O papel do ministério público frente à improbidade administrativa

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Resumo: Este artigo discorre sobre improbidade administrativa, seu conceito e alguns de seus aspectos no âmbito da administração pública no Brasil. Discorre também sobre o Ministério Público, sua importância para nosso Estado Democrático de Direito e seu papel no combate à improbidade administrativa, conforme o disposto na Lei n. 8.429/92, denominada Lei de Improbidade Administrativa.

Palavras chaves: 1- Improbidade administrativa, 2- Ministério Público, 3- Lei 8.429/92, 4- Poder de investigação do Ministério Público.

Abstract: This article is about administrative improbability, your concept and some aspects that involves the administrative improbability in the ambit of the public administration in Brazil. It discourses also about the Public Ministry, your importance for our Democratic State of Law and you paper on the combat of the administrative improbability, made use in law 8.429/92, denominated law of the Administrative Improbability.

Keywords: 1- Administrative improbability, 2- Public Ministry, 3- law 8.429/92, 4- Power of investigation of the Public Ministry.

Sumário: Introdução. Origem e conceito de improbidade administrativa.  Características e funções do ministério público. Procedimento investigatório de casos de improbidade. Referências.

INTRODUÇÃO

A formação de nossos quadros políticos revela que constantemente a administração pública acaba por se tornar um refúgio de pessoas incompetentes e pouco interessadas no bem da coletividade. Este fato, aliado a outros motivos, difundiu pela sociedade uma cultura de corrução e de desrespeito à coisa pública.

A legislação brasileira, na tentativa de coibir a corrupção, que desvirtua a administração pública, criou, na década de cinqüenta, duas leis a de n. 3164/57 e a de n. 3502/58. A primeira, também conhecida como Lei Pitombo-Godói Ilha, determinava, em seu art. 1º, caput, que se um servidor público adquirisse bens por influência ou abuso de cargo ou função pública, estes bens estariam sujeitos ao seqüestro. Tal diploma era vago na medida em que não delimitava com clareza o significado da expressão “influência ou abuso de poder”. A segunda, também denominada Lei Bilac Pinto, complementando o conteúdo da lei 3164/57, cuidou apenas do enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função. Esse diploma também não contemplou o enriquecimento ilícito sem causa, além de ter regulado a matéria de forma bastante vaga e genérica. Por esses e outros fatores a aplicação dessas normas e efetiva punição atos de improbidade administrativa restaram prejudicada.

Em 1992, o Legislativo inseriu no ordenamento jurídico nacional a Lei n. 8.429, denominada Lei da Improbidade Administrativa. Esta revogou as Leis n. 3164/57 e n. 3502/58, de maneira expressa, em seu art. 25.

Longe de atender às expectativas dos operadores do direito, tal diploma representou não uma solução milagrosa e definitiva para o problema da improbidade administrativa, e sim, mais um passo para a consolidação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Essa Lei, inovando o ordenamento jurídico brasileiro, inseriu o enriquecimento sem causa como modalidade de enriquecimento ilícito; dispensou a ocorrência de efetivo dano patrimonial para se caracterizar o ato como de improbidade; estabeleceu como penalidades elevada multa civil, suspensão dos direitos políticos e perda da função pública sem prejuízo da sanção penal cabível. Aspecto não menos relevante da referida norma é o fato de ela elencar um rol de infrações que, embora não seja taxativo, abrange condutas esquecidas pela legislação revogada, alargando, pois, sua incidência. Outro ponto positivo é a legitimação conferida ao Ministério Publico na defesa da probidade administrativa.

A Lei de Improbidade “dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função da Administração Pública direta, indireta ou fundacional” e subdivide os atos de improbidade em três categorias:

1- atos que importem enriquecimento ilícito do agente público;

2- atos que causem lesão ao erário seja por ação ou omissão do agente;

3- atos que atentem contra os princípios de uma administração proba e justa.

Esses atos, segundo a Carta Magna, importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista na Lei n. 8.429/92, sem prejuízo da ação penal cabível.

Nesse contexto, o Ministério Público tem como dever apurar o ato ímprobo que tipifique um ilícito administrativo e, para atingir tal meta, terá à sua disposição um método de investigação próprio e exclusivo, que é o inquérito civil. A partir da análise do caso concreto e tomadas as devidas precauções, o Ministério Público deverá, se achar conveniente, propor a ação civil pública para a defesa da probidade administrativa.

ORIGEM E CONCEITO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A expressão improbidade, derivada de improbitas[1], palavra de origem latina, significa má qualidade de uma coisa, ato de imoralidade, de malícia, de desonestidade, de perversidade cometido por agente público, servidor ou não, capaz de causar grave prejuízo à administração pública. Improbidade é conduta reprovável que desvirtua os princípios constitucionais da administração e que fere sobremaneira o interesse público. É ato que causa enriquecimento ilícito e ou prejuízo ao erário, ou ainda, violação aos princípios que norteiam a administração pública.

Carlos Eduardo Terçarolli[2] explica que na ontologia jurídica, a improbidade administrativa é um fato jurídico e, como tal, uma conduta humana positiva ou negativa, de efeitos jurídicos involuntários. Dessa maneira ela situa-se na categoria das ilicitudes e sua prática, quando detectada, acarreta para seu autor sanções civis, administrativas e, quase sempre, criminais.

CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público, também conhecido como Parquet, de acordo com Lei Maior, é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses individuais indisponíveis (art. 127, CF/88).

Entre outras funções esse órgão possui legitimidade para “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, CF/88).

Mas, segundo o §1º do art. 129 da Constituição Federal, a legitimação do Ministério Público para as ações civis públicas tendentes à defesa do patrimônio público não impede a de terceiro.

Essa legitimação, como advertem Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade[3], não pode ser limitada ou sofrer mutação por lei infraconstitucional, nem mesmo pela Constituição Estadual.

Aos membros do Ministério Público o legislador ainda conferiu garantias com o escopo de assegurar o pleno exercício de suas funções, de modo a afastar a interferência nociva de injunções políticas e anseios alheios ao interesse público. Nesse sentido são garantias constitucionais conferidas ao Parquet a inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos e a vitaliciedade.

É justamente devido a essas características que muitos acreditam na atuação eficaz desse esse órgão frente à improbidade administrativa. Mas, como todas essas garantias são postas a disposição do Ministério Público para assegurar o interesse da coletividade, não há que se pensar em um Parquet que, diante de possíveis casos de improbidade administrativa, possa agir

“de modo a transformar o administrador em escravo de uma legalidade abstrata e indiferente às peculiaridades, conjunturas e transformações das condições de governo. Fatores locais e temporais não podem ser olvidados, sobretudo porque o Direito não incide sobre uma sociedade ideal e estática, apenas regula situações”.[4]

Daí a necessidade de se estudar a atuação do Parquet, não de forma isolada, mais em consonância com a realidade social, de forma a não restar prejudicada a função ministerial pelo estrito e deturpador legalismo.

PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DE CASOS DE IMPROBIDADE

Reza o art. 14 da Lei de Improbidade Administrativa que qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade. Essa norma disciplina, no âmbito da Lei de Improbidade, o direito de petição assegurado pela nossa Constituição e que autoriza qualquer do povo peticionar à autoridade pública a respeito de fato que tiver qualquer verossimilhança com atos ímprobos a fim de que esta autoridade manifeste-se sobre o que foi declarado após cuidadoso exame dos fatos e provas existentes.

Dessa forma uma vez recebida a notícia de fato que pode ser caracterizado como ato de improbidade, o Ministério Público poderá manifestar-se das seguintes formas:

a)      promover, de plano, o arquivamento das notícias recebidas por não se mostrarem idôneas a ensejar punição por atos de improbidade;

b)      dar início ao procedimento preparatório de investigação preliminar a respeito da representação, delação ou notícia apresentada quando as informações sobre a existência de prática de atos ímprobos levantam muitas dúvidas e suspeitas quanto a veracidade.

c)      instaurar de imediato a ação civil púbica de improbidade administrativa, quando este órgão já dispuser de elementos de convicção suficientes para instruir a petição inicial da ação civil, tais como: peças de informações remetidas por autoridades judiciárias, administrativas e legislativas extraídas de processos civis e criminais; provas e documentos advindos de procedimentos administrativos realizados pela Administração Pública; informações contidas em autos dos Tribunais de Contas, entre outros;

d)      instaurar o inquérito civil com o intuito de colher elementos probatórios suficientes para ensejar o aforamento da ação civil pública de modo a impedir o ajuizamento de ações civis desnecessárias;

A respeito do inquérito civil, percebe-se que ele tem se revelado um importante instrumento de investigação colocado a disposição do Ministério Público e que tem por objetivo apurar os casos de improbidade. É, pois, procedimento público instaurado e presidido pelo Parquet.

Outra importante característica do inquérito civil é o fato desse procedimento não comportar o contraditório, ou seja, ser inquisitório. Assim esse inquérito tem o objetivo de, sem a participação dos interessados, coletar provas as quais, ao final dessa fase, revelarão a necessidade ou não se instaurar uma ação civil pública para averiguar o caso concreto.

Nesse sentido estão os ensinamentos contidos na obra coletiva já mencionada acerca do inquérito civil:

“É procedimento inquisitivo, porque eminentemente não contraditório, não comportando a participação dos interessados na colheita das provas, nem, tampouco, o acesso às informações que a lei considera sigilosas e àquelas cuja publicidade poderá resultar em prejuízo para a própria investigação e elucidação dos fatos. Não é punitivo, não tem litigantes e, por isso mesmo, não se lhe aplicam as normas constitucionais sobre a observância do contraditório e da ampla defesa” (art.5º, LV, da CF).[5]

Com isso não se quer dizer que o inquérito civil seja um procedimento sigiloso, pois fora os documentos mantidos em sigilo por determinação legal, tudo o mais no inquérito civil é público e viabiliza o fornecimento de certidões[6].

O pressuposto para sua instauração é a existência de um fato noticiado como de improbidade administrativa que resulte ou não em lesão ao erário. Para tanto essa situação ou fato lesivo deve mostrar-se suficientemente idônea de modo a poder ensejar punição de seu agente com fundamento na Lei de Improbidade.

A instauração do inquérito se dará mediante ofício, em face de representação ou por determinação do Conselho Superior do Ministério Público ou do Procurador Geral de Justiça. 

O inquérito civil é um procedimento investigatório exclusivo do Ministério Público, sendo assim, os demais co-legitimados a propor a ação civil pública não estão aptos a instaurá-lo. Segundo os ensinamentos de Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior esses co-legitimados podem “obter certidões e esclarecimentos ou até mesmo solicitar ao Juízo, na própria petição inicial, que os requisite, mas não podem investigar o fato através do inquérito civil”[7].

Nesse sentido a Lei Complementar Estadual nº 734/93 estabelece que dentre os Órgãos do Ministério Público estarão autorizados a promover inquérito civil o Procurador-Geral de Justiça nas hipóteses definidas pelo art. 116, incisos IV e V, da referida lei; e os Promotores de Justiça em todos os outros casos, tendo os últimos, como se pode aferir, apenas competência residual.

Do exposto percebe-se que o inquérito civil pode e deve ser utilizado toda vez que o Ministério Público necessitar apurar atos de improbidade com a finalidade de impedir o ajuizamento de ações civis temerárias que acabem por desgastar a imagem e respeitabilidade desse instituto, coadunando-se com o intuito da ação civil pública prevista no art. 17 da Lei de Improbidade, bem como a ação civil pública cautelar preparatória de seqüestro de bens do agente ou terceiro que tenha se locupletado ilicitamente ou tenha causado dano ao patrimônio público conforme dispõe o art. 16 da mesma lei.

Ao final do inquérito civil, esgotadas as providências acerca do fato objeto de investigação, o presidente do inquérito se convencido da não ocorrência de ato de improbidade procederá a seu arquivamento motivado e remessa ao Conselho Superior do Ministério Público. Este órgão: entender pertinente o arquivamento e proceder a sua homologação; converter o julgamento em diligência para novas investigações; ou ainda determinar a propositura da ação civil pública.

Miguel Ragone de Mattos tece considerações acerca das raízes da improbidade e das dificuldades de punição das condutas abarcadas pela Lei de Improbidade[8]. A partir de seus estudos sobre o início da colonização brasileira o autor conclui que ao Brasil foi imposto um modelo de utilização privada do Poder Público.

Uma das práticas que se afina com esse entendimento é a clientelista prática que, no Brasil, teve origem com a colonização portuguesa e se estende até os dias atuais. Explica o autor que no clientelismo ocorre uma administração privada da coisa pública o que acaba por ferir os princípios constitucionais administrativos. Nesse regime os dirigentes priorizam as teias de relações que permeiam a esfera política e todo o aparato institucional de uma nação em detrimento do interesse da coletividade. Como é de conhecimento, nem todas as relações políticas desta monta se extinguiram com a moderna ótica capitalista, pelo contrário, se fazem presentes nas instituições governamentais atuais e explicam em grande parte o desrespeito que há em torno da coisa pública.

No que concerne a atuação do Ministério Público artigo de autoria de Adílson Abreu Dallari revela uma posição bastante crítica acerca da atuação do Parquet. Explica que é sempre perigoso oferecer a um segmento qualquer da coletividade grande parcela de poder, querendo com isso dizer nem mesmo com o propósito de corrigir eventuais desvios deve-se permitir um extraordinário poder a um órgão seja ele qual for[9]. No desenvolver de sua obra o autor afirma que o Parquet vem promovendo uma grande quantidade de ações descabidas e por isso posiciona-se no sentido de que seria a Administração Pública quem primeiro deveria resguardar a probidade administrativa. Dessa forma se evitaria a interferência por vezes nociva do Ministério Público.

Afirma Adilson Abreu Dallari que não cabe ao Ministério Público propor ação civil pública para defesa do patrimônio de determinada pessoa jurídica de direito público, nem de pessoa jurídica de direito privado criada pelo Poder Público, nem, muitíssimo menos, de pessoa jurídica de direito privado surgida de um processo de privatização. Isso porque, segundo ele, o patrimônio das referidas pessoas jurídicas não estaria abrangido pela expressão interesses difusos e coletivos, contida no art.129, III da constituição[10].

Assim, para este autor, o Ministério Publico, ao promover o inquérito e a ação civil pública para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas Administrações indiretas ou fundacionais, ou entidades privadas de que participem, estaria tomando para si a titularidade da ação popular[11].

Já Fábio Medina Osório, em posição diametralmente oposta defende que “a ação civil pública tem-se revelado, no combate a improbidade administrativa, eficaz, célere, compatível com os direitos fundamentais da pessoa humana acusada da prática de atos ímprobos e satisfatório aos anseios da comunidade”[12].

Nesse sentido também o posicionamento de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade:

“Todo aquele que exerce cargo, emprego ou mandato, seja por eleição, nomeação, contratação, designação ou por qualquer outra forma de investidura, ainda que sem remuneração, em qualquer entidade ou pessoa jurídica da administração direta, indireta ou fundacional, bem como nas entidades mencionadas na LIA (Lei de Improbidade Administrativa) 1º caput e § 1º está sujeito à ACP(Ação Civil Pública) para reparação do dano, seqüestro ou perdimento de bens havidos por enriquecimento ilícito. A legitimação ativa para o ajuizamento da ACP em face do agente político ou agente público, servidor ou não, é conferida ao Ministério Público” (CF 129, III; LIA 16 a 18).[13]

No que concerne à legitimação para a defesa do patrimônio municipal, a obra coletiva de Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa, Waldo Fazzio Júnior revela posicionamento no sentido de que é possível a defesa desse patrimônio mediante ação civil pública:

“Também não cabe, a despeito de decisões poucas em sentido inverso, a discussão quanto á legitimação para a defesa do patrimônio público municipal (v. Revista do STJ, v. 65, p.352.). O advento da Lei nº 8429/92 e mais o texto constitucional (129,II e III) não sugerem dúvidas, até porque mesmo antes da Lei de Improbidade já era factível a defesa do patrimônio municipal pelo Ministério Público na hipótese de assunção da ação popular. (…) A Lei  Orgânica Nacional do Ministério Público, que em seu art. 25, IV, letra a, comete ao Ministério Público a instauração de inquérito civil e a promoção de ação civil pública para a defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo, além dos individuais homogêneos. Tudo em conformidade com o mandamento constitucional já por vezes repisado – CF, art. 129, II e III, que há de ser compreendido com os contornos fixados pela norma disposta pelo art.127 da CF”.[14]

Os autores mencionados seguem argumentando ser possível a defesa do patrimônio municipal mediante ação civil pública:

“E a norma constitucional é auto aplicável, reclamando interpretação extensiva e não conformando com a restrição que se lhe queira aplicar. A vedação disposta pelo Código de Processo Civil de que se postule em nome próprio direito alheio (art.6°) tornou obrigatória a instituição do instrumento da ação civil pública que, por força da Lei 8078/90, também passou abrigar a defesa de “ qualquer outros interesse difuso e coletivo”. A defesa do patrimônio público por ser transidividual, indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas e indetermináveis, ligadas entre si por circunstâncias de fato, constitui-se espécie de direito difuso. A Lei 8429/92 não dissentiu, e expressamente cominou a legitimidade do Ministério Público( art.16 a 18)  para a defesa daquele direito difuso.”[15]

José Augusto Delgado abrange em sua tese, discussões referentes à natureza jurídica da Lei 8.429/92. Note-se que a atuação do Parquet sofreria consideráveis modificações dependendo da corrente que fosse seguida pelo ordenamento jurídico brasileiro[16].

O autor assim se expressa:

“Três correntes, ao meu pensar, estão formadas a respeito.

A primeira entende que seus efeitos são de natureza administrativa e patrimonial – isto é, cível no sentido lato.

A segunda defende que ela encerra, preponderantemente, conteúdo de direito penal, pelo quê assim deve ser considerada.

A terceira adota posição eclética. Firma compreensão no sentido de que, dependendo da autoridade que for chamada para integra o pólo passivo, ela terá a natureza de espelhar crimes políticos, de responsabilidade ou de responsabilidade patrimonial e administrativa.”[17]

José Augusto Delgado aceita como não penal a natureza jurídica da ação de improbidade e afirma: “É hoje minoritária a corrente que defende ser de natureza criminal a Lei 8.429/92”[18].

No que pertine a legitimação do Ministério Público ensina José Marcelo Mendes Vigliar que na ação em defesa da probidade administrativa, essa legitimação seria concorrente, pois assim não ficaria ao exclusivo encargo dos interessados, detentores de legitimidade ordinária, a iniciativa de demandas que visem a proteção de interesses socialmente relevantes[19]. Dessa forma, se a autoridade administrativa for omissa no seu dever de zelar pelo patrimônio público lá estará o Ministério Público para apurar o ato de improbidade, já que o bem tutelado nessa situação é indisponível.

CONCLUSÃO

Explica o Miguel Ragone de Mattos que quando ocorre lesão a bens jurídicos como a vida, o patrimônio, a segurança, a população exige do poder público algum tipo de providência. O mesmo não ocorre quando é o erário público o pólo passivo das lesões. Isso ocorre porque o cidadão não se reconhece enquanto parte do Estado e de sua administração[20].

Quanto à administração, Miguel Ragone de Mattos afirma que, no modelo brasileiro, os agentes públicos passam a monopolizar o conhecimento acerca do funcionamento das instituições públicas[21]. Esse conhecimento, por ele denominado de segredo técnico, torna a administração opaca e acaba por mitigar o princípio da publicidade, que representa a transparência da atividade administrativa. Isso representa, para o autor, um entrave à atuação do Ministério Público.

Outro aspecto favorável à existência e disseminação da improbidade, segundo este autor, é o fato de que

“a cultura da administração pública  no Brasil leva a formação de um espirito de corpo. Este não é baseado no desejo do servidor de defender-se e aos demais, mas no fato de que a forma mais segura de ação é manter-se inerte frente as irregularidades observadas”.[22]

O agente público não é favorecido ao delatar seus colegas de trabalho, nada recebendo em troca, contudo “a fuga ao imobilismo, ainda que na defesa da coisa pública, não é bem vista pela coletividade dos servidores”[23].

Miguel Ragone de Mattos acredita que o Ministério Público é o órgão competente para se insurgir contra a falta de zelo da coisa pública, mas admite sua ineficácia em muitas situações. Oferece como principais razões dessa ineficácia: a falta de transparência das instituições e a existência do espírito de corpo. Afirma não existir qualquer relevante falha no direito positivo pátrio que justifique a sensação de impunidade que parece imperar na sociedade quando o assunto se refere à gestão da administração pública. Garante que existe uma verdadeira ociosidade do sistema formal uma vez que ele não é acionado em sua totalidade[24]. E acredita que para reverter este quadro de ociosidade

“o Parquet deve estar municiado também do conhecimento multidisciplinar adequado, inclusive sobre a  Administração Pública. O conhecimento especializado retira do ímprobo o monopólio do conhecimento sobre as circunstâncias que envolvem a conduta, eliminando o obstáculo do segredo técnico como elemento de alijamento do Ministério Público de sua tarefa de perseguir a aplicação da lei, seja ela qual for, mesmo que contra agentes públicos”.[25]

Diante disso Miguel Ragone de Mattos ensina que deve existir uma perfeita simbiose entre a atuação da autoridade administrativa e a verdade real, do contrário a intervenção do Ministério Publico não alcançará grande eficácia porque “a manutenção do segredo técnico exclui os esotéricos [agentes externos à administração] da percepção da conduta ilegal”[26].

Dessa forma percebe-se que as instituições governamentais, como um todo, estão imersas em heranças ibéricas as quais sedimentaram uma cultura de favoritismo inegável na sociedade brasileira. Ademais os mecanismos burocráticos que permeiam o desempenho do serviço público acabam desprestigiar a publicidade que deveria nortear todos os atos administrativos, desfavorecendo, dessa forma a atuação do Ministério Público. Isso porque muitos atos ímprobos não saltam aos olhos como imaginam alguns, exigindo, por vezes, profundo conhecimento do serviço desempenhado pelo agente político de modo a avaliar se este está ou não extrapolando os limites de sua competência. Por isso uma atuação ministerial bem sucedida, exige que seu membro conheça o trabalho desempenhado pelo sujeito objeto da investigação de modo a separar os atos ilícitos dos legalmente permitidos no âmbito de determinada administração.

Diante do que foi exposto no presente artigo conclui-se que, apesar da Constituição Federal de 1988 ter dado poderes ao Ministério Público, poderes estes que foram confirmados pela lei de improbidade administrativa, constata-se que existe um grande entrave para se punir os agentes públicos por improbidade administrativa. Esta dificuldade baseia-se principalmente na presença do espírito de corpo, que permeia a administração pública no Brasil.

 

Referências
ANDRADE, Rosa Maria de; NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil e legislação processual extravagante em vigor apud Marino PAZZAGLINI FILHO; Márcio Fernando Elias ROSA; Waldo FAZZIO JÚNIOR. Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.
BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Org.). Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
DALLARI, Adílson Abreu. Limitações à Atuação do Ministério Público na Ação Civil Pública, In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
DELGADO, José Augusto. Improbidade Administrativa: Algumas Controvérsias Doutrinárias e Jurisprudenciais sobre a Lei de Improbidade Administrativa. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo; PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias. Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.
MATTOS, Miguel Ragone de. Improbidade Administrativa: restrições institucionais à aplicação da lei. In: Revista do TRF 1ª Região, nº 6, ano 14, julho, 2002.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 24ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. (Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho)
TERÇAROLLI, Carlos Eduardo.Improbidade Administrativa: no exercício das funções do Ministério Público. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2002.
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Pode o Ministério Público combater a Improbidade Administrativa? In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
 
Notas:
[1] De Plácido e SILVA, Vocabulário Jurídico, 2004, p.714.
2 Cf. Improbidade Administrativa no exercício das funções do Ministério Público, 2002, p.23.

[3] Cf. Código de processo civil e legislação processual extravagante em vigor apud, Marino PAZZAGLINI FILHO; Márcio Fernando Elias ROSA; Waldo FAZZIO JÚNIOR. Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público, 1999, p. 204.

[4] Marino PAZZAGLINI FILHO; Márcio Fernando Elias ROSA; Waldo FAZZIO JÚNIOR, Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público, 1999, p.25.

[5] Marino PAZZAGLINI FILHO; Márcio Fernando Elias ROSA; Waldo FAZZIO JÚNIOR, Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público, 1999, p. 150.

[6] Art.8º, § 2º, da Lei Federal n. 7347/85.

[7] Marino PAZZAGLINI FILHO; Márcio Fernando Elias ROSA; Waldo FAZZIO JÚNIOR, Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público, 1999, p.154.

[8] Cf. Improbidade administrativa e Ministério Público: restrições institucionais à aplicação da lei, In: Revista TRF 1ª Região, julho/2002, p.146.

[9] Cf. Limitações à Atuação do Ministério Público na Ação Civil Pública, In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais, 2003, p. 25.

[10] Cf. Limitações à Atuação do Ministério Público na Ação Civil Pública, In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais, 2003, p. 37.

[11] Cf. Idem.

[12] apud José Augusto DELGADO, Improbidade Administrativa: Algumas Controvérsias Doutrinárias e Jurisprudenciais sobre a Lei de Improbidade Administrativa. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais, 2003, p.258.

[13] apud Marino PAZZAGLINI FILHO; Márcio Fernando Elias ROSA; Waldo FAZZIO JÚNIOR, Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público, 1999, p.25.

[14] Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público, 1999, p. 204-205.

[15] Idem, p. 205.

[16] Cf. José Augusto DELGADO, Improbidade Administrativa: Algumas Controvérsias Doutrinárias e Jurisprudenciais sobre a Lei de Improbidade Administrativa. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais, 2003, p.256.

[17] Idem.

[18] Idem, p. 259.

[19] Cf. José Marcelo Menezes VIGLIAR. Pode o Ministério Público combater a Improbidade Administrativa? Improbidade Administrativa: Questões polêmicas e atuais, 2003, p. 279.

[20] Cf. Improbidade administrativa e Ministério Público: restrições institucionais à aplicação da lei, In: Revista TRF 1ª Região, julho/2002, p.150.

[21] Cf. Idem, p. 148.

[22] Idem.

[23] Idem.

[24] Cf. Improbidade administrativa e Ministério Público: restrições institucionais à aplicação da lei, In: Revista TRF 1ª Região, julho/2002, pp. 153-159.

[25] Idem. p. 159.

[26] Idem, p. 158.


Informações Sobre o Autor

Marina Godinho Miranda

Graduada em Turismo pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás 2006 e graduação em Direito pela Universidade Federal de Goiás 2006. Especialista em Responsabilidade Social e Ambiental pelo Centro Universitário de Anápolis UniEVANGELICA 2011 e em Direito Processual: grandes transformação pela Universidade do Sul de Santa Catarina UNISU 2009. Atualmente exerce o cargo de Oficial de Justiça – Avaliador Judiciário III no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Tem experiência na área de Direito com ênfase em Direito Público


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