Os princípios gerais da Administração Pública e o neoconstitucionalismo: Primeiras considerações sobre uma relação difícil

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Resumo: Este trabalho tem por objetivo tecer algumas considerações acerca dos princípios gerais da Administração Publica, conforme previstos na Constituição Federal em seu art. 37, analisando-os na perspectiva da teoria neoconstitucionalista dos princípios, em suas contradições, para ao fim suscitar algumas questões sobre a viabilidade, ou não, da adoção de tal modelo.


Palavras-chave: Neoconstitucionalismo, Princípios, Administração Pública.


Abstract: The purpose of this paper is to make few comments about the general principles of public administration, as provided in the Constitution in its Article 37, analyzing those principles under the view of the neoconstitutionalism’s theory of principles, including in its contradictions, aiming to raise some questions about the viability of the adoption of such model.


Keywords: neoconstitutionalism, Principles, Public Administration.


Sumário: Introdução. 1 A compreensão neoconstitucionalista dos princípios. 2 Os princípios gerais da Administração Pública na perspectiva neoconstitucionalista. 3 Notas sobre conflitos entre regras e princípios. Considerações Finais


Introdução


Neste trabalho iremos analisar a possibilidade de compatibilizar os princípios gerais da Administração Pública, conforme concebidos doutrinariamente e positivados na Constituição Federal, com a teoria neoconstitucionalista dos princípios, a saber, a compreensão da norma jurídica bipartida em princípios e regras de acordo com sua estrutura.


Para a consecução do objetivo traçado realizamos uma revisão bibliográfica a partir dos autores que tratam do neoconstitucionalismo e da doutrina administrativista pátria, sendo que o resultado de tal revisão será apresentada inicialmente na forma de breves considerações sobre como o neoconstitucionalismo compreende os princípios, para em seguida verificar como podem ser compreendidos os princípios contidos no caput do art. 37 da CF, se na forma de princípios ou de regras e que consequências isso pode trazer para a ciência do direito administrativo.


Necessário advertir que, tanto pelo presente trabalho conter o relatório preliminar de uma pesquisa que ainda estamos desenvolvendo, como pela complexidade dos temas tratados, não esperamos apresentar reflexões e conclusões definitivas, mas, tão somente, fomentar o debate sobre a temática dos princípios do direito administrativo e sobre este novo paradigma do direito que é o neoconstitucionalismo.


1 A compreensão neoconstitucionalista dos princípios


1.1 Dworkin e o marco inaugural do neoconstitucionalismo


A temática dos princípios tanto é das mais antigas como das mais recorrentes em matéria de direito, seja na noção de normas basilares ou dotadas de superior hierarquia e importância, seja após a importação do conceito de princípio — enquanto verdade primeira — da matemática de Pascal para as ciências jurídicas.


Se hoje é muito comum pensarmos nos princípios como normas, nem sempre foi assim, conforme noticia Paulo Bonavides, a normatividade dos princípios é reconhecida apenas a partir de autores como Crisafulli; ainda é o mesmo autor quem dá notícia do levantamento feito por Ricardo Guastini sobre o que os juristas tradicionalmente compreendem por princípio, a saber, normas que possuíssem uma das seguintes características: (a) fossem dotadas de elevado grau de generalidade e/ou (b) indeterminação, (c) normas de caráter programático, (d) normas de hierarquia elevada, (e) normas tida como importantes e fundamentais, e (f) normas dirigidas aos órgãos de aplicação (cf. Bonavides, 1999, pp. 230-231).


Dessas características, vão se fazer especialmente presentes no direito brasileiro e em particular na doutrina administrativista para caracterizar os princípios, os critérios da fundamentalidade e da generalidade, ora sozinhos, ora combinados, e não raro englobando outras das características mencionadas por Guastini.


Este panorama iria sofrer uma mudança dramática a partir do neoconstitucionalismo inaugurado por Dworkin a partir de seu ataque ao positivismo de Herbert Hart, notadamente a partir da crítica de que o positivismo hartiano se baseava apenas em regras e não compreendia normas dotadas de uma abrangência semântica mais ampla, que para Dworkin seriam os princípios (cf. Barberis, 2003, p. 260; Hart, 2009, p. 334; Barroso, 2001, p. 62).


A concepção de princípio em Dorkin, como norma de abrangência semântica indeterminada, em oposição à regra como outra espécie normativa, receberia a acolhida na teoria dos direitos fundamentais de outro estudioso ilustre, o alemão Robert Alexy (cf. Alexy, 1993, passim, esp. pp. 86-87), o que contribuiria sensivelmente para a sua divulgação e aceitação, sobretudo no Brasil, onde, como é notório, pelo menos desde Tobias Barreto a dogmática jurídica alemã exerce grande influência.


Sem embargo das eventuais divergências entre Dworkin e Alexy, como por exemplo a forma diversa de encarar a questão da discricionariedade das decisões judiciais, optamos por tomar, neste trabalho, a diferença estrutural entre regra e princípio dos referidos autores como equivalente — e ela essencialmente o é, posto que o que vai mudar é a postura diante desta diferenciação —, ou seja, ambos os autores situam as regras e os princípios dentro do conceito mais amplo de norma, sendo que aquelas seriam as normas que teriam uma abrangência semântica bem determinada, e estes as normas indeterminadas semanticamente (cf. Dutra, 2008, p. 116).


1.2 O neoconstitucionalismo e a doutrina dos princípios no Brasil


Como já registramos, os juristas brasileiros tradicionalmente adotam concepções de princípio como sendo as normas dotada de elevado grau de fundamentalidade e, ou, generalidade, por vezes mesclando estes critérios entre si ou com outros, sendo que mesmo com a adesão de autores brasileiros ao neoconstitucionalismo, o que aliás acarretou efusivos debates sobre o conceito de princípio, a doutrina administrativista parece permanecer à margem desta nova perspectiva principiológica.


No que tange ao contraste entre as duas noções de princípio, com base na fundamentalidade/generalidade ou abrangência semântica, interessantes são as palavras de Virgílio Afonso da Silva:


“(…) o conceito de princípio usado por Robert Alexy, como espécie de norma contraposta à regra jurídica, é bastante diferente do conceito de princípio tradicionalmente usado na literatura jurídica brasileira. “Princípios” são, tradicionalmente, definidos como “mandamentos nucleares” ou “disposições fundamentais” de um sistema, ou ainda como “núcleos de condensações”. A nomenclatura pode variar um pouco de autor para autor — e são vários os que se dedicaram ao problema dos princípios jurídicos no Brasil — mas a idéia costuma ser a mesma: princípios seriam as normas mais fundamentais do sistema, enquanto que as regras costumam ser definidas como uma concretização desses princípios e teriam, por isso, caráter mais instrumental e menos fundamental.” (Silva, 2003, p. 612, grifos do autor)


Aproveitando as expressões “mandamentos nucleares” e “disposições fundamentais” — conforme destacadas na lição transcrita — é impossível não remeter ao célebre conceito de Celso Antônio Bandeira de Mello, tão frequentemente citado nas letras jurídicas pátrias:


“Princípio — já averbamos alhures — é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.” (2008, p.942-943, grifamos)


Aqui é interessante perceber que embora possa até haver princípios que se enquadrem simultaneamente na tradicional definição baseada no valor e na classificação qualitativa (Dworkin e Alexy), igualmente existem aqueles que, dependendo do entendimento adotado, deixarão de ser princípio e assumirão características de norma. Exemplo claro disto é o princípio da legalidade, bem como sua projeção específica no direito tributário, embora possua inegável grau de fundamentalidade, elevadíssimo, por sinal, a sua estrutura, a rigor, é de norma. Isto não passou despercebido a Luís Virgílio Afonso da Silva, que é enfático:


A principal diferença entre ambas as propostas é facilmente identificável. O conceito de princípio, na teoria de Alexy, é um conceito que nada diz sobre a fundamentalidade da norma. Assim, um princípio pode ser um “mandamento nuclear do sistema”, mas pode também não o ser, já que uma norma é um princípio apenas em razão de sua estrutura normativa e não de sua fundamentalidade.


(…) Muito do que as classificações tradicionais chamam de princípio, deveria ser, se seguirmos a forma de distinção proposta por Alexy, chamado de regra. Assim, falar em princípio do nulla poena sine lege, em princípio da legalidade, em princípio da anterioridade, entre outros, só faz sentido para as teorias tradicionais. Se se adotam os critérios propostos por Alexy, essas normas são regras, não princípios”. (2003, p. 613)


Em suma, a principal consequência do critério estrutural de diferenciação entre regra e princípio reside no fato de que as regras são aplicadas na base do tudo ou nada, vale dizer, havendo um choque de regras, ou se remove uma delas do ordenamento jurídico ou se insere uma cláusula de exceção em uma delas que possibilite a convivência com a outra, em suma: ou uma regra é válida para o caso ou não é; ao passo que os princípios, conforme entende Alexy, são mandamentos de otimização, vale dizer, devem ser aplicados na maior medida possível. Vale dizer, os princípios estabelecem diretrizes a serem seguidas mesmo quando estas posam ser obtidas por diversas vias; as regras, por seu turno, fornecem uma única opção a qual não pode deixar de ser seguida.


A doutrina neconstitucionalista entende que se duas regras fornecem soluções distintas para a mesma situação, tem-se claramente uma antinomia e uma delas deverá ser declarada inválida, através dos critérios da hierarquia, cronologia e da especialidade; Em caso de colisão de princípios, por outro lado, não se trabalha na perspectiva da validade, mas da ponderação, de peso, prevalecendo o princípio que for mais importante para o caso.


Outro ponto interessante é que na perspectiva neoconstitucionalista, de início  não vai haver hierarquia entre princípios e regras (cf. Barroso, 2001, p. 62), ao menos não da forma como compreendida pela doutrina mais tradicional, no sentido de que em razão de sua fundamentalidade e caráter de mandamento nuclear do sistema, a violação de princípios seria mais grave do que a transgressão de regras (cf. Mello, 2008, p. 943).


2 Os princípios gerais da Administração Pública na perspectiva neoconstitucionalista


Dispõe o caput do art. 37 da Constituição Federal que “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)”.


Dos referidos princípios, o primeiro a tratar é certamente o da legalidade, que conforme já ficou registrado na lição de Virgílio Afonso da Silva supratranscrita, nos termos do neoconstitucionalismo, não é um princípio, mas uma regra.


Exatamente a legalidade, norma dotada de elevadíssimo grau de fundamentalidade, que para a doutrina clássica é princípio “específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria” — as palavras são de Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 99) que complementa que a legalidade — “é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo”.


Pois bem, esta norma tão fundamental, segundo o paradigma neoconstitucionalista na verdade é uma regra. Não significa que por conta disso ela vai se ver em posição hierarquicamente inferior aos princípios — normas de abrangência semântica ampla — mas, ainda assim, inegável que ela é regra e que toda a construção doutrinária em cima da legalidade como princípio acaba perdendo seu valor quando da adoção da teoria neoconstitucionalista, e a razão é muito simples, o conceito tradicional de princípio não é compatível com o do neoconstitucionalismo, e tentar mesclá-los em regra acaba implicando no que Virgílio Afonso da Silva denomina de sincretismo metodológico, a “adoção de teorias incompatíveis, como se compatíveis fossem” (2003, p. 626).


Em síntese, “Embora consagrado na doutrina e na jurisprudência o uso da expressão princípio da legalidade, na verdade nem sempre a legalidade poderá ser vista como um princípio, mas sim como uma regra” (Machado Segundo, 2006, p. 42; cf. tb. Silva, 2003, p. 615).


O princípio seguinte é o da impessoalidade, este, menos óbvio que a legalidade; de início parece ser regra, já que à Administração deve ser vedado agir com pessoalidade-parcialidade, assim como a legalidade, a priori não se pode pensar em sopesamento da impessoalidade em cada caso concreto; o teor da palavra impessoalidade, por outro lado, pode ser um tanto quanto vago, “Em situações que representam interesses coletivos ou difusos, a impessoalidade significa a exigência de ponderação equilibrada de todos os interesses envolvidos, para que não se editem decisões movidas por preconceitos ou radicalismos de qualquer tipo” (Medauar, 2002, p. 152).


A impessoalidade, portanto, parece ter potencial de figurar ora como princípio ora como regra, dependendo de sua aplicação ao caso concreto e, até mesmo, da perspectiva sob a qual ela seja observada. Equivale a dizer, justamente porque veda a pessoalidade, ela exige algum grau de ponderação. Quando se trata da abertura de licitação ou de concurso público para provimento de vagas, parece que temos ou uma regra diretamente amparada na impessoalidade ou talvez até uma manifestação da mesma na forma de regra; quando se pensa em como o teor do termo impessoalidade, contudo, vislumbramos alguma possibilidade de ponderação.


O princípio seguinte, da moralidade, possivelmente é o mais difícil de se situar como sendo princípio. “O princípio da moralidade administrativa é de difícil expressão verbal. A doutrina busca apreendê-lo, ligando-o a termos e noções que propiciem seu entendimento e aplicação” (Medauar, 2002, p. 153).


Daí por certo advêm todas as dificuldades em se estabelecer o teor exato da moralidade; os administrativistas, pelo menos desde Hauriou, vem distinguindo a moral comum da moral administrativa, aquela ligada à distinção que se faz — e ao que se entende como sendo — bem e mal e esta relacionada à distinção entre boa e administração (cf. Meirelles, 2006, p. 89, Moreira Neto, 2005, p. 96).


Havendo quem ressalte, entretanto, que ofensas à moral comum ofenderiam também a moralidade administrativa (cf. Di Pietro, 2000, p. 79).


Um ponto interessantíssimo sobre a moralidade administrativa visa como princípio — segundo os moldes neoconstitucionalistas — é que ela pode conflitar com a legalidade, que como vimos possui estrutura de regra. A própria execução da lei, com vistas a beneficiar ou favorecer alguém, pode ser imoral (cf. Medauar, 2002, p. 115); da mesma forma, a obtenção de determinadas mordomias, sobretudo em épocas de austeridade,  pode até se revestir de forma legal mas certamente será imoral (cf. Medauar, 2002, pp. 153-154 e Figueiredo, 2001, pp. 59-60). Voltaremos a este tema oportunamente.


O penúltimo princípio a ser analisado é o da publicidade, decorrência lógica da atividade administrativa, para que a mesma possa ser controlada e para que os particulares possam ter ciência dos efeitos dos atos da Administração. Quer parecer que a publicidade possui estrutura de princípio, de um mandado de otimização; pensemos por exemplo que existem diversas formas de se dar publicidade a um ato administrativo, desde a sua fixação na parede da repartição, passando pela publicação em diário oficial e através de meios de comunicação como rádio e TV; devendo tais formas serem ponderadas a cada caso, maior publicidade para atos mais importantes, o sopesamento com outros princípios, como a eficiência e a modicidade, etc.


O último princípio é o da eficiência, também princípio tanto na acepção tradicional quanto na neoconstitucionalista. Por eficiência se compreende a obtenção do melhor resultado com o uso racional dos meios disponíveis, sua estrutura de princípio fica patente em virtude da amplitude de significados e de medidas que eficiência pode ter, o que caracteriza a norma em questão como um típico mandado de otimização, cuja realização prática deve ser buscada ao máximo, assim também entende Jorge Luís Terra da Silva.


3 Notas sobre conflitos entre regras e princípios


Como sabemos, na teoria neoconstitucionalista o choque entre regras se resolve com base na validade e a colisão de princípios na base da ponderação do peso do princípio para o caso concreto. Equivale a dizer, a principal consequência da bipartição da norma em regras e princípios com base no critério estrutural adotado tanto por Dworkin quanto por Alexy — e embora isso não signifique que esses dois autores defendem exatamente a mesma coisa — é a concepção de regras como tipos de norma cuja aplicação se dá com base no tudo ou nada, e cujo eventual conflito somente se resolveria com base na remoção de uma das regras do sistema ou através da inserção de uma cláusula de exceção em uma das regras; bem como a concepção dos princípios como normas abertas, cujo choque eventual seria resolvido com base em critérios ponderativos, podendo significar a prevalência de um dos princípios mas sem necessariamente remover o outro do ordenamento.


Vimos também que a legalidade possui estrutura de regra, vale dizer, na perspectiva do neoconstitucionalismo ela não é princípio, é regra — sem embargo de isso não afetar sua fundamentalidade ou posição hierárquica —, e colacionamos da doutrina algumas possibilidades de conflito entre legalidade e moralidade.


Aqui parece exsurgir uma lacuna na teoria neoconstitucionalista, é que se a colisão de princípios e choque de regras é prevista e parece possuir referencial suficiente para sua resolução, sobretudo em Alexy que afinal de contas teorizou sobre a questão após a polêmica entre Dworkin e Hart, a questão do conflito entre regra e princípio parece prescindir de uma solução adequada.


Segundo Hart, aliás, os exemplos dados pelo próprio Dworkin, “implicam que as regras podem entrar em conflito com princípios e que um princípio pode, algumas vezes, vencer uma regra e em outros casos ser vencido” — sendo que, ainda segundo Hart — “a existência deste conflito certamente mostra que as regras não têm um caráter de tudo ou nada, porquanto são susceptíveis de entrar em conflito com os princípios, os quais podem vencê-las” (Hart, 2000, pp. 41-42, tradução livre).


É possível que a aparente incapacidade dos neoconstitucionalistas — e aqui não apenas Dworkin e Alexy, mas também seus seguidores — de solucionar este problema decorra da sua própria incapacidade de assumir que o critério estrutural diferenciador entre princípio e regra, com base na abrangência semântica, não seja suficiente para distinguir realmente espécies normativas.


Admitir que as regras podem conflitar com princípios, ora vencendo, ora perdendo, implica na admissão de que estas não possuem o caráter de tudo ou nada originalmente pretendido, o que, por sua vez, senão invalida ao menos torna questionável a utilidade da diferenciação em questão.


Considerações Finais


Com base no que restou exposto em linhas anteriores algumas considerações podem ser feitas. Como vimos, um dos pontos chave do neoconstitucionalismo é justamente a construção do conceito de norma englobando regras e princípios, aquelas como normas de abrangência de significado bem determinada e estes como normas de abrangência ampla — e vimos muito rápida e superficialmente como a ideia de princípio se desenvolveu da antiguidade ao neoconstitucionalismo inaugurado por Dworkin — sendo que no que concerne ao direito brasileiro, em especial, vimos o tratamento dado aos princípios, com ênfase na perspectiva administrativista.


Analisando os princípios gerais da administração, chegamos à conclusão que a legalidade, em que pese o seu grau de fundamentalidade, possui estrutura de regra e não de princípio; já a impessoalidade, parece capaz de se apresentar ora como regra e ora como princípio; moralidade, publicidade e eficiência, por seu turno, parecem mais propensas a figurar como princípio. Isso tudo dentro da teoria neoconstitucionalista.


Também a partir da análise dos princípios em questão vimos a possibilidade de conflito entre regras e princípios, notadamente entre a legalidade que possui estrutura típica de regra e  a moralidade que é tipicamente um princípio; a partir daí deduzimos que as normas que possuem estrutura de regra, e mais especificamente a legalidade, podem ser sopesadas e ponderadas à luz de casos concretos, o que por sua vez parece por em cheque um dos pilares do neoconstitucionalismo, na medida em que conduz ao questionamento sobre a validade da diferenciação entre regra e princípio com base no critério estrutural da abrangência semântica.


Considerando que o modelo de princípio tradicionalmente adotado no Brasil parece incompatível com o modelo neoconstitucionalista, e que em virtude de tal incompatibilidade a adesão ao modelo inaugurado por Dworkin representaria, ou rejeitar o modelo tradicional, ou incorrer em sincretismo metodológico; bastando para constatar isso que pensemos no que tradicionalmente compreendemos como princípio da legalidade que invariavelmente deixaria de ser princípio; resta uma indagação necessária: será que devemos mesmo aderir acriticamente ao este modelo teórico do neoconstitucionalismo e com isso abrir mão das tradicionais noções do princípio da legalidade?


Certamente não será este modesto ensaio, permeado por tantas questões controversas, que definirá a validade ou invalidade do neoconstitucionalismo ou que responderá a todas as indagações suscitadas pela relação difícil entre a referida perspectiva teórica e o que tradicionalmente compreendemos por princípio, esperamos, entretanto, ter levantado algumas questões dignas de serem debatidas e propomos a sequência da temática em questão em trabalhos futuros, nossos e de outrem.


 


Referências

Alexy, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

Barberis, Mauro. Neoconstitucionalismo, democracia e imperialismo de la moral. In: Miguel Carbonell. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003.

Barroso, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In. Interesse Público. Ano 3, v. 11, julho/setembro de 2001, pp. 42-73.

Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2000.

Dutra, Delamar Volpato. Manual de Filosofia do Direito. Caxias do Sul: EDUCS, 2008.

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Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2005.

Saldanha, Nelson. A Escola do Recife. Recife: Edição da Faculdade de Direito de Caruaru, 1971.

__________. Filosofia do Direito. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

Silva, Luís Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Vol. I. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.


Informações Sobre o Autor

Francysco Pablo Feitosa Gonçalves

Bacharel em direito pela Universidade Regional do Cariri – URCA (2007); Especialista em Sociologia e História também pela URCA (2008) e em Direito da Administração Municipal pela Faculdade de Juazeiro do Norte – FJN (2008); Advogado junto ao escritório Emicles Advogados e Professor colaborador junto à FUNDETEC/URCA, cursando o Mestrado em Direito na Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, onde é membro do Grupo de Pesquisa “Direitos Fundamentais: Instrumentos de Concretização”; Bolsista, CAPES/PROSUP.


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