Resumo: O trabalho a seguir ventilado tem por escopo fundamental a procura por uma explicação pautada na jurisprudência e sob a ótica pós-positiva acerca da responsabilidade do Estado por dano ao meio ambiente, em especial a administrativa, penal e civil. Para tanto logramos perpassar por profícua análise dos institutos pertinentes à explicação tecida neste, como os princípios do Direito Ambiental, em simetria com a ordem constitucional, e, ainda, com as prerrogativas do desenvolvimento sustentável. Necessário se fez especial estudo às questões técnicas enquanto averiguação do dano cometido, como se fixa o quantum indenizatório e para quem ou o que se destina. Igualmente verificar que o controle judicial das políticas públicas ambientais é o meio pelo qual se inclui uma maior carga valorativa às disposições constitucionais ambientais que, a partir do pós-positivismo, irradiam-se longitudinalmente às relações públicas e privadas no tratamento ao meio ambiente. Atacaremos o tema abordando, axiologicamente, as normas positivas sem, contudo, estabelecer uma visão antropocêntrica exacerbada o que nos transportaria para fora do eixo do equilíbrio e do respeito às formas de vida necessários e indispensáveis para a (re) formulação da maneira de se pensar o ambiente enquanto requisito de estabelecimento pleno e sustentável das nações. Partiremos, também, da educação socioambiental do Estado e da sociedade como fundamento da construção de uma coletividade preocupada com o meio e com as formas de preservá-lo. Sem dúvida uma proposta de prestação e conscientização, em respeito ao meio que nos mantém vivos e que permite nos organizarmos socialmente a partir da existência de um ordenamento que, deste momento, assume proporção eminentemente humana e extensiva ao invés, do dogmatismo antropocêntrico que, deveras, persiste em ser praticado.
Palavras-Chave: Responsabilidade Ambiental. Função do Estado. Pós-Positivismo. Sustentabilidade. Dignidade da Pessoa Humana.
Sumário: 1. Introdução; 2. Princípios do Direito Ambiental; 3. Responsabilidade do Estado por dano ao meio ambiente; 3.1. Da averiguação do dano; 3.2. Da fixação do quantum indenizatório e da sua destinação; 3.3. Da análise jurisprudencial; 4. O controle judicial de políticas públicas ambientais; 5. Direito Ambiental na Era do Pós-positivismo: a relação de dependência entre a sustentabilidade jurídico-social e o meio ambiente equilibrado; 6. Função Social do Estado na proteção do direito ao meio ambiente; 7. Considerações Finais; 8. Referências Bibliográficas.
1-Introdução
O Direito Ambiental assume importante papel nas discussões acerca do pós-positivismo, principalmente em relação à irradiação longitudinal dos efeitos dos princípios e das garantias fundamentais, cabendo ressaltar que para Canotilho (2003) “direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente”. No caso a perfeita interpretação do artigo 225[1] da Constituição da República suscita a questão da sustentabilidade ambiental. Isto porque não há que se discutir as novas abordagens jurídicas e sociais, e mesmo filosóficas, do pós-positivismo, sem antes entender o meio ambiente como sendo o pilar central que sustenta a razão de existir de uma sociedade e de um ordenamento jurídico que a controle. Consideramos, pois, o direito ao meio ambiente equilibrado e sustentável, além de fundamenta, como pertencente aos direitos do cidadão que são aqueles que são do homem enquanto ser social (CANOTILHO, 2003).
Procuraremos, ao longo deste, estabelecer os parâmetros para a responsabilização do Estado em caso de danos ambientais utilizando, para tanto, as referências jurisprudenciais pertinentes. Em sede desta responsabilidade caberá o estudo mais aprofundado e longo acerca da responsabilidade administrativa e civil do Estado, partindo do pressuposto da existência de três espécies contidas no §3º do artigo 225[2] da Constituição federal: respectivamente, responsabilidade penal, administrativa e civil. Ainda lograremos explicitar os princípios que norteiam o Direito ambiental adequando-os, segundo a ótica pós-positiva de irradiação destes, de forma a comprovar a importância do equilíbrio ambiental para o bom desenvolvimento social.
Entender a complexa relação dos institutos apresentados neste trabalho é uma tarefa pela qual a educação ambiental[3] irá se ocupar, procurando estabelecer os critérios de compreensão da sustentabilidade ambiental e do novo panorama jurídico, e lógico-transcendental[4] que irá, igualmente, nortear nossa explanação.
Convidamos o leitor para adentrar no fascinante mundo do eco-direito e como aprender a propugnar os princípios essenciais e inerentes, àqueles constitucionais, pela construção do conhecimento, inicialmente, provando que algo deve e pode ser feito, seja especialmente pela nossa angústia[5] em mudar.
2-Princípios do Direito Ambiental
Quando optamos por uma abordagem segundo a ótica pós-positiva não nos seria interessante dissertar acerca da responsabilidade do Estado por danos ambientais, em circunstâncias que ainda serão dirimidas, sem antes fazer algumas considerações, em caráter propedêutico, sobre os princípios constitucionais que norteiam o Direito Ambiental e mesmo os que lhe são peculiares por excelência. Mesmo porque sustentar uma argumentação que transcende o positivismo só poderia vir acompanhada do devido arcabouço principiológico[6] contidos no texto magno e nas convenções internacionais.
Da mesma forma, imprescindível fazer, neste meio, apontamentos dogmático-constitucionais que para Canotilho (2003) representam as possibilidades que a metódica constitucional oferece ao operador para resolver o caso concreto, que se traduz, na busca pela efetivação dos princípios fundamentais.
Do “caput” do artigo 225 da CF, podemos retirar um primeiro princípio constitucional, excetuando-se o da dignidade visto a inerência deste em relação a qualquer panorama jurídico discutido, que seria o da supremacia do interesse coletivo[7].
É dever do Estado a proteção do meio ambiente, enquanto requisito essencial à manutenção da boa qualidade de vida. Tal prestação inclui-se na idéia do bem-comum, sendo de interesse geral, público, a preservação, fiscalização e manutenção do meio através de práticas não lesivas à vida animal e vegetal o que, diante deste, suscitar-se-á a aplicação da Lei Nº 9.605/98 sobre crimes ambientais.
Introduzir uma explanação com o princípio da supremacia do interesse coletivo nos parece pertinente por motivos além do óbvio. Seja porque o meio ambiente é em sua consideração material utilizável por diversas formas de vida que podem, ou não, coexistir no mesmo contexto físico, seja por constituir uma base essencial à construção do Estado Constitucional e Humanista de Direito. Ainda que considerá-lo possa representar uma visão, em demasia, antropocêntrica[8], convencionamos que mitigar esta visão não gera óbice à preservação da vida humana, sequer sobre a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CF) como fundamento do Estado Democrático de Direito[9], mas sim cria uma população consciente de que devem ser feitas ponderações[10] em prol do equilíbrio do todo.
Partindo para uma análise mais objetiva, é conveniente ressaltar que o Direito ao Meio Ambiente significa um avanço no âmbito das prerrogativas coletivas[11], o que nos motiva ao princípio do direito à sadia qualidade de vida como sendo um resultado prático e evidente que decorre da dignidade da pessoa humana. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, na Declaração de Estocolmo/72, salientou que o homem tem direito fundamental a “… adequadas condições de vida, em um meio ambiente de qualidade…” (MACHADO, 2002, p. 45). Ou seja, no plano internacional já fora reconhecido o referido direito contemplado na carta de 88, porém há que se dizer que não se trata de uma qualidade enquanto apenas o dever do Estado em prestá-la, ou prestar condições para tanto, mas igualmente, numa dimensão de busca e consciência coletiva, não sendo, portanto de único e exclusivo dever do Estado, mas de todos nós a garantia de um ambiente saudável.
O princípio do acesso equitativo aos recursos naturais diz respeito “aos bens que integram o meio ambiente planetário, como água, ar e solo, devem satisfazer as necessidades comuns de todos os habitantes da Terra.” (MACHADO, 2002, p. 47). Sem embargos todos os seres humanos podem usufruir dos bens naturais de nosso planeta, em virtude da manutenção da nossa própria qualidade de vida. Não obstante este uso deve ser responsável e ainda pautado na proporcionalidade para não ser criada uma situação de desequilíbrio como pode ser evidenciada, v.g., como o aquecimento global. Neste sentido Paulo Affonso Leme Machado[12]:
“O Direito Ambiental tem a tarefa de estabelecer normas que indiquem como verificar as necessidades de uso dos recursos ambientais. Não basta a vontade de usar esses bens ou a possibilidade tecnológica de explorá-los. É preciso estabelecer a razoabilidade dessa utilização, devendo-se, quando a utilização não seja razoável ou necessária, negar o uso, mesmo que os bens não sejam atualmente escassos.” (2002, p. 47).
Ainda o princípio do usuário-pagador e poluidor-pagador onde Henri Smets[13]:
“Em matéria de proteção ao meio ambiente, o princípio usuário-pagador significa que o utilizador do recurso deve suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a utilização do recurso e os custos advindos de sua própria utilização. Este princípio tem por objetivo fazer com que estes custos não sejam suportados nem pelos Poderes Públicos, nem por terceiro, mas pelo utilizador.” (1998).
Trata-se do princípio pelo qual o indivíduo que usufruir determinado recurso deve arcar com os encargos financeiros provenientes deste, exclusivamente, e de sua eventual comercialização. Chega-se, portanto ao entendimento[14] de que tais encargos devem atender ao princípio da razoabilidade e serem, pois, aplicados mediante a grandiosidade do impacto que a utilização de certo recurso – anote-se exploração mediante implantação de empreendimento – poderá vir a gerar.
Neste sentido o princípio do poluidor-pagador atende à questão de que diante de eventual dano causado ao meio ambiente ou da mera possibilidade (MACHADO, 2002, p. 51) há a responsabilização. “O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia.” (MACHADO, 2002, p. 51). Daí porque este princípio está contido no do usuário-pagador. Há uma intrínseca relação entre eles, visto que enquanto o segundo prevê a possibilidade de reparação mais tendente ao já cometimento do dano, o primeiro já constitui em taxa em virtude tanto da possibilidade de lesão ao meio ambiente como em função da chamada compensação ambiental por utilização de meios naturais. Não obstante, o princípio do poluidor-pagador não gera a prerrogativa de que a poluição deve ser sanada com o fator pecuniário – ressarcitório – pois desta forma resulta em interpretação diversa. No mesmo diapasão, José Afonso da Silva (1997, p. 78):
“O chamado princípio do poluidor-pagador é equivocado quando se pensa que dá o direito de poluir, desde que pague. […]. Ele significa, tão-só, que aquele que polui fica obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a ação poluente.”
O princípio da precaução[15], também fundamental para a construção da sustentabilidade do meio ambiente, atrelado intimamente à questão da educação ambiental, visto que esta gera o subsídio de atuação daquele. O referido princípio entra, primordialmente, na temática das empresas públicas e privadas – concessionárias – que desempenham funções, atividades e serviços pelos quais ou os recursos naturais são o objeto do empreendimento ou são veículos pelos quais as empresas transportam seus materiais, v.g, navio da Petrobrás que utiliza o mar territorial para transportar óleo. Este princípio indica muito mais numa responsabilidade da empresa que faz este tipo de serviço atentar para questões de segurança e não permitir que seu labor usual incorra em lesão ao meio ambiente. Caso isto ocorra, dar-se-á ensejo à aplicação da legislação penal cabível, in casu, Lei Nº 9.605/98[16]. É, inclusive, o adotado pelo direito positivo brasileiro em melhor amplitude do que o princípio da prevenção que consiste, basicamente, na adoção de medidas práticas de precaução, propriamente ditas.
Em patamar de igualdade, o princípio do desenvolvimento sustentável é aquele que carrega todas as ações ambientais, repressivas e preventivas, até um estágio de equilíbrio. Quando falamos em equilíbrio devemos tentar entender a complexa relação do direito ambiental com o cenário econômico, posto que este também é responsável pelo desenvolvimento de um país. O desafio, portanto, é conciliá-los na medida certa.
Na relação estrita com o Direito Ambiental há que se falar na necessidade de se utilizar os recursos naturais com base em certa razoabilidade, ainda porque, alguns deles não são renováveis e seu uso, pois, requer maior cuidado e atenção. Desenvolver sustentavelmente, na nossa concepção, seria, então, utilizar os meios de acordo, apenas, com a necessidade de subsistência daquela determinada população. O critério econômico que se atrela à questão das exportações, por exemplo, deve ser alvo de crítica futura, contudo, convenhamos em que o sistema econômico deve girar em função do implemento durável do próprio país.
Para Celso Fiorillo (2009):
“Constata-se que os recursos ambientais não são inesgotáveis, tornando-se inadmissível que as atividades econômicas desenvolvam-se alheias a esse fato. Busca-se com isso a coexistência harmônica entre a economia e o meio ambiente. Permite-se o desenvolvimento, mas de forma sustentável, planejada, para que os recursos hoje existentes não se esgotem ou tornem-se inócuos.”
O princípio da responsabilidade, que deverá ser mais discutido ao longo deste trabalho, representa o encargo daquele que degrada o meio ambiente em pagar e restituir os prejuízos. É aquele que está previsto no §3º do artigo 225 da Constituição da República ao estabelecer três espécies de responsabilidade: penal, administrativa e civil. Assim como a primeira parte do artigo 4º, VII, da Lei nº 6.938/81 – sobre política nacional de meio ambiente.
O princípio da gestão democrática convenciona em considerá-lo um dos mais pertinentes, principalmente quando falamos naqueles direitos dos cidadãos (CANOTILHO, 2003) que representam o ser humano enquanto ser social e, portanto, participativo. É o que permita ao cidadão participar efetivamente na construção do desenvolvimento sustentável, convidando-o a fazer parte deste processo que, na verdade, deve ser função e obrigação de todos. Neste sentido Talden Farias (2006):
“O princípio da gestão democrática do meio ambiente assegura ao cidadão o direito à informação e a participação na elaboração das políticas públicas ambientais, de modo que a ele deve ser assegurado os mecanismos judiciais, legislativos e administrativos que efetivam o princípio.”
O princípio do limite é aquele que estabelece as diretrizes mínimas a que a Administração Pública deve satisfazer no tratamento das mazelas que atingem o meio ambiente, com certa freqüência, como a emissão de CO2, ruídos, sons, destinação final de resíduos sólidos, hospitalares e líquidos, dentre outros, visando sempre promover o desenvolvimento sustentável (FARIAS, 2006). Talden Farias (2006) citando Bessa Antunes preceitua que a manifestação mais paupável da aplicação do princípio do limite ocorre com o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental concretizados na forma de limites de emissões de partículas, de limites aceitáveis de presença de determinadas substâncias na água etc.”
3-Responsabilidade do Estado por dano ao meio ambiente
Como e quando o Estado é responsabilizado por dano ao meio ambiente? Parece paradoxal imaginar uma hipótese em que o Estado responderia por aquilo que ele mesmo deve preservar e reprimir: práticas lesivas, ou pretensas à lesão, ao meio ambiente. Todavia, existem algumas hipóteses em que este figura no pólo passivo, no foco da culpa, ainda que adotemos critério objetivo de averiguação do dano; são as hipóteses em que talvez os entes da federação não cumpram com seus desideratos sócio-ambientais e jurídico-ambientais de resguardo da ordem natural.
Para adentrar neste tópico interessante que façamos algumas considerações sobre as modalidades de responsabilidade pela qual iremos utilizar na real averiguação do dano. Como outrora dito, é possível vislumbrar três espécies de responsabilidade a partir do §3º do artigo 225 da Constituição da República: penal, administrativa e civil. Importante salientar que, diante da importância do tema ambiental, não há que se falar em bis in idem (FIORILLO, 2009), ou dupla valoração, ou na hipótese tripla valoração, já que as três espécies devem ser analisadas de acordo com a situação e o seu posterior cabimento – podendo se falar em cumulatividade de responsabilidades, portanto.
Não obstante, quando o assunto é a responsabilidade do Estado, na atividade performática da pessoa jurídica de direito público, temos que ressaltar principalmente as responsabilidades administrativa e civil, respectivamente, não havendo que se falar em responsabilidade penal, pelo total descabimento da hipótese.
No âmbito da responsabilidade administrativa falamos, pois, em poder de polícia ligadas à questão das sanções administrativas, que para Celso Fiorillo (2009):
“É atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de interesse publico vinculado à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina de produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou mesmo respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.” (grifamos).
Ocorre que, inobstante, tratar-se de proteção de direito coletivo, convencionamos em acatar, em paridade com o autor supracitado, a tese que nos referimos à verdadeiro direito difuso – direito ambiental por excelência é direito difuso, daí poder ser exercido pelo Ministério Público através da ação civil pública, v.g.
Em sentido diverso, porém quase complementar, Paulo Affonso Leme Machado (2001) preceitua que o poder de polícia fundamenta-se no princípio da precaução o que , de certo, não deixa de ser verdade. Porém atribui-se à Administração Pública caráter mais denso quando da prática deste princípio visto à função essencial do Estado Democrático em se perpetuar a proteção dos direitos que foram outrora positivados no texto maior. “Ao aplicar o princípio da precaução, ‘os governos encarregam-se de organizar a repartição da carga dos riscos tecnológicos, tanto no espaço como no tempo. Numa sociedade moderna, o Estado será julgado pela sua capacidade de gerir os riscos’” (MACHADO, 2001).
Esta interessante constatação nos leva ao pensamento de que é dever do Estado a fiscalização da iniciativa privada quando da utilização dos pertences naturais (oportunamente explicado) pois que caso contrário, responde este pela negligência ou omissão ante à cobrança de estudos e explicações para a instalação de empresas ou outras formas jurídicas que venham a desfrutar do meio ambiente natural biótico e mesmo abiótico. Complete o eminente jurista: “Deixar de buscar eficiência a Administração Pública que, não procurando prever danos para o ser humano e o meio ambiente, omite-se no exigir e no praticar medidas de precaução, ocasionando prejuízos pelos quais será co-responsável.” (MACHADO, 2001).
Outro ponto a ser analisado, que também corrobora para esta idéia de co-responsabilidade objetiva, é a de que o conceito de legalidade estrita que é aplicado à Administração Pública submete-a a perfeita observância da lei, sendo vedado agir discricionariamente, neste caso, daquilo que as disposições normativas, constitucionais ou infraconstitucionais, dizem. Isso quer dizer que a Administração deve agir sempre no sentido positivo da lei, o que configura a incidência da cláusula “due process” – devido processo – (FIORILLO, 2009) representando a devida fiscalização e efetiva proteção do direito ao meio ambiente, positivamente e legalmente falando.
Obviamente que o âmbito de discussão da responsabilidade administrativa è o judiciário quando atacado por ação civil pública, por exemplo, quando se exigir a co-prestação enquanto obrigação de indenizar (§3º, art. 225, CF, terceira parte). Neste caso averiguar-se-á objetivamente a responsabilidade civil do Estado e do particular ou pessoa jurídica de direito privado.
Em suma, as medidas cabíveis são aquelas que obrigam o Estado ao cumprimento de ação positiva em proteção ao meio ambiente. O poder de polícia, meio pelo qual este exerce a proteção do direito difuso (ambiental) tem que ser efetivo e perpétuo, na qualidade de política pública ambiental. Inexistindo policiamento do Estado ante à sistemática capitalista pós-moderna que, por diversas vezes, ultrapassa os limites da ganância e destrói o meio ambiente com suas práticas, responderá solidariamente com o poluidor. Resta, enfim, comprovada a conexão entre a responsabilidade civil e administrativa do Estado, enquanto esta figura como poder-dever público da Administração Pública, aquela se relaciona tanto com a teoria objetiva da responsabilidade civil como na averiguação da omissão em cobrar da iniciativa privada e, através de políticas, a não intervenção prejudicial no meio ambiente.
3.1 Da averiguação do dano
“Dano ou prejuízo é o resultado da lesão.” (CRETELLA, 1998). Em sentido estrito dano é eminentemente patrimonial, ou seja, é a lesão sofrida pelo indivíduo na sua esfera jurídico-patrimonial (dano material) ou eventual lesão – que pode se estender do dano material – à honra objetiva da pessoa (que é na verdade o que a sociedade “acha” dela”) configurando o dano moral. Atentaremos à questão material, visto que em sede de direito difuso, não há que se falar em dano moral ambiental, por total incompatibilidade causal.
O dano ambiental se averigua de forma objetiva (material). Basta a mera configuração do estado de lesão em que se encontrar determinado pertence natural para se verificar a obrigação de indenizar – aqui tratamos especificadamente de responsabilização civil.
Este tema, de produção de provas, assume grande relevância já que o dever-poder do Estado, neste caso, é representado pela inversão deste ônus. Na regra geral do artigo 333 do Código de Processo Civil, incumbe a quem alega provar a não existência do dano. Quem alega, diante desta visão sistêmica do poder de polícia, é o Estado, segundo, repito, esta regra geral. Ocorre que em recente julgado do STJ, cuja voto da ilustre ministra Eliana Calmon pedimos vênia para transcrever em seguida, foi invertido o ônus probandi. No caso em espeque, a empresa – pessoa jurídica de direito privado – é que tem o encargo de provar a inexistência de eventual dano que sua atividade laboral possa provocar. Isto nos remete à consideração de que o Judiciário intervém na forma de prestação do poder de polícia, visto que nestes casos de inversão do ônus da prova, retira-se do Estado enquanto Administração Pública (somente) aquele encargo inicial que preceitua o bojo do poder de polícia. Tal interferência emerge, ainda, como importante marco no que tange à interpretação mitigada do instituto processual da prova em função do caso concreto. Talvez uma nova forma de se exigir do Executivo uma prestação maior, dando-o “tempo” para se adequar ao posicionamento fiscalizador que deveria ter desde o início.
“No caso das ações civis ambientais, entendo que o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado nos leva à conclusão de que alguns dos direitos do consumidor também devem ser estendidos ao autor daquelas ações, afinal tais buscam resguardar ou reparar o patrimônio público de uso coletivo. Portanto, a partir da interpretação do artigo 6º da Lei Nº 8.078/90 e do artigo 21 da Lei Nº 7.347/85, conjugado ao Princípio da Precaução, justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento.”
Quando o dano é provocado pela Administração Pública, e aqui entendemos a omissão e falta de fiscalização em procedimentos de investigação de impacto ambiental, devem-se argüir duas responsabilidades que denominamos objeto imediato e objeto mediato. Objeto imediato seria o pagamento em pecúnia à manutenção daquele ambiente degradado para a sua pronta recuperação, objeto mediato seria tomar atitudes para que, dali para frente, não ocorressem mais tais omissões, e deve ser atacado mediante (re) avaliação da gestão pública e das políticas de combate e preservação do meio ambiente.
A reparação do dano serve para restabelecer o “status quo ante”. Difícil, em algumas hipóteses verificar tal recuperação, já que o impacto da poluição em rios em mares, por exemplo, acaba por danificar uma complexa cadeira de sobrevivência e estabilidade num determinado ecossistema. “O propósito da reparação pecuniária é restaurar o “status quo ante”, isto é, devolver ao estado que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito através do ressarcimento notório, ou seja, indenização integral pelo dano causado à vítima.” (BRAGA, 2009).
O que, de fato, entendemos com esta expressão, largamente utilizada no âmbito da responsabilidade civil, é que o pagamento feito pelo Estado, em sede ou não de co-responsabilidade, deve ser alto e suficiente para que este venha a tomar as medidas cabíveis que preceituamos ao identificar o elemento mediato da responsabilidade civil do Estado por dano ambiental, constituindo, na verdade, em autêntica responsabilidade administrativa. Vejamos, enfim, que o elemento imediato é a própria responsabilidade civil (obrigação de indenizar) já o mediato é a própria responsabilidade administrativa, que consiste na cobrança em face do Estado de atitudes que se coadunem com o seu mister de gestão e, ainda mais, com os preceitos constitucionais.
3.2 Da fixação do quantum indenizatório e da sua destinação
“Indenizar significa reparar o dano causado à vítima, integralmente.” (GONÇALVES, 2007, grifamos).
Vítima para o ramo jurídico-ambiental é a coletividade. Como é direito difuso, ou seja, pertencente à todos, indiscriminadamente, todos nós sofremos relevante dano quando da prática de ato ilícito em face do meio ambiente. Tão logo, reconhecemos, portanto, que a destinação deve ser tal que atinja a todos, restabelecendo o ambiente outrora não alterado – se difusa é a lesão, difusa deve ser a reparação e destinação do quantum final deduzido judicialmente.
O grande problema reside na forma de como se verifica o total do dano material que se deduz de uma lesão ambiental. Difícil quantificar precisamente, no entanto, devemos entender que diante do dano ambiental, na responsabilidade estatal, deverá ser operado quantum mais do que suficiente para que se possa “tratar” aquele contexto danificado tendo em vista que, muitas vezes, será demasiadamente difícil que aquele ambiente seja completamente recuperado. Estudos técnicos, pois, são aqueles que podem apontar as ações necessárias para tanto que deverá ser, posteriormente, traduzido em pecúnia.
O quantum está diretamente ligado ao conceito de objeto imediato da responsabilidade civil e é, por conseguinte, uma prestação que deve ser de plano, auferida e aplicada para que não se opere a continuidade do dano antes provocado.
3.3 Da análise jurisprudencial
Caberá, neste ponto, identificar alguns julgados do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça acerca da responsabilidade do Estado por dano ambiental nos múltiplos aspectos considerados anteriormente. Procuraremos transcrever as ementas e logo em seguida comentá-la de forma que o leitor possa se situar de melhor forma e compreender o posicionamento jurisprudencial acerca da matéria ambiental.
Observemos o caso de responsabilidade do Estado, pedimos vênia para relatar o fato nas palavras da Ministra Sr.ª Denise Arruda, no Recurso Especial Nº 771619 / RR:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. (STJ, Resp. nº 771619, 2008). 1. No caso dos autos, o Ministério Público Estadual ajuizou ação civil pública por dano ambiental contra o Estado de Roraima, em face da irregular atividade de exploração de argila, barro e areia em área degradada, a qual foi cedida à Associação dos Oleiros Autônomos de Boa Vista sem a realização de qualquer procedimento de proteção ao meio ambiente. Por ocasião da sentença, os pedidos foram julgados procedentes, a fim de condenar o Estado de Roraima à suspensão das referidas atividades, à realização de estudo de impacto ambiental e ao pagamento de indenização pelo dano ambiental causado. O Tribunal de origem, ao analisar a controvérsia, reconheceu a existência de litisconsórcio passivo necessário em relação aos particulares (oleiros) que exerciam atividades na área em litígio e anulou o processo a partir da citação. 2. Na hipótese examinada, não há falar em litisconsórcio passivo necessário, e, conseqüentemente, em nulidade do processo, mas tão-somente em litisconsórcio facultativo, pois os oleiros que exercem atividades na área degradada, embora, em princípio, também possam ser considerados poluidores, não devem figurar, obrigatoriamente, no pólo passivo na referida ação. Tal consideração decorre da análise do inciso IV do art. 3º da Lei 6.938/81, que considera “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Assim, a ação civil pública por dano causado ao meio ambiente pode ser proposta contra o responsável direto ou indireto, ou contra ambos, em face da responsabilidade solidária pelo dano ambiental.”
Comentários: O caso em xeque mostra-se totalmente pertinente ao nosso estudo posto que comprova a questão da responsabilidade do Estado pelo não implemento de medidas para impedir que determinado empreendimento polua ou degrade o meio ambiente. Fala, ainda, da possibilidade de ajuizar ação em face do Estado, somente, como do empreendedor em sede de litisconsórcio passivo facultativo.
Ainda nesta esteira, verificamos julgado em que se averigua a responsabilidade do Estado devido a sua omissão, de onde segundo o Ministro Sr.º João Otávio de Noronha, deve-se provar o liame subjetivo, característica da responsabilidade subjetiva.
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. (STJ, Resp. nº 647493, 2007). 1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece a lei. 2. A União tem o dever de fiscalizar as atividades concernentes à extração mineral, de forma que elas sejam equalizadas à conservação ambiental. Esta obrigatoriedade foi alçada à categoria constitucional, encontrando-se inscrita no artigo 225, §§ 1º, 2º e 3º da Carta Magna. 3. Condenada a União a reparação de danos ambientais, é certo que a sociedade mediatamente estará arcando com os custos de tal reparação, como se fora auto-indenização. Esse desiderato apresenta-se consentâneo com o princípio da eqüidade, uma vez que a atividade industrial responsável pela degradação ambiental – por gerar divisas para o país e contribuir com percentual significativo de geração de energia, como ocorre com a atividade extrativa mineral – a toda a sociedade beneficia.
Neste diapasão, Agravo de instrumento em Ação Civil Pública confirma a hipótese da pessoa jurídica de direito público figurar no pólo passivo da demanda ambiental:
“PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO FIGURAR NO PÓLO PASSIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ.” (STJ, AgRg no Ag nº 973577, Exmo. Sr.º Ministro Mauro Campbell Marques, 2008).
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
AMBIENTAL. LEGITIMIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS. OMISSÃO DO DEVER DE FISCALIZAR. PRECEDENTES.” (STJ, AgRg no Ag nº 822764, Exmo. Sr.º Ministro José Delgado, 2007).
4 – O controle judicial de políticas públicas ambientais
Este tópico é extremamente pertinente à nossa análise posto que de um modo geral é a forma com que recente jurisprudência do STF tem-se posicionado.
Fora dito, em outro momento, que as políticas públicas são aquelas ações providenciais constantes, integrais, direcionadas a determinado fim. No caso, as políticas públicas ambientais são as que se manifestam, principalmente, na repressão, ou seja, no combate às práticas que possam lesionar o meio ambiente.
No âmbito da educação socioambiental entendemos que se trata eminentemente, as políticas públicas, de planejamento de gestão. Políticas públicas são aquelas ações destinadas à manutenção da ordem em certos aspectos que merecem maior atenção, como saúde, educação, meio ambiente etc. E, como tratamos de educação social (sentido amplo da qual a educação ambiental é espécie) convergimos o pensamento de que é função de cada um, de cada cidadão a fiscalização do Estado para com a prática destas políticas tão essenciais. O cidadão diversas vezes torna-se impotente ante à máquina estatal, contudo, as grandes massas, uma vez reunidas, conseguem se fazer ouvir – o processo de desenvolvimento sustentável é muito mais em relação a uma construção ética, de cada cidadão, do que efetivamente a mera cobrança de ações estatais. Convidamos o cidadão ativo a participar do processo de sustentabilidade, começando de baixo, a partir do dia-a-dia, paulatinamente. “Nenhum planejamento de caráter ambiental se efetiva, verdadeiramente, sem a participação popular e sem uma forte proposta de educação ambiental.” (REIGOTA; SANTOS, 2005).
Temos por pacífico, pois, que a política pública, em difusão, eficácia e fiscalização, deve ser feita conjuntamente entre o poder público (Administração Pública) e os cidadãos – verdadeiro direito à política pública e direito à cidadania em interpretação extensiva do que Canotilho (2003) denomina de direto do ser social.
Pensamos, contudo, na forma de nós cidadãos cobrarmos tal efetividade ou criação destas políticas, o que nos remete, imediatamente, ao Poder Judiciário – daí que se falar em controle judicial de políticas públicas. Omissões (negligências) do Estado em colocar em prática políticas públicas devem ser suprimidas pela vontade da lei, ainda porque a prerrogativa de criação destas ações político-organizacionais ou político-administrativas encontra fulcro na idéia de legalidade estrita (outrora citada) que alude o artigo 37[17], “caput” da Constituição da República.
É basicamente uma forma de expressão daquilo que se denomina de “freios e contrapesos” (checks and ballances) – (apud CANOTILHO, 2003). Neste sentido “[…] A omissão injustificada da Administração em efetivar as políticas públicas essenciais para a promoção de dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário, pois esse não é mero departamento do Poder Executivo, mas sim poder que detém parcela de soberania nacional. (REsp 1.041.197-MS, Rel. Min. Humberto Martins, 2009, grifamos).
Ainda, em trecho de acórdão proferido em julgamento do STF:
“O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que “embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional”.” (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 595.595-SC, grifo nosso).
5 – Direito Ambiental na Era do Pós-Positivismo: a relação de dependência entre a sustentabilidade jurídico-social e o meio ambiente equilibrado
Chegamos, finalmente, em especial ponto do nosso trabalho. Quando optamos por fundamentar a responsabilidade do Estado no pós-positivismo – que a seguir será brevemente delineado – optamos por uma abordagem eminentemente baseada em princípios.
Com peculiar atenção à questão ambiental, faz-se oportuno relacioná-la, enquanto critério sustentável à dogmática pós-positiva, qual seja a que considera a verdadeira força normativa da Constituição da República, havendo que se falar em irradiação de princípios e garantias fundamentais. Para Canotilho (2003) o método dogmático-constitucional consiste na obtenção de recursos que possam ajudar o jurista ou o operador à solucionar o caso concreto. Não poderíamos suscitar uma discussão pós-positiva se não tivéssemos o interesse, precípuo, de identificar formas de se estabelecer uma pacífica resolução dos conflitos – na verdadeira essência da pacificação social a que Ihering (1950) preceituara.
Sabemos que o ser humano é um ser mutável, que não se conforma, na maioria das vezes com aquilo que presencia ou com aquilo que vive. Esta é uma questão fundamental para que possamos lograr êxito no entendimento do fenômeno pós-positivo; principalmente ocorre com aqueles que se preocupam com as questões sociais, não que necessariamente sejam contrários à ordem natural da sociedade, enquanto construção histórico-cultural, mas que consigam desenvolver uma consciência social – e esta só se adquire com o estudo aprofundado das mazelas que distanciam a coexistência intersubjetiva da plena efetividade dos direitos fundamentais. Direitos fundamentais, portanto, estão positivados, e se assim o são, merecem atenção. Derivam dos chamados direitos dos homens, ou direitos naturais (CANOTILHO, 2003), ou seja, aqueles tão ínsitos que não se poderia imaginar uma sociedade, na sua consideração existencial mais complexa, sem uma normativização que norteasse, razoavelmente, os limites desta convivência em grupo. Em contrapartida à idéia inicial de Locke (apud CANOTILHO, 2003), sobre a conquista da liberdade plena, em sede de direito natural – e que fora reconhecida mais tarde pelo mesmo autor – concordamos em acatar a teoria de que é sim preciso combater algumas divergências surgidas em função do convívio. Estas, pois, são dirimidas a partir de um processo de formação de uma ordem jurídico-normativa fundamental de caráter organizatório e funcional, a partir de uma larga (re) formulação histórica: o texto constitucional.
Entender a constituição de um Estado como sendo essencial à manutenção de uma ordem jurídica e social pautada em princípios representa a verdadeira concepção de bondade na prestação e divisão de responsabilidades civis e administrativas. Posto que tudo o que tratamos, é a verdadeira bondade, que se traduz naqueles princípios indispensáveis à existência do homem em sociedade: a dignidade, segurança, interesse coletivo (democracia) etc.
A atribuição em maior teor axiológico às disposições constitucionais representa o avanço científico mais contundente deste século XXI. Não basta a existência de leis reguladoras, mas sim devem existir formas de tornar prático o que a poética constitucional insistiu – através do poder constituinte originário – em positivar como fundamento e objetivo de um Estado Democrático de Direito.
O que, não obstante, falamos agora é em verdadeiro Estado Constitucional – de direitos e garantias fundamentais – contudo, não podemos ser hipócritas e apenas cobrar os detentores do poder – e aqui entendemos os representantes eleitos do povo que tem, efetivamente o poder de fazer algo em larga escala e com maior respaldo – devemos ser pós-positivistas no nosso dia-a-dia. Enganam-se aqueles que acham o pós-positivismo com sendo uma expressão científica de mera crítica ao positivismo – não se trata de “balela” – mas sim numa autêntica forma de se (re) pensar a sociedade e a nossa existência enquanto cidadãos responsáveis e co-atores do desenvolvimento sustentável. Para tanto devemos, apenas, perceber que em cada ação da vida, em cada momento em que nos deparamos com um obstáculo e alguma pretensão resistida, devemos ter cautela e atentar para a razoabilidade nas relações, na prestação da dignidade em pequenas doses, nas pequenas ações. Ser um pós-positivista não é ser cientista é muito superior a isto, é perceber que prestar um bem maior a quem precisa – parcelas execradas da sociedade ou o operador do direito quando dá solução de um litígio judicial – é prestar o bem maior para si mesmo e para toda uma coletividade. Não representa, todavia, um pensamento de esquerda, visto que a ideologia pós-positivista não se coaduna com partidarismos ou ideais precursores da desordem, pelo contrário, se preocupa com a atenção redobrada no tratamento jurídico-social dos problemas coletivos e individuais, na medida da prestação e contraprestação (relação de reciprocidade) entre aquele que garante (Estado) e aquele a quem se destina (povo) o tratamento principiológico.
As considerações, até agora tecidas, encontram-se num frágil pilar de sustentabilidade, qual seja a da existência de um meio ambiente saudável. Ou seja, se na verdade nos preocupamos com toda uma questão principiológica, numa formação estatal pautada na prestação de garantias ao nosso desenvolvimento como cidadãos e sujeitos de direito, esquecemo-nos de ressaltar que nada terá efeito caso não haja um “lugar” para se viver. Comprovadamente a questão ambiental tornou-se muito mais pertinente, e por isso é trazida para o centro das discussões, seja pela necessidade reavaliarmos a importância do ambiente para a existência de uma sociedade e, conseqüentemente, de um ordenamento jurídico-regulador.
A profunda relação que permeia a estabilidade jurídica sustenta o nosso argumento de que, a curto prazo, ser pós-positivista é preocupar-se com o meio. Por meio devemos entender as várias formas de vida que compõem um equilíbrio natural que dão azo para um mútuo convívio. O desafio, portanto, é imaginar proporcionalmente o desenvolvimento sócio-financeiro e socioambiental. Concordamos que nestas duas expressões o termo “social” está presente, fazendo-nos, então, perceber que uma construção sustentável de fato é aquele que consiga estabilizar a balança – nem um nem outro, porém os dois. Ressalvamos, no entanto, e diante do exposto, que a balança deve tender para aquele lado que beneficie a maioria. A maioria se beneficia com uma prestação equânime de condições de desenvolvimento pessoal e social, através do meio ambiente sustentável, e não do enriquecimento de parcelas esparsas da população, configurando o verdadeiro capitalismo selvagem. Difícil, no entanto, é sustentar uma crítica tenaz ao modelo econômico que vivemos hoje já que está demasiadamente anexado à nossa existência deveras material.
Entendemos, enfim, que merece maior atenção a questão ambiental em benefício de todos, acima de tudo, e proporcionalmente, está na hora de esquecermos um pouco do materialismo e da ascensão social, na busca pelo real desenvolvimento. É claro que é um passo grande e vagaroso a ser dado e deve partir bem dentro, do nosso íntimo querer. Apenas não podemos “dormir no ponto”.
6 – Função Social do Estado na proteção do direito ao meio ambiente
Discutir a função social do Estado para com a proteção do direito ao meio ambiente, enquanto direito público, torna-se, efetivamente, oportuno, seja pela consideração do Estado Democrático de Direito na expressão garantista da Carta Magna de 88, seja, ainda, pela necessidade de se (re) discutir tal função ante à sistemática pós-positiva, de plena perpetuação de direitos fundamentais humanos.
O conceito de função social está atrelado ao de responsabilidade social no sentido público do termo. Responsabilidade social não é a que se aplica somente à iniciativa privada, pois assim é que costuma ser empregada, por outro lado, deve ser observada como uma prerrogativa fundamental da coexistência intersubjetiva num Estado juridicamente organizado, bem como, um objetivo de toda uma ideologia de formação e perpetuação do bem-comum.
Hoje em dia, todo e qualquer instituto deve ter uma função social. Isso quer dizer que os institutos jurídicos e demais atos, necessariamente, tem que atentar para a eficácia que poderão ter no seio da sociedade. Em termos práticos, diz respeito à forma com que se presta determinada atividade pública ou como se criam meios de proteção aos direitos individuais e coletivos, na medida da proporcional necessidade das classes sociais, haja vista que vivemos num contexto capitalista[18].
A função social deve ser observada quando da criação do ato, in casu, do ato legislativo de criação de normas protetivas. Igualmente a função dos atos administrativo-operacionais que dão sustento prático à estas. Caso isso não ocorra, produz-se verdadeira letra morta e, como pudemos ver até este momento, o pós-positivismo enseja precipuamente a aplicação extensiva, in bonam partem, das disposições positivas. Não seria oportuno, tampouco inteligente, criar e interpretar normas conforme a mera vontade legislativa positiva, posto que esta foge à intensa mutabilidade dos fatos, ditos sociais, que modificam e apelam pela integração da hermenêutica humanista. No caso em tela, proteger os direitos ao meio ambiente, perpassando por toda uma ideologia individual de conservação, num panorama ético-social, não mais se resume ao simples cumprimento lógico daquilo que se costuma dizer como responsabilidade ambiental. O Estado só tem dado efetividade à proteção ao meio ambiente em termos de coação por cometimento ou na cobrança de tributos como ocorre nos casos do usuário-pagador e poluidor-pagador, v.g. Convencionamos, portanto, que a efetiva, plena e sustentável maneira de se proteger algum direito, e agora não nos prendemos à temática ambiental, é através da consciência social, cujo instrumento de ataque é a educação socioambiental, que deve ser integrada no currículo escolar.
Deve ser tomada uma medida à longo prazo, concomitante com este trabalho coativo exercido por meio da legislação ambiental. Produzindo crianças e jovens mais cientes da realidade do meio ambiente, enquanto natureza e biodiversidade, constituirá a verdadeira sustentabilidade que tanto se discute. O futuro está na educação, sem sombra de dúvida.
“A educação ambiental vai formar e preparar cidadãos para a reflexão critica e para uma ação social corretiva ou transformadora do sistema, de forma a tornar viável o desenvolvimento integral dos seres humanos. Ela se coloca numa posição contrária ao modelo de desenvolvimento econômico vigente no sistema capitalista selvagem, em que os valores éticos, de justiça social e solidariedade não considerados nem a cooperação é estimulada, mas prevalecem o lucro a qualquer preço, a competição, o egoísmo e os privilégios de poucos em detrimento da maioria da população.” (PELICIONI; PHILLIPPI JR, 2005)
A Constituição da República deve ter real efetividade; não há que se discutir o pós-positivismo constitucional se não for proposta uma maneira autêntica de se semear a responsabilidade social, que é muito mais em relação à todo e qualquer cidadão do que propriamente à figura administrativa do Estado. Isso porque, hodiernamente, as pessoas responsabilizam o Estado, mas se esquecem de que a proteção incumbe à cada um de nós, enquanto autonomia cidadã além de consciência e fiscalização coletiva.
A educação social, por exemplo, é a que pode atender à esta prerrogativa de difusão de uma consciência que deverá, pois, ser discutida em sala de aula desde o início da formação escolar. Educar socialmente é, como o próprio nome, uma atividade voltada para a compreensão dos fenômenos que interferem na coexistência dos seres humanos e, neste caso, a intrigante relação entre nós, a vida silvestre e os pertences naturais. Utilizamos esta expressão por considerarmos que, em sede de uma consideração pedagógico-social na construção do conhecimento humanitário-escolar, não é adequado dizer que as instituições da natureza (ar, água, florestas, animais) devem ser dispostas indiscriminadamente, mesmo que indiretamente, posto que o termo “recurso” empregado na expressão “recursos naturais” já implica em que o que é natural pode ser utilizado. Recurso é aquilo que está disponível para a prática de determinado ato ou para a prestação de determinado serviço. Optamos, portanto, em dizer “pertences naturais” – já que desta forma resta comprovado que tais instituições de ordem natural não geram a possibilidade de serem entendidas como meros artefatos para a nossa existência, ainda que exista uma certa razoabilidade nesta proposta – haja vista que devemos usufruir apenas do necessário à nossa subsistência –, mas sim entendidos como meios de estabilização do ecossistema e da biodiversidade presentes no planeta Terra.
Ensinar crianças e jovens no caráter social da expressão é, então, tomar cuidado com a terminologia utilizada, uma vez que certos estereótipos e certos arcadismos acabam por desnortear a função social do estudo e da construção do conhecimento, seja principalmente em função de uma proposta voltada para o social.
Convergimos no entendimento, portanto, de que a função social do Estado na proteção ao direito ao meio ambiente deve vir acompanhada de uma série de atitudes paulatinas, constantes e que ataquem os mais diversos setores da sociedade pós-moderna. Apenas com a profusão de uma política pública – justamente a prática reiterada e consubstanciada numa ideologia social – é que será possível começar a se falar em sustentabilidade educacional-ambiental. Prevenção no sistema pós-positivo de Direito torna-se muito mais pertinente à construção, em primeiro lugar, de uma educação que force a consciência coletiva, no entanto, estando presente o Estado na fiscalização e proteção do meio enquanto este for alvo de usufruto pela iniciativa privada ou o poder público.
7 – Considerações Finais
Diante do exposto fica plenamente comprovada a oportunidade de se ter um estudo mais aprofundando sobre Direito Ambiental. Seja pela necessidade de (re) discutirmos a sua importância no cenário jurídico do século XXI, seja pela tentativa de trazê-lo para o centro dos debates jurídicos pós-positivos; temos pacífico o entendimento de compreendê-lo como um alicerce indispensável à vida equilibrada.
A responsabilidade do Estado para com a fiscalização e proteção do meio ambiente consiste muito mais num caráter social, de prestação do bem-comum, do que na simples averiguação do ilícito civil, administrativo e penal. Há que se ressalvar, no entanto, que é dever de todo o cidadão a proteção do meio ambiente, sendo possível exigir uma reciprocidade de direitos e deveres na construção daquilo que denominamos de desenvolvimento sustentável.
Vimos que a responsabilidade, verificada após o dano, comporta dois elementos, o imediato – prestação de pronto para restauração do ambiente lesado – e mediato – adoção de medidas que impeçam novas práticas lesivas.
A jurisprudência tem-se comportado de forma quase unânime ao identificar que o meio ambiente é essencial para a manutenção da vida, em seus múltiplos aspectos. Em alguns casos, porém, não falamos em responsabilidade objetiva do Estado pela omissão ou negligência no poder-dever de polícia, mas sim na necessidade de se verificar certo liame subjetivo, o que nos transporta para o eixo da responsabilidade subjetiva. Inovação também ocorreu com a possibilidade de se inverter o ônus de provar para a empresa potencialmente poluidora, em interpretação extensiva e analógica da previsão do Código de Defesa do Consumidor.
Enfim, acreditamos que o pós-positivismo atual deve preocupar-se, em primeiro lugar, com a estabilidade do ambiente natural e urbano, para que se opere uma sociedade sustentável e um ordenamento jurídico pertinente. Atentar para a questão ambiental é um dever do Estado Democrático e, ainda, do novo Estado Constitucional. Que possamos dar efetividade à retórica constitucional, na busca pelo equilíbrio e pelo crescimento sustentável da raça humana e de todas as outras formas de vida, bióticas ou abióticas, integral e conjuntamente.
Disponível em https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1543. Acesso em 23/10/2009.
Informações Sobre o Autor
Luiz Felipe Nobre Braga
Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Advogado especialista em Direito Público. Autor dos livros: Direito Existencial das Famílias da dogmática à principiologia Ed. Lumen Juris 2014; Metapoesia Ed. Protexto 2013; Educar Viver e Sonhar dimensões jurídicas sociais e psicopedagógicas da educação pós-moderna Ed. Publit 2009. Professor da Pós-graduação em Direito da Faculdade Pitágoras em Poços de Caldas