Do juízo arbitral e a administração pública

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Resumo: Historicamente, a solução dos conflitos sociais constitui-se em atividade exclusiva do Poder Judiciário, notadamente pela garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, na forma do inciso XXXV, do art. 5º, da CF/88. Todavia, tal mecanismo apresenta-se esgotado, principalmente da abrangência pela Carta Magana aos direitos individuais e sociais que consagra. O legislador, sensível aos apelos sociais, revigorou o instituto da arbitragem, por meio da Lei nº 9.307/96, como meio alternativo de solução de conflitos. Conferiu o caráter jurisdicional à atividade, na medida em que sedimenta no ordenamento jurídico a desnecessidade de homologação da sentença arbitral pelo Poder Judiciário. A decisão do juízo arbitral legitimamente constituído faz coisa julgada, nos mesmos moldes da sentença judicial. Cuida o presente trabalho de examinar a natureza jurídica do Juízo Arbitral e a possibilidade de sua aplicação nas relações jurídicas de que é parte o poder público.

Palavras-chave: juízo arbitral – jurisdição – poder público.

Abstract: Abstract: Historically, the solution of social conflicts is in exclusive activity of the judiciary, especially the constitutional guarantee of the not removing jurisdiction, in accordance with items XXXV of art. 5, the CF/88. However, such a mechanism has been exhausted, especially the scope of the Constitution to preserve individual and social rights that it enshrines. The legislator, watchful to social calls, reinvigorated the institute of arbitration, through Law No. 9.307/96, as an alternative mean of conflict resolution. He has granted the jurisdictional nature of this activity, as it settles to the law it’s unnecessary approval of the award by the judiciary. The decision of the arbitrators is legitimately constituted res judicata, in the same manner of the judicial sentence. This review intends to examine the legal nature of Arbitration and the possibility of its application in legal relations that is part of the government.

Keywords: Arbitration – jurisdiction – Public Administration.

Sumário: I. Introdução; II. Da natureza jurídica da arbitragem; III. da arbitragem na administração pública; IV – Conclusão.

INTRODUÇÃO

Tecnicamente, a solução dos conflitos sociais pode ocorrer mediante o exercício da autodefesa, da autocomposição e heterocomposição. Na forma primitiva, a solução se dá mediante o emprego das próprias forças, impondo-se a lei do mais forte. No segundo caso, a solução advém do entendimento das próprias partes em conflito, mediante a celebração de acordos, quer pela via da renúncia ou da transação.

Já no terceiro caso, da heterocomposição, a solução vem de um terceiro, desvinculado da relação de conflito.  No atual estágio do Estado Democrático de Direito, operam-se como meios de heterocomposição a atividade jurisdicional, por um dos poderes fundantes do Estado, ou pela arbitragem. A arbitragem como meio extrajudicial de solução de conflitos.

Segundo Beat Walter Rechsteiner, atualmente, estima-se que cerca de 90% dos contratos internacionais de comércio contêm uma cláusula arbitral e nos “contratos internacionais referentes à construção de complexos industriais e projetos de construção similares, o índice de cláusulas arbitrais, inseridas nestes contratos, atinge cerca de 100%. Neste terreno, a decisão das lides decorrentes de tais relações jurídicas é atribuída, basicamente, a tribunais arbitrais e não aos tribunais estatais.”[1]

Tal fato confere a importância que o instituto pode representar, no âmbito interno, técnica de solução adequada para conflitos das mais variadas espécies que atualmente gizam o convívio social. Notadamente quando, no âmbito do Poder Judiciário, tais pendências costumam se arrastar por 10, 15 e até 20 anos, para uma solução definitiva. O Juízo Arbitral obriga-se a entregar a solução definitiva em seis meses, conforme previsão legal.  

Instaurada nova ordem constitucional do Brasil, com a promulgação da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, houve um recrudescimento da procura do Poder Judiciário, mormente em face da manifesta ampliação dos direitos individuais e sociais.

O que se viu nos anos seguintes foi uma avalanche de demandas judiciais, reforçando um histórico de ineficiência do Poder Judiciário, na formulação de soluções para os conflitos, num limite temporal satisfatório. E, conforme máxima em direito, justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada.

A arbitragem, como meio alternativo de solução de conflitos, encontrava-se regulamentada pelo Código de Processo Civil, de 1973, pelos artigos 1.072 a 1.102, revogados pela Lei nº 9.307/96[2]. Todavia, jamais chegou a se constituir em um efetivo instrumento de pacificação social. Não passou de letra morta da lei, dado o uso que efetivamente (não) se imprimiu no seio da coletividade.

O ano de 1996 despontou-se como o ano do ressurgimento do instituto, a partir da disciplina estabelecida pelo legislador ordinário na citada Lei nº 9.307, que conferiu à sentença arbitral o caráter de título executivo judicial, tornando-se desnecessária a vestusta homologação do Poder Judiciário.

Nesse sentido, validamente instituído, a decisão proferida pelo juízo arbitral faz-se lei entre as partes, não havendo falar-se em homologação, para a sua eficácia enquanto título definitivo de direito. Fixou-se, também, a possibilidade da execução específica da cláusula compromissória, com o fim de promover a instituição forçada do Juízo, condição essencial para a efetividade do mecanismo.

Todavia, decorridos mais de 15 anos da publicação da lei, o uso da arbitragem continua confinado a poucos e específicos casos, não se desincumbindo do papel que lhe cabe, ou caberia, no cenário caótico vivido pelo Poder Judiciário.

Talvez, e de modo impróprio, apareça, ainda, como argumento principal para o desuso da técnica alternativa de solução definitiva dos conflitos, a garantia de inafastabilidade do Poder Judiciário, vertida no art. 5º, inciso XXXV, CF/88, que dispõe “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Tal aspecto revela-se superado, conforme será visto, notadamente pelo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, que conferiu interpretação da lei conforme a Constituição Federal/88, promovendo-se, acima de tudo, segurança jurídica àqueles que se dispuserem a utilizar do mecanismo.

Examina-se no presente trabalho a natureza jurídica do instituto; se se trata de atividade de natureza jurisdicional equiparável à dos juízes togados; ou, ao contrário, se se consubstancia em instituto de mera natureza contratual.

Por fim, examina a possibilidade de aplicação do instituto no âmbito dos contratos administrativos, notadamente pela situação em que se posicionam as partes e seus interesses: administração pública, de um lado, na defesa dos interesses coletivos; e, de outro lado, o particular, que busca a garantia de interesses meramente privados.

NATUREZA JURÍDICA DO JUÍZO ARBITRAL

A definição da natureza jurídica de determinado instituto, no âmbito da ciência do direito, é etapa essencial para a sua exata compreensão. Cuida-se, pois, da sistematização do direito, quer para fins didáticos, quer para a escorreita identificação de normas e princípios incidentes.

A propósito, Maria Helena Diniz leciona que o Direito, enquanto categoria afeta às ciências socais, encontra-se condicionado a uma ordem de constatações verdadeiras, logicamente relacionadas entre si, funcionando como instrumento de cognição do seu objeto. Acrescenta, in verbis:

“O conhecimento científico pretende ser um saber coerente. O fato de que cada noção que o integra possa encontrar o seu lugar no sistema e se adequar logicamente às demais é a prova de que seus enunciados são verdadeiros. Se houver alguma incompatibilidade lógica entre as ideias de um mesmo sistema científico, duvidosas se tornam as referidas ideias, os fundamentos do sistema e até mesmo o próprio sistema.”[3]

Insiste a autora que a natureza jurídica é a “afinidade que um instituto tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído o título de classificação[4].

Segundo Plácido e Silva, natureza, na terminologia jurídica, assinala notadamente “a essência, a substância ou a compleição das coisas… É, portanto, a matéria de que se compõe a própria coisa, ou que lhe é inerente ou congênita[5].

Determinar a natureza jurídica, portanto, é instrumento didático de indicar topograficamente a posição do instituto, segundo suas afinidades, e, mais propriamente, identificar, prima facie, as normas que lhe são aplicáveis, a partir dessa estruturação enquanto ciência. Ao “descobrir”, desnudar, tornar evidente a natureza jurídica, exercita-se parcela da atividade de interpretação jurídica, com o fim de afastar-se do casuísmo, do senso comum e do próprio erro etc.

 Na doutrina de Tânia Lobo Muniz “ para a explanação e compreensão de qualquer conceito jurídico devemos pensar o direito de forma sistemática, sendo que essa sistematização pressupõe uma análise dos valores e fins das normas e dos princípios jurídicos e a existência de ligações entre os institutos que o compõem, relacionando-os entre as diversas categorias jurídicas e o conjunto de normas de acordo com a determinação de suas características essenciais. Essas características compõem a sua natureza jurídica e determinam sua localização e relação com as demais normas integrantes do sistema jurídico.[6]

Nesse enfoque, torna-se relevante a definição da natureza jurídica da atividade do “juízo arbitral”, de forma a estabelecer a exata compreensão do instituto no ordenamento pátrio, a partir da análise dos valores e fins das normas que disciplinam a matéria.

No que tange definição da natureza jurídica do instituto da arbitragem, constata-se o predomínio de duas correntes antagônicas. De um lado, a teoria privatista (ou contratual); de outro, a publicista  (ou jurisdicional).”[7]

Porém, conforme será demonstrado adiante, a divergência não se encontra restrita à essas duas correntes. Veja.

Segundo os defensores da teoria publicista, a arbitragem age como substituta da jurisdição, dentro dos limites legais. Assim, pois a função dos árbitros é substancialmente a mesma dos juízes, enquanto definem a solução concreta dos conflitos. A arbitragem, portanto, seria uma forma de administração da justiça semelhante ao processo estatal, sujeita às normas e princípios próprios daquela.

De fato, parte do conteúdo normativo encampado na reforma do instituto pela novel legislação deixa mais em evidencia a intenção de atribuir à atividade arbitral o caráter jurisdicional.

Veja, v.g., o disposto no art.32. Determina o legislador ordinário que a decisão final dos árbitros produzirá os mesmos efeitos da sentença estatal, constituindo a sentença condenatória título executivo que, embora não originário do Poder Judiciário, assume o status de “ato judicial”.

Tem-se, pois, que o legislador equiparou a sentença arbitral à sentença proferida pelo Estado-Juiz, como ato de autoridade que decide o conflito e vincula as partes litigantes ao cumprimento da declaração, constituição, condenação exarada pelo juiz ou tribunal privado.

Seguindo-se, o artigo 18 estabelece que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recursos ou a homologação pelo Poder Judiciário”.

Lado outro, por se tratar de atividade própria do Estado, as medidas cautelares, constritivas ou de coerção e constrição, restaram confinadas ao universo do Poder Judiciário. Daí porque alguns sustentam a inexistência de atividade jurisdicional do juízo arbitral. Ou seja, a ausência de coercitividade dos árbitros é que impede que se atribua a essa atividade o caráter jurisdicional. Para eles, retirando o poder de coerção e executividade dos árbitros, características próprias da jurisdição, não há que se falar em mesma natureza jurídica.

Destarte, evidencia-se uma ênfase maior aos atos executórios propriamente ditos, que a fase de conhecimento que antecede estes.

Por sua vez, a corrente privatista entende que os poderes dos juízes arbitrais advêm de um compromisso bilateral, revelando sua natureza negocial, portanto, de cunho eminentemente obrigacional. Nada há de jurisdicional nessa atividade.

Para aqueles que se filiam a esta corrente, a arbitragem tem natureza puramente contratual, com ênfase na fase da convenção arbitral, na qual as partes acordam sobre a resolução do conflito, quando se entrega a decisão a terceiros (árbitros), outorgando-lhes poderes.

Nesse sentido, os juízes arbitrais figuram como meros mandatários das partes, e sua decisão nada mais é que a manifestação da vontade daqueles, podendo-se equiparar a sentença arbitral a um contrato que põe fim ao litígio.

Os defensores desta teoria (privatista) argumentam ainda que a ausência do poder de coerção do juízo arbitral, que depende do poder estatal para a execução de sua sentença, acaba por negar a natureza jurisdicional à atividade dos árbitros. Bem por isso, consideram a arbitragem um processo, só que não jurisdicional, sendo esta atividade típica do Estado (seu o monopólio), insuscetível de ser exercida por outrem que não os juízes togados.

Para ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, “não há como se admitir a natureza jurisdicional da arbitragem, embora não se possa negar o múnus público exercido pelo árbitro, em sua atividade privada, de busca da pacificação social”[8].

Então, a arbitragem teria uma natureza pública, mas não estatal, razão pela qual incabível seria falar-se em função é jurisdicional do juízo arbitral. Para o jurista, pensar de outra forma seria infringir o monopólio estatal da jurisdição, o que não seria possível.

Há aqueles que veem na atividade uma natureza jurídica híbrida, sendo parte contratual e parte jurisdicional.

Numa primeira fase, a contratual. Essa se dá pela manifestação das partes, que firmam um compromisso de submeter a terceiro a solução de conflitos existentes ou que venham a existir. Numa segunda fase, assume o caráter jurisdicional, na medida em que atua na dicção do direito para a solução de conflitos, na forma e procedimentos específicos para a atividade arbitral.

Vale dizer, a base da arbitragem é contratual, dado que decorrente da autonomia da vontade. Nela, as partes não só vão conferir a terceiros a solução do litígio e estabelecer as normas que irão regê-lo, mas também fixar os fundamentos e os limites do juízo arbitral. Contudo, essa vontade encontra-se vinculada à disponibilidade do objeto e pelos princípios de ordem pública, como será visto adiante.

Há, ainda, uma quarta corrente, que qualifica a atividade da arbitragem como contratual e de quase-jurisdição, dado que, conforme já adiantado, as atividades dos juízes arbitrais não alcançam os meios executórios propriamente ditos. Sem esse particular aspecto, faleceria potência para qualificar a atividade como jurisdicional.

Por fim, temos uma nova corrente, defendida por Welber Barral, para quem a tentativa de inserção dos fenômenos jurídicos num grupo pré-estabelecido redunda, não raras vezes, num esforço intelectual infrutífero, uma vez que se aceita a categoria como paradigma de explicação, e limite de aplicação do fenômeno[9].

Advoga, portanto, natureza jurídica autônoma para o instituto da arbitragem, ao argumento de que somente a compreensão da impossibilidade de sua categorização é que permitirá a evolução da arbitragem, resguardando concomitantemente os interesses coletivos. Com esses argumentos, sustenta prematura a tentativa de inclusão da arbitragem numa categoria preexistente.

Filiamo-nos à corrente que sustenta a natureza híbrida para a atividade da arbitragem, sendo parte contratual e parte jurisdicional.

De fato, não se pode negar a potência da manifestação da vontade das partes para a constituição válida do juízo arbitral. A dizer, numa primeira fase (contratual) que se aperfeiçoa pela livre vontade das partes no exato instante em que firmam um compromisso de submeter ao juízo arbitral a solução de conflitos existentes ou que venham a existir. Portanto, a investidura do juízo é decorrente da relação obrigacional, pois fundada na vontade das partes (autonomia da vontade).

Num segundo momento, depois de instituído o juízo arbitral, a atuação do juízo arbitral se confunde com a atividade jurisdicional, na medida em que atua na dicção do direito para a solução de conflitos, na forma e procedimentos específicos, legitimamente constituídos.

Observe-se, no entanto, que o laudo arbitral não é ato integrativo do compromisso, nele tem seus fundamentos e seus limites, mas seus efeitos decorrem da lei, e não da vontade das partes[10].

Nesse sentido, resta evidente o caráter jurisdicional da atividade, notadamente pelos termos do artigo 18, da Lei 9.307, dispondo que o laudo é vinculante entre as partes não por ser negócio, mas enquanto provimento com natureza jurisdicional. Primeiro, porque o provimento forma-se de modo substancialmente jurisdicional, mesmo que a pedido das partes, nos limites por elas traçados

Segundo, porque é a lei equipara os efeitos do laudo ritual aos da sentença, tornando aquele, da mesma força que esta, incontestável após o decurso do prazo para a impugnação.

Estabelece o artigo 31, da Lei 9.307/96, que “A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelo órgão do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.

No atual estágio do direito positivo, consubstancia-se como mero mito o monopólio estatal da jurisdição, dado que perfeitamente possível partilhar a jurisdição sem contudo subtrair do controle estatal os atos jurisdicionais. Até mesmo porque nunca existiu na legislação pátria nenhum texto legal atribuindo tal atividade exclusivamente ao Estado. Tudo decorre de uma construção legal e doutrinária, a partir da realidade social.

Nesse sentido, sustenta Joel Dias Figueira Júnior que “diante da facultatividade concedida aos jurisdicionados para buscarem a solução de seus conflitos de interesses de natureza patrimonial disponível através da jurisdição estatal ou privada, tendo o Estado-juiz a fortalecer-se gradativamente, à medida que for necessariamente provocado quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis, onde sua atuação é imprescindível em face da natureza da relação conflituosa no plano material.”[11]

DA ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A arbitragem é um meio alternativo para a solução de conflitos, instituído pela vontade das partes e nos termos da lei. Pode tratar-se tanto da solução de um conflito existente, quanto de um que venha a existir. Para tanto, requer das partes a capacidade para contrair direitos e obrigações, bem como, por  objeto, bens patrimoniais disponíveis.

Para o jurista CARLOS ALBERTO CARMONA: “Em síntese apertada, a Lei 9.307/96, ao regular a arbitragem no Brasil, introduziu pelo menos três novidades fundamentais que modificam radicalmente a estrutura do instituto no país: a) determinou que a arbitragem pode ser instituída através (sic) da convenção de arbitragem, que engloba tanto  o compromisso arbitral quanto a cláusula compromissória (art. 3º da Lei) baseando-se o legislador brasileiro, portanto,  no atual modelo francês; b) estipulou que a sentença arbitral passa a ter a mesma eficácia da sentença estatal (art. 18 da Lei); de tal sorte que, sendo condenatória, constituirá título executivo judicial ( art. 584, III do CPC brasileiro), o que significa dizer que o laudo arbitral condenatório fica equiparado, para todos os efeitos – inclusive para fins de eventuais embargos do devedor – à sentença estatal da mesma natureza; e c) deixou claro que cabe ao Supremo Tribunal Federal homologar sentenças arbitrais estrangeiras, de tal sorte que o art. 35 da Lei de Arbitragem interpreta de modo conveniente o art. 102, I, h da CF que outorga  à Suprema Corte a competência para a ‘homologação das sentenças estrangeiras’ (sejam elas estatais ou arbitrais).”[12]

O termo, arbitragem, vem do latim arbiter, árbitro, mediador, e designa o “processo decisório de conflito de interesses, em que os litigantes escolhem, de comum acordo, um árbitro ou mediador, comprometendo-se a acatar o parecer deste.”[13]

Nos dizeres do Prof. CRETELLA JÚNIOR, arbitragem é “O sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos especiais e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual, duas ou mais pessoas físicas, ou jurídicas, de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida”.[14]

Em resumo: trata-se de um instrumento processual instituído pela manifestação livre da vontade das partes em conflito, em que um terceiro é eleito para apresentá-las (fazer-se presente) e, em face de determinado conflito, emitir uma decisão que ponha fim a este, aplicando-se o direito ao caso concreto. A decisão arbitral gera efeitos da coisa julgada, à semelhança do que ocorre com as decisões do poder estatal, tendo, portanto, caráter jurisdicional, conforme visto no capítulo antecedente.

Em rápida digressão, cumpre asseverar a plena compatibilidade da novel legislação com a ordem constitucional. É o que se extrai de excerto do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, quando do julgamento do agravo na homologação de sentença estrangeira 5.206-7, verbis

Estou em que não há óbices constitucionais a que o fizesse a nova lei.

Já Amilcar de Castro, em passagem que também recordei no precedente (Direito Internacional Privado, 1956, II/276, depois de notar, na linha da jurisprudência, que, ‘no silêncio da lei, tem-se entendido que o laudo arbitral, não judicialmente homologado, não deve ser equiparado às sentenças, mas aos contratos’, observa que isso ‘não quer dizer que expressamente não possa a lex fori estabelecer essa equiparação’.

É o que acaba de fazer a L. 9.307/96, tanto com relação às sentenças arbitrais proferidas no País, quanto às provindas do estrangeiro.

Não creio que – com relação às primeiras – as sentenças arbitrais brasileiras – à sua equiparação às sentenças judiciais se possa opor a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário.

O que a Constituição não permite à lei é vedar o acesso ao Judiciário da lide que uma das partes lhe quisesse submeter, forçando-a a trilhar a via alternativa da arbitragem (Hamilton de Morais e Barros, Comentários ao C.Pr.Civil, Forense, v/d, IX/377).

O compromisso arbitral, contudo, funda-se no consentimento dos interessados e só pode ter por objeto a solução de conflitos sobre direitos disponíveis, ou seja de direitos a respeito dos quais podem as partes transigir.

Ora, acentuou o saudoso J. Frederico Marques (Instituições de Dir. Proc. Civil, 1960, n.1.330, V/423) – ‘assim como o Estado, por estar em foco direito disponível, deixa que os interessados solucionem, através da transação, suas desinteligências recíprocas, nada há de estranhável que, também, autorize esses mesmos interessados a submeterem a resolução do conflito a outras pessoas, em lugar de o levarem, através da propositura de ação, a juízes e tribunais.’.

Em síntese: da licitude de transação sobre os direitos materiais objeto da lide, surge, sem violência à Constituição, a legitimidade da renúncia, em relação a eles, do direito de ação, que, embora autônomo, tem caráter instrumental.”

A nova Lei da Arbitragem não afasta o Poder Judiciário, nem lhe subtrai poderes ou prerrogativas. Tão-somente privilegia a vontade das partes que poderão optar, livremente, por recorrer à arbitragem para solucionar controvérsias de caráter patrimonial.

Nesse sentido, NELSON NERY JR adverte “O fato de as partes poderem constituir compromisso arbitral, não significa ofensa ao princípio constitucional do direito de ação. Isto porque somente os direitos disponíveis podem ser objeto de compromisso arbitral, razão porque as partes estão abrindo mão da faculdade de fazerem uso da jurisdição estatal, optando pela jurisdição arbitral. Terão, portanto, sua lide decidida pelo árbitro, não lhes sendo negada a aplicação da atividade jurisdicional”[15]

O árbitro, juiz que é de fato e de direito (art.18, LA), exerce a jurisdição em sentido amplo, como instrumento privado de pacificação social, dirimindo conflitos de natureza patrimonial disponíveis.

Mesmo com a atuação do juízo arbitral, a participação do Poder Judiciário continua imprescindível à completa satisfação dos direitos particulares. No caso em tela, o legislador reservou os atos de força para o Poder Estatal, a quem se recorrerá qualquer das partes, sempre que houver alguma nulidade (LA, art. 32, e seus incisos), bem como abre espaço ao devedor para, nos embargos, alegar a ocorrência de qualquer das nulidades previstas no repositório.

Todavia, conforme estabelecido no julgamento do Agravo (homologação da sentença estrangeira 5.206-7) restou evidenciado o objeto próprio para a atuação dos juízos arbitrais, qual seja, no campo dos direitos disponíveis, que, pela sua própria natureza, admitem inclusive a renúncia na sua integralidade.

Destarte, exsurge a seguinte indagação: é possível a utilização do instituto da arbitragem para a solução de conflito em que uma das partes seja pessoa jurídica de direito público?

Num primeiro momento, poder-se dizer que sim. O artigo 1º, da Lei 9.307/96, estabelece como legítimo objeto para a instituição da arbitragem os conflitos que envolvam direitos disponíveis, que podem ser compreendidos como os qualificados como direitos patrimoniais. Tal como disposto, inexiste limitação da arbitrabilidade subjetiva, podendo integrá-la pessoas físicas, quanto jurídicas; estas, privadas ou públicas, desde que envolvam direitos disponíveis.

Porém, o art. 25, daquele Estatuto, estabelece que “sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral.”

Daí, portanto, a razão para se indagar sobre a propriedade de aplicar o instituto no âmbito dos contratos administrativos, pois via de regra guardam relação com direitos indisponíveis, relacionados com interesses coletivos e não interesses privados.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor publico – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis[16].

Nesse sentido, assegura o jurista que na Administração Pública os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador.

Já no caso do juízo arbitral, a exigência indispensável para a escorreita constituição e desenvolvimento da atividade que lhe é própria, demanda que o objeto do conflito recaia sobre bens gravados pela disponibilidade de seu titular. É que, em relação a tais direitos, predomina o princípio da autonomia da vontade, podendo, em regra, o titular dos mesmos até mesmo deles desfazer, desde que não com isso não atinja interesses legítimos de terceiros. Esse não é o caso da administração pública.

Demais disso, parece evidente que o administrador público encontra-se vinculado à lei, só podendo fazer aquilo que autoriza a lei. Não serve ao desiderato autorização genérica, pois viola a ordem constitucional, notadamente o princípio da legalidade estrita (art. 5º, II, CF/88).

A propósito da matéria, Hely Lopes Meirelles leciona em sentido contrário: “Se é verdade que na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, a Lei 9307/96 permitiu expressamente a todas as pessoas capazes de contratar (aí incluindo-se a Administração Pública direta e indireta) a possibilidade de se valerem da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Autorização legal, portanto, existe. Facultativa, porém , é a sua utilização”[17]

Há, ainda, aqueles que dividem o interesse público em: (i) interesse público primário; (ii) interesse público secundário.

O primeiro, interesse público primário é a razão de ser do Estado e relaciona-se com as atividades e fins que dele se esperam: justiça, segurança e bem-estar social. E, sobre tais interesses, jamais se poderia admitir qualquer espécie de transação. O mesmo ocorre com o exercício do poder de polícia, pois tendente à determinação da conduta do administrado[18].

Já o interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito público, que seja parte em uma determinada relação jurídica, porém relacionados com valores patrimoniais, embora de cunho supra-individual. Mensuráveis, do ponto de vista econômico.

Assim, parcela da doutrina admite certa flexibilização do conceito de interesse público, para argumentar que, quando se tratar de direitos relativos ao interesse secundário, poder-se-ia incluí-los no âmbito do juízo arbitral. Do contrário, envolvendo uma relação jurídica de subordinação, permeada da supremacia do interesse público, portanto, que envolvem bens sabidamente indisponíveis, não caberia a submissão ao indigitado meio alternativo para solução dos conflitos.

Todavia, ainda em relação aos interesses públicos secundários, penso que a mera faculdade haurida do conteúdo normativo da lei de arbitragem não é suficiente para a resolução de conflitos com o emprego do juízo arbitral. Parece evidente a necessidade de lei especial, definido critérios objetivos, indicando o órgão de atuação, e o procedimento admitido. Sem essa autorização legislativa, penso que Lei nº 9.307/96, em relação aos conflitos de que faça parte a administração pública, não fornece substrato jurídico suficiente para a segurança jurídica do administrador.

Outro ponto sensível do debate incide sobre o custo do serviço (da arbitragem). Sabido e consabido que a cobrança pelo serviço é variável, girando em torno de  2 a 6% (dois a seis por cento) do valor do objeto de conflito. Resta saber qual é a norma jurídica que autoriza o administrador público contrair tal encargo, que deve ter previsão legal (princípio da legalidade estrita).

Lado outro, no caso das empresas públicas e das sociedades de economia mista, quando voltadas para a exploração de atividade econômica, por força do contido no art. 173, § 1º, da CF/88, há inclinação maior à permissão do uso da arbitragem, ao fundamento de que tais empresas estariam, como de fato estão, sujeitas ao regime jurídico de direito privado.

Aliás, é nesse sentido que tem se encaminhado a jurisprudência pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), para reconhecer perfeitamente legítima a cláusula compromissória celebrada pelo poder público, notadamente quando a matéria versar sobre bens jurídicos disponíveis (interesse público secundário). Pede-se vênia para a transcrição quase integral do seguinte julgado, verbis:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PERMISSÃO DE ÁREA PORTUÁRIA. CELEBRAÇÃO DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. JUÍZO ARBITRAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. ATENTADO.

1. A sociedade de economia mista, quando engendra vínculo de natureza disponível, encartado na mesma cláusula compromissória de submissão do litígio ao Juízo Arbitral, não pode pretender exercer poderes de supremacia contratual previsto na Lei 8.666/93.

2.  A decisão judicial que confere eficácia à cláusula compromissória e julga extinto o processo pelo "compromisso arbitral", se desrespeitada pela edição de Portaria que eclipsa a medida afastada pelo ato jurisdicional, caracteriza a figura do "atentado" (art. 880  do CPC).

3.O atentado, como manifestação consistente na alteração do estado fático da lide influente para o desate da causa, pode ocorrer em qualquer processo. Impõe-se, contudo, esclarecer que, quando a ação é proposta, as partes não se imobilizam em relação ao bem sobre o qual gravita a lide. Nesse sentido, não se vislumbra na fruição normal da coisa ou na continuação de atos anteriores à lide (qui continuat non attentan). Assim, v.g., 'em ação de usucapião, como posse justificada, o usucapiente pode construir no imóvel; ao revés, há inovação no estado de fato e portanto comete atentado o réu que em ação reivindicatória procura valorizar o imóvel erigindo  benfeitorias úteis no bem, ou o demandado que violando liminar deferida aumenta em extensão a sua infringência à posse alheia. De toda sorte, é imperioso assentar-se que só há atentado quando a inovação é prejudicial à apuração da verdade. O atentado pode ocorrer a qualquer tempo, inclusive, após a condenação e na relação de execução. (Luiz Fux, in, Curso de Direito Processual Civil, 3ª edição, Editora Forense, páginas 1637/1638)

4. Mandado de segurança impetrado contra ato do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, ante a publicação da Portaria Ministerial nº 782, publicada no dia 07 de dezembro de 2005, que ratificou os termos da rescisão contratual  procedida pela Nuclebrás Equipamentos Pesados S/A – NUCLEP, em 14 de junho de 2004, Ato Administrativo nº 01/2005, de 05 de setembro de 2005, do contrato administrativo de arrendamento C-291/AB -001, celebrado em 16 de dezembro de 1997, com a empresa TMC, terminal Multimodal de Coroa Grande S/A e autorizou tanto a assunção imediata pela NUCLEP, do objeto do contrato de arrendamento C-291/AB 001, conforme permissivo legal expresso no art. 80, inc. I da Lei 8.666/93, como a ocupação e utilização do local, instalações, necessárias à continuidade do objeto do contrato de arrendamento C-291-001, conforme permissivo legal expresso no art. 80, inc. II e § 3º, da Lei nº 8.666/93, em afronta às cláusulas 21.1 e  21.2, do Contrato de Arrendamento para Administração, Exploração e Operação do Terminal Portuário e de Área Retroportuária (Complexo Portuário), lavrado em 16/12/1997 (fls.31/42), de seguinte teor:

“Cláusula 21.1 –  Para dirimir as controvérsias resultantes deste Contrato e que não tenham podido ser resolvidas por negociações amigáveis, fica eleito o foro da Comarca do Rio de Janeiro, RJ, em detrimento de outro qualquer, por mais privilegiado que seja.

Cláusula 21.2 – Antes de ingressar em juízo, as partes recorrerão ao processo de arbitragem previsto na Lei 9.307, de 23.09.06.

5.  Questão gravitante sobre ser possível o juízo arbitral em contrato administrativo, posto relacionar-se a direitos indisponíveis.

6. A doutrina do tema sustenta a legalidade da submissão do Poder Público ao juízo arbitral, calcado em precedente do E. STF, in litteris:

"Esse fenômeno, até certo ponto paradoxal, pode encontrar inúmeras explicações, e uma delas pode ser o erro, muito comum de relacionar a indisponibilidade de direitos a tudo quanto se puder associar, ainda que ligeiramente, à Administração."

Um pesquisador atento e diligente poderá facilmente verificar que não existe qualquer razão que inviabilize o uso dos tribunais arbitrais por agentes do Estado.

Aliás, os anais do STF dão conta de precedente muito expressivo, conhecido como 'caso Lage', no qual a própria União submeteu-se a um juízo arbitral para resolver questão pendente com a Organização Lage, constituída de empresas privadas que se dedicassem a navegação, estaleiros e portos.

A decisão nesse caso unanimemente proferida pelo Plenário do STF é de extrema importância porque reconheceu especificamente 'a legalidade do juízo arbitral, que o nosso direito sempre admitiu e consagrou, até mesmo nas causas contra a Fazenda.' Esse acórdão encampou a tese defendida em parecer da lavra do eminente Castro Nunes e fez honra a acórdão anterior, relatado pela autorizada pena do Min. Amaral Santos.

Não só o uso da arbitragem não é defeso aos agentes da administração, como, antes é recomendável, posto que privilegia o interesse público."  (in "Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória", publicado na Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, , Editora Revista dos Tribunais, Ano 5, outubro – dezembro de 2002, coordenada por Arnold Wald, esclarece às páginas 398/399).

7. Deveras, não é qualquer direito público sindicável na via arbitral, mas somente aqueles cognominados como "disponíveis", porquanto de natureza contratual ou privada.

8. A escorreita exegese da dicção legal impõe a distinção jus-filosófica entre o interesse público primário e o interesse da administração, cognominado “interesse público secundário”. Lições de Carnelutti, Renato Alessi, Celso Antônio Bandeira de Mello e Min. Eros Roberto Grau.

9. O Estado, quando atestada a sua responsabilidade, revela-se tendente ao adimplemento da correspectiva indenização, coloca-se na posição de atendimento ao “interesse público”. Ao revés, quando visa a evadir-se de sua responsabilidade no afã de minimizar os seus prejuízos patrimoniais, persegue nítido interesse secundário, subjetivamente pertinente ao aparelho estatal em subtrair-se de despesas, engendrando locupletamento à custa do dano alheio.

10. Destarte, é assente na doutrina e na jurisprudência que indisponível é o interesse público, e não o interesse da administração.

11. Sob esse enfoque, saliente-se que dentre os diversos atos praticados pela Administração, para a realização do interesse público primário, destacam-se aqueles em que se dispõe de determinados direitos patrimoniais, pragmáticos, cuja disponibilidade, em nome do bem coletivo, justifica a convenção da cláusula de arbitragem em sede de contrato administrativo.

12. As sociedades de economia mista, encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, § 1º, inciso II,  da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, uma vez legitimadas para tal as suas congêneres. (…)” (MS 11.308/DF – 2005/0212763-0. Relator Ministro Luiz Fux. Primeira Seção. 09/04/2008. DJe de 19/05/2008).

A propósito, no julgado o Ministro Luiz Fux relaciona doutrina de Dalmo Dallari, verbis: “Ao optar pela arbitragem o contratante público não está transigindo com o interesse público, nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses públicos, Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita, ou um meio mais hábil, para a defesa do interesse público. Assim como o juiz, no procedimento judicial deve ser imparcial, também o árbitro deve decidir com imparcialidade, O interesse público não se confunde com o mero interesse da Administração ou da Fazenda Pública; o interesse público está na correta aplicação da lei e se confunde com a realização correta da Justiça."

Enfim, se no campo das relações jurídicas e seus particulares, inexistem dúvidas quanto à integral aplicação do juízo arbitral, para a solução de conflitos envolvendo direitos disponíveis, embora se reconheça de pronto o persistente desuso do instrumento, parece evidente também a necessidade do aprofundamento na matéria, em relação ao uso da arbitragem nas relações jurídicas de que faça parte a Administração Pública.

CONCLUSÃO

O instituto da arbitragem não se constitui em novidade no ordenamento jurídico. Contrasta, portanto, com o pouco uso que dele se faz. Raramente os particulares se utilizam desse importante mecanismo de pacificação social. Ainda são pouquíssimos são os casos encaminhados para a solução do juízo arbitral, se comparados com a avalanche de processos que diariamente abarrotam o Poder Judiciário. Este tem se revelado incapaz de prestar a justiça esperada pela sociedade. Justiça a tempo e a hora.

O diferencial do Juízo Arbitral é a rapidez que se pretende para as suas decisões. A economia recai sobre o tempo para resolver o conflito, já que a própria lei fixou um período pré-definido para a atuação e prolação da sentença arbitral (seis meses). Como visto o custo é alto, talvez até mesmo pelo pouco uso que dele se faz. A medida que houver sua disseminação, a tendência é a redução do custo. Mesmo assim, a economia de tempo, com a necessária segurança jurídica, é suficiente para justificar a sua utilização.

Porém, decorridos quinze anos da edição da Lei 9.307/96, a situação pouco mudou em relação ao período que precedeu a novel legislação. Talvez pela cultura de litigiosidade que permeia o ensino do Direito.

Lado outro, é consenso que o Poder Judiciário, por si só, não conseguirá dar cabo a todas as demandas surgidas do convívio social. O desenvolvimento tecnológico, seguido pela ampliação das relações sociais, acabou por provocar um substancial acréscimo dos conflitos, e a simples ampliação da estrutura do Judiciário não será suficiente para suprir a demanda existente e futura.

Nesse contexto, o juízo arbitral constitui-se em indispensável instrumento de solução dos conflitos, notadamente em relação aos particulares, quando envolvidos em questões relacionadas com direitos disponíveis.

Para o poder público, revela-se também útil, principalmente em relação aos conflitos relacionados com as atividades das sociedades de economia mista e empresas públicas, que explorem atividade econômica, na forma prevista pelo art. 173, CF/88. O uso da arbitragem também se mostra viável para o restante da administração pública, de conformidade com jurisprudência dominante. Todavia, para aqueles que a admitem, teria espectro somente em relação aos conflitos que envolvam o interesse público secundário; a dizer, direitos patrimoniais da administração pública.

 

Notas:
[1] RESCHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem privada internacional no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.  p. 15.

[2] O Código Civil de 1916 – Lei 3.071, 1.037 a 1048, continha normas disciplinadoras do instituto da arbitragem. Esses artigos também permaneceram em vigor até o advento da Lei 9307/96, que  expressamente os revogou.

[3] Diniz, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 8ª ed. São Paulo: SARAIVA, 1995, pág. 17.

[4] Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. 1º Volume. 22ª ed. São Paulo: SARAIVA, 2005, pág. 66

[5] De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. Volume III J-P, 11ª ed. Rio de Janeiro: FORENSE, 1991, pág. 230.

[6]  Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 30.

[7] FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução.  2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 1999. p. 152.

[8] CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem: Lei n° 9.307/96.  2. ed.  Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,   p. 11.

[9]  BARRAL, Welber.  Arbitragem e jurisdição. Disponível em: http://buscalegis.ufsc.br. Acesso em: 08/11/2012..

[10] MAGALHÃES, José Carlos de; BAPTISTA, Luiz Olavo.  Arbitragem comercial.  Rio de Janeiro: FREITAS BASTOS, 1986,  p. 20/21.

[11] Arbitragem, legislação nacional e estrangeira e o monopólio jurisdicional. São Paulo: LTr, 1999. Pág. 22.

[12] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem no Brasil no terceiro ano de vigência da Lei 9.307/96. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 99, 2000. p. 85.

[13] ACQUAVIVA, Marcus Cláudio.  Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva. 9. ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1998. p. 166.

[14] CRETELLA JÚNIOR, José. Da arbitragem e seu conceito categorial. Revista Informativa do Legislativo. Brasília, 1988. p. 127.

[15] NERY JR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal.  São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.  p. 77.

[16] Curso de Direito Administrativo. 17ª ed., São Paulo: SARAIVA, 2002,  pág. 64.

[17] Direito Administrativo Brasileiro. 32ª ed., São Paulo: MALHEIROS, 2010. Pág. 252

[18] Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Código Tributário Nacional, CTN).


Informações Sobre o Autor

Carlos Afonso Rodrigues Gomes

Procurador Federal.Com pós-graduação em Direito Processual Civil, pela UNISUL.


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