cerceamento de defesa, é de se ter como viciado o processo administrativo, devendo ser anulado o ato demissionário que dele se originou (grifo nosso).


3.3.6. Indiciamento Genérico e o Exercício do Contraditório


A não especificação dos fatos no indiciamento impossibilita o exercício do direito de defesa. Especificar significa: “(…) 2. Explicar miudamente; esmiuçar: O relatório especifica todas as particularidades. 3. Apontar individualmente; especializar: O réu especificou todos os seus crimes”. [94]


 Assim, não se especifica todos. Narrar todos os fatos não é especificar. A comissão, não tendo convicção de qual fato se caracteriza irregular opta por narrar “todos” os fatos, a fim de que ao final, no relatório possa citar o que considera irregular, pois se “todos” foram citados na indiciação, nada poderia ter ficado de fora!


Não é essa a função da indiciação, que tem por objeto justamente delimitar dentro do universo geral dos fatos apurados, quais atos ou circunstâncias praticadas pelo servidor entende-se como irregular.


“Especial atenção deve ser dada à descrição do fato apurado, pois não será legítimo alterá-la, acrescentando novos detalhes no relatório, já após a defesa, pois tais detalhes restarão não contraditados. Até pode ocorrer de, após a defesa, no relatório, a comissão alterar o enquadramento legal sem que isso, por si só, provoque nulidade; mas não se pode alterar a descrição fática” (grifo nosso). [95]


“Ementa: 1. No inquérito administrativo, semelhantemente ao que ocorre no processo penal, não pode o servidor ser punido com base em fato não constante da imputação que lhe foi inicialmente feita (´mutatio libelli´)…2. No inquérito administrativo é de rigor que se formule o indiciamento do acusado com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas (art. 161 da Lei 8.112/90), para que possa formular sua defesa. A falta dessa formalidade nulifica o processo, ainda mais quando caracterizado o prejuízo à defesa” (grifo nosso). [96]


“O despacho de indiciamento tem por fim delimitar, processualmente, a acusação, o que significa dizer que a autoridade competente para julgar não poderá levar em conta fatos que não tenham sido articulados em seu contexto, sobre os quais não se estabeleceu contraditório e defesa (grifo nosso).[97]


É pacífico o entendimento do STF “no sentido de que o indiciado defende-se dos fatos descritos na peça acusatória e não de sua capitulação legal”. [98]


Origem: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


Órgão julgador: Tribunal Pleno


Classe e nº da decisão: Mandado de Segurança nº 23.299


UF: SP


Data da decisão: 12/04/02


EMENTA: (…) IV. Processo administrativo disciplinar: congruência entre a indiciação e o fundamento da punição aplicada, que se verifica a partir dos fatos e não de sua capitulação legal”.


 Portanto, é necessária a descrição pormenorizada dos fatos tidos como irregulares, não bastando apenas exposição do ocorrido de forma genérica, sem apontar quais as condutas específicas praticadas pelo servidor que se enquadram nas proibições/deveres previstos no estatuto.


Tal prática impede que o servidor identifique dentre toda a sequência de acontecimentos, qual ato para o qual a comissão entende preliminarmente merecedor de sanção, tornando o Termo de Indiciamento uma verdadeira incógnita.


Essa questão é essencial para a elucidação da verdade real, a qual traz sérios prejuízos à defesa do acusado, porquanto não se tem ao certo contra qual(is) fato(s) deve se defender, caindo por terra o exercício do devido e necessário contraditório.


Por fim, sendo o contraditório constituído pelos elementos informação e reação, sem o detalhamento preciso do fato reprovável, impossível rebater as imputações articuladas.


3.3.7. Relatório Final e a Presunção de Inocência


Em homenagem à presunção de inocência, principio consagrado no texto constitucional, ratifica-se a máxima jurídica de que o ônus da prova incumbe a quem acusa.


8. (…) É reiterada a orientação normativa firmada por esta Instituição, no sentido de que o ônus da prova, em tema de processo disciplinar, incumbe à administração (grifo nosso). [99]


Ementa: (…) Incumbe à administração apurar as irregularidades verificadas no serviço público e demonstrar a culpabilidade do servidor, proporcionando seguro juízo de valor sobre a verdade dos fatos. Na dúvida sobre a existência de falta disciplinar ou da autoria, não se aplica penalidade, por ser a solução mais benigna.(…)


50. (…) compete à administração, por intermédio da comissão de inquérito, demonstrar a culpabilidade do servidor, com satisfatório teor de certeza (grifo nosso). [100]


Como se tem desenvolvido até aqui, as provas não devem ter como desiderato apontar presunções e suspeitas, mas sim infligir alto grau de certeza na convicção da comissão e, consequentemente da autoridade julgadora.


No processo em que, esgotada a busca de provas, não se logrou comprovar a responsabilização do servidor por ausência de prova condenatória, em respeito à presunção de inocência, opera-se o princípio do in dubio pro reo, desaguando necessariamente na absolvição.


CF/88 – Art. 5º, LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;


Lei nº 9.784, de 29/01/99 – Art. 2º A administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (grifo nosso).


Ementa: A administração pode editar o ato punitivo apenas na hipótese em que esteja convencida quanto à responsabilidade administrativa do servidor a quem se imputa a autoria da infração. A dúvida deve resultar em benefício do indiciado (grifo nosso).[101]


Ementa: (…) Incumbe à administração apurar as irregularidades verificadas no serviço público e demonstrar a culpabilidade do servidor, proporcionando seguro juízo de valor sobre a verdade dos fatos. Na dúvida sobre a existência de falta disciplinar ou da autoria, não se aplica penalidade, por ser a solução mais benigna.(…)


50. (…) compete à administração, por intermédio da comissão de inquérito, demonstrar a culpabilidade do servidor, com satisfatório teor de certeza (grifo nosso).[102]


Por fim, encerrada a instrução processual sem que a comissão tenha logrado êxito em auferir provas da ocorrência do ilícito, é imperioso prevalecer os princípios da razoabilidade (art. 2º da Lei nº 9.784, de 29/01/99), do in dubio pro reo (art. 386, VII do CPP), e presunção da inocência (art. 5º, LVII da CF), elaborando relatório final, pugnando pelo arquivamento do processo.


4. O DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR IN CONCRETO


Caminhando para a reta final do presente trabalho, e agora na busca de tentar enxergar como anda a concretude do Direito Administrativo Disciplinar, procedemos à pesquisa de casos que pudessem auxiliar nessa demonstração em dois universos distintos: na administração pública federal, por meio das suas regulamentações complementares; e no Judiciário, por intermédio de suas decisões em casos levados à baila pela irresignação dos servidores alvo de processos disciplinares.


4.1. NOS NORMATIVOS INTERNOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL


Da pesquisa realizada no âmbito da administração federal, foram identificados dois exemplos de normativos regulamentadores da seara disciplinar, nos quais se encontram embutidos institutos, princípios e teorias, na linha da defesa aqui intentada.


Tais iniciativas nos enchem de esperança de que uma postura garantista, dotada de racionalidade e eficiência, possa espalhar-se no seio da administração pública federal, a fim de que o poder disciplinar seja exercido visando sempre o interesse público e o aperfeiçoamento progressivo da administração.


4.1.1. Termo Circunstanciado Administrativo


O primeiro exemplo obtido trata-se da instituição do denominado Termo Circunstanciado Administrativo (TCA), com a edição da Instrução Normativa nº 4, de 17 de fevereiro de 2009, da Controladoria-Geral da União (IN 04/09-CGU).


“Instrução Normativa-CGU nº 4, de 17/02/09 – Art. 1º Em caso de extravio ou dano a bem público, que implicar em prejuízo de pequeno valor, poderá a apuração do fato ser realizada por intermédio de Termo Circunstanciado Administrativo” (TCA).


A IN 04/09-CGU estabeleceu procedimento simplificado de apuração para casos de dano ou extravio de bem público de pequeno valor (conforme o art. 24, II da Lei nº 8.666, de 21/06/93 – R$ 8.000,00).


“Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, considera-se prejuízo de pequeno valor aquele cujo preço de mercado para aquisição ou reparação do bem extraviado ou danificado seja igual ou inferior ao limite estabelecido como de licitação dispensável, nos termos do art. 24, inciso II, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.”


Destaque-se que tal apuração simplificada é feita à margem do sistema correicional, racionalizando assim a aplicação dos recursos e esforços de quem labuta operando o direito administrativo disciplinar.


O TCA consiste em um processo administrativo lato sensu, que se inicia com a autuação de formulário estabelecido pela Portaria-CGU/CRG nº 513, de 05/03/09 (constante do ANEXO A, juntamente com a IN 04/09-CGU), a ser conduzido pelo responsável pelo patrimônio da unidade.


Art. 2° O Termo Circunstanciado Administrativo deverá ser lavrado pelo chefe do setor responsável pela gerência de bens e materiais na unidade administrativa ou, caso tenha sido ele o servidor envolvido nos fatos, pelo seu superior hierárquico imediato.


§ 1º O Termo Circunstanciado Administrativo deverá conter, necessariamente, a qualificação do servidor público envolvido e a descrição sucinta dos fatos que acarretaram o extravio ou o dano do bem, assim como o parecer conclusivo do responsável pela sua lavratura.


§ 3º Nos termos do art. 24 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, o servidor indicado no Termo Circunstanciado Administrativo como envolvido nos fatos em apuração poderá, no prazo de cinco dias, se manifestar nos autos do processo, bem como juntar os documentos que achar pertinentes.


§ 4º O prazo previsto no parágrafo anterior pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação.


§ 5º Concluído o Termo Circunstanciado Administrativo, o responsável pela sua lavratura o encaminhará à autoridade máxima da unidade administrativa em que estava lotado o servidor, na época da ocorrência do fato que ocasionou o extravio ou o dano, a qual decidirá quanto ao acolhimento da proposta constante no parecer elaborado ao final daquele Termo.”


Há duas hipóteses em que a apuração se encerra no próprio TCA:


a) Que o dano ou extravio decorreu de uso regular do bem no exercício de suas funções, ou seja, não agindo com culpa ou dolo; e


b) Tendo agido com culpa, proceda ao ressarcimento; por meio de pagamento, entrega de outro similar, no caso de extravio, ou reparo, no caso de dano.


Art. 3º No julgamento a ser proferido após a lavratura do Termo Circunstanciado Administrativo, caso a autoridade responsável conclua que o fato gerador do extravio ou do dano ao bem público decorreu do uso regular deste ou de fatores que independeram da ação do agente, a apuração será encerrada e os autos serão encaminhados ao setor responsável pela gerência de bens e materiais da unidade administrativa para prosseguimento quanto aos demais controles patrimoniais internos.


Art. 4º Verificado que o dano ou o extravio do bem público resultaram de conduta culposa do agente, o encerramento da apuração para fins disciplinares estará condicionado ao ressarcimento ao erário do valor correspondente ao prejuízo causado, que deverá ser feito pelo servidor público causador daquele fato e nos prazos previstos nos §§ 3º e 4º do art. 2º.


§ 1º O ressarcimento de que trata o caput deste artigo poderá ocorrer:


I – por meio de pagamento;


II – pela entrega de um bem de características iguais ou superiores ao danificado ou extraviado, ou


III – pela prestação de serviço que restitua o bem danificado às condições anteriores.


§ 2º Nos casos previstos nos incisos II e III do parágrafo anterior, o Termo Circunstanciado Administrativo deverá conter manifestação expressa da autoridade que o lavrou acerca da adequação do ressarcimento feito pelo servidor público à Administração.”


Em suma, no caso de dano ou desaparecimento de bem de pequeno valor, o servidor só se verá acusado em processo administrativo disciplinar caso tenha agido com dolo; ou, agindo com culpa, não devolver a situação ao seu estado original.


No presente caso, que trata exatamente de um ilícito administrativo-civil, temos que a reparação civil acaba por elidir o servidor da repercussão disciplinar.


Enfim, o que se observa na aplicação dessa norma é a concretude no âmbito administrativo disciplinar dos princípios da intervenção mínima e da insignificância, oriundos da doutrina penal, bem como o privilégio dos princípios da eficiência, razoabilidade e proporcionalidade em detrimento ao da estrita legalidade.


4.1.2. Compromisso de Adequação Funcional


Na pesquisa que culminou na presente monografia, encontramos tal instituto contido na Instrução Normativa nº 02, de 31 de março de 2011 (íntegra no ANEXO B), editada pela Corregedoria-Geral do Departamento de Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça (DPRF/MJ). O normativo:


“Regulamenta as ações de corregedoria preventiva relacionadas ao Acompanhamento Gerencial de Serviço (AGS), ao Compromisso de Adequação Funcional (CAF) e ao Estímulo à Boa Conduta (EBC), no âmbito do Departamento de Polícia Rodoviária Federal.”


Ainda nas considerações iniciais já se observa que a motivação da norma encontra-se contextualizada com a visão de Direito Administrativo Disciplinar delineada na presente pesquisa, alicerçada ainda em preceitos de racionalidade e eficiência.


Considerando a necessidade da área de corregedoria atuar de forma preventiva, a fim de tratar com eficiência os incidentes disciplinares, utilizando-se de meios alternativos de controle de disciplina para que práticas reiteradas de ineficiências na prestação dos serviços não se transformem em ocorrências disciplinares;(…)


Considerando que os servidores responsáveis pelas chefias imediatas são indispensáveis para garantir a racionalização e o aprimoramento constante dos processos internos de trabalho” (grifo nosso).


Ainda nos “considerandos”, que denotam sempre os motivos que levaram a sua edição, e que devem nortear sua interpretação pelo aplicador do direito ao caso concreto, encontramos passagem tratando da tese, já exposta em momento anterior, da subsidiariedade do Direito Administrativo Disciplinar, em relação a outros mecanismos de promoção da disciplina no serviço público federal.


“Considerando a possibilidade de correção das condutas funcionais por meio de atos de mero gerenciamento, nos casos em que estas não apresentam lesividade material à regularidade do serviço público, inclusive em obediência aos princípios da eficiência e da economicidade;” (grifo nosso).


Apesar de no título da presente subseção haver sido dado destaque ao Compromisso de Adequação Funcional (CAF), o normativo traz ainda dois outros institutos também merecedores de aplausos pela inovação: o Acompanhamento Gerencial de Serviço (AGS) e o Estímulo à Boa Conduta (EBC).


Os objetivos buscados pelos mecanismos são:


I – o Acompanhamento Gerencial de Serviços – AGS, tem por objetivo implementar as ações preventivas através do constante acompanhamento dos serviços prestados pela Polícia Rodoviária Federal, buscando o aperfeiçoamento da gestão dos recursos materiais e humanos e a consequente melhoria na qualidade do trabalho e na satisfação social;


II – o Compromisso de Adequação Funcional – CAF, tem por objetivo estimular o servidor, de forma livre e consciente, a promover a adequação de sua conduta funcional em conformidade com as atribuições e deveres inerentes ao cargo público que exerce, de acordo com os princípios que regem a administração pública;


III – o Estímulo à Boa Conduta – EBC, em por finalidade promover o reconhecimento, por critérios objetivos, da boa conduta funcional dos servidores, desprovidos de qualquer registro negativo na Ficha Individual do Servidor – FIS, anexo III, em determinado período trabalho.”


Voltando especificamente ao Compromisso de Adequação Funcional, para sua propositura é necessário o cumprimento dos seguintes requisitos:


I – a inexistência de dolo ou má-fé na conduta do servidor;


II – a inexistência de dano ao erário ou prejuízo à Administração Pública ou terceiro, ou uma vez verificado, ter sido prontamente reparado pelo servidor;


III – o servidor apresentar histórico funcional capaz de abonar sua conduta;


IV – a proporcionalidade e razoabilidade da solução em face do caso concreto.”


Pelo exposto, vislumbramos presente na norma em comento o espírito garantista advindo do direito penal, carreando para a seara disciplinar no âmbito do DPRF/MJ os princípios da intervenção mínima, insignificância, lesividade, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, concretizados na aplicação subsidiária do Direito Administrativo Disciplinar.


4.2.2. NA JURISPRUDÊNCIA


Como explicitado no início da seção, objetivamos aqui apresentar as quantas anda o Direito Administrativo Disciplinar no mundo real. Após dois excelentes exemplos de exercício racional e eficiente do jus puniendi no âmbito da administração pública federal, vejamos o que pode ocorrer em caso de desrespeito às garantias fundamentais do servidor, ao buscar amparo no Poder Judiciário.


Contendo ao longo do texto, preciosas lições complementares ao esforço desprendidos por este graduando, em sua modesta contribuição acadêmica, optamos por trazer tal jurisprudência em formato de anexo (ANEXO C), na íntegra, nos ocupando apenas de tecer essas breves considerações a cerca do link com o presente trabalho.


Os julgados têm em comum vários aspectos. São ambos:


a) oriundos do Superior Tribunal de Justiça;


b) exarados no bojo de Mandados de Segurança;


c) tratando de demissão de Policiais Rodoviários Federais (um por inassiduidade habitual e outro por ofensa física em serviço); e


d) tendo como resultado a concessão da segurança, com a anulação do ato administrativo e a consequente reintegração dos servidores.


Segue aqui apenas as ementas:


Origem: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Órgão julgador: Terceira Seção


Nº do processo original e UF: 199901011795 – DF


Data da decisão: 26/03/03


EMENTA: Administrativo. Processo administrativo. Policial Rodoviário Federal. Infração funcional. Conduta culposa. Demissão (Lei nº 8.112/90, art. 132, VII). Ilegalidade. Dissenso entre a pena sugerida e a pena imposta. Ausência de fundamentação.


– Em sede de processo administrativo instaurado para apurar infração funcional consubstanciada em conduta de natureza culposa, é inaplicável a regra do art. 132, VII, do Estatuto (Lei nº 8.112/90), sendo descabida a pena de demissão.


– Segundo a regra do art. 168, do Estatuto, somente é cabível a discrepância entre a penalidade sugerida pela comissão de inquérito e a imposta pela autoridade julgadora quando contrária à prova dos autos, demonstrada em decisão fundamentada.


– Segurança concedida.”


Origem: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Nº do processo original e UF: 200100450296 – DF


Data da decisão: 12/03/03


EMENTA: (…) II – O direito à produção de provas não é absoluto, podendo o pedido ser denegado pelo presidente da comissão quando for considerado impertinente, meramente protelatório ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos. In casu, o indeferimento do pleito de produção de provas baseou-se, exclusivamente, no fato de que o processo administrativo submetido ao procedimento sumário, só possibilitaria ao acusado apresentar a defesa por escrito e dentro do prazo estabelecido por lei, não lhe sendo facultado requerer outros meios de prova, em patente ofensa à ampla defesa.


III – A intenção do legislador – ao estabelecer o procedimento sumário para a apuração de abandono de cargo e de inassiduidade habitual – foi no sentido de agilizar a averiguação das referidas transgressões, com o aperfeiçoamento do serviço público. Entretanto, não se pode olvidar das garantias constitucionalmente previstas. Ademais, a Lei nº 8.112/90 – art. 133, § 8º – prevê, expressamente, a possibilidade de aplicação subsidiária no procedimento sumário das normas relativas ao processo disciplinar.


IV- A comunicação do indeferimento da prova requerida deve operar-se ainda na fase probatória, exatamente para oportunizar ao servidor a interposição de eventual recurso contra a decisão do colegiado disciplinar, sendo defeso à comissão indeferi-lo quando da prolação do relatório final.


V – Em se tratando de ato demissionário consistente no abandono de emprego ou na inassiduidade ao trabalho, impõe-se averiguar o animus específico do servidor, a fim de avaliar o seu grau de desídia.”


No decorrer dos julgados os temas apreciados correlacionam-se a várias matérias analisados nas seções e subseções da presente monografia, com destaque para os seguintes:


a) animus subjetivo (condutas culposa e dolosa);


b) ofensa a princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa;


c) gravidade e repercussão da penalidade de demissão;


d) tipicidade do ilícito administrativo disciplinar;


e) nulidade de julgamento por ilegalidade;


f) indeferimento genérico de pedido de oitiva de testemunha;


g) cerceamento de defesa; e


h) insuficiência de provas e presunção de inocência.


O que vemos nos julgados em apreço é o que ocorre ao ato administrativo emanado sem seguir os preceitos defendidos na presente monografia. Não se pode deixar ao judiciário a tarefa de bem aplicar o direito, corrigindo os vícios perpetrados pela autoridade disciplinar.


O exercício de tal mister requer apurada cautela, sempre atendendo às garantias constitucionais do servidor-cidadão, sob pena de só se ver feita a justiça pela Justiça.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Como exposto, o garantismo jurídico surge do descompasso entre as normas e o mundo real de práticas autoritárias administrativas e penais do Estado, visando aproximar essas duas realidades, ao acrescer um novo aspecto a ser observado no fenômeno jurídico: o elemento substancial (direitos fundamentais constitucionais).


As bases do garantismo penal, estabelecidas na obra Direito e Razão de Ferrajoli, subsidiam uma teoria geral do garantismo, aplicáveis a todos os demais ramos do direito, dentre eles o direito administrativo disciplinar.


Estamos assim diante de uma verdadeira “Teoria Geral Garantista de Direito Sancionador, válida para todas as searas de ilícitos que envolvam relações jurídicas de direito público”.[103]


Ademais, embora o direito administrativo sancionador se conecte com os mais diversos ramos do direito, é flagrante por todo o exposto, que a maior aproximação se dá com o Direito Penal, enquanto ramos do direito público de caráter punitivo.


Essa intersecção ocorre com destaque na natureza dos ilícitos, nos princípios penais constitucionais da insignificância, da intervenção mínima, da lesividade e da legalidade, consubstanciados na tese da subsidiariedade da esfera disciplinar em relação a outros mecanismos da administração pública.


Tal entendimento é premente a fim de que se avance na seara disciplinar em temas como a teoria da ação e tipicidade, pois ao se reconhecer a operação da tipicidade no âmbito do direito administrativo disciplinar, este, por conseguinte poderá ser irradiado pelo princípio da insignificância, a exigir análise de questões como lesividade e tipicidade material.


O objetivo principal da presente pesquisa foi demonstrar a necessidade de aplicação de teorias, princípios e institutos garantistas originários do Direito Penal no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar, a fim de alcançar a paz social no seio do serviço público, evitando que a autoridade sancionadora incorra em arbitrariedades e abuso de poder.


Dito de outra forma, “não pode o direito disciplinar sancionador continuar sendo aplicado sem um processo de procedimentos claros, despido de limites objetivos ao poder discricionário da autoridade”. [104]


Necessária se faz a limitação da discricionariedade na decisão da autoridade julgadora em sede disciplinar, escondida sob o manto da atipicidade, a ferir garantias fundamentais encartadas na Constituição Federal.


Não mais se pode admitir que autoridades imbuídas de poder disciplinar, que depois podem vir a se vincular pela pena proposta pela comissão, estejam a se escorar em automatismo característicos de literal, isolada e descontextualizada interpretação da norma administrativa.


A aplicação de uma concepção garantista do ilícito disciplinar vem servir de forma de restrição a esta discricionariedade e potencialização das garantias constitucionais, pois deixar a matéria disciplinar sujeita à discricionariedade desmedida do Estado é abrir espaço para o abuso e o excesso de poder.


Estando o Direito Administrativo Disciplinar ainda carente de normas claras, jurisprudência e doutrina robusta, não se pode desprezar a contribuição que se pode obter com a conexão aos sedimentados princípios e institutos do Direito Penal.


E mais. Não se trata apenas de “analogia do Direito Penal para o Direito Administrativo, mas que a força normativa dos princípios constitucionais de garantia aplicados na esfera penal seja efetiva também no Direito sancionador estatutário”.[105]


Se a doutrina consagra teorias, proclama institutos e reconhece princípios protetores ao agressor social em sua maior dimensão, ou seja, quando lesiona bens jurídicos que a sociedade clamou por maior proteção; não se pode privar de tais resguardos ao servidor desta mesma sociedade quando da pratica de conduta supostamente enquadrável na norma estatutária.


“Não há justificativas sócio-culturais para se deferir dignidade à pessoa humana enquanto indivíduo comum e não enquanto servidor público sujeito à disciplina estatutária.” [106]


Sob a égide da Constituição Cidadã, não mais se deve restringir suas garantias à esfera penal, mas sim estender a todo Direito sancionador que limite os direitos do cidadão, notadamente, o acusado em processos administrativos disciplinares.


“Pela interpretação/aplicação da noção dos direitos fundamentais constitucionais, na concreção do devido processo legal substancial – sob enfoque do postulado da razoabilidade – entende-se que os direitos de garantia assentados para o Direito Penal, ante a não-existência de distinção ontológica entre os ilícitos administrativo e penal, são aplicáveis ao direito administrativo sancionador”.[107]


Repisando, é prudente que o jus puniendi no âmbito administrativo disciplinar só deva ser sacudido em casos de significância, sob risco de intoxicação do serviço público com um remédio em dose amarga e acima da recomendada, ao ministrá-lo para curar enfermidades de lesividade inexpressiva ao interesse público (erro administrativo escusável) ou de intromissão descabida (atos da vida privada), por exemplo.


Caso se ultrapasse esse escudo preliminar, já no processo, a comissão não pode negligenciar aspectos caros ao servidor e ao serviço público como:


a) cegueira quanto à ausência de bipolaridade acusação/defesa, transformando-se em comissão de acusação (e não de apuração);


b) aprisionamento à legalidade estrita (e não em seu sentido material), desconsiderando questões como a praxe administrativa;


c) ressuscitar o instituto da verdade sabida ao fazer da apuração mera formalidade, demonstrando pré-julgamento, em afronta ao devido processo legal;


d) furtar do servidor o exercício da ampla defesa no indeferimento imotivado de produção de provas, como a oitiva de testemunhas arroladas pelo servidor;


e) Inviabilizar o exercício do contraditório no indiciamento genérico, sem a especificação dos fatos apurados;


f) Culminando com o desrespeito aos princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência no relatório final.


Enfim, o que se intentou demonstrar na presente monografia é a necessidade de aplicação de uma postura genuinamente garantista do Estado-administração ao se deparar com um suposto ilícito administrativo disciplinar, no âmbito do Serviço Público Federal.


Os exemplos encontrados advindos da administração pública federal nos deixam com expectativa de mudanças. Principalmente, porque emanados, um do órgão central do sistema correicional do Poder Executivo Federal, a Controladoria-Geral da União, o outro do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, importante órgão de segurança pública e cidadania, premiado por respeito aos direitos humanos e referência no Serviço Público Federal na seara administrativo-disciplinar.


Mais esperanças advêm ainda de que o Judiciário denota estar sempre a postos para corrigir os desvios por ventura perpetrados pelo executivo no mau uso do seu poder disciplinar.


Finalmente, que a humilde contribuição aqui encerrada possa contribuir com o labor das autoridades instauradoras/julgadoras, comissões disciplinares e demais operadores do direito; bem como servir de alento aos cidadãos-servidores acusados em processos administrativos disciplinares, tudo visando ao engrandecimento do Direito Administrativo Disciplinar.


É apaixonante o tema Direito Disciplinar. Leva-nos ao império das ações e reações humanas: coloca-nos frente às pessoas que, de uma ou de outra forma, escorregaram no descaminho da função; entregaram-se a algum tipo de fraqueza.


Assumimos ora a condição do policial, na coleta da prova, na investigação do fato, na ânsia de achar o culpado. E nos vemos, em etapa seguinte, vasculhando a alma do semelhante, para melhor compreender as razões da conduta. Por fim, decidimos uma parcela da vida de um funcionário, com reflexo nos seus sonhos, na sua subsistência, no sorriso dos seus filhos, na paz do seu lar.


Quem labuta nesse campo, então tem dupla responsabilidade: a responsabilidade com o serviço público, cumprindo tecnicamente a tarefa processante; e a responsabilidade com o espírito de justiça e com a própria consciência, uma vez que estará operando não em equipamentos de uma máquina inerte, mas em elementos que constituem a honra alheia, onde às vezes, um arranhão indevido se transforma em ferida que nunca cicatriza. Competência e cautela, profissionalismo e sensibilidade são imperativos nesse contexto.” [108]


 


Referências

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ARAUJO, Edmir Netto de. O Ilícito Administrativo e seu Processo. São Paulo: RT, 1994.

BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Elementos de Direito Administrativo. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

BARROS JUNIOR, Carlos Schimit de. Do poder disciplinar na Administração Pública. São Paulo: RT, 1972.

BARROSO, Luís Roberto. A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2 ed. revista e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

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BRASIL. Consultoria-Geral da União. Despacho nº 129, de 04 de fevereiro de 2005. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ ApostilaPareceresAGUCGU.htm>. Acesso em: 18 nov. 2011.

BRASIL. Controladoria- Geral da União. Instrução Normativa-CGU nº 4, de 17 de fevereiro de 2009. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br /Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ApostilaLegislacaoCGU.htm>. Acesso em: 31 out. 2011.

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Notas:

[1] Monografia apresentada como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Roraima. Orientadora: Prof.ª Esp. Denise Meneses Gomes

[2] SANTOS, Boaventura de Sousa. O Discurso e o Poder: Ensaio sobre a Sociologia da Retórica Jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 84 s.

[3] O clone da inquisição terrorista. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/1319>. Acesso em: 31 out. 2011.

[4] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 684.

[5] Idem, ibidem.

[6] COELHO, Edihermes Marques. Direitos humanos: globalização de mercados e o garantismo como referência jurídica necessária. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 18-9.

[7] FERRAJOLI, op. cit. p. 685

[8] FERRAJOLI, op. cit. p. 786-7.

[9] KELSEN, Hans: Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985. p. 205 et. seq.

[10] CADEMATORI. Sérgio. Estado, Direito e Legitimidade. apud ROSA, Alexandre Morais da. O Que é Garantismo Jurídico. Florianópolis: Habitus, 2003. p. 48.

[11] WARAT, Luis Alberto.  Introdução Geral ao Direito. apud ROSA, Alexandre Morais da. op. cit. p. 43.

[12] COELHO, Edihermes Marques. op. cit. p. 19.

[13] FERRAJOLI, apud COELHO, op. cit. p. 21.

[14] FERRAJOLI, op. cit. p. 289.

[15] FISCHER, Douglas. O que é garantismo Penal (integral)? Disponível em: <www.metajus.com.br/…/O_que_e%20garantismo_penal_Douglas_Fischer.doc>. Acesso em: 31 out. 2011.

[16] CADEMARTORI, Sérgio.  Apontamentos iniciais acerca do garantismo. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/14035/13599> Acesso em: 31 out. 2011.

[17] Apud DE BORTOLI, Adriano. Garantismo jurídico, Estado Constitucional de Direito e Administração Pública. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos /anais/bh/ adriano_de_bortoli.pdf> Acesso em: 31 out. 2011

[18] GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. p. 84.

[19] LOPES, Luciano Santos. Os elementos normativos do tipo penal e o princípio constitucional da legalidade. p.114. apud SERRETTI, André Pedrolli.

[20] DEZAN, Sandro Lúcio. O princípio da atipicidade do ilícito disciplinar. Efeitos jurídicos produzidos pelos princípios da culpabilidade e da imputação subjetiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 556, 14 jan. 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6154>. Acesso em: 31 out. 2011.

[21] CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância. São Paulo: Fortium, 2008. p. 163.

[22] TEIXEIRA, Marcos Salles. Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar. Brasília: CGU, 2010. p. 70.

[23] BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. t. I, p. 294.

[24] Ilícito administrativo e ilícito penal. RDA 1/24, fascículo I, jan. 1945 apud RENATO VAROTO, 2010, p. 124.

[25] Prática do processo administrativo. São Paulo: Ed. RT, 1988. p. 118.

[26] PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 44.

[27] ROCCO, Arturo. L`oggetto del reato e della tutela giuridica penale, p. 244,   apud  GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal, p. 115.

[28] GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. p. 86.

[29] CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias: uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. p. 90. Apud SERRETTI, André Pedrolli.

[30] Elementos de Direito Administrativo. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 299-300.

[31] COSTA, José Armando da, Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 5.ed. Brasília: Ed. Brasília Jurídica, 2005. p. 47.

[32] BARROSO, Luís Roberto.  A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. p. 376 apud SERRETTI, André Pedrolli.

[33] PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal: um estudo comparado, p. 80.

[34] GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. p. 67-8.

[35] Ferrajoli, op. cit.

[36] JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, 1.° Volume – Parte Geral, São Paulo: Saraiva, 2001. p. 10

[37]  GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 8.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 156-7.

[38] GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Parte Geral. 1. ed. São Paulo: ed. RT, 2007. p. 184.

[39] CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Direito e processo disciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 72.

[40] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2. Ed. São Paulo: ed. RT, 2005. p. 281-2-4-5.

[41] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 515.

[42] BARROS JUNIOR, Carlos Schimit de. Do poder disciplinar na Administração Pública. São Paulo: Ed. RT, 1972. p. 68. apud RENATO VAROTO, 2010, p. 134.

[43] CRETELLA JR, José. Pratica de Processo administrativo. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

[44] CRETELLA JR, Op. Cit.

[45] GOMES, Luiz Flávio. Juizados Criminais Federais, Seus Reflexos nos Juizados Estaduais e Outros Estudos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 133-5.

[46] TÔRRES, Heleno Taveira. Limites do Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2001. p. 133.

[47] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999. p. 39-40.

[48] STF: Agravo de Instrumento nº 241.201.

[49] Greco, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2002, p. 105-6

[50] DEZAN, Sandro Lúcio. O princípio da atipicidade do ilícito disciplinar… Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 556, 14 jan. 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6154>. Acesso em: 29 ago. 2011.

[51] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral – Parte Especial. 4. Ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008.

[52] FILHO, Romeu Felipe Bacellar. Processo Administrativo Disciplinar. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 173-5.

[53] ARAÚJO, Edmir Netto de. O ilícito administrativo e seu processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 23.

[54] BRASIL, Luciano de Faria, O direito administrativo disciplinar no âmbito do Ministério Público: contributo à compreensão crítica de seus institutos e conceitos. Porto Alegre: Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, v. 53, p. 89-106, 2004.

[55] COSTA, José Armando da, Incidência Aparente de Infração disciplinar, Belo Horizonte: Fórum, 2004.

[56] CARRARA, Francesco. Programa do curso de Direito Criminal. Tradução Ricardo Rodrigues Gama, Campinas: LZN Editora, Vol. I, 2002, p.54. apud Sandro Lucio Dezan.

[57] DEZAN, Sandro Lucio. Teoria da ação no processo administrativo disciplinar.

[58] Idem, Ibidem.

[59] CRETELLA JR., José. op. cit. p. 58.

[60] TEIXEIRA, Marcos Salles. Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar. Brasília: CGU, 2010. p. 17.

[61] LUZ, Egberto Maia. Direito Administrativo Disciplinar. 4.ed. São Paulo: Edições Profissionais, 2002, pg. 69.

[62] CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Direito e processo disciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 71.

[63] LUZ, Egberto Maia. Direito Administrativo Disciplinar. 4.ed. São Paulo: Edições Profissionais, 2002. p. 64-5.

[64] BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 543.

[65] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas. 2.ed. São Paulo: RT, 2005. p. 17.

[66] GUIMARAES, Francisco Xavier da Silva, Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 42.

[67] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 246-7

[68] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 125, 130-1.

[69] Despacho nº 129, de 04/02/05, da Consultoria-Geral da União.

[70] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2.ed.,São Paulo: ed. RT, 2005. p. 460.

[71] TEIXEIRA, Marcos Salles. Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar. Brasília: CGU, 2010. p. 400.

[72] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2.ed.,São Paulo: ed. RT, 2005. p. 440 e 442.

[73] OLIVEIRA, Regis Fernandes de, Infrações e Sanções Administrativas. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 26 e 28.

[74] LESSA, Sebastião José. Do Processo Administrativo Disciplinar e da Sindicância de Acordo com as Leis 8.112/90, 8.429/92 e 9.784/99. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p.152.

[75] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 116.

[76] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19.ed. São Paulo: atlas, 2006. p. 596

[77] MADEIRA, Vinícius de Carvalho. Lições de Processo Disciplinar. São Paulo: Fortium, 2008. p. 32.

[78] LUZ, Egberto Maia. Direito Administrativo Disciplinar. 4.ed. São Paulo: Edições Profissionais, 2002. p. 256.

[79] VIEIRA, Judivan Juvenal, Processo Administrativo Disciplinar, IOB Thomson, 2005. p. 115.

[80] RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 255.

[81] COSTA, José Armando da. Direito Administrativo Disciplinar. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 201-2.

[82] ARAUJO, Edmir Netto de. O Ilícito Administrativo e seu Processo. São Paulo: RT, 1994. p. 63.

[83] OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 150 e 87.

[84] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2. Ed. São Paulo: ed. RT, 2005. p. 288-97. 

[85] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2. Ed. São Paulo: ed. RT, 2005. p. 318-20.

[86] COSTA, José Armando da, Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 5.ed. Brasília: Ed. Brasília Jurídica, 2005. p. 204-5.

[87] TEIXEIRA, Marcos Salles. Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar. Brasília: CGU, 2010. p. 266

[88] CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância. São Paulo: Fortium, 2008. p. 260

[89] COSTA, José Armando da, Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 5.ed. Brasília: Ed. Brasília Jurídica, 2005. p. 47.

[90] Parecer-AGU nº GQ-35.

[91] MOREIRA REIS, Antônio Carlos Palhares. Processo Disciplinar. 2. Ed. Consulex, 1999. p. 69.

[92] RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. , p. 294.

[93] TEIXEIRA, Marcos Salles. Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar. Brasília: CGU, 2010.

[94] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986. p. 565.

[95] TEIXEIRA, Marcos Salles. Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar. Brasília: CGU, 2010.

[96] TRF da 4ª Região, Apelação Civil nº 171.093.

[97] GUIMARAES, Francisco Xavier da Silva, Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 157.

[98] STF, RMS 24.453/DF-2004.

[99] Parecer-AGU nº GM-14.

[100] Parecer-AGU nº GM-3.

[101] Parecer-AGU nº GQ-173

[102] Parecer-AGU nº GM-3.

[103] DEZAN, Sandro Lucio. Ilícito administrativo disciplinar: da atipicidade ao devido processo legal substantivo. Curitiba: Juruá Editora, 2009

[104] VAROTO, Renato Luiz Mello. Prescrição no processo administrativo disciplinar. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 205.

[105] DEZAN, Sandro Lucio. Ilícito administrativo disciplinar: da atipicidade ao devido processo legal substantivo. Curitiba: Juruá Editora, 2009.

[106]  Idem, Ibidem.

[107] DEZAN, Sandro Lucio. Ilícito administrativo disciplinar: da atipicidade ao devido processo legal substantivo. Curitiba: Juruá Editora, 2009, pp. 26

[108] ALVES, Leo da Silva. Interrogatório e Confissão no processo disciplinar. Brasília: Ed. Brasília Jurídica, 2000. p. 07.


Informações Sobre o Autor

Marcelo Aguiar da Silva

Policial Rodoviário Federal / Bacharel em Direito pela UFRR


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