Resumo: Este estudo visa a discutir a juridicidade do pagamento de juros de mora relativos a dívidas de valor da Administração Pública para com os seus servidores, que deve ser realizado à razão de 12% ao ano até antes da vigência da Medida Provisória no 2.180-35/2001, quando, a partir de então, passaram a ser de 6% ao ano.
Palavras-chave: Juros de mora nas relações jurídicas estatutárias; juros moratórios; verba de natureza salarial; dívida de valor; Lei no 9.494/97; Medida Provisória no 2.180-35/2001; RE 453740/RJ.
Sumário: 1 – INTRODUÇÃO; 2 – NORMALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA; 3 – JURISPRUDÊNCIA DO STJ; 4 – DECISÕES ADMINISTRATIVAS; 5 – JURISPRUDÊNCIA DO STF; 6 – CONCLUSÃO.
1 – INTRODUÇÃO
Logo de início, gostaríamos de ressaltar que o tema em questão, juros de mora sobre pagamento de verbas de natureza salarial de índole estatutária, não foi objeto de súmula do Tribunal de Contas da União e, de igual forma, também não há qualquer decisão de caráter normativo por parte dessa Corte de Contas.
Verdadeiramente, o real sentido de juros nos é dado pela doutrina, que, regra geral, dispõe que os juros constituem um preço pelo uso do dinheiro (natureza remuneratória ou compensatória), e, em outros momentos, assume um sentido inverso, i.é, serve como um preço pelo não pagamento do dinheiro (função moratória – precisamente o caso sub examine).
Os juros são ainda classificados como legais ou convencionais, sendo que esses requerem a expressa manifestação da vontade das partes, já aqueles, de maneira diversa, se produzem em virtude de regra jurídica previamente estabelecida.
O Antigo Código Civil previa juros legais em 6% ao ano, o que certamente levou o legislador a estabelecer este percentual no art. 1o-F da Lei nº 9.494/97 – o que se fez através da edição da Medida Provisória 2.180-35/2001 – dispositivo esse, como veremos mais adiante, de fundamental importância para o esquadrinhamento da matéria em questão. De outro norte, os juros convencionais poderiam alcançar o dobro desse percentual.
Já o Código Civil vigente (NCC), editado em janeiro de 2002, provocou fortes mudanças em relação à disposição sobre o percentual de juros.
Ao dispor sobre os juros moratórios, o artigo 406 do NCC preconiza:
“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação de lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional“. (g.n.)
Ora, a referida taxa corresponde ao que disposto no § 1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional (CTN), vejamos, litteris: “Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.”
Entretanto, relacionando-se os juros de mora a dívidas advindas de relações jurídicas estatutárias, por ter caráter alimentar, não haveria falar em aplicação do comando contido no então art. 1.062 do CC (6% aa), nem tampouco do que disposto no art. 406 do NCC (1% am), mas sim do Decreto-Lei nº 75/66 e do art. 3o do Decreto-Lei nº 2.322/87, que tem, na verdade, o mesmo efeito ocasionado pelo citado art. 406 do NCC, ou seja, implicam também juros de mora segundo a taxa de 1% ao mês.
2 – NORMALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Afinado por esse mesmo diapasão está o Tribunal Superior Eleitoral, que, conforme a sua Resolução no 21.970, de 14.12.2004, faz incidir juros moratórios de que trata este trabalho na base de 1% ao mês, tendo sido seguido por diversos outros Tribunais, como por exemplo o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul., que editou a Resolução 157/2006, da qual destacamos os seguintes dispositivos:
“Art. 1º Incidirão juros moratórios quando a Administração não proceder ao pagamento de valores a agente público no prazo de 30 (trinta) dias úteis, salvo disposição em contrário, a contar da data:
I. da publicação de lei; II. da publicação do ato regulamentar; III. da decisão administrativa; IV. em que o servidor ou agente adquiriu o direito, quando se tratar de concessão automática; V. de recebimento do requerimento, nos casos em que a concessão da vantagem de caráter individual necessitar de manifestação expressa da parte interessada, observada a prescrição prevista no art. 110 da Lei n. 8.112/90; VI. de recebimento de documentos indispensáveis à instrução de processos versando sobre concessões automáticas.
Parágrafo único. No caso de lei concessiva de reajuste de vencimentos ou quaisquer outras vantagens pecuniárias com efeito retroativo, somente incidirão juros moratórios quando os valores devidos deixarem de ser pagos no prazo previsto no caput deste artigo, facultado à Administração antecipar os pagamentos por meio de folha suplementar.
Art. 2º. Não realizado o pagamento no prazo de 30 (trinta) dias, os juros moratórios incidirão desde as datas de que tratam os incisos do artigo anterior, até a data do efetivo pagamento.
Art. 3º. Os juros moratórios de que trata esta Resolução serão aplicados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.” (g.n)
3 – JURISPRUDÊNCIA DO STJ
Nesse mesmo sentido estava a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[1]– STJ, do que é exemplo o Recurso Especial 163295/PR (1998/0007691-3), julgado em 16/03/99, que assim pontificou:
“Os débitos decorrentes de reajuste de vencimentos de servidores públicos federais, ainda que de caráter nitidamente estatutários não trabalhistas, por consubstanciarem dívidas de valor de natureza alimentar impõe a incidência dos juros moratórios sobre seus valores na taxa privilegiada de 1% ao mês, atualizados monetariamente desde quando devidas as prestações, compatibilizando-se a aplicação simultânea do Decreto-lei nº 2.322/87 e do art. 1.062 do Código Civil.” (g.n)
Com efeito, por esse entendimento, o percentual de juros seria explicado exclusivamente pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87 c/c o Decreto-Lei 75/66, incidindo juros de 1% ao mês sobre dívidas resultantes da complementação de salários, conforme, inclusive.
Após a vigência da Medida Provisória no 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, que acrescentou o art. 1o – F ao texto da Lei no 9.494/97[2], o Superior Tribunal de Justiça passou a entender que os juros moratórios em questão deveriam ser de 6% ao ano.
Assim, atualmente, a jurisprudência do STJ dispõe que os juros moratórios são devidos à razão de 1 % ao mês (12% ao ano) até a vigência da Medida Provisória 2.180-35/2001, passando, a partir de então, a 6% ao ano.
O Desembargador Francisco José Moesch[3], membro do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao analisar o pedido de juros moratórios postulado pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS – no processo administrativo Nº 0011-06/000751-1, confirma o que dito acima, ao colacionar em seu voto as ementas do STJ a seguir, in verbis:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. FILHA SOLTEIRA MAIOR DE 21 ANOS. DEPENDÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. JUROS DE MORA. PERCENTUAL. INÍCIO DO PROCESSO APÓS A EDIÇÃO DA MP Nº 2.180-35/2001. INCIDÊNCIA. (…) 3. Os juros de mora devem ser fixados no percentual de 6% ao ano na hipótese de a ação ter sido proposta após a vigência da Medida Provisória n.º 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, que acrescentou o art. 1º-F ao texto da Lei n.º 9.494/97. Precedentes. 4. Recurso Especial parcialmente provido.” (RESP 645856/RS; RECURSO ESPECIAL 2004/0030510-8, Ministra LAURITA VAZ, J. 24/08/2004)
“PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – SERVIDOR PÚBLICO – JUROS MORATÓRIOS – NATUREZA ALIMENTAR – AÇÃO AJUIZADA POSTERIORMENTE À EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.180/2001 – APLICABILIDADE – DISSÍDIO PRETORIANO COMPROVADO, CONTUDO INEXISTENTE – SÚMULA 83/STJ 1 – Apesar de comprovada a divergência jurisprudencial (art. 255 e parágs. do RISTJ), diverso é o atual entendimento desta Corte sobre o tema. Incidência da Súmula 83/STJ. 2 – Norma superveniente estabelecendo juros de 6% ao ano. Esta Corte entende que, conquanto a Medida Provisória nº 2.180-35/2001 tenha natureza processual, tem ela reflexos na esfera jurídico-material das partes, razão pela qual não incide nos processos em curso, quer de conhecimento, quer de execução, ressaltando-se a necessidade do processo ter sido iniciado após a sua vigência. 3 – Na espécie, a ação foi proposta em 18/10/2001, portanto, após o início da vigência da Medida Provisória nº 2.180-35, editada em 24.08.2001. Assim, plenamente aplicável, in casu, a referida norma, como decidido pelo Tribunal a quo. 4 – Recurso não conhecido. (RESP 604618/RS; RECURSO ESPECIAL 2003/0199223-5, Ministro JORGE SCARTEZZINI, J. 13/04/2004).”
Gostaríamos de registrar aqui, pela riqueza do fundamento, que há uma corrente minoritária que entende que a Medida Provisória nº 2.180-35/2001 foi revogada pelo Novo Código Civil, devendo incidir juros de 1% ao mês pelo atraso no pagamento de verbas de natureza salarial de índole estatutária.
O fato é que sendo a dívida de natureza alimentar, quer o pleito se dê em âmbito administrativo quer na seara jurisdicional, deve haver incidência de juros moratórios legais a partir do vencimento da obrigação. É dizer: que a natureza alimentar dos vencimentos não permite sejam eles retidos pela Administração.
4 – DECISÕES ADMINISTRATIVAS
Infelizmente, vemos ainda algumas poucas decisões[4] que, em âmbito administrativo, argúem a falta de previsão legal para o pagamento de juros moratórios sobre a obrigação em atraso. Conforme lição do Desembargador José Aquino Flôres de Camargo, também do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, “inadmissível, sob o ponto de vista ético e moral, conceitos que integram ao efetivo princípio da legalidade, que o Estado deixasse de cumprir, na integralidade, sua obrigação, inclusive pagando pela efetiva mora em relação ao prejuízo causado aos seus servidores.”
De mais a mais, a jurisprudência[5] é também fonte do Direito Administrativo, que visa à homogeneização das decisões em âmbito administrativo, não sendo eficiente, muito menos razoável, que contribua a Administração para afogar ainda mais o Poder Judiciário com demandas que tratam de direitos incontestáveis.
Verdadeiramente, direitos que estejam lastreados no citado Decreto-Lei nº 75/66 – por ser esta norma própria do Direito Público, e por tratar de direitos dos trabalhadores atinentes ao salário, previstos no art. 7o da Carta Constitucional, com inegável comunicação com o § 3o do art. 39 da Seção II (Dos Servidores Públicos) do Capítulo VII (Da Administração Pública) da CRFB/88 – obviamente atendem ao princípio da legalidade.
5 – JURISPRUDÊNCIA DO STF
Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal – STF, por maioria, reconheceu a constitucionalidade do citado artigo 1º – F da Lei nº 9.494/97[6], decisão essa com trânsito em julgado em 05 de setembro de 2007, que estabelece que “os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano” (RE 453740 – Relator Min. Gilmar Mendes), o que, s.m.j., encerra a discussão sobre a matéria, pela natural incidência dessa decisão também em âmbito administrativo.
Resta-nos, tão-somente, ecoando a divergência dos Ministros que não acompanharam o Relator nessa decisão, dizer que se o Estado inadmite receber seus créditos sem os acréscimos correspondentes a juros e correção monetária, não poderia pretender que os débitos contraídos sejam pagos mediante critério divergente, porquanto desrespeita-se, assim, o princípio da isonomia e sentido de ser do próprio Estado Democrático de Direito.
6 – CONCLUSÃO
Gostemos ou não, o fato é que a decisão foi tomada pela Corte Constitucional, sendo defeso o pagamento de juros na base de 1% (por cento) ao mês por parte da Administração Pública, porquanto, agindo assim, o gestor acarretaria grave dano ao Erário, ato esse punível em sede administrativa, civil e penal.
Obviamente, deve, então, a Administração adimplir os juros de mora da sua dívida de valor para com os servidores públicos à razão de 12% ao ano até antes da vigência da Medida Provisória no 2.180-35/2001, quando, a partir de então, passarão a ser de 6% ao ano.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Neves
Assessor da Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região – TRT/RJ. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Engenheiro de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Graduado em Administração Pública pela FGV.