Resumo: Neste trabalho utilizou-se do método lógico sistemático, servindo-se da técnica indireta de documentação, pretendendo-se analisar uma singela parte do ambiente castrense atingido por consequência da adaptação do transexual na sociedade, em uma prospectiva da problemática legal, jurisprudencial e doutrinária. Tem como objetivo inicial conceituar o que é transexual, transgênero e sexo para, a partir de então, trazer ao leitor duas das conquistas significativas que estas categorias de pessoas obtiveram junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) e Poder Judiciário Brasileiro. Há muito tempo, o transexual é rotulado como possuidor da enfermidade chamada de transexualismo. Tal patologia está catalogada pela Classificação Internacional de Doenças (CID) como transtorno da personalidade e do comportamento adulto, requerendo, de certa forma, políticas públicas capazes de proporcioná-lo o integral tratamento psicológico, hormonal e cirúrgico, para a adequação psicobiológica. Por consequência, a este novo ser curado, é dada a possibilidade de retificar seu assentamento registral civil, apondo seu novo nome social e sexo, independentemente de ter ele optado à cirurgia de redesignação sexual, de sorte que estas conquistas trouxeram não só reflexos na seara de saúde e jurídica, mas também social e castrense.
Palavra-chave: Transgênero. Transexual. Cirurgia. Banheiro Público. Militar.
Sumário: Introdução. 1. Conhecendo as diferenças. 2. O que é sexo? 3. A conquista junto ao Sistema Único de Saúde (SUS). 4. Como fica o nome e o sexo nos documentos do transexual? 5. Registro de nascimento retificado. Qual banheiro usar? 6. Serviço militar obrigatório. 7. Pensão Militar concedida a filha de militar quando de seu falecimento. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Não são poucos os relatos reportados, por todo mundo, de crianças que lutaram, desde a mais tenra idade, para fazerem prevalecer o reconhecimento de suas identidades de gênero.
Com o passar dos anos, a identidade de gêneros, o binômio masculino-feminino ou até mesmo o binômio biológico XX ou XY, passou a ser inadequado para a realidade dos dias atuais.
Focado os aspectos jurídicos e os direitos inerentes aos transexuais como pessoa humana, observa-se que o judiciário se apressa para alcançar os novos marcos.
Contudo, ao se tratar da vida em sociedade, a simples conduta de um transexual fazer uso do banheiro público é motivo de alvoroço.
Com muito mais rigidez e repulsa, é a aceitação destas novas pessoas nos quadros das Forças Armadas. O reflexo desta adequação não só atinge o âmbito do alistamento militar, mas também dos direitos das filhas e filhos pensionistas cujos genitores militares já estão falecidos e que passaram ou não a fazer jus da pomposa quantia herdada vitaliciamente.
1. CONHECENDO A DIFERENÇA
É certo que a maioria da população brasileira não sabe identificar as diferenças entre o transexual e o transgênero.
Quando se está a tratar de gênero a referência em mente é de como uma pessoa se identifica, há quem se perceba como homem, como mulher, como ambos ou mesmo como nenhum dos dois gêneros (os chamados não binários).
Diferente é a ideia de orientação sexual. O conteúdo abarcado pela expressão orientação sexual indica qual gênero uma pessoa se vê atraída sexualmente.
Em síntese, o significado de gênero remete-se a duas hipóteses:
a) pessoas que se identificam com o mesmo gênero que lhe foi dado no nascimento, são os chamados Cisgênero; e
b) pessoas que se identificam com um gênero diferente daquele que lhe foi dado no nascimento, são os Transexuais e os Transgêneros.
Os Transexuais são pessoas que, além de não se identificarem com o seu gênero biológico, desejam e passam por alterações biológicas (cirurgia) a fim de mudarem de sexo para que possam, enfim, se sentir completamente correspondidos na identidade de gênero a qual se reconhecem.
Já os Transgêneros são pessoas que não se identificam com o seu gênero biológico, se identificam com o gênero oposto ao seu, esperando serem aceitas e reconhecidas como tal em sociedade, mas isso não quer dizer, obrigatoriamente, que querem mudar de sexo por meio de intervenção cirúrgica. Os transgêneros englobam os que se submeteram ou não à cirurgia de redesignação de sexo.
2. O QUE É SEXO?
Segundo o dicionário de medicina Flammarion, Sexo “é o conjunto de características estruturais e funcionais que distinguem o macho da fêmea”.[1]
Sexo é a resultante de um equilíbrio de diferentes fatores que agem de forma concorrente nos planos físicos, psicológicos e social. Não se concebe mais entender como Sexo apenas um elemento cromossômico (XX e XY) – um parâmetro minimalista para os dias atuais.
Para além deste elemento diferenciador XX e XY, Sexo é o somatório dos elementos fisiológico, psicossocial e jurídico.
Assim, transgêneros é algo para além do gênero homem e mulher.
É neste cenário de transgêneros que o transexualismo é encontrado. Em um conceito simplório, o transexualismo significa que há uma transposição na correlação de sexo anatômico e psicológico, ou seja, a pessoa tem a convicção de pertencer a um sexo e possuir genitais opostos ao sexo que psicologicamente se pertence.
Uma pessoa é transexual, significa dizer se tratar de uma pessoa que seu sexo anatômico não corresponde ao seu sexo psicológico.
No asseio de compatibilizar o sexo morfológico com o sexo psíquico, o transexual se vê a procura por reconstruir o seu genital por meio da cirurgia de redesignação sexual.
Pode não parecer, mas esta incompatibilidade está classificada internacionalmente como uma doença de transtorno da personalidade e do comportamento adulto.
O “transexualismo”, segundo a Classificação Internacional de Doenças, é um transtorno com estas características:
“CID 10 F 64.0 – Transexualismo
Categoria: transtornos da identidade sexual
Grupo: F60 – F69 – transtorno da personalidade e do comportamento adulto
Capítulo: V – transtornos mentais e comportamentais
Nota: Trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal estar ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado.”[2]
3. A CONQUISTA JUNTO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
A partir de 2008, o Governo Federal implementou políticas públicas, visando oferecer atenção às pessoas que preenchessem os requisitos de serem maiores de 18 anos, terem sidos submetidos, há pelo menos dois anos, à acompanhamento psicoterápico e que ao final obtiveram laudo psicológico e psiquiátrico favorável e diagnóstico de transexualidade, a possibilidade de realizarem a cirurgia de redesignação sexual junto ao SUS, conscientes da sua irreversibilidade.
Este avanço se deu com a publicação da Portaria nº 457, de agosto de 2008, do Ministério da Saúde que define as Diretrizes Nacionais para o Processo Transexualizador no SUS, a serem implementadas em todas as unidades federadas.[3]
A Portaria nº 457/2008 trata dos procedimentos a serem feitos no processo de confirmação de gênero.
Segundo o portal Governo do Brasil, até 2014, foram realizados mais de 6.000 atendimentos em consultórios para tratamento com hormônios e mais de 240 procedimentos cirúrgicos para a alteração das características físicas sexuais por meio da cirurgia de redesignação sexual.[4]
De acordo com este site, não é apropriado o uso dos termos "mudança de sexo" ou "operação sexual", quando está a se tratar da pretensão almejada ao final do processo transexualizador, pois são considerados imprecisos. Os termos certos e utilizados para definir especificamente o processo de mudança de sexo são cirurgia de redesignação de gênero, cirurgia de reconstrução sexual, cirurgia de reconstrução genital, cirurgia de confirmação de gênero e, mais recentemente, cirurgia de afirmação de sexo.
4. COMO FICA O NOME E O SEXO NOS DOCUMENTOS DO TRANSEXUAL?
A pretensão do transexual em ver adequados o seu prenome e gênero ao seu sexo psicológico é assunto polêmico na Doutrina e na Jurisprudência, no entanto, deve-se procurar a harmonia entre os direitos e garantias fundamentais do indivíduo e a proteção e a segurança jurídica da sociedade. O professor Carlos Roberto Gonçalves nos lembra que:
“[…] A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º , X, inclui entre os direitos individuais, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, fundamento legal autorizador da mudança de sexo jurídico de transexual que se submeteu a cirurgia de mudança de sexo, pois patente seu constrangimento cada vez que se identifica como pessoa de sexo diferente daquela que aparenta ser'. Na verdade, o transexual não se confunde com o travesti ou com o homossexual. Trata-se de um indivíduo anatomicamente de um sexo, que acredita firmemente pertencer ao outro sexo.”[5]
Preocupado com possíveis constrangimentos quando da identificação de uma pessoa em sociedade, o legislador cuidou, já na Lei de Registros Públicos (artigos 55, 57 e 58), em limitar a possibilidade de se conferir nome à pessoa que a submetesse, posteriormente, a situações vexatórias ou depreciativas.
Certo disto, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a possibilidade dos transexuais, operados ou não, adequarem seu assento de nascimento. Senão, veja-se:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO PARA A TROCA DE PRENOME E DO SEXO (GÊNERO) MASCULINO PARA O FEMININO. PESSOA TRANSEXUAL. DESNECESSIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO.
1. À luz do disposto nos artigos 55, 57 e 58 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), infere-se que o princípio da imutabilidade do nome, conquanto de ordem pública, pode ser mitigado quando sobressair o interesse individual ou o benefício social da alteração, o que reclama, em todo caso, autorização judicial, devidamente motivada, após audiência do Ministério Público.
2. Nessa perspectiva, observada a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, admite-se a mudança do nome ensejador de situação vexatória ou degradação social ao indivíduo, como ocorre com aqueles cujos prenomes são notoriamente enquadrados como pertencentes ao gênero masculino ou ao gênero feminino, mas que possuem aparência física e fenótipo comportamental em total desconformidade com o disposto no ato registral.
3. Contudo, em se tratando de pessoas transexuais, a mera alteração do prenome não alcança o escopo protetivo encartado na norma jurídica infralegal, além de descurar da imperiosa exigência de concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que traduz a máxima antiutilitarista segundo a qual cada ser humano deve ser compreendido como um fim em si mesmo e não como um meio para a realização de finalidades alheias ou de metas coletivas.
4. Isso porque, se a mudança do prenome configura alteração de gênero (masculino para feminino ou vice-versa), a manutenção do sexo constante no registro civil preservará a incongruência entre os dados assentados e a identidade de gênero da pessoa, a qual continuará suscetível a toda sorte de constrangimentos na vida civil, configurando-se flagrante atentado a direito existencial inerente à personalidade.
5. Assim, a segurança jurídica pretendida com a individualização da pessoa perante a família e a sociedade – ratio essendi do registro público, norteado pelos princípios da publicidade e da veracidade registral – deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que constitui vetor interpretativo de toda a ordem jurídico-constitucional.
6. Nessa compreensão, o STJ, ao apreciar casos de transexuais submetidos a cirurgias de transgenitalização, já vinha permitindo a alteração do nome e do sexo/gênero no registro civil (REsp 1.008.398/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 18.11.2009; e REsp 737.993/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10.11.2009, DJe 18.12.2009).
7. A citada jurisprudência deve evoluir para alcançar também os transexuais não operados, conferindo-se, assim, a máxima efetividade ao princípio constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana, cláusula geral de tutela dos direitos existenciais inerentes à personalidade, a qual, hodiernamente, é concebida como valor fundamental do ordenamento jurídico, o que implica o dever inarredável de respeito às diferenças.
8. Tal valor (e princípio normativo) supremo envolve um complexo de direitos e deveres fundamentais de todas as dimensões que protegem o indivíduo de qualquer tratamento degradante ou desumano, garantindo-lhe condições existenciais mínimas para uma vida digna e preservando-lhe a individualidade e a autonomia contra qualquer tipo de interferência estatal ou de terceiros (eficácias vertical e horizontal dos direitos fundamentais).
9. Sob essa ótica, devem ser resguardados os direitos fundamentais das pessoas transexuais não operadas à identidade (tratamento social de acordo com sua identidade de gênero), à liberdade de desenvolvimento e de expressão da personalidade humana (sem indevida intromissão estatal), ao reconhecimento perante a lei (independentemente da realização de procedimentos médicos), à intimidade e à privacidade (proteção das escolhas de vida), à igualdade e à não discriminação (eliminação de desigualdades fáticas que venham a colocá-los em situação de inferioridade), à saúde (garantia do bem-estar biopsicofísico) e à felicidade (bem-estar geral).
10. Consequentemente, à luz dos direitos fundamentais corolários do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, infere-se que o direito dos transexuais à retificação do sexo no registro civil não pode ficar condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização, para muitos inatingível do ponto de vista financeiro (como parece ser o caso em exame) ou mesmo inviável do ponto de vista médico.
11. Ademais, o chamado sexo jurídico (aquele constante no registro civil de nascimento, atribuído, na primeira infância, com base no aspecto morfológico, gonádico ou cromossômico) não pode olvidar o aspecto psicossocial defluente da identidade de gênero autodefinido por cada indivíduo, o qual, tendo em vista a ratio essendi dos registros públicos, é o critério que deve, na hipótese, reger as relações do indivíduo perante a sociedade.
12. Exegese contrária revela-se incoerente diante da consagração jurisprudencial do direito de retificação do sexo registral conferido aos transexuais operados, que, nada obstante, continuam vinculados ao sexo biológico/cromossômico repudiado. Ou seja, independentemente da realidade biológica, o registro civil deve retratar a identidade de gênero psicossocial da pessoa transexual, de quem não se pode exigir a cirurgia de transgenitalização para o gozo de um direito.
13. Recurso especial provido a fim de julgar integralmente procedente a pretensão deduzida na inicial, autorizando a retificação do registro civil da autora, no qual deve ser averbado, além do prenome indicado, o sexo/gênero feminino, assinalada a existência de determinação judicial, sem menção à razão ou ao conteúdo das alterações procedidas, resguardando-se a publicidade dos registros e a intimidade da autora” (REsp 1626739/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09/05/2017, DJe 01/08/2017).[6]
5 REGISTRO DE NASCIMENTO RETIFICADO. QUAL BANHEIRO USAR?
Recentemente, vários Estados que compõe os Estados Unidos da América (EUA) têm debatido ou aprovaram legislações que exigem que pessoas transexuais usem o banheiro público correspondente ao seu sexo como identificado no nascimento ou indicado na certidão de nascimento.
O ex-presidente dos EUA, Barack Obama, logo que tomou posse na presidência no ano de 2009, ajuizou ação contra a Carolina do Norte (um Estado dos EUA), afirmando que o ato de privar os transexuais às instalações públicas sanitárias viola Lei de caráter Federal.
Nesse diapasão, Obama emitiu um documento presidencial, impondo obrigação legal direcionada às escolas públicas americanas, para que estas passassem a permitir o uso dos banheiros que correspondessem às identidades de gêneros de seus estudantes transexuais.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou questão sobre a proibição de uso de banheiro por transexual.
Segundo o STF, é de suma importância decidir “se uma pessoa pode ou não ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente”, pois a identidade sexual é assunto diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, senão, confira-se:
“TRANSEXUAL. PROIBIÇÃO DE USO DE BANHEIRO FEMININO EM SHOPPING CENTER. ALEGADA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A DIREITOS DA PERSONALIDADE. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. O recurso busca discutir o enquadramento jurídico de fatos incontroversos: afastamento da Súmula 279/STF. Precedentes. 2. Constitui questão constitucional saber se uma pessoa pode ou não ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente, pois a identidade sexual está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana e a direitos da personalidade 3. Repercussão geral configurada, por envolver discussão sobre o alcance de direitos fundamentais de minorias – uma das missões precípuas das Cortes Constitucionais contemporâneas –, bem como por não se tratar de caso isolado” (RE 845779 RG/SC, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 13/11/2014, DJe 10-03-2015).[7]
Assim, a mais alta corte brasileira, o STF, confirmou ser de repercussão geral a proibição de uso de banheiro público por transexual, isto significa dizer que este assunto apresenta questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social e/ou jurídico, que ultrapassam os interesses subjetivos da causa.[8]
6 SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO
Até 1993, os homossexuais americanos eram proibidos de compor a força militar americana. Nessa época, o então Presidente dos EUA, Bill Clinton, contrário a rigidez desta negatória, implementou a política “Don’t Ask, Don’t Tell”[9], autorizando o ingresso dos homossexuais nas forças armadas dos EUA desde que mantivessem em segredo a sua orientação sexual, sob pena de serem condenados.[10]
Logo após, na presidência de Barack Obama, uma nova política emergencial foi implementada, nos EUA, com o objetivo de acabar com o “Don’t Ask, Don’t Tell”.[11]
A partir de 2011, com o fim da política discriminatória homossexual no âmbito castrense, não só esta minoria passou a ter amplo acesso à carreira militar, como também aos transgêneros foi dado o livre acesso de comporem as Forças Armadas Americanas.
Contudo, em 2017, o então Presidente dos EUA, Donald Trump, ablegou todos os transgêneros das Forças Armadas Americanas, sob ao argumento de que os militares não poderiam arcar com “os enormes gastos médicos e a distração” que os transgêneros, de forma geral, representariam à comunidade militar americana.
Diferentemente dos EUA, muitos países como a Suécia, Canadá, Inglaterra, Israel, Nova Zelândia e Austrália, há muito tempo admitem os redesignados em seu efetivo militar.
Quanto ao Brasil, em 2010, o Ministro Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, General aposentado do Exército, atualmente no Superior Tribunal Militar (STM), teceu considerações públicas no sentido de que a vida militar reveste-se de determinadas características, inclusive em combate, que não se ajusta ao comportamento homossexual.[12]
Com efeito, as Leis brasileiras não trazem a possibilidade de homossexuais e transexuais comporem os quadros militares, mas também não a veda.
O que se verifica é que, em meio ao efetivo militar, existem variadas identidades de gêneros e orientações sexuais, contudo, assumir publicamente qualquer tendência que fuja do padrão neste ambiente castrense é visto de forma inaceitável.
A obrigatoriedade imposta aos homens à prestação do serviço militar é extraído por exclusão quando da interpretação do art. 2º, §2º, da Lei nº 4.375/64:
“Art 2º Todos os brasileiros são obrigados ao Serviço Militar, na forma da presente Lei e sua regulamentação.
§ 1º (…).
§ 2º As mulheres ficam isentas do Serviço Militar em tempo de paz e, de acordo com suas aptidões, sujeitas aos encargos do interesse da mobilização.”
Mas e o transexual, como fica face esta obrigatoriedade? Como fica a dispensa para a nova mulher e a obrigatoriedade para o novo homem? Seria dada a dispensa para ambos ou o novo sexo masculino que antes era isento agora seria obrigado a servir? O antigo homem que redesignado tornou-se mulher, estaria ele ainda obrigado a prestação de serviço militar obrigatório? E o contrário, a mulher transexual que hoje se tornou homem passou ela a ser obrigada a prestar o serviço militar obrigatório? Que alojamento eles deverão dormir?
Estes são questionamentos que deverão ser respondidos para que haja o devido respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, “cláusula geral de tutela dos direitos existenciais inerentes à personalidade, a qual, hodiernamente, é concebida como valor fundamental do ordenamento jurídico, o que implica o dever inarredável de respeito às diferenças”.[13]
Há pouco tempo, aqui mesmo no Brasil, ocorreram casos, como o de Marianna Livelyz, em que transexuais homens, que já viviam como mulher, com os documentos devidamente modificados para o sexo feminino, gênero e prenome, com a total aparência feminina, tiveram que proceder ao seu alistamento militar.
Não é difícil imaginar o constrangimento que Marianna passou quando, no dia 23 de setembro de 2015[14], se apresentou na Junta Militar como David (nome de registro). Neste dia, Marianna percebeu, à sua volta, semblantes de repúdio e desprezo.
O constrangimento já começou com o soldado que a atendeu, pois ele não sabia como proceder a inscrição de Marianna, o que fez com que um simples procedimento de inscrição durasse mais que 2 horas de espera.
De acordo com Kaito Felipe (nome social), o transexual, como no caso dele que saiu do gênero feminino para o masculino, teria sim que se alistar. Contudo, a Junta Militar o dispensa por “excesso de contingente”.[15]
7 PENSÃO MILITAR CONCEDIDA A FILHA DE MILITAR QUANDO DE SEU
FALECIMENTO
Em setembro de 2017, o Juiz de Direito da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Dr. Frederico Montedonio Rego, revogou o direito de uma das duas filhas de um militar da Marinha, já falecido, de receber a pensão militar por morte.[16]
O motivo que levou o desfavorecimento daquela filha foi ter, após ser beneficiada com a pensão de seu genitor falecido, intentado ação para ver seu prenome e sexo alterados ─ com o fundamento de ser transexual, se identificar com o gênero masculino desde a infância, ter-se submetido à cirurgia de histerectomia total (retirada do útero) e mamoplastia (retirada dos seis), bem como a tratamento hormonal ─, o que lhe foi autorizado, passando, então, a chamar Marcos Gabriel Botelho Saldanha da Gama, do sexo masculino, mantendo inalterados os demais dados.
A Marinha, anualmente, faz o recadastramento de seus pensionistas, tendo em vista o caráter contínuo da percepção da pensão por morte. Em um destes recadastramentos feitos, aquela citada filha do Militar da Marinha, agora de nome Marcos, foi chamada à apresentar-se na Seção de Inativos e Pensionistas para comprovação “de vida” com a obrigatória apresentação de seus documentos.
Ocorre que, ao apresentar seus documentos atuais, teve seu benefício cancelado.
A Marinha Brasileira entendeu aplicável ao caso os dispositivos da Lei nº 3.765/1960 que “limitam ao filho do sexo masculino o direito de receber a pensão até 21 anos de idade ou até 24 anos de idade, se estudante universitário”, pois Marcos, ao tempo do recadastramento, contava com 54 anos de idade na data da sua apresentação.
Indignado, Marcos intentou o denominado “remédio constitucional”[17] chamado Mandato de Segurança com a pretensão de voltar a ser beneficiário da pensão militar de seu genitor falecido, contudo, seu pedido foi negado em sede de juízo de retratação, veja-se, pois:
“É o relatório. Decido.
Com base no art. 1.018, § 1º, do CPC, exerço juízo de retratação da decisão de fls. 82/84.
A pensão havia sido concedida ao impetrante por aplicação da redação original do art. 7º da Lei nº 3.765/1960 (fl. 43 e 111), que assegurava o pagamento da pensão às filhas maiores:
"Art 7º A pensão militar defere-se na seguinte ordem:
I – à viúva;
II – aos filhos de qualquer condição, exclusive os maiores do sexo masculino, que não sejam interditos ou inválidos;"
Apesar disso, quando do recadastramento, a autoridade impetrada agiu corretamente ao levar a sério a identidade de gênero do impetrante, já reconhecida inclusive por sentença judicial (fls. 65/68). Como narrado nos autos, o impetrante sofreu durante toda a vida por se identificar desde a primeira infância com o gênero oposto ao do seu sexo biológico, o que caracteriza o transexualismo. Assim, na idade adulta, submeteu-se a tratamento hormonal e a cirurgias de retirada do útero e das mamas. O próprio impetrante declara apenas não ter realizado a transgenitalização “por ser uma cirurgia que impõe riscos à minha saúde e à minha vida” (fl. 57).
Tal como consta na sentença da Justiça Estadual, “[n]ão é razoável
condicionar a possibilidade de alteração registral de gênero sexual à concretização de cirurgia de transgenitalização. Impor tal condição seria obrigar o indivíduo a se submeter a uma cirurgia complexa e dolorosa e que, em alguns casos, é inclusive contraindicada pelos riscos que impõe” (fl. 66). Assim, a sentença julgou procedente o pedido formulado pelo ora impetrante “para autorizar a alteração do assentamento de nascimento da parte autora, tanto para a mudança do seu prenome, como também do seu sexo para masculino, passando a se chamar MARCOS GABRIEL BOTELHO SALDANHA DA GAMA, mantendo inalterados os demais dados” (fls. 67/68). Assim, para todos os efeitos de direito, trata-se de um indivíduo do sexo masculino, não sendo relevante para tais fins que não se tenha submetido à transgenitalização e que ainda se consulte com ginecologista. Também não importa para tais fins sua orientação sexual.
Sobre o tema, está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal o RE 845.779, em que se discute, em regime de repercussão geral, o direito de transexuais serem tratados de acordo com o gênero com o qual se identificam. O relator do caso, Min. Luís Roberto Barroso, afirmou em seu voto:
13. Os transexuais são uma das minorias mais marginalizadas e estigmatizadas da sociedade. Para que se tenha uma ideia da gravidade do problema, o Brasil lidera o ranking de violência transfóbica, registrando o maior número absoluto de mortes no cenário mundial. De acordo com informativo divulgado neste ano pelo Projeto de Monitoramento de Homicídios Trans (Trans Murder Monitoring Project), entre janeiro de 2008 e dezembro de 2014, foram registrados 1.731 casos de homicídios de pessoas trans em todo o mundo, sendo que 681 destes dizem respeito ao Brasil (i.e., cerca de 40%). Não por acaso, a expectativa de vida desse grupo é de apenas cerca de 30 anos, muito abaixo daquela apontada pelo IBGE para o brasileiro médio, de quase 75 anos.
A incompreensão, o preconceito e a intolerância acompanham os transexuais durante toda a sua vida e em todos os meios de convívio social. Desde a infância, tais pessoas são hostilizadas nas suas famílias, comunidades e na escola. (…)
Atualmente, a transexualidade é considerada uma patologia, mas é preciso olhar o problema dos transexuais sob a perspectiva do direito ao reconhecimento. Na atual versão do Código Internacional de Doenças (CID-10), o transexualismo é catalogado como uma doença. O mesmo se verifica no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, produzido pela Associação Americana de Psiquiatria, seguido pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Federal de Medicina brasileiros.
É certo que o reconhecimento do transtorno de identidade de gênero como doença psiquiátrica permitiu avanços para os transexuais, ao conferir foros de autoridade científica à sua condição. Isso se refletiu, por exemplo, na autorização de operações de redesignação de sexo, inclusive custeadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e no reconhecimento da possibilidade de alteração do nome de registro civil após a cirurgia. Porém, mais recentemente, a patologização tem servido para reforçar o preconceito existente na sociedade contra esse grupo. Por isso, é preciso olhar a questão sob a perspectiva do direito ao reconhecimento.
16. A verdade é que não se trata de uma doença, mas de uma condição pessoal, e, logo, não há que se falar em cura. O indivíduo nasceu assim e vai morrer assim. Vale dizer: nenhum tipo ou grau de repressão vai mudar a natureza das coisas. Destratar uma pessoa por ser transexual, isto é, por uma condição inata, é como discriminar alguém por ser negro, judeu, índio ou gay. É simplesmente injusto, quando não perverso”. (Disponível em http://s.conjur.com.br/dl/votoministro–barroso–stf–questao.pdf. Acesso em 13/9/2017).
Portanto, entender que o impetrante seria titular do direito à pensão seria considerá-lo, em alguma medida ou para certos fins, como um indivíduo do sexo feminino, o que reavivaria todo o sofrimento que teve durante a vida e violaria sua dignidade, consubstanciada no seu direito – já reconhecido em juízo – a ser reconhecido tal como é para fins jurídicos, ou seja, como um indivíduo do sexo masculino.
Não seria de se esperar que a Lei nº 3.765/1960 previsse a mudança de gênero como uma hipótese de cancelamento da pensão, situação que, se hoje é inusitada, àquela época era impensável. Nada obstante, por ser um indivíduo do sexo masculino para todos os fins de direito, o impetrante não preenche uma condição essencial para a percepção do benefício, o que, como alegado pela União e acolhido na decisão monocrática do agravo de instrumento, autoriza a anulação do ato administrativo (art. 53 da Lei nº 9.784/1999).
Assim, agiu com correção a autoridade impetrada ao cancelar a pensão, como também agiria na situação hipotética inversa, se concedesse o benefício a uma requerente identificada com o gênero feminino, apesar de nascida com o sexo masculino. A propósito, não há um problema de direito intertemporal, porque a sentença de fls. 65/68 é meramente declaratória do gênero com o qual o impetrante sempre se identificou desde a infância, tendo apenas legitimado essa situação para fins jurídicos. De toda forma, ainda que se entenda diferentemente, o impetrante deixou de preencher um dos requisitos essenciais para a percepção da pensão, o que autoriza o seu cancelamento. Não é inédita no direito a revisão de benefícios concedidos em razão de uma condição em princípio permanente, mas cuja mudança é incompatível com a continuidade da prestação (e.g., a recuperação da capacidade laborativa implica a cessação de aposentadoria por invalidez). Também não considero haver vícios formais no ato impetrado, que foi precedido de prazo para defesa (fls. 43/44) e expôs a motivação para o cancelamento da pensão
(fl. 47).
Embora a presente decisão seja patrimonialmente desvantajosa para o impetrante, ela legitima sua identidade de gênero e sua condição existencial, aspecto mais importante e que deve ser levado a sério em todas as suas consequências.
Diante do exposto, com base no art. 1.018, § 1º, do CPC, exerço o
juízo de retratação da decisão de fls. 82/84 e revogo a antecipação de tutela.
Comunique-se à Exma. Sra. Relatora do agravo de instrumento (fls. 147/151), remetendo-se cópia desta decisão por meio do Portal Processual Eletrônico, conforme determina a Nota Técnica nº 08/2014/TRF/SAJ.
Determino ainda as seguintes providências:
– Com base no art. 292, §§ 2º e 3º, do CPC, corrijo de ofício o valor da
causa para R$ 148.292,56 (cento e quarenta e oito mil, duzentos e noventa e dois reais e cinquenta e seis centavos), correspondente a doze vezes o valor da pensão que o impetrante pretende restabelecer (fl. 125).
– Concedo prazo de quinze dias para que o impetrante tome as
seguintes providências, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito: (a) recolha a diferença de custas correspondente à alteração no valor da causa, considerando que possui outra fonte de renda superior a três salários mínimos (fl. 60); e (b) promova a inclusão no feito de sua irmã SUSANA BOTELHO SALDANHA DA GAMA, na qualidade de litisconsorte necessária (CPC, art. 114), uma vez que eventual procedência do pedido implicaria redução da cota que percebe.
Decorrido o prazo do item 2 sem cumprimento, venham os autos
conclusos para sentença.
– Cumpridas as providências acima, remetam-se os autos à SEDCP para retificação do polo passivo e cite-se SUSANA BOTELHO SALDANHA DA GAMA. Uma vez decorrido o prazo para resposta, tendo em vista o desinteresse do MPF no feito (fls. 138/139), venham os autos conclusos para sentença.
Publique-se. Intimem-se.
Rio de Janeiro, 13 de setembro de 2017.
(assinado eletronicamente – alínea ‘a’, inciso III, § 2º, art.1º da Lei 11.419/2006 )
FREDERICO MONTEDONIO REGO
Juiz(a) Federal Substituto(a) no exercício da Titularidade”[18]
Assim, observa-se que o Juiz da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro entendeu que seria incongruente manter algo que se referisse ao sexo feminino à Marcos, eis que a pretensão deste sempre foi ser reconhecido como homem, ao passo que sentenciar de forma diversa, seria gerar nova discrepância entre o sexo psicológico e o biológico.
Com efeito, a vista dos fatos decididos pelo 7º Juízo Federal carioca, certo é que não só muitos deixarão de ser beneficiários, mas como muitos se tornarão.
CONCLUSÃO
Tendo em vista todas as informações trazidas neste estudo, pode-se observar que a luta daquelas crianças de tenra idade está, ao caminhar das gerações, sendo reconhecida, observado-se as novas conquistas que os transgêneros, em especial os transexuais, obtiveram com a ratificação, pelo governo, da imprescindível implementação de políticas públicas voltadas à inclusão desta minoria por meio, inicialmente, da oferta de tratamento hormonal e intervenção cirúrgica de redesignação.
O conflito de identidade de gênero é assunto, recorrente, levado à análise dos estudiosos e cortes brasileiras que, também, se debruçam para tornar a inserção desta nova pessoa, o transexual, na sociedade, possibilitando o respeito à sua dignidade humana ao deferir, em massa, a adequação do prenome e sexo em seus documentos registrais, como também, impor a viabilização, para estes indivíduos, ao uso de banheiros públicos, conforme a sua identidade de gênero reconhecida.
Outrossim, a comunidade castrense se viu na obrigação de adequar suas normatizações rígidas para receber os transgêneros em seus quadros, rechaçando, até então, a engessada ditadura militar.
Com efeito, as conquistas por vir aos transgêneros se revelarão no dia a dia da sociedade, podendo, até mesmo, surgir um novo direito fundamental intitulado de livre identidade de gênero.
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Informações Sobre o Autor
Alessandra Medeiros Soares Bosque
Advogada Licenciada. Militar Tenente Oficial da Aeronáutica em Brasília-DF. Especialista em Direito Penal e Processual Penal Comum. Especialista em Ordem Jurídica e o Ministério Público. Especialista em Direito Penal Militar e Processual Penal Militar. Discente de Graduação de Direito no Instituto de Ensino de Brasília IESB. Chefe da Seção de Investigação e Justiça da Secretaria de Economia Finanças e Administração da Aeronáutica SEFA. Adjunta Jurídica do Assessor Jurídico da SEFA.