A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais: a não obrigatoriedade da utilização do sistema da Dupla Imputação

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Resumo: O presente estudo trata-se de uma análise, sob a ótica dos Operadores do Direito e do Poder Judiciário, acerca da responsabilização penal das pessoas jurídicas em decorrência da prática de delitos ambientais, especificamente no que tange à aplicabilidade do sistema da dupla imputação e a possibilidade da ação penal ser interposta somente em face do ente moral, e foi motivado devido ao conflito doutrinário e jurisprudencial, que perdura há anos, sobre o tema, uma vez que tais crimes possuem outro viés, pois são muitas vezes executados com o fim econômico, dessa forma se tornando cada vez mais comuns e apresentando proporções e consequências maiores. Portanto, além de ser analisado o sistema da dupla imputação, foram brevemente identificadas as correntes adotadas no Brasil no que tange a responsabilização penal dos entes coletivos pela prática de crimes ambientais e pesquisados os posicionamentos adotados por outros países, a forma de responsabilização e os critérios para ajuizamento de ação na esfera cível em face dos responsáveis pelas degradações ambientais, e, por fim, confrontados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais distintos, a fim de possibilitar um consenso sobre uma possível solução para esse entrave jurídico.[1]

Palavras-chave: responsabilidade penal. pessoa jurídica. crimes ambientais. dupla imputação.

Sumário: Introdução; 1. Correntes adotadas no brasil. 1.1 Primeira corrente. 1.2 Segunda corrente. 1.3 Terceira corrente. 1.4 Quarta corrente. 2 Sistema da dupla imputação. 3 Os posicionamentos adotados em outros países. 3.1 Concurso de pessoas necessário. 3.1.1 Inglaterra. 3.1.2 Irlanda. 3.1.3 Estados unidos. 3.1.4 Portugal. 3.2 Sem concurso de pessoas. 3.2.1 Holanda. 3.2.2 Dinamarca. 3.2.3 França. 3.2.4 Suíça. 3.2.5 Espanha. 3.2.6 Austrália. 4 Responsabilidade civil pelos danos ambientais. 5 Responsabilização penal pelos crimes ambientais. Conclusão. Referências.

Introdução

A Constituição Federal de 1988, no caput de seu art. 225, consagrou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo para as presentes e futuras gerações, bem como, seguindo o posicionamento adotado por diversos países, também previu expressamente, no § 3º do referido dispositivo, que as pessoas físicas ou jurídicas serão responsabilizadas penal ou administrativamente pela prática de atividades consideradas lesivas ao meio ambiente.

Nessa senda, a Lei nº 9.605/1998 – que, além de outras providencias, trata das sanções administrativas e penais aplicáveis a quem adota condutas ou atividades lesivas ao meio ambiente – disciplinou, em seu art. 3º, os critérios para a responsabilização penal das pessoas jurídicas incursas em crimes ambientais.

Porém, apesar de tal inovação no âmbito jurídico nacional, a aplicabilidade de tais dispositivos tem se tornado um entrave, desde o ajuizamento da ação penal até a execução de uma eventual sentença condenatória. Uma vez que, dentre a parcela da doutrina e jurisprudência que defende a responsabilização penal da pessoa coletiva, há duas correntes, onde uma exige a aplicação do sistema da dupla imputação, pelo qual devem ser denunciadas simultaneamente a pessoa jurídica e a pessoa física responsável por aquela, enquanto a outra entende ser possível a responsabilização penal do ente moral de maneira isolada.

Assim, este trabalho busca esclarecer sobre a necessidade ou não da aplicação do sistema das imputações paralelas para o ajuizamento da ação penal contra as pessoas jurídicas.

1 Correntes adotadas no brasil

Apesar das previsões legais, a jurisprudência é dividida quanto à aplicação de tais normas, entretanto, no âmbito doutrinário, as interpretações são ainda mais divergentes.

Atualmente há quatro as correntes existentes no Brasil (DIZER O DIREITO, 2013), sendo apresentados abaixo os seus principais argumentos:

1.1 Primeira corrente

Sustenta que a norma foi interpretada de maneira equivocada. Pois afirma que, na redação do § 3º do art. 225 da Constituição Federal, o legislador constituinte quis dizer que às pessoas jurídicas estão reservadas as sanções da esfera administrativa, sendo as da esfera penal reservadas somente às pessoas físicas.

1.2 Segunda corrente

A responsabilidade penal, diferentemente da responsabilidade civil, não é objetiva, por isso, esta corrente, baseada na teoria da ficção, considera que nossa teoria criminal impossibilita a responsabilização penal do ente coletivo, pois este não possui vontade própria, nem consciência da ilicitude, ou seja, não possui culpabilidade. Desse modo, a pessoa jurídica assumiria o papel de autor imediato, enquanto a pessoa natural seria o autor mediato do delito, portanto o ser culpável. Sobre a culpabilidade, Cleber Masson leciona que "não se admite a punição quando se tratar de agente inimputável, sem potencial consciência da ilicitude ou de quem não se possa exigir conduta diversa" (2015, p. 110).

1.3 Terceira corrente

Seguida pelo Superior Tribunal de Justiça, a terceira corrente afirma ser possível a responsabilização das empresas através do sistema da dupla imputação, pois assim restaria preenchido o elemento subjetivo, qual seja, a culpabilidade do ente moral.

Portanto esse concurso de agentes (imputação simultânea da pessoa física e da pessoa jurídica) seria a maneira da pessoa coletiva figurar no polo passivo da ação penal. Nesse contexto, para que a pessoa jurídica seja condenada, é necessária também a condenação da pessoa física, assim, sendo a pessoa natural afastada da ação penal, esta, por consequência, seria extinta em relação ao ente moral.

1.4 Quarta corrente

Esta corrente que afirma que a aplicação do sistema das imputações paralelas não é requisito obrigatório para o ajuizamento da ação penal contra a empresa, pois a Constituição Federal não impôs tal exigência – a maneira de como o ente moral será responsabilizado criminalmente – nem mesmo fez ressalva alguma quanto a lei que irá dispor futuramente sobre o assunto, bem como o art. 3º, da Lei 9.605/1998, que dispõe sobre quais são os requisitos para responsabilizar a empresa, não faz menção ao concurso do ente moral com o natural. O Supremo Tribunal Federal adotou este entendimento no julgamento do RE 548.818 PR.

2 Sistema da dupla imputação

O Sistema da Dupla Imputação – também conhecido como sistema de imputações paralelas, teoria da dupla imputação, responsabilidade reflexa ou responsabilidade por ricochete – consiste no ajuizamento da ação penal simultaneamente contra a pessoa jurídica e a pessoa física responsável por aquela, ou seja, o concurso de agentes entre a pessoa jurídica e a pessoa física, como forma de responsabilizar criminalmente a empresa.

Nas palavras de Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Christiany Pegorari Conte (2012, p. 34), o sistema das imputações paralelas surgiu "com o intuito de apaziguar os conflitos da opção políticoconstitucional(sic) de responsabilidade penal da pessoa jurídica e os conceitos clássicos da teoria do crime surgiu a teoria da dupla imputação".

Doutrinadores que defendem a aplicabilidade do sistema da dupla imputação, afirmam que o concurso de agentes visa preencher o elemento subjetivo (culpabilidade), pois a pessoa jurídica, em tese, não possui vontade própria, por isso tal sistema é o meio de fazer o ente moral figurar no polo passivo da ação penal. Portanto, através do sistema da dupla imputação, todos os elementos do delito restarão preenchidos.

Nesse sentido, discorre Ivan Luís Marques Silva (in NUCCI, 2010, p. 48):

"(…) utiliza-se a personalidade e a culpabilidade dos representantes das empresas e os interesses da pessoa jurídica e, somados, preenchem, de modo satisfatório, todos os elementos do delito. Teremos, na apuração e responsabilização penal, concurso necessário entre pessoa física e jurídica."

Apesar de não haver dispositivo legal que trate especificamente do assunto, o sistema da dupla imputação, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, foi tido como meio obrigatório à persecução penal contra a empresa, eis que era admitido que a denúncia fosse feita somente contra a pessoa física ou desta concomitantemente com a pessoa jurídica, mas não somente contra o ente moral (GOMES, 2009).

Por fim, quanto à possibilidade de bis in idem – quando a pessoa é condenada duas vezes pela prática do mesmo delito – devido à aplicação do sistema da dupla imputação, aquele não ocorre, pois as penas são autônomas, "pelo princípio constitucional criminal da individualização punitiva, a pena deve ser adaptada ao condenado, consideradas as características do sujeito ativo e do crime" (BULOS, 2014, p. 652), sendo uma pena para a pessoa jurídica e outra para a pessoa física.

3 Os posicionamentos adotados em outros países

Tendo em vista o objeto do estudo, a busca pelos diversos posicionamentos adotados nas cortes internacionais ficou restrita a dois grupos, sendo o primeiro, no qual há necessidade do ajuizamento da ação penal contra a pessoa jurídica em conjunto com a pessoa física, e o segundo, em que a pessoa coletiva pode ser responsabilizada penalmente sem necessidade de concurso com a pessoa natural.

3.1 Concurso de pessoas necessário

Dentre as cortes que defendem a imputação simultânea da pessoa jurídica com a pessoa física, bem como a condenação desta como condição para a aplicação de sanções penais ao ente coletivo estão:

3.1.1 Inglaterra

O primeiro caso de responsabilização penal do da pessoa coletiva ocorreu em 1846, no caso Reg. V. Great North of England Railway Co., no qual esta empresa ferroviária foi condenada por desobedecer uma ordem judicial que determinava a destruição de uma ponte construída sobre uma rua. Entretanto, somente no ano de 1948 este avanço foi consumado com o Criminal Justice Act, que instituiu a possibilidade de conversão da penas privativas de liberdade em penas pecuniárias (SHERCARIA, 2011, p. 28).

Atualmente é adotada a teoria da identificação – a pessoa natural é considerada o ente moral personificado –, portanto, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica, desde que seja pela prática de um delito compatível com sua natureza e que seja simultaneamente responsabilizado, pelo menos, seu dirigente.

3.1.2 Irlanda

Adota a teoria da responsabilidade corporativa derivada, pela qual é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica, desde que, pelo delito por ele praticado, possa ser responsabilizada qualquer pessoa natural ligada à empresa – tanto o dirigente, como qualquer outro funcionário, deve responder juntamente com a empresa.

3.1.3 Estados unidos

É possível a responsabilização penal do ente coletivo, porém, devido a sua forma de organização política (confederação) os critérios para a imputação penal divergem entre alguns estados-membros, vale destacar que é admissível a responsabilização do ente moral por delitos na forma culposa quando praticados por um funcionário no exercício de suas atribuições, ainda que tal corporação não tenha auferido proveito algum com o ilícito (SHERCARIA, 2011, p. 30).

A título explicativo, de acordo com o Código Penal de Nova York em vigência, será aplicada multa à pessoa jurídica sempre que esta seja condenada juntamente com uma pessoa física, e que a sanção aplicada a pessoa natural seja uma pena privativa de liberdade. Já na Califórnia, para a responsabilização do ente moral é necessário que o delito seja cometido, mandado, autorizado ou solicitado por um executivo ou dirigente utilizando-se de sua autoridade.

3.1.4 Portugal

A responsabilização das pessoas jurídicas também não é prevista no Dec-Lei nº 48/2015 (Código Penal Português), porém, há previsão nele para que legislação extravagante verse sobre o tema, como é o caso. Porém, o entendimento majoritário é no sentido de que a condenação do ente moral é uma complementação à sanção imposta contra a pessoa natural (SHERCARIA, 2011, p. 37).

3.2 Sem concurso de pessoas

De outra banda, há os que não condicionam a punibilidade da pessoa coletiva a da pessoa natural ou, em caso de não ser possível a identificação da pessoa física responsável, admitem a responsabilização penal da empresa somente, dentre os quais vale destacar:

3.2.1 Holanda

Não prevista no Código Penal Holandês, que é de 1881, foi a Lei de Delitos Econômicos de 1950 que introduziu a responsabilização penal às pessoas jurídicas, mas foi a reforma do Código Penal Holandês, em 1976, que estendeu a responsabilidade penal do ente coletivo para além dos crimes econômicos – basta que a pessoa jurídica tenha cometido o delito dentro do seu contexto social (CEZANO; BALCARCE, 2003, p. 25).

Cabe destacar que, conforme o art. 15 da Lei de Delitos Econômicos, tanto as pessoas naturais como as morais serão perseguidas, desse modo, não há necessidade de condenação da pessoa física para impor sanções penais à pessoa jurídica.

3.2.2 Dinamarca

Todavia não há previsão no Código Penal Dinamarquês, que é de 1930, entretanto, o mesmo admite a responsabilização penal da pessoa jurídica quando for expressamente prevista em legislação especial. Ademais, dependendo da lei que verse sobre o delito, a ação penal poderá ser instaurada tanto contra a pessoa coletiva, como contra a pessoa natural, ou mesmo face de ambas, ficando a critério do Ministério Público (SHERCARIA, 2011, p. 35).

3.2.3 França

Anteriormente prevista em leis esparsas, a responsabilização penal do ente moral foi introduzida, no Código Penal Francês através das reformas operadas entre 1994 a 2005, é atualmente um dos diplomas mais completos do mundo sobre o assunto.

Além de estabelecer a responsabilização da pessoa jurídica por diversos delitos – os quais devem ser cometidos por determinação do órgão diretivo ou representante da pessoa coletiva e em benefício desta (CEZANO; BALCARCE, 2003, p. 27) –, não só os crimes de ordem ambiental ou econômica, sua condenação não fica condicionada a da pessoa física.

3.2.4 Suíça

Introduzida no ordenamento jurídico suíço em 2003, a responsabilização penal empresa adota o modelo da culpabilidade por defeito de organização (SHERCARIA, 2011, p. 53).

O inciso I do art. 100 do Código Penal Suíço, dispõe que a pessoa jurídica somente será responsabilizada quando, por defeito em sua organização, não for possível determinar a pessoa física que cometeu o delito, ou nos crimes previstos no inciso II do mesmo dispositivo (terrorismo, suborno, lavagem de dinheiro), quando o ente moral não tiver tomado as medidas razoáveis a fim de evitar a prática do crime. Nesta hipótese, a condenação da pessoa jurídica independe da punibilidade das pessoas físicas.

3.2.5 Espanha

A responsabilização penal das pessoas jurídicas foi introduzida no Código Penal Espanhol pela Ley Organica nº 5/2010, que adotou entendimento semelhante ao suíço, pois prevê a responsabilização penal do ente moral quando não for possível identificar ou processar a pessoa natural responsável pelo delito (cometido no exercício das atividades da empresa e em favor desta).

Entretanto Luis Regis Prado leciona que, assim como no Brasil, na Espanha não há um subsistema penal estruturado para a persecução penal das pessoas jurídicas, uma vez que é semelhante ao nosso, pois foi feito para as pessoas naturais (2011, p. 2):

"Tal como na lei ambiental brasileira (Lei 9.605/1998), constata-se a não construção de um verdadeiro subsistema penal devidamente estruturado para tal modelo de responsabilidade penal, diverso do tradicional – feito para as pessoas físicas, mas que com este último deve ser coexistente."

Desse modo, a punibilidade da pessoa jurídica não fica atrelada à da pessoa física, havendo a possibilidade de ser denunciado somente o ente moral.

3.2.6 Austrália

Disciplinada no Código Penal Australiano de 1995, o qual entrou em vigor no ano de 2001, prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes dolosos, praticados por pessoa física autorizada à prática de tal ato, ou naqueles no quais é identificada imprudência do ente moral, neste caso a ação penal pode ser ajuizada somente contra a pessoa coletiva (SHERCARIA, 2011, p. 59/60).

4 Responsabilidade civil pelos danos ambientais

A Lei 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece, em seu art. 14, § 1º, que a responsabilidade civil pelos danos ambientais – a responsabilidade de reparar o dano ambiental – será objetiva (fundamentada na teoria do risco da atividade, quando causadora de dano ambiental), ao invés de subjetiva (baseada na culpa).

"Art. 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:(…)

§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.(…)." (grifo nosso).

Nesse sentido, disciplina que a pessoa, tanto física quanto jurídica, responsável pela atividade causadora do dano ambiental é que será a responsável pela sua reparação, conforme art. 3º, inciso IV, do referido diploma:

"Art. 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:(…)

IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;(…)." (Grifo do nosso).

Outrossim, a obrigação de reparar o dano ambiental é solidária entre todos os poluidores, bastando provar o nexo de causalidade. Sendo assim, o autor da ação não é obrigado a demandar todos os direta ou indiretamente envolvidos na degradação ambiental.

Além do mais, caso seja ajuizado processo contra algum ou alguns dos poluidores, o Superior Tribunal de Justiça já tem entendimento consolidado no sentido de que os que foram demandados judicialmente não poderão chamar ao processo ou denunciar à lide os demais, sob o argumento de que o litisconsórcio passivo viria a retardar a reparação da degradação ambiental.

Nesse sentido, a jurisprudência da referida corte:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. 1. É parte legítima para figurar no pólo passivo da Ação Civil Pública a pessoa jurídica ou física apontada como tendo praticado o dano ambiental. 2. A Ação Civil Pública deve discutir, unicamente, a relação jurídica referente à proteção do meio ambiente e das suas conseqüências pela violação a ele praticada. 3. Incabível, por essa afirmação, a denunciação da lide. 4. Direito de regresso, se decorrente do fenômeno de violação ao meio ambiente, deve ser discutido em ação própria. 5. As questões de ordem pública decididas no saneador não são atingidas pela preclusão. 6. Recurso especial improvido. (REsp 232.187/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/03/2000, DJ 08/05/2000)."

"PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AGRAVO REGIMENTAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC INOCORRÊNCIA. DANO AO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DENUNCIAÇÃO À LIDE. IMPOSSIBILIDADE. RELAÇÃO ENTRE PRETENSOS DENUNCIANTE E DENUNCIADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS. 1. Em primeiro lugar, não existe a alegada ofensa ao art. 535 do CPC. A contradição que autoriza o manejo dos aclaratórios é aquela que ocorre entre a fundamentação e o dispositivo, e não a interna à fundamentação. A obscuridade apontada confunde-se com o inconformismo da parte acerca do julgamento da controvérsia de fundo proferido pelo Tribunal, situação não enquadrada entre os vícios do art. 535 do CPC. 2. Em segundo lugar, pacífico o entendimento desta Corte Superior a respeito da impossibilidade de denunciação à lide quando a relação processual entre o autor e o denunciante é fundada em causa de pedir diversa da relação passível de instauração entre o denunciante e o denunciado, à luz dos princípios da economia e celeridade processuais. Precedentes. 3. Na espécie, a responsabilidade por danos ao meio ambiente é objetiva e a responsabilidade existente entre os pretensos denunciante e denunciado é do tipo subjetiva, razão pela qual inviável a incidência do art. 70, inc. III, do CPC. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1213458/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 30/09/2010)." (Grifos nossos).

Defendendo tal posicionamento, discorre Frederico Amado (2014, p. 556):

"Este entendimento da Corte Superior é louvável, pois agiliza a reparação dos danos ambientais, que seria retardada pelo excesso de réus no processo, assim como pela discussão de eventual culpa para repartição de responsabilidades entre os poluidores, irrelevante para a caracterização da responsabilidade civil ambiental que é objetiva."

Entretanto, o poluidor demandado judicialmente terá direito de regresso contra os demais poluidores.

5 Responsabilização penal pelos crimes ambientais

Demonstrado o atual cenário doutrinário no Brasil, porém, partindo da premissa de que a responsabilidade penal da pessoa jurídica é um fato, visto que há previsão expressa na Constituição Federal e seu desrespeito violaria o Princípio da Máxima Efetividade – cujo "objetivo é imprimir eficácia social ou efetividade às normas constitucionais, extraindo-lhes o maior conteúdo possível, principalmente em matéria de direitos humanos fundamentais" (BULOS, 2014, p. 461) – e dando enfoque ao antagonismo doutrinário e jurisprudencial, no que tange a possibilidade de responsabilizar o ente moral de forma isolada ou em concurso com a pessoa natural, passaremos a analisar os pontos mais relevantes.

Primeiramente, a teoria do crime adotada em nosso país exige a culpabilidade do agente (art. 5º, incisos LIII, LIV, LV, LVII da Constituição Federal) e a responsabilidade pessoal (art. 5º, inciso XLV da Constituição Federal), portanto, a única maneira de imputar algum delito ambiental ao ente coletivo, seria com a aplicação do sistema das imputações paralelas, assim, atendendo princípio do nullum crimen sine actio humana (só há crime quando houver ação humana).

"A responsabilidade reflexa ou por ricochete, também chamada responsabilidade indireta ou dupla imputação, constitui alternativa apresentada para a aceitação da responsabilidade penal da pessoa jurídica, na chamada teoria da responsabilidade social, que resolve o problema da culpabilidade no campo do juízo de reprovação social e criminal (…)." (FIORILLO; CONTE, 2012, p. 33).

Nessa senda, Francisco Elnatan Carlos de Oliveira Júnior (2008) leciona que, ao invés da responsabilidade penal da pessoa jurídica de forma isolada, é a responsabilidade penal por via reflexa que é considerada uma exceção estabelecida pela Carta Maior:

"(…) a) A doutrina da responsabilidade penal por ricochete não desconsidera a autonomia entre a pessoa física e jurídica. Pelo contrário, antes a admite, tanto que não há risco de se incorrer em bis in idem ao penalizá-las simultaneamente, ex vi do art. 3º, § único, da Lei 9.605/98. b) embora vozes autorizadas apontem como inconstitucional essa atribuição de responsabilidade por via reflexa, não se pode esquecer que ela deriva de uma norma constitucional originária. Tendo isso em conta, pelo princípio da unidade da Constituição, se tal norma destoa do sistema, deve ser entendida no mínimo como uma exceção, aplicável somente aos crimes ambientais."

No âmbito jurisprudencial, por sua vez, a aplicação do sistema da dupla imputação encontra-se consolidada no Superior Tribunal de Justiça:

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO-INDICAÇÃO DA DATA. NÃO-OCORRÊNCIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTIMAÇÃO PESSOAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INTEMPESTIVIDADE. OCORRÊNCIA. DENÚNCIA EXCLUSIVAMENTE DA PESSOA JURÍDICA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (…) 4. "Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" (REsp 564.960/SC, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 13/6/05). 5. Recurso parcialmente provido para restaurar a decisão de primeira instância. (REsp. 969.160/RJ, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, DJ 06/08/09)."

"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 38, DA LEI N.º 9.605/98. DENÚNCIA OFERECIDA SOMENTE CONTRA PESSOA JURÍDICA. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. PEDIDOS ALTERNATIVOS PREJUDICADOS. 1. Para a validade da tramitação de feito criminal em que se apura o cometimento de delito ambiental, na peça exordial devem ser denunciados tanto a pessoa jurídica como a pessoa física (sistema ou teoria da dupla imputação). Isso porque a responsabilização penal da pessoa jurídica não pode ser desassociada da pessoa física – quem pratica a conduta com elemento subjetivo próprio. 2. Oferecida denúncia somente contra a pessoa jurídica, falta pressuposto para que o processo-crime desenvolva-se corretamente. 3. Recurso ordinário provido, para declarar a inépcia da denúncia e trancar, consequentemente, o processo-crime instaurado contra a Empresa Recorrente, sem prejuízo de que seja oferecida outra exordial, válida. Pedidos alternativos prejudicados.

(RMS 37.293/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 09/05/2013)." (Grifos nossos).

No mesmo sentido julgou o Recurso Ordinário no qual os dirigentes, denunciados juntamente com a pessoa jurídica, foram afastados da ação penal, determinando assim, o trancamento do processo em face da pessoa coletiva:

"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. 1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana. 2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor.

3. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício. (RMS 16.696/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 09/02/2006, DJ 13/03/2006)." (Grifo nosso).

Porém, a própria Carta Magna previu de maneira expressa a responsabilização do ente moral:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.(…)

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.(…)."

No mesmo sentido, a Lei 9.605/1998 estabeleceu as condições, ainda que de maneira um tanto genérica, para que a pessoa coletiva seja responsabilizada pelos delitos ambientais nos quais incorrer:

"Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.(…)."

Assim, da análise desses dispositivos, verifica-se a inexistência previsão legal no sentido de ser necessário haver o concurso entre as pessoas natural e jurídica quando do ajuizamento da ação penal ou qualquer outra exigência semelhante.

Tratando da interpretação da norma, o célebre jurista Rui Barbosa (in REVISTA DOS TRIBUNAIS, 1993, p. 314) afirma que "não há, numa Constituição clausulas, a que se deve atribuir meramente o valor moral, de conselhos, avisos ou lições. Todas têm força imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos", da mesma forma como Sérgio Salomão Schercaria (2011, p. 131) refere que, havendo conflito entre a regra geral e a específica, deve prevalecer esta, por tratar diretamente do tema, neste caso, a responsabilização penal do ente moral sem a obrigatoriedade da aplicação do sistema de imputações paralelas:

"Se existe uma relação de contrariedade entre a regra geral e a particular, esta tem supremacia sobre aquela. A norma que se relaciona direta e proximadamente a um assunto tem preferência sobre aquelas que só indiretamente abordam. Nas disposições de direito, o gênero é derrogado pela espécie, e considera-se da importância preponderante o que respeita diretamente à norma particular ou especial. De um lado, tem-se o princípio afirmador da regra geral; de outro, como dispositivo de exceção, aquele que particulariza um pensamento, tornando-o específico para aplicação de um tema; o que estritamente não cabe neste deixa-se para esfera de abrangência daquele."

Também se deve considerar o fato do ente moral afere lucros com os ilícitos arquitetados por seus dirigentes, portanto, sendo diretamente beneficiado pelos delitos e em escala muito maior que as pessoas naturais, as responsáveis pela decisão executada sob o manto da personalidade jurídica, o que torna, em grandes corporações, praticamente impossível identificar os responsáveis humanos apesar de o delito estar consumado, muitos, inclusive, utilizando-se da personalidade jurídica como escudo para a prática de seus ilícitos.

"A responsabilidade criminal do ente moral surgiu exatamente para atalhar a dificuldade, e até mesmo impossibilidade, de se comprovar que a ordem criminosa partiu do dirigente da pessoa jurídica. Ao se necessitar desta mesma comprovação para a responsabilização da pessoa jurídica estar-se-ia criando instituto inaplicável, que esbarraria nas mesmas dificuldades que ensejaram a sua criação." (COSTA NETO, BELLO FILHO, CASTRO E COSTA. 2000, p. 62)

Desse modo, condicionar a aplicabilidade da lei ao sistema da dupla imputação, atrelando a responsabilidade do ente moral a da pessoa natural, faz com que a empresa somente busque a absolvição da pessoa física, para ver-se livre da ação penal e, por conseguinte, da pena, ou seja, se está atribuindo a um ser com capacidade de cometer crimes a prerrogativa de somente poder ser denunciado juntamente com a pessoa física responsável, portanto, tendo maior facilidade de defender-se de uma ação penal do que aquela. Isto quando for possível a identificação da pessoa natural responsável, pois, caso não seja identificada, a empresa não será processada

A responsabilidade penal da pessoa jurídica, segundo Roberto Delmanto (2006, p. 384), surgiu exatamente pelo fato de não se conseguir apurar a participação das pessoas físicas nos crimes ambientais.

Guilherme Nucci (2014, p. 486) também afirma ser possível perseguir somente a pessoa coletiva quando a ação delituosa advir de ordem e em benefício da pessoa jurídica e não for possível identificar a pessoa natural que colaborou para o crime.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido de ser possível o ajuizamento da ação penal somente em face da pessoa jurídica, em acórdão exarado em Recurso Extraordinário, o qual desconstituiu o acórdão do Superior Tribunal de Justiça (anteriormente citado) que havia determinado o trancamento da ação penal pelo fato dos dirigentes, denunciados em concurso com a pessoa jurídica, terem sido excluídos do polo passivo do processo crime:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido. (RE 548.818 AgR/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. ROSA WEBER, Informativo n.º 714/STF)." (Grifo nosso).

Apesar de não ter sido exarada pelo plenário do STF, tal decisão adotou um entendimento contrário aquele já consolidado no STJ, inclusive gerando o reconhecimento nesta corte:

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO-CABIMENTO. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DOS ARTS. 54, CAPUT, E 60, AMBOS DA LEI N.º 9.605/98. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. DENÚNCIA GERAL. POSSIBILIDADE. INÉPCIA NÃO CONFIGURADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA ENQUADRADA COMO CRIME DE POLUIÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA ELEITA INADEQUADA. EXCLUSÃO DA PESSOA JURÍDICA DO POLO PASSIVO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE QUE PERMITA A CONCESSÃO DE ORDEM EX OFFICIO. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. (…) 7.  A pessoa jurídica também denunciada deve permanecer no polo passivo da ação penal. Alerte-se, em obiter dictum, que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu que a necessidade de dupla imputação nos crimes ambientes viola o disposto no art. 225, 3.º, da Constituição Federal (RE 548.818 AgR/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. ROSA WEBER, Informativo n.º 714/STF). 8. Ausência de patente constrangimento ilegal que, eventualmente, imponha a concessão de ordem ex officio. (…) (HC 248.073/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 01/04/2014, DJe 10/04/2014)." (Grifo nosso).

Portanto, verifica-se que, aberto o precedente, a jurisprudência encontra-se próxima da pacificação desse entrave.

Conclusão

O sistema da dupla imputação tem se tornado, em tese, uma prerrogativa das pessoas jurídicas, pois além do concurso (neste caso com a pessoa física) para o ajuizamento da ação penal, um benefício que as pessoas naturais não possuem – frise-se que não há impedimento para que a denúncia seja oferecida somente em face da pessoa coletiva, entretanto, pela teoria da dupla imputação, tal denúncia não seria recebida – também se faz necessária a condenação da pessoa física, para a que o ente moral venha a sofrer uma sanção penal, desse modo, basta ocorrer o afastamento da pessoa natural do processo para que a pessoa jurídica tenha sua punibilidade extinta.

Ocorre que, atualmente, as corporações formam organismos com vontade própria – agindo em nome dos interesses de todos ou da maioria dos sócios – tal estrutura é complexa, o que, muitas vezes, impossibilita provar a participação da pessoa natural no delito ou sequer identificá-la, o que inviabiliza o ajuizamento da ação contra o ente coletivo.

Desse modo, ainda que identificada a pessoa natural, sendo obrigatória a aplicação do sistema de imputações paralelas a reiteração delitiva, por parte do ente moral, seria estimulada, uma vez que condenado o dirigente, ainda que a pena privativa de liberdade, tal pessoa jurídica passaria a ser regida por outra pessoa física e, assim, a pessoa jurídica continuaria a incorrer em ilícitos penais, tornando a pessoa natural algo descartável, utilizável para que o ente coletivo continuasse a se beneficiar de seus ilícitos.

De certo que a pessoa natural (o dirigente, por exemplo) não é uma "vítima", pois a pessoa coletiva, em regra, arca com a manutenção daquela por decorrência do processo criminal.

Além do mais, na esfera civil, a impossibilidade do poluidor denunciar à lide aqueles que seriam responsáveis solidários vem da necessidade de promover a reparação do meio ambiente com a maior celeridade possível, portanto não seria um absurdo se, dependendo do caso, não fosse exigido para instauração da ação penal o concurso de agentes (pessoa jurídica e pessoa física responsável), pois a finalidade do direito penal não é a simples aplicação de sanções, mas sim a reeducação do apenado a fim de evitar futura reincidência (teoria mista ou unificadora), o que ocorreria perfeitamente em relação a pessoa jurídica, que uma vez processada, procederia com mais parcimônia (através de sua diretoria) a fim de evitar práticas lesivas ao meio ambiente que poderiam gerar futuras sanções penais.

Desse modo, comprovado que a ação delituosa tenha sido cometida em decorrência de uma decisão da diretoria ou representante legal da pessoa jurídica, no interesse do ente coletivo, na sua esfera de atividade e com o auxílio de seu poderio, ainda que não seja identificada a pessoa física ou que a mesma venha a ser afastada da ação penal, a persecução penal da entidade não deve restar prejudicada por um entrave processual, uma vez que houve a prática da infração penal contra o meio ambiente.

 Frise-se que não se busca a impunidade da pessoa natural envolvida no ilícito ou promover condenações em massa de empresas envolvidas em crimes ambientais, pois nesse caso se estaria retornando ao direito penal do autor, mas sim dar efetividade ao ordenamento jurídico, sempre que preenchidos os requisitos que comprovem que a ação delituosa foi, de fato, promovida pelo organismo do ente moral.

Portanto, deve-se analisar cada caso individualmente, principalmente com relação às pessoas jurídicas, que são as maiores beneficiadas pelos delitos ambientais por elas cometidos, e quando, devido a sua estrutura, torna-se impossível provar a participação da pessoa física, a fim de evitar que sigam a praticar crimes ambientais na certeza de sua impunidade.

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Nota:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Marcírio Emílio da S. Oliveira, Graduado em Direito e Pós Graduado em Processo Civil pela Universidade Castelo Branco.


Informações Sobre o Autor

Marcos Nero Cavaret Lopes

Acadêmico do Curso de Graduação em Direito da Universidade da Região da Campanha – URCAMP, Campus Universitário de Santana do Livramento


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