Uma análise do comportamento das decisões judiciais frente a requisição administrativa por respiradores durante a pandemia de COVID-19

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Juliana Siqueira de Souza Lemos Corrêa – Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense, pós-graduada em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá. E-mail:  [email protected]

Resumo: O presente trabalho trata-se de uma pesquisa e análise jurisprudencial sobre as decisões envolvendo conflitos advindos da requisição administrativa por respiradores pela rede pública de saúde, em razão da super demanda, ocasionada pela situação de pandemia do COVID-19, a qual afetou em grande número os estados brasileiros. Em um primeiro momento busca explicar os litígios, mostrando de que maneira eles vêm ocorrendo. Depois apresenta as decisões, observando a partir delas, quais têm sido suas tendências e fazendo uma crítica. Utiliza como metodologia, a busca por referências bibliográficas onde se publicam as sentenças, além da doutrina, como auxiliar na análise dela.

Palavras-chave: Requisição Administrativa. Pandemia. Respiradores. Direito Administrativo. Direito Constitucional

 

Abstract: The present work is a research and jurisprudential analysis on decisions involving public conflicts arising from the administrative request for respirators by the health network, due to the super demand, caused by the pandemic situation of COVID-19, which greatly affected the Brazilian states. At first, it seeks to explain the disputes, showing how they occurred. Then it presents the decisions, observing from them, what its tendencies have been and making a criticism. It uses as a methodology, the search for bibliographic references where the decisions are published, in addition to the doctrine, as an aid in its analysis.

Keywords: Administrative Requisition. Pandemic. Respirators. Administrative Law. Constitutional Law.

 

Sumário: Introdução. 1. A diversidade de demandas judiciais. 1.1. Concorrência entre a rede pública e privada. 1.1.1. Isonomia entre usuários da rede pública e particular. 1.2. Disputa entre entes federativos, por respiradores fornecidos pelo particular. 1.3 A necessidade de esgotar outras medidas administrativas. Conclusão. Referências.

 

Introdução

Em dezembro de 2019, foi identificada uma nova doença nomeada de COVID-19, causada por um coronavírus, que é uma grande família de vírus comum em muitas espécies de animais, raramente infectando seres humanos. No entanto, o denominado SARS-CoV-2, foi identificado em Wuhan na China e se transmite entre as pessoas (OPAS, 2020).

A doença pode apresentar quadros que variam de assintomáticos à graves, dos quais o afetado pode apresentar dificuldade para respirar e necessitar de suporte ventilatório (Id., 2020).

Em janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS), declarou que o surto da doença (COVID-19) seria Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, que é o maior nível de alerta da Organização segundo o Regulamento Sanitário Internacional. Posteriormente, em março, a doença foi caracterizada pela

Organização, como uma Pandemia, quando uma doença deixa de afetar apenas uma região e passa a atingir diferentes continentes (Id., 2020).

No dia 26 de fevereiro de 2020, o Brasil registrou o primeiro caso da doença em um homem de 61 anos no estado de São Paulo e se tornou o primeiro país da América Latina a relatar a doença (AMORIM; MARINS, 2020).

Por causar infecção nos pulmões e consequentemente, dificuldade para respirar em pacientes com estado grave, a oxigenação do sangue e a capacidade de eliminar gás carbônico, fica comprometida. Com isso, há necessidade de utilização de um aparelho que o ajude a manter um nível satisfatório de oxigênio para sua sobrevivência (OLIVEIRA, 2020).

Existem dois tipos principais de ventiladores mecânicos, um por meio de cateter (tubos) ou máscara, conectado a uma máquina, que “empurra” o ar para dentro dos pulmões e deixa o ar sair na expiração, o qual faz com que muitos se recuperam. Mas caso não haja sucesso nessa técnica, se opta por um ventilador mecânico invasivo, onde o tubo é inserido pela boca até a traqueia, enquanto a pessoa é sedada para não se sentir desconfortável. Com isso os pulmões descansam e se recuperam (Id., 2020).

Com o rápido avanço da doença, a demanda por esses equipamentos cresceu de forma exponencial, de maneira que, houve falta dele para muitos pacientes da rede pública.

Diante disso, o poder público se viu diante de uma situação onde o instituto da requisição administrativa, seria necessário.

A requisição administrativa é uma forma de intervenção do Estado na propriedade particular, prevista no artigo 5º, inciso XXV da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), in verbis: “(…) no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;” (BRASIL, 1988). Conforme define Hely Lopes Meireles (1998, p. 511):

 

“[…]é a utilização coativa de bens ou serviços particulares, pelo Poder Público, por ato de execução imediata e direta da autoridade requisitante e indenização ulterior, para atendimento de necessidades coletivas urgentes e transitórias.” (MEIRELES,1998,p. 511)

 

Ainda conforme exemplifica Dirley da Cunha Júnior (2015, p. 421):

 

“Cuida-se de modalidade de intervenção na propriedade particular, fundada na urgência, por meio da qual o Estado faz uso de bens móveis e imóveis ou serviços prestados por particulares, em face de situações de iminente perigo público (como por exemplo, grave deficiência no atendimento à saúde pública; epidemias; calamidades públicas; inundações; catástrofes, etc).” (JÚNIOR, 2015, p. 421, grifo nosso)

 

De forma simplificada, em uma situação de extrema necessidade, em que haja urgência na utilização de algum bem do particular, o Estado pode solicitá-lo para ser usado, de maneira coatora, pagando pelo o devido posteriormente. Como no caso da pandemia, onde, não havendo respiradores suficientes na rede pública, é possível se solicitar de empresas particulares.

A requisição em regra é uma forma de intervenção restritiva na propriedade, ou seja, o particular não perde a propriedade do bem (FILHO, 2014, p. 796). No caso de bens móveis e fungíveis, a coisa não poderia ser restituída ao dono, por isso se tornaria uma intervenção supressiva, ainda assim, não pode se confundir com a desapropriação, pois conforme explica Júnior (2015, p. 422), na desapropriação a indenização é feita antes, ao contrário da requisição, onde se indeniza depois, também em decorrência de seu caráter urgente, não depende de apreciação do judiciário para imissão na posse, sendo executada diretamente pela Administração Pública, ao contrário da desapropriação.

A requisição tem como pressuposto essencial o caráter urgente, sem o qual o particular pode questioná-la judicialmente para invalidá-la (FILHO, 2014, p. 805).

A prescrição para postular indenização se for o caso, consuma-se em cinco anos contados a partir do momento em que o uso do bem pelo Poder Público se inicia, conforme o parágrafo único do artigo 10 do Dec. Lei 3.365 (BRASIL, 1941).

A Constituição coloca como competência da União legislar sobre requisição no artigo 22, inciso III (BRASIL, 1988), nada impede que a execução desse ato seja feita por demais entes federativos se presentes os pressupostos circunstanciais exigidos pela Constituição e pela lei.

A Lei 8.080 de 1990, regula as condições para promover, proteger e recuperar a saúde e a organização e funcionamento de seus serviços. No artigo 15, inciso XIII, assegura:

 

“Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições:

(…)XIII – para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização;” (BRASIL,1990, grifo nosso)

 

Em fevereiro de 2020 foi promulgada a Lei n° 13.979 dispondo sobre medidas a serem adotadas no enfrentamento a pandemia, a qual seu artigo 3°, inciso VII, diz que as autoridades podem requisitar bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, garantidas a elas, indenização posterior. No caso em questão podem o Ministério da saúde e gestores locais de saúde, agirem, em acordo ao § 7º, incisos I e III do referido artigo (BRASIL, 2020).

Deve-se atentar ao fato de que a requisição administrativa, como forma de intervenção do Estado na propriedade privada, deve ser utilizada como último recurso, afim de alcançar o objetivo primordial da administração pública, que é o interesse coletivo. Pois ao mesmo tempo que a constituição defende o interesse social, também coloca como direito fundamental as garantias individuais, como a propriedade privada, como se verifica no seu art. 5°, inc. XXII (BRASIL, 1988).

O objetivo desta pesquisa é investigar de que maneira o Poder Público na esfera federal, estadual e municipal tem feito a requisição de aparelhos tão importantes para combater a doença que se alastra na população, os litígios que tem surgido a partir disso e como os tribunais tem lidado com eles, através de uma busca por jurisprudências.

 

  1. A DIVERSIDADE DE DEMANDAS JUDICIAIS

A respeito do tema, encontra-se os mais diversos litígios relativos a ele, seja entre o poder executivo Estadual e empresas que fornecem os respiradores, ou daquele com hospital particular e até mesmo entre entes federativos, União e Estado, por exemplo.

 

1.1. Concorrência entre a rede pública e privada

O hospital particular São Francisco, em São Roque, no estado de São Paulo, entrou com pedido em sede de Mandado de Segurança, para reaver sete respiradores que foram requisitados pela prefeitura da cidade com base em um decreto municipal de calamidade pública (VIAPIANA, 2020). Segundo o hospital, os equipamentos foram retirados de maneira inadequada (BRASIL, TJ-SP, 2020, p. 84).

Alegou o hospital que houve violação ao princípio da legalidade, pois o decreto não havia sido ainda publicado no Diário Oficial, na data da medida que foi executada. Tratando-se, portanto, de uma medida de caráter liminar. O hospital também relatou que suas atividades foram prejudicadas pela requisição. (Id, 2020, p. 82)

Em casos como esse, fica exposta uma concorrência entre a saúde como um serviço público sendo prestado pelo Estado e pela iniciativa privada. Uma das questões a serem levadas em conta, é se o Estado pode ter preferência sobre o particular na falta de um equipamento essencial na rede pública, onde os mesmos estão em um número mais do que suficiente naquele. Ou ainda quando a requisição do Estado sobre o privado causaria um desfalque neste.

A saúde, é um direito social e de todos, de acordo com o artigo 6° e 196, respectivamente, da CRFB/88, que também a coloca como um dever do Estado assegurá-la (BRASIL, 1988).

Ferraz e Bejamin (2004, p. 84), dizem que a responsabilidade de oferecer a saúde, é do Estado, ainda que haja delegação a iniciativa privada e concorrência entre eles. No entanto, o papel do Estado nesse caso, é de dar continuidade ao serviço se houver impossibilidade de entidades privadas com ou sem fins lucrativos faze-los.

Há de se levar em conta, que a destinação dada pelo ente particular é a mesma dada pelo público, a de atender ao interesse social. Por isso, é legítimo analisar na decisão, a razoabilidade da medida tomada, já que essa também deve reger a Administração Pública. Não se pode considerar justo, retirar de pacientes da rede privada que tiverem reivindicado primeiro em razão de necessidade os aparelhos, para passa-los aos da rede pública. Pois seria uma forma de ferir o princípio da isonomia, fazer uma acepção dos usuários de um mesmo serviço de natureza pública.

Outro ponto tratado pelo hospital, foi de que estaria faltando o requisito essencial para requisição administrativa, a urgência (BRASIL, TJ-SP, 2020, p. 87). Carvalho Filho (2014, p. 806) coloca que o perigo público iminente é pressuposto do instituto ao qual o ato de requisição é vinculado. Mas esses requisitos são cabíveis apenas ao administrador avaliar e não ao Poder Judiciário. A este é legítimo que examine se há vício de legalidade, arbítrio do administrador na avaliação do perigo, relativo ao motivo ou objeto do ato, ou falta de congruência entre esses, o que permite invalidação na via judicial.

Inclusive esse foi o posicionamento colocado pelo juíz na sentença sobre o caso. A respeito disso, ele afirmou:

 

“Obviamente que, em certos casos, a pretexto de exercer a discricionariedade, pode a Administração Pública disfarçar uma ilegalidade. Tal questão deve ser analisada pelo Poder Judiciário, principalmente no que concerne às causas, motivos e finalidades do ato administrativo, sempre sob a análise da razoabilidade e proporcionalidade da conduta adotada pelo Administrador” (BRASIL,TJ-SP, 2020, p. 86)

 

Considerou que não foi o caso em voga, pois como o magistrado entendeu, não há nada que possa ser considerado ilegalidade, nem mesmo sobre o aspecto da discricionaridade. O ato se deu antes da publicação da Lei em Diário Oficial para que fosse preservada sua efetividade. O juiz não citou a necessidade do hospital particular e um possível prejuízo aos pacientes desse pela medida.  A urgência, considerou notória, pois se trata de uma pandemia mundial e foi fundamentada sob a égide do artigo 374, I do Código de Processo Civil (CPC/15) (BRASIL, 2015).

 

1.1.1 Isonomia entre usuários da rede pública e particular

Em um caso, onde se discutiu a igualdade entre pacientes da rede pública e privada, a União, em março de 2020, requisitou todos os aparelhos da empresa fornecedora Magnamed S/A, os disponíveis para entrega e os que seriam produzidos nos próximos 180 dias seguintes, entre os quais, vinte estavam sendo auferidos pelo hospital particular Albert Einsten em São Paulo. O qual então, entrou com pedido de tutela provisória, para que fossem excluídos os ventiladores por ele adquiridos e que suas futuras compras não fossem prejudicadas pela Lei 13.979/20 que autorizou as requisições. (BRASIL, TRF-3, 2020, p. 3)

O pedido para ser excepcionado do referido ato administrativo, fundamentou-se pelo Hospital ter uma notória utilidade pública, atuando com parcerias e convênios de gestão de estruturas públicas de saúde, disponibilizando leitos de UTI ao SUS, realizando atividades que dependem de respiradores, que com a aquisição prejudicada, poderia não atender as demandas.(Id, 2020, p.2).

Diante do deferimento parcial de seu pedido, entrou com agravo de instrumento, ao passo que a União também, requerendo os 20 respiradores que não poderia mais requisitar, sob argumento de que haveria risco de dano grave, pela essencialidade dos ventiladores e que a decisão estaria relativizando a requisição administrativa, abrindo assim brecha para outras demandas de mesma natureza, sobrepondo o interesse privado ao público, segundo ela, além de outros pontos. E teve sua tutela deferida (Id, 2020, p. 4).

Foi então, quando o hospital particular, mediante agravo interno, informou que os ventiladores já estavam em uso e ainda frisou que os assistidos por ele, eram pacientes do Hospital M’Boi Mirim, da rede pública mantido em parceria com o Einsten, explicando que atua justamente para atender os mesmos pacientes a que se objetiva com a requisição, as pessoas carentes. Portanto não prejudicaria atividades do Poder Público. Além disso, não poderiam simplesmente desligar equipamentos em uso na UTI, para devolvê-los a Magnamed, pois isso ocasionaria a morte de pelo menos vinte pessoas. (Id, 2020, p. 5).

O judiciário não apreciou a liminar, alegando, que, obviamente os ventiladores não deveriam ser desligados, fosse na rede pública ou privada, mas sim, novos aparelhos deveriam ser devolvidos a Magnamed (Id, 2020, p.5).

Na ação, o Hospital particular citou que, vidas pagantes não tem importância maior ou menor do que aquelas que dependem do SUS. E que é com o dinheiro das que pagam, que o hospital consegue atuar na rede pública. (Id, 2020, p.5)

O relator no caso, disse haver de desconsiderar a destinação dada aos respiradores pelo hospital à rede pública, primeiro por se ater ao princípio da impessoalidade. E segundo, porque não poderia excepcionalizar os respiradores já comprados, sob pena de comprometer o abastecimento que se pretende ao fazer as requisições administrativas. Ainda, não poderia determinar que se condicionasse esses pedidos do Estado a uma contraprestação preexistente (Id., 2020, p. 7). E não havia nos autos, prova de que os equipamentos iriam para a rede pública associada ao hospital (Id., 2020, p.8).

O juiz também ressaltou o seu papel nesses casos, quando há utilização do Executivo, de seus instrumentos de organização e gerenciamento de saúde, o qual deve ser metódico, apenas intervindo em violações flagrantes às leis e à Constituição (Id., 2020, p.7). Ele acrescentou que não faria distinção em termos de valoração e hierarquização da vida:

 

“A rigor, como adiante esclarecido, não se fez nem se fará, através de decisão judicial no âmbito da demanda em exame, qualquer distinção em termos de valoração e hierarquização da importância da vida e, portanto, sem estabelecer distinção prévia sobre ser mais importante dotar o sistema público ou a rede privada de atendimento médico-hospitalar, já que a destinação, baseada em critérios de urgência e necessidade, envolve juízo administrativo afeto ao Poder Público, tendo em conta dados e fatores de avaliação médica sistêmica.” (BRASIL, TRF-3, 2020, p.9)

 

Citou ainda, que a insinuação da rede privada beirou a leviandade e má fé processual. E que na verdade, o que se levou em consideração, foram os elementos probatórios levando a crer que não havia saturação da rede privada e por isso os equipamentos, poderiam ser redirecionados para rede pública (BRASIL, JF-SP, 2020, p.10). Ou seja, o judiciário alegou estar analisando precipuamente, a disponibilidade desses equipamentos, observando que não faltariam dessa forma, aos pacientes da rede privada.

 

1.2.  Disputa entre entes federativos, por respiradores fornecidos pelo particular

Aparelhos já adquiridos pelos Estados e Municípios com fornecedores privados, foram mais de uma vez requisitados pela União, gerando assim litígios a serem levados a juízo.

O Estado do Ceará e o Município de Fortaleza, adquiriram, por meio de contratos com a empresa particular Intermed Equipamento Médico e Hospitalar Ltda., 94 respiradores pulmonares, sendo 20 para o Instituto Doutor José Frota (IFJ), uma autarquia pertencente ao Município de Fortaleza, 24 para Secretaria de Saúde dele e 50 a Secretaria de Saúde do Estado (SESA). Os quais não foram entregues, por intervenção do Ministério da Saúde (MS), que requisitou, por meio de Ofício, toda produção existente e a ser produzida, no período de 180 dias subsequentes ao recebimento do mesmo (BRASIL, JF-CE, 2020, s.p).

No entanto, em posterior Ofício, o MS retificou o primeiro, na parte em que ele iria confiscar os equipamentos. Dessa forma a empresa não teria justificativa para não fornecer os respiradores.  Conforme o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Ceará (MPE-CE) argumentaram, a contratação foi anterior ao Ofício e o próprio MS veio a excepcionar depois, os aparelhos já destinados a esses entes para fins de requisição (Id., 2020, s.p.).

O juiz, nesse caso concedeu uma tutela liminar em sede de Ação Civil Pública, para que fossem suspensos os efeitos das requisições administrativas. Para que estando na posse da empresa privada ou da União, fossem entregues ao Estado e Município requerentes, fixando também multa diária em caso de descumprimento (Id., 2020, s.p.).

O Magistrado, fundamentou sua decisão com base em outras, advindas de conflitos da mesma natureza, em que há uma disputa da União requisitando respiradores já adquiridos com entidades privadas, por outros entes federativos. Um deles tratando-se do Município de Recife em Pernambuco, pedindo que a decisão indeferindo liminar para entrega de equipamentos, fosse suspensa e o magistrado decidiu favoravelmente ao município.

Dentre os argumentos, a Prefeitura de Recife explicou que já havia montado toda uma estrutura para fornecer o tratamento adequado a seus pacientes, várias Unidades de Tratamento Intensivo (UTI’s), com eletrocardiogramas, régua de gases medicinais, bombas de infusão, cardioversores, entre outros. Faltando apenas os respiradores, sem os quais, segundo eles, o tratamento, em caso de a doença ser de média e alta gravidade, é ineficiente (BRASIL, TRF-5 b, 2020, p. 02).

A União teria requisitado todos os respiradores da Magnamed Tecnologia Médica S/A FILIAL, dos quais o Município já teria adquirido para devida destinação pública (Id., 2020, p. 02)

O ente em questão também justificou a necessidade dos equipamentos para a cidade com alto índice de idosos, que representam a parcela da população considerada grupo de risco com o acometimento da doença, que pode sofrer com uma elevada taxa de letalidade. Em contrapartida, a destinação dada pela União aos ventiladores pulmonares não teria sido revelada, questionando-se a real necessidade e urgência do ato administrativo em questão (Id., 2020, p. 02)

Foi colocada em pauta, toda questão econômica envolvendo os gastos feitos em função do tratamento para pacientes com COVID-19, que não teriam eficácia diante da falta de respiradores e consequentemente representariam um prejuízo ao erário, além do dano irreparável, caso a saúde pública do ente entrasse em colapso(Id., 2020, p. 03).

Um outro ponto a ser destacado como argumento, é o que diz respeito a autonomia dos entes federativos (Id., 2020, p. 03), positivado na CRFB/88, no art. 18 (BRASIL, 1988). Não existe hierarquia entre os entes federativos, eles são autônomos, independentes entre si e complementares. Permitir que a União possa requisitar aparelhos já adquiridos por outro ente federativo seria ferir o princípio, sobrepondo os interesses daquela sobre este.

Ainda que se possa argumentar que o interesse público da União abranja um maior número de pessoas que os interesses de um Município, nesse caso em análise, este último justificou a necessidade de uma maneira mais específica, clara, demonstrando a urgência devida, diferentemente da União. Como já afirmado anteriormente, esse juízo sobre a urgência cabe apenas ao administrador, porém o judiciário pode apreciar a questão, analisando se há vício de legalidade e arbítrio do administrador. O que não foi também apreciado nesta ação.

Nesse caso, a medida tomada contra a decisão, foi a suspensão de liminar e sentença, pois é cabível ao Poder Público, pedir ao presidente do Tribunal, quando existe como foi demonstrado, perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, segundo artigo 15 da Lei 12016/09 (BRASIL, 2009). O magistrado ressaltou na decisão que não fez juízo de mérito com relação a lide, mas sim político com relação aos possíveis danos aos valores a serem defendidos (BRASIL, TRF-5 b, 2020, p. 4).

Ainda sobre o conflito federativo envolvendo a requisição de bens públicos estaduais e municipais, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Mandado de Segurança nº 25.295/DF, entendeu ser inadmissível ainda que pela União, esse ato.

No precedente, o Decreto Presidencial 5392/05 havia declarado Estado de Calamidade Pública no Sistema Único de Saúde (SUS), autorizando por isso, requisição pelo Ministério da Saúde sobre bens, serviços e servidores afetos de hospitais municipais. O Ministro Relator Joaquim Barbosa, na época entendeu haver falta de motivação expressa e o Ministro Eros Britto, ainda disse que se tratava não de requisição, mas de intervenção federal no município apossando-se de bens, serviços, servidores e recursos públicos municipais, pela União, sem que estivesse em situação de estado de defesa e do estado de sítio previstos pela CRFB/88, nos artigos 136, II E 137. Considerou ainda, que houve desafetação do Município, de serviço destinado também a ele, pela Constituição, segundo artigo 196 (BRASIL, STF, 2005).

O Ministro também explicou que a Constituição, apenas determinou que a requisição incidisse sobre bens particulares. Ao que o outro Ministro Cezar Peluzo, acrescentou que a requisição pressupõe que o bem objeto da intervenção, tenha uma destinação diversa da prevista constitucionalmente, de atender iminente perigo público (Id, 2005).

Esse último entendimento, é interessante na medida em que pode ser utilizado como argumento para questionar também a requisição de equipamentos em hospitais particulares. Nesse caso, a requisição só seria válida, em se tratando de fornecedores desses equipamentos.

Diante da decisão do juiz federal do Ceará, para que fossem entregues, liminarmente, os ventiladores pulmonares ao Estado e ao Município de Fortaleza, como foi citado anteriormente, a União, insatisfeita, ingressou com Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo da decisão atacada.

Ela alegou, que emitiu ofício, por meio do Ministério da Saúde excepcionando os aparelhos já adquiridos por outros entes federativos, mas que os eles não foram entregues a esses entes pela empresa Intermed, pois não haviam sido os contratos finalizados (BRASIL, TRF-5 a, 2020, p.2).

O juiz indeferiu o pedido, por considerar haver necessidade de produção de provas quanto ao alegado sobre a finalização ou não dos contratos, o que não seria possível naquele momento do processo. O juiz também não aceitou o pedido de efeito suspensivo, por entender não haver ali risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Como ele justificou, os objetivos de ambos são os mesmos, combate a crise provocada pelo coronavírus. Ainda reconheceu maior legitimidade na demanda do Estado e do Município, por estarem mais próximos dos seus habitantes, com destinações mais específicas, determinadas (Id, 2020, p.6) .Todos esses argumentos do magistrado, corroboram o que foi analisado e concluído, anteriormente nesse artigo.

A respeito de todos os argumentos apresentados pela União, de que seria a mais adequada e eficiente para fazer a distribuição de ventiladores para os entes federados. De que o Ministério da Saúde seria o órgão mais capaz de analisar quais as regiões seriam prioritariamente mais necessitadas, cuja a capacidade de respiradores instalados seriam insuficientes ou estariam perto do limite. De que seria o único a poder agir como um regulador natural do Sistema Único de Saúde. Destarte, que sua medida, seria a melhor, centralizando aquisições e distribuição dos equipamentos. Não ferindo, segundo ela, a competência dos entes. Pois ela, sendo a mediadora desses aparelhos, os distribuiria igualmente, na medida das necessidades de cada localidade. Sendo assim, mitigaria o poder econômico de alguns, em detrimento de outros (Id, 2020, p.2).

O juiz apenas refutou essas alegações dizendo que a Lei 13.979/20, no seu artigo 3°, inciso VII, invocado pela União, fala apenas da requisição de bens e serviços de entes privados. Portanto não há justificativa cabível para reivindicá-los, uma vez que foram adquiridos pelo Estado e Município, não pertencendo mais ao particular que o fabricou (Id, 2020, p.6).

Além disso, embora o juiz não tenha comentado na sentença, o próprio SUS tem como característica ser descentralizado, conforme artigo 198, inc.  I, da CRFB/88, in verbis:

 

“Art.198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;” (BRASIL, 1988)

 

O Município de Santana de Parnaíba foi mais um, dos muitos afetados pela requisição da União quando já havia adquirido os equipamentos anteriormente. Ele utilizou o caput do artigo acima para questionar a medida tomada pelo ente federado. E diz ainda que:

 

“(…)a centralização da aquisição dos ventiladores pulmonares pela União, sem norma que a ampare e regule como se dará a distribuição dos equipamentos para os demais entes da Federação, deixa a população do município requerente em absoluto abandono, sem chance de recuperação para os pacientes em estágios mais graves, embora tenham sido realizados investimentos na aquisição.”(BRASIL, JF-SP,2020)

 

Esse argumento, leva a conclusão de que em todos esses casos parecidos, onde há requisição pela União, de equipamentos já adquiridos, são obstadas a finalidade de combate a pandemia por entes locais que fundamentam muito bem a necessidade dos respiradores e fazem até o investimento financeiro. Em contraponto a uma justificativa vaga, de que melhor distribuiria eles e baseando-se nisso, fazem requisições administrativas deliberadamente.

Vale lembrar, que um dos princípios que regem a Administração Pública é o da motivação, segundo a Lei 9784/99 no caput do artigo 2°. E os atos administrativos devem ser obrigatoriamente motivados quando neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses (BRASIL, 1999, art. 50, inc. I), como são os casos apresentados. O princípio diz respeito a declaração expressa do motivo que ensejou o ato (ALEXANDRINO; PAULO, 2015, p. 161).

O §1° do artigo 50 da Lei 9784/99 também diz que a motivação deve ser clara, explícita e congruente (BRASIL, 1999). Considerando que a União, quando requisita para si, deixa em falta outro ente federativo, seria exigível que ao menos indicasse em uma fundamentação plausível para que localidades está requisitando os ventiladores, quais são as reais necessidades delas e porque sua demanda seria mais urgente que a do outro.

Na decisão envolvendo Santana de Parnaíba, o juiz defendeu que os equipamentos ainda não pertenciam ao Município embora a compra dos ventiladores estivesse com a despesa extratificada em nota de empenho, pois os direitos reais sobre bens imóveis só se dão a partir da tradição, segundo o artigo 1226 do Código Civil (BRASIL, 2002).

Ele não considerou a requisição válida por outros motivos, relativos ao ato administrativo que apresentou vícios de competência, forma e motivo. Esse último, muito importante, pois já defendido como essencial nesse trabalho e que não tem se observado na maioria das requisições feitas. Sobre isso o juiz fundamentou:

 

“E, por fim, também entendo demonstrado o vício de motivação, uma vez que os ofícios fazem referência genérica à “necessidade de enfrentamento da situação de emergência em saúde pública de interesse nacional decorrente do Coronavírus (COVID-19)”, o que consiste na finalidade do ato – embora não mencione critérios de distribuição e a destinação dos aparelhos. Do ato não constou expressa motivação, assim entendida a razão fática pela qual foi adotada a medida extrema de obstar a venda e requisitar todos os ventiladores pulmonares disponíveis e os que serão produzidos nos próximos 180 (cento e oitenta) dias. Nesse tópico, o Supremo Tribunal Federal, tem precedente no qual declarou a nulidade de requisição de bens sem indicação de motivo (MS 25.295-2/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 20.4.2005)”. (BRASIL, JF-SP, 2020, p.9)

 

Essa decisão do STF, em sede de Mandado se Segurança, citada pelo juiz, foi anteriormente destrinchada nesse artigo.

 

1.3 A necessidade de esgotar outras medidas administrativas

É importante o ente público verificar, que outras medidas poderiam ser tomadas para abastecer a rede pública de saúde, com os ventiladores. A própria Lei 13.979/20, por exemplo, que autoriza a requisição, também prevê a dispensa de licitação para bens e serviços destinados ao enfrentamento da pandemia. Inclusive, no caso aqui citado, em que o Ceará, adquiriu 50 ventiladores pulmonares por meio de sua Secretaria de Saúde, o fez através dessa medida (BRASIL, JF-CE, 2020).

Barros Gomes e Marcelo Gomes (2020, p. 186) questionam em sua obra, a razoabilidade da requisição. Alexandrino e Paulo (2008, p. 204) dizem que o princípio da razoabilidade encontra aplicação, em especial, no controle de atos discricionários que resultem em restrição ou condicionamento a direitos dos administrados. Esse é o caso da requisição. Eles explicam:

 

“(…) se trata de controle de legalidade ou legitimidade, e não de controle de mérito, vale dizer, que não se avaliam conveniência e oportunidade administrativas do ato, o que implicaria, se fosse o caso, a sua revogação- mas sim sua validade. Sendo o ato ofensivo aos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade, será declarada sua nulidade; o ato será anulado, e não revogado.” (ALEXANDRINO; PAULO,2020, p. 204, grifo do autor)

 

Eles acrescentam que o Poder Judiciário, ao ser provocado nessas situações, deve analisar adequação, necessidade e proporcionalidade. Sendo que a adequação corresponde ao ato ser efetivo para atingir a finalidade perseguida. E a necessidade é relativa a existência de algum outro meio menos gravoso e igualmente eficaz para se ter esses objetivos (ALEXANDRINO; PAULO,2008, p.205). A proporcionalidade é o requisito que proíbe os excessos, os meios utilizados pelo administrador, devem ser proporcionais ao fim por ele almejado. (Id, 2008, p. 206)

Ora, em muitos casos, a requisição tem obstado o próprio meio perseguido, se mostrando inadequada, além de que a necessidade também não se faz presente, na medida em que há outros meios de se enfrentar a pandemia, adquirindo os ventiladores por meio da contratação direta por exemplo. E esses requisitos faltados, comprometem também o da proporcionalidade, justamente porque é uma medida muito mais drástica frente a uma alternativa mais apropriada.

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), propôs ADPF, com pedido para que o SUS passasse a controlar e gerenciar todos os leitos, públicos ou privados. Requereu assim aos entes federativos, a requisição da totalidade de bens e serviços de pessoas físicas e jurídicas relativos à saúde (BRASIL, STF, 2020, p. 5).

O juiz arguiu que a situação de perigo exigida pela lei para realizar a requisição, só poderia ser verificada por um administrador e ele decidir sobre isso feriria a separação de poderes. E ainda que a medida, caso fosse apreciada, seria uma imposição da requisição sem analisar antes a existência de outra medida cabível. Conforme transcrito abaixo:

 

“Por essa razão, vulneraria frontalmente o princípio da separação dos poderes a incursão do Judiciário numa seara de atuação, por todos os títulos, privativa do Executivo, substituindo-o na tomada de decisões de cunho político-administrativo, submetidas a critérios de conveniência e oportunidade, sobretudo tendo em conta a magnitude das providências pretendidas nesta ADPF, cujo escopo é nada mais nada menos do que a requisição compulsória e indiscriminada de todos os bens e serviços privados voltados à saúde, antes mesmo de esgotadas outras alternativas cogitáveis pelas autoridades federais, estaduais e municipais para enfrentar a pandemia.”(BRASIL, STF, 2020, p. 9, grifo nosso)

 

Ou seja, este também foi um caso em que o judiciário, em sua última instância, considerou necessário verificar outras formas de se combater a pandemia antes de se cogitar a requisição.

 

Conclusão

No final do ano de 2019 e início de 2020, uma nova doença surgiu, com características altamente contagiosas e sendo, em muitos casos, mortal. Essa situação não tardou se tornar uma questão de saúde pública, tendo em vista a potencial sobrecarga de pacientes, tanto no sistema público como privado de saúde.

As autoridades públicas passaram a ter como prioridade a defesa da saúde, com instalação de leitos de UTI e equipamentos necessários para o tratamento da doença. Entre eles, os respiradores pulmonares, essenciais para a recuperação de pacientes graves.

Frente a pandemia, foi prevista uma grande demanda por ventiladores, a qual fez com que o Poder Público precisasse adquiri-los com urgência. Para isso a Lei, baseada no que já garante a Constituição, autorizou a requisição administrativa desses aparelhos. Esse é um instituto administrativo, que permite a retirada coativa de bens particulares pela administração pública com fim de atender a um interesse maior, coletivo e urgente.

As autoridades, de fato fizeram uso desse recurso, de forma que, o particular, vendo seu bem requisitado, questionou a necessidade do ato e os abusos, ilegalidades e arbítrio envolvidos nele. Como no primeiro caso apresentado nesse artigo. Nele, observou-se que a autoridade judicial não teve dificuldade em considerar válida a requisição feita pelo Município ao particular. Tendo em vista que não poderia julgar se a medida foi necessária, cabendo apenas ao administrador fazer isso. A urgência se mostrou notória por se tratar de uma pandemia e também não houve ilegalidade.

Contudo, o presente artigo trouxe a reflexão acerca da finalidade em comum, do público e do particular, em exercer um serviço social. Ainda que na rede privada não haja caráter universal, continua tendo um papel complementar e abrangente de parte da população, que também precisa da assistência. Ainda que com a requisição, esses pacientes da rede privada se desloquem para a pública, na falta dos equipamentos no particular, continuaria havendo respiradores sendo necessitados pela mesma quantidade de pessoas, continuando sobrecarregado o sistema de saúde como um todo, não resolvendo problema algum.

A requisição, poderia ter efetividade, sobrando equipamentos na rede privada, caso contrário o que se tem é a valoração de pacientes públicos e privados, ou uma medida obsoleta.

No segundo caso de requisição, o magistrado disse que a decisão buscou observar a disponibilidade dos aparelhos, para autenticar a requisição.

Os casos mais complicados que foram levados a juízo e aqui verificados, envolveram requisição pela União, de aparelhos já adquiridos pela Administração Pública a partir de um outro ente federativo, por acrescentar ao litígio uma questão de conflito federativo.

A tendência do judiciário nesse caso, foi de conceder os respiradores aos entes que o adquiriram primeiro, gerando inclusive precedentes utilizados nas justificativas das sentenças posteriores.

O que se observou em todos esses casos, foi uma falta de justificativa da União para requisitar os aparelhos em detrimento de outro ente federativo, não especificando a aplicação deles e nem sua necessidade mais urgente. Houve o argumento de que melhor avaliaria e distribuiria os ventiladores, mas não foi juridicamente plausível frente a natureza descentralizada do SUS.

Outro argumento contrário a requisição de equipamentos de saúde, foi apresentado em um precedente do STF, onde o ministro Cezar Peluzo defendeu que a requisição pressupõe destinação diversa de atender perigo público. Essa compreensão deslegitima até mesmo casos onde não há conflito federativo.

A Intervenção Pública na propriedade particular é um recurso delicado, pois se trata de valores extremamente protegidos pela Constituição, que é a propriedade particular e o interesse público. A supremacia do interesse público a justifica, mas deve ser utilizada como última alternativa. Além disso, há uma busca em comum por atender esse interesse, mesmo da rede privada. O diálogo nesse caso é essencial, para verificar inclusive, a disponibilidade dos bens. Mas precipuamente, o Poder Público tem outras alternativas e não foi observado nenhuma motivação expressa, do porque as requisições estão sendo preferidas ao invés de uma outra medida, como a contratação direta por exemplo, ou se há impossibilidade de tomar outra iniciativa. Esse artigo deixa então, esse questionamento.

 

Referências

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