Resumo: A sociedade urbana constitui uma realidade inacabada. As atitudes humanas para com a natureza possuem variação em função do tempo e da região. A cidade e o urbano expressam o movimento da vida, a produção do espaço, sobretudo reflete a cultura de um grupo. Neste contexto, a urbe se desenvolve embasada nas relações econômicas e sociais interligadas entre si e com o meio ambiente. O crescimento acelerado das cidades e a falta de gestão urbana, somados à política imobiliária, repercutiram negativamente na biodiversidade. Diante dessa realidade é necessário redimensionar o uso dos recursos não renováveis, porque qualquer modificação do meio ambiente, benéfica ou não, que possa resultar modificação no processo natural precisa ser analisada e, se necessário, corrigida ou problematizada. Este artigo objetiva refletir sobre os aspectos teórico-metodológicos sobre a produção do espaço urbano e o meio ambiente.
Palavras-Chaves: Espaço urbano, cidade, meio ambiente.
Abstract: Urban society is an unfinished reality. Human attitudes toward nature vary according to time and region. The city and the urban express the movement of life, the production of space, above all reflects the culture of a group. In this context, the city is based on the economic and social relations interconnected with each other and with the environment. The rapid growth of cities and the lack of urban management, coupled with real estate policy, had a negative impact on biodiversity. Faced with this reality, it is necessary to resize the use of nonrenewable resources, because any modification of the environment, beneficial or not, that may result in modification in the natural process needs to be analyzed and, if necessary, corrected or problematized. This article aims to reflect on the theoretical and methodological aspects about the production of urban space and the environment.Keywords: Urban space, city, environment
Sumário: Introdução. 1 – Fundamentos constitucionais do meio ambiente. 2 – Função social da propriedade. 3 – Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O artigo 225 da Constituição Federal Brasileira declara que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem de uso comum do povo e deve ser preservado para as futuras gerações. A partir dessa concepção constitucional criou-se um novo paradigma ambiental, em que as riquezas ambientais são de titularidade da coletividade, mas ainda predomina a exploração dos recursos naturais de acordo com as necessidades do mercado, eis que há um choque entre o direito de propriedade e o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A cidade é o locus principal do tecido da vida social à medida que abriga maior parte da população e contribui para o arranjo cotidiano das atividades humanas, como lazer, educação, trabalho e descanso. A produção do espaço urbano segue uma lógica capitalista (CAVALCANTI, 2001, p. 17). Por isso, há uma relação dialética e contraditória entre cidade e o capital, à proporção que a cidade expressa um modo de vida que é sustentado pelo capital.
“O urbano que se constitui negativamente através desses limites da reprodução da vida, na cidade desintegrada, surge, ao mesmo tempo, enquanto possibilidade e de uma nova positividade, produtora da humanização do homem, da reapropriação do espaço” (DAMIANI, 1999, p. 110).
A expansão urbana contribuiu para a intensificação da atividade imobiliária, por outro lado, não houve gestão urbana para o controle do parcelamento do solo em áreas que não devem ser edificadas.
Do grego parádeigma, o termo paradigma pode ser definido como: “Um paradigma se constitui quando novas “descobertas” não tinham precedentes e assim atraem um grupo duradouro de partidários, afastando-os de outras atividades científicas. Simultaneamente suas realizações foram suficientemente abertas para deixar toda espécie de problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido pelos praticantes da ciência” (KHUN, 2007, p. 30).
A abordagem ambiental multidisciplinar favorece a ruptura do novo paradigma dominante da discussão dual entre meio ambiente como bem comum e a exploração/ocupação da propriedade como espaço privado. Este artigo busca contribuir para compreender a expansão urbana contemporânea em razão da crescente atividade imobiliária e a degradação ambiental.
Para este fim, busca-se fundamentar a concepção de meio ambiente e de propriedade privada numa perspectiva jurídica.
1. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO MEIO AMBIENTE
Toda sociedade cria e reinventa o conceito de natureza e a partir dessa concepção adotada o homem estabelece suas relações sociais, sua produção material, sua cultura (GONÇALVES, 2013, p. 23).
No antropocentrismo clássico prevalecia o ideal de que o meio natural era objeto de satisfação das necessidades do ser humano. Os gregos da antiguidade anunciavam que o mundo era destinado ao benefício do homem (DREW, 2010, p. 2). Entretanto, ao se levar em conta a interação existente entre o homem e o meio ambiente, viu-se que a biodiversidade possui valor autônomo. Por um lado, o homem compõe a natureza, por outro lado, deve defendê-la e preserva-la para assegurar sua sobrevivência e das gerações futuras (SENDIM, 1998, p. 101).
A inclusão do meio ambiente no texto constitucional leva em conta o caráter incorpóreo, metaindividual, indisponível, e intergeracional, cujos danos são difíceis ou de impossível mensuração. Como bem incorpóreo e metaindividual, insuscetível de medida de valor, ele transcende a esfera do indivíduo isoladamente considerado para pertencer a toda coletividade indistintamente e, por isso, é indisponível. Ademais, é um bem intergeracional, tendo como titularidade as futuras gerações.
Portanto, o meio ambiente carece de proteção, não apenas pelo benefício em prol do homem, mas pelo valor que possui em si mesmo. Desta concepção, a integridade do meio ambiente é típico direito de terceira geração:
“O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (MS 22.164, rel. min. Celso de Mello, j. 30-10-1995, P, DJ de17-11-1995).
O art. 3º, inciso I, da Lei nº 6.938/81 conceitua o termo meio ambiente como: “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Desta conceituação jurídica extrai-se que o meio ambiente é composto pela interação dos elementos naturais, artificiais, culturais e do trabalho, que propicia o sadio e o equilibrado desenvolvimento de todas as formas de vida (SILVA, 2009, p. 20).
Por seu turno, o instinto de apropriação do território, adensamento populacional em áreas urbanas e ocupação desordenada intensificaram a exploração dos recursos naturais. A manutenção da qualidade de vida trouxe à tona a necessidade de conscientização do esgotamento dos recursos naturais e da inserção do meio ambiente no rol de proteção jurídica.
Portanto é fundamental refletir sobre como foi e como é concebida a natureza em nossa sociedade, pois, é suporte para o modo de produção e qualidade de vida atual, por isso, tem apresentado muitos e intensos problemas ambientais decorrentes do uso inadequado, culminando no surgimento de movimentos ecológicos (GONÇALVES, 2013, p.24).
2 – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
Os tijolos marcam a constituição de uma nova relação homem/natureza. A cidade passa a ser o local permanente de moradia e trabalho, alicerçada na produção do excedente, ou seja, de produtos para além das necessidades de consumo imediato (ROLNIK, 1995, p. 16). Desta forma, o homem impôs uma natureza de mutações à superfície da Terra (DREW, 2010, p. 18).
“A produção do espaço urbano para fins de habitação obedece à lógica da produção econômica e é comandada por diferentes agentes, principalmente o Estado e os agentes imobiliários” (CAVALCANTI, 2001, p. 13).
Do ponto de vista contemporâneo a cidade está diretamente associada com a dimensão pública da gestão urbana, com os códigos de edificações e zoneamento. Ademais, a ocupação da terra se torna alvo de investimento do capital ao dividir o território em lotes geométricos com preços atribuídos.
A função socioambiental da propriedade tem seu fundamento no art. 5º, XXIII da Constituição Federal. Decorre dela que toda apropriação sobre os bens da ordem econômica deve ser capaz de atender a função econômica, social e ambiental. Estas funções tem o condão de integrar as políticas urbanas e ambientais. Ademais, o art. 182, no seu §2º, do texto Constitucional, faz concretiza o princípio da função da propriedade ao expressar que: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”.
A cidade é uma expressão da função social da propriedade e encontra previsão no art. 2º da Lei nº 10.257/2001. Ao garantir a cidade sustentável como direito à terra urbana, resgata o interesse difuso da propriedade (SAULE JUNIOR, 1997, p. 76).
Ao longo da expansão demográfica e a construção das cidades gerou-se um conflito entre a proteção do meio ambiente e o direito de propriedade. Entretanto, o direito de propriedade e o meio ambiente são harmonizáveis, com exceção dos direitos derivados da concepção histórica e liberal (ALBUQUERQUE, 1999, p. 124). Nesta conjuntura, impõe-se um juízo de ponderação entre os pesos do dever e do poder para coexistir os direitos fundamentais.
O artigo 225, §1º, III da Constituição Federal determina que é vedado qualquer forma de utilização do espaço que comprometa a integridade dos atributos naturais. Em seu sentido ecológico, portanto, o espaço territorial é parte integrante da biodiversidade. Nesse sentido, toda e qualquer atividade urbana de ocupação que possa vir a comprometer a integridade do meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser devidamente avaliada pelo Poder Público e a coletividade.
3 – CONCLUSÃO
Os promotores imobiliários utilizam o espaço urbano como produto em prol do capital ao lotear e parcelar o solo. O Estado, em nível municipal, define normas regulamentadoras, entretanto, nem sempre essas normas são observadas. Como resultados surgem impactos ambientais e afronta a função social da propriedade.
De fato, em vista das grandes mudanças urbanas experimentadas, não mais se pode enxergar o conflito entre a expansão urbana e o meio ambiente com uma situação eminentemente individual, mas sim coletivo.
Em face da previsão constitucional, o meio ambiente foi consagrado como bem nem público nem privado, mas como bem comum do povo. Por isso, a biodiversidade não é instituto vinculado à posse e a propriedade. Logo, ao ocupar um espaço territorial toda e qualquer pessoa deve se adaptar à tutela dos valores ambientais.
Informações Sobre os Autores
Isabella Regina Serra Brito Mesquita
Mestranda em Ambiente e Sociedade pela Universidade Estadual de Goiás UEG Brasil. Especialização em Direito do Trabalho pela FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE IESX_PPROV Brasil. Especialização em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera
Alik Timóteo de Sousa
Doutorado em Agronomia pela UFG; Graduado em Geografia pela UFG