Resumo: O direito ambiental orientado a tratar do sistema prisional brasileiro pode apresentar soluções práticas e objetivas para caos que se apresenta entre os presos do país. Ocorre que, o olhar atento, escancara que são matérias conexas, o meio ambiente e o sistema prisional e, se aproximados, trarão frutos desejáveis pela sociedade. É esta a chave para a solução de quase todos os problemas do sistema prisional atual, razão destas linhas de aproximação. Temos que entender que o Direito Ambiental não deve restringir sua aplicação a problemas da natureza, mas sim a proteção de todo o espaço físico necessário para a efetivação da dignidade da pessoa humana, isto posto, também aos presídios, espaço físico interno e também externo os encontram-se todos os atores do sistema prisional.
Palavras-chave: Direito ambiental; Dignidade; Lixo humano; Sistema prisional brasileiro.
INTRODUÇÃO
A pena de prisão que resiste ao tempo, aos governos, aos simpósios e às críticas de todos em todos os tempos, como um desafio à própria inteligência humana, na busca de alternativas que propiciem sua abolição como método ressocializador e de defesa social contra o crime e, especialmente, seu cumprimento continua sendo um dos maiores problemas enfrentados atualmente pelo Estado brasileiro, que não respeita os princípios contidos na Constituição Federal, quais sejam: o princípio da cidadania, o princípio da igualdade e, precipuamente, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Se o atual processo civilizatório ainda não permite a completa abolição da instituição carcerária, igualmente é verdadeiro dizer que se deve ter respeito incondicional à dignidade dos presos, para não ser ao menos infiéis ao ideal de um dos documentos mais significativos da humanidade, no caso a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que o país subscritou perante a Assembleia das Nações Unidas em 10.12.1948 e dentre cujas diretrizes está inserido o homem preso, bem como a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984), que pela expressa vontade geral do povo brasileiro tem por objetivo principal a harmônica integração social do condenado e do internado.
Os direitos humanos de qualquer cidadão, inclusive das pessoas privadas do direito à liberdade, precedem as leis escritas e pairam acima das próprias razões do Estado, porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, que constitui fundamento não só da República do Brasil, como da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
Nos dias atuais, em que pese a existência de abrangente legislação, é notório que as prisões, cadeias e penitenciárias brasileiras têm servido apenas como depósito de gente, dotadas de infraestrutura quase exclusivamente de concreto e ferro, onde os presos são colocados e têm de sobreviver a torturas psicológicas terríveis, decorrentes sobretudo do desrespeito a direitos humanos elementares.
Afastada a convicção de que a prisão, embora justificada pela necessidade, seria um meio idôneo para realizar todas as finalidades da pena e que, dentro de certas condições, seria possível reabilitar o agente, há uma crise no sistema prisional brasileiro. Crise oriunda do desrespeito aos direitos fundamentais constantes na Constituição Federal, que abrange também o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das críticas e questionamentos que se faz à prisão se refere à impossibilidade absoluta ou relativa de obter algum efeito positivo sobre o apenado.
Nesse sentido, é imprescindível analisar a extensão do conceito de dignidade da pessoa humana e a possível relativização, a própria finalidade da pena, a proteção constitucional como forma de contribuir para a solução da problemática da aplicação das penas privativas de liberdade no país, posto que a compreensão dos conceitos constitucionais penais que regem a execução penal facilita o entendimento do direito e da garantia do preso.
A cidadania é exercida de acordo com os princípios democráticos que regem uma sociedade, e, para garantir-lhe o exercício pleno, o Estado necessita de leis para efetivar a execução dos direitos previstos por ela. Com base no princípio que a concepção de cidadania abarca os direitos como prerrogativa de vida e de dignidade para a existência humana e que a ausência ou a fraca efetivação de um dos direitos elementares constitutivos da concepção de cidadania moderna (direitos civis, políticos e sociais) não elimina a condição de cidadão do sujeito social, portanto, defende-se que os apenados que cumprem pena privativa de liberdade devem ter respeitada a cidadania, embora tenham os direitos políticos suspensos e, bem assim, tenham perdido parcialmente a liberdade, estando sob custódia do Estado, todavia, vale ressaltar que seus direitos civis e sociais são mantidos na integralidade (de propriedade, de registro de nascimento e de casamento entre outros) consoante o previsto na Lei de Execução Penal (LEP), Lei n. 7.210 de 11.07.1984, que passou a ter vigência a partir de 13 de janeiro de 1985, juntamente com a nova Parte Geral do Código Penal Brasileiro.
A execução penal brasileira trata a terapia do apenado apenas em proposições teóricas, pois sua implantação depende de recursos humanos, edificações e instalações prediais adequados para a execução, porém as práticas nos Estados brasileiros sempre foram de encarcerar e vigiar, esquecendo-se de tratar o preso com o respeito e a dignidade que merece todo cidadão[1].
A sociedade civil, desde a década de 1920, por meio dos juristas, médicos e sanitaristas, e alguns segmentos do Estado brasileiro demonstram preocupação com a situação da população e, de modo especial, com as condições degradantes existentes no sistema prisional. Infelizmente, até os dias atuais depara-se com um sistema penitenciário falido, no qual o preso é tratado com profundo desrespeito em relação aos princípios e garantias contidos na Constituição Federal. A contradição presente na LEP é que o direito ao atendimento das necessidades dos apenados passa a ser concessão, benemerência e favorecimento e não adquire status de cidadania, pois sua operacionalização depende das estruturas físicas e humanas no ambiente penitenciário, bem como dos critérios internos das unidades prisionais para fins de classificação e concessão dos benefícios previstos na LEP.
Outrossim, a LEP, ao focalizar as ações no delito, se esquece que o apenado é um sujeito sócio histórico e necessita de ações de políticas sociais. Entretanto, as ações desenvolvidas no interior do sistema penitenciário primam pela segurança e pelo confinamento, sendo um indicador da ocorrência da falência da condição de recuperação de conduta desviante, pois o foco continua a ser o delito e não a pessoa que o cometeu.
O sistema penitenciário no Brasil é o retrato fiel de uma sociedade desigual, marcada pela ausência de políticas sociais para o enfrentamento das situações especificas da questão social, bem como pela falta de seriedade política na constituição da cidadania para milhares de homens e mulheres presos. A legislação em si é letra morta, sem o desenvolvimento de políticas sociais distributivas e universalizantes, principalmente para os extratos de baixa renda, que na maioria passam a compor uma parcela da população penitenciária brasileira.
Vislumbra-se também, nesse cenário, grande omissão da LEP em relação às minorias, como é o caso do cumprimento de pena por pessoas com deficiência física, pois simplesmente esta minoria não vê os direitos de cidadão garantidos nem sequer mencionados na Lei de Execuções Penais. Não existe na legislação lei que regulamente o cumprimento de pena por estas pessoas, que merecem atenção especial, ferindo assim o princípio da cidadania, porque, antes de ser um apenado, este sujeito é um cidadão, e como cidadão deveria ter os direitos e garantias fundamentais respeitados.
Outro exemplo importante é o cumprimento de pena em celas especiais por pessoas com curso superior, excluindo os iletrados desse direito porque a vida não lhes oportunizou diplomar-se por uma faculdade em nível superior, ferindo assim o princípio da cidadania. Portanto, pode-se concluir que a LEP fere o princípio da cidadania porque não trata todas as pessoas com o devido respeito e igualdade que deveria tratar os cidadãos, inclusive desrespeitando também o princípio da dignidade da pessoa humana.
1. MANDADO DE RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA
É sabido que a sanção por parte do Estado não pode configurar vingança social, mas sim ter como finalidade a retribuição e prevenção do crime, buscando, além disso, a ressocialização do sentenciado. A ONU, preocupada com a realidade hodierna, editou Regras Mínimas para o tratamento de reclusos por meio da publicação do Centro de Direitos do Homem das Nações Unidas. E subdividiu o instrumento normativo em duas partes: a primeira trata das matérias relativas à administração geral dos estabelecimentos penitenciários aplicáveis a todas as categorias de reclusos, de foro criminal ou civil, em regime de prisão preventiva os condenados, incluindo os que estejam detidos por aplicação de medidas de segurança ou que sejam objeto de medidas de reeducação ordenadas pelo juiz competente. A segunda parte contém regras especificamente aplicáveis às categorias de reclusos de cada seção.
Além das regras da ONU, importante salientar que o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) prevê, no artigo 10, que toda pessoa privada de liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana[2]. Por fim, o citado instrumento normativo internacional consagra que o regime penitenciário consistirá em um tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e reabilitação moral dos prisioneiros.
Pode-se trazer à baila, ainda, o previsto no Pacto de São José da Costa Rica (1969), que igualmente prevê regras protetivas aos direitos dos reclusos. O referido pacto define a finalidade essencial das penas privativas de liberdade como reforma e readaptação social dos condenados. Sendo assim, conclui-se, que o princípio da humanidade da pena determina que toda pessoa condenada será tratada humanamente e com respeito à dignidade a todos inerente.
O homem nunca deverá ser tratado como meio, mas somente como fim, como pessoa, o que quer significar que, independentemente da argumentação utilitarista que se siga, o valor da pessoa humana impõe uma licitação à qualidade e quantidade de pena e à necessidade de estudar profundamente no que consiste a garantia e respeito à dignidade.
Muito embora seja árdua a tarefa de conceituar dignidade da pessoa humana, vislumbra-se que o conceito é vago e impreciso, vez que a dignidade não cuida de aspectos mais ou menos específicos da existência humana, mas, sim, de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano, de modo que, passou a ser definida como valor próprio que identifica o ser humano como tal. Nesse sentido, a busca de uma definição necessariamente aberta, mas minimamente objetiva, impõe-se justamente em face da necessidade de certo grau de segurança e estabilidade jurídica. Trata-se de uma qualidade intrínseca da pessoa humana, irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, dessa forma não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida dignidade.
Neste ponto, abra-se um parêntese para constatar a situação do preso no sistema penitenciário brasileiro e verificar que não há sentido em propugnar pelo reconhecimento da dignidade, vez que esta lhe é inerente.
Como tarefa e prestação imposta ao Estado, é imprescindível que este lhe guie as ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente, criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade, o que não dissocia a dignidade de ordem comunitária, vez que é impossível ao indivíduo realizar ele próprio, total ou parcialmente, as necessidades existenciais básicas.
Em outras palavras, a pessoa como sujeito de direitos e obrigações possui o direito fundamental de reconhecimento, segurança e promoção da condição de pessoa (com dignidade) no âmbito de uma comunidade. As transformações sociais que devem ser executadas pelo estado social e democrático de direito não podem buscar adaptar o indivíduo à sociedade, porém, em sentido contrário, buscam adaptar o espaço social para acolher o indivíduo.
O reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa humana, pela ordem jurídica, devem zelar para que todos recebam igual (já que todos são iguais em dignidade) consideração e respeito por parte do Estado e da comunidade. Verifica-se, assim, a particular situação dos presos que, por ser encarcerados, não são tratados de forma benéfica, mas devem ser tratados com dignidade, na condição de seres humanos, não podendo ser torturados, nem humilhados.
Percebe-se que, onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade, a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para falar em dignidade da pessoa humana.
2. NORMA FUNDAMENTAL NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA
Somente após o término da Segunda Guerra Mundial é que a dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida expressamente nas Constituições, notadamente após ter sido consagrada pela Declaração Universal da ONU de 1948. Todavia, no Brasil, apenas a Constituição Cidadã de 1988 reconheceu, no âmbito do Direito Constitucional positivo, a dignidade da pessoa humana como fundamento do estado democrático de direito (artigo 1º, inciso II, da CF)[3].
Ou seja, foi conferida à dignidade humana a qualificação de norma jurídica fundamental da ordem jurídico-constitucional brasileira, e, dessa forma, constata-se que o constituinte de 1988 preferiu não incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais (dimensão jurídica). Em outras palavras, a dignidade da pessoa humana foi guindada à condição de valor jurídico fundamental da comunidade, ou seja, um valor que justifica a própria existência do ordenamento jurídico. Pode-se dizer que se trata de um princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa. Nesse sentido, vislumbra-se, pela disposição constitucional pátria, que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, uma vez que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não o meio da atividade estatal.
3. FALÊNCIA ETERNA DO SISTEMA PRISIONAL
Embora tenha surgido a finalidade ressocializadora da pena, a verdade é que pragmaticamente o indivíduo preso tem os direitos mínimos violados, e, nesse aspecto, instrumentos internacionais de proteção aos Direitos Humanos foram criados, dos quais o Brasil é signatário. Todo e qualquer tratado de direitos humanos tem como poder maior a fixação de parâmetros protetivos mínimos, ou seja, os tratados não constituem um teto Maximo de proteção senão um piso protetivo mínimo. O padrão de conflituosidade que inspira os tratados de direitos humanos são de um lado o Estado violador, e do outro o indivíduo singularmente considerado como vítima. Quando um Estado, por soberania, ratifica um contrato de direitos humanos, ele contrai deveres e os indivíduos contraem direitos.
São identificados três deveres dos Estados: o dever de respeitar (o Estado não pode violar direitos), o dever de proteger (o Estado tem de proteger para que ninguém viole os direitos), implantar (aponta do dever do Estado de adotar meditas para a proteção dos direitos humanos)[4]. O sistema global deve prever órgãos e mecanismos de monitoramento e fiscalização quanto aos Estados, para o cumprimento dos tratados. No campo global, os órgãos de monitoramento são os comitês da ONU, que comitês recebem petições, instauram processos de investigação etc. Nada justifica a tortura, nada justifica a delinquência estatal.
A justicialização do sistema global se operou especificamente na esfera penal por meio do TPI, e neste caso a responsabilidade penal alcança os indivíduos. Já, nos sistemas regionais, ocorreu o oposto, a justicialização se operou na esfera cível por meio das cortes regionais, estas condenam os Estados.
Perceba que o Brasil foi o último país, nos quatro séculos, a abolir a escravidão, ou seja, um povo que teve, durante cinco séculos, a dignidade negada. O Brasil está no 107º lugar de presença de negros e 43º de brancos. A pobreza no país tem feição negra porque a maioria das pessoas que vivem na pobreza é negra.
A partir do processo de democratização iniciado em 1985 e impulsionado pela Constituição de 1988 que consagra os princípios da prevalência dos direitos humanos e da dignidade humana, o Brasil ratificou os principais tratados de proteção dos direitos humanos, senão, vejamos[5]:
a) Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989.
b) Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989.
c) Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990.
d) Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992.
e) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992.
f) Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992.
g) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995.
h) Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996.
i) Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996.
Adicione-se que, em 3 de dezembro de 1998, o Estado brasileiro reconheceu a competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por meio do Decreto Legislativo nº. 89/98. Em 7 de fevereiro de 2000, o país assinou o Estatuto do Tribunal Internacional Criminal Permanente. São estes instrumentos internacionais que permitem invocar a tutela internacional, mediante a responsabilização do Estado, quando direitos humanos internacionalmente assegurados são violados[6].
A ação internacional tem auxiliado a visibilidade das violações de direitos humanos, o que oferece o risco do constrangimento político e moral ao Estado violador, o que tem permitido avanços e progressos na proteção dos direitos humanos. Quando um Estado reconhece a legitimidade das intervenções internacionais na questão dos direitos humanos e, em resposta a pressões internacionais, altera a prática com relação à matéria, fica reconstituída a relação entre Estado, cidadãos e atores internacionais.
Pode-se afirmar que, com o intenso envolvimento da sociedade civil, os instrumentos internacionais constituem um poderoso mecanismo para reforçar a proteção dos direitos humanos e o regime democrático no país, a partir dos delineamentos de uma cidadania ampliada, capaz de combinar direitos e garantias nacional e internacionalmente assegurados.
Dentro deste contexto, a ONU, na Assembleia Geral de 09 de dezembro de 1988, aprovou um conjunto de princípios a ser aplicados em qualquer caso de detenção ou prisão. O estatuto faz referência à tortura, mas é silente quanto às condições físicas de detenção ou prisão. O objetivo maior é assegurar transparência nas prisões efetivadas, dando ao indiciado todos os meios para comunicar aos seus a prisão, ter assistência jurídica e ser apresentado de imediato a uma autoridade judiciária.
O movimento para reformar as prisões, para controlar o funcionamento, não é um fenômeno tardio. A reforma da prisão é mais ou menos contemporânea da própria prisão. Ao longo do tempo, inquéritos foram abertos, na intenção de levantar possíveis soluções para a implantação da prisão, como o de Chaptal em 1801 (quando se tratava de fazer o levantamento do que se podia utilizar para implantar na França o aparelho carcerário); o de Decazes em 1819, o livro de Villermé publicado em 1820; o relatório sobre as penitenciárias preparado por Martignac em 1829; os inquéritos conduzidos nos Estados Unidos por Beaumont de Tocqueville em 1831 e por Demetz e Blouet em 1835; os questionários dirigidos por Montalivet aos diretores de penitenciárias e aos Conselhos Gerais quando se está em pleno debate sobre o isolamento de detentos[7].
Criaram-se sociedades para controlar o funcionamento das prisões e propor melhoria: em 1818, é a muito oficial Sociedade para a Melhoria das Prisões, um pouco mais tarde a Sociedade das Prisões e diversos grupos filantrópicos. Inúmeras providências, portarias, instruções ou leis, inquéritos, discursos teóricos rondaram em torno da prisão ao longo do tempo para melhorar o funcionamento de forma pragmática, mas até os dias atuais não obtiveram êxito, e a falência do sistema prisional é motivo de grande discussão no país.
CONCLUSÃO
A situação atual do sistema penitenciário brasileiro exposta acima é, notoriamente, caótica. A ressocialização do apenado não passa de mera utopia, aliás, ressocialização nunca antes alcançada (exceto em raras exceções). Sem falar que os presídios brasileiros são verdadeiras universidades do crime. As penitenciárias e as cadeias em delegacias não passam de depósitos humanos, sem a mínima condição de salubridade, sem falar em dignidade humana, superlotação, uso de drogas, planejamento e organização de facções criminosas, transmissão de doenças.
O fator mais importante a ser enfrentado na tentativa de buscar novos paradigmas para a administração prisional é a ressocialização do apenado. O interno que ingressa no atual sistema prisional, ao retornar para o convívio em sociedade, o faz mais revoltado com o que sofreu lá dentro e mais especializado em crimes, devido ao que lá aprendeu. O Estado não lhe proporciona a oportunidade de quitar a dívida com a sociedade, pelo crime que cometeu, de maneira minimamente digna.
Por outro lado, a maioria das experiências em gestão compartilhada, dentre elas com algumas penitenciárias, mostram que o quadro de abandono pelo qual passa o sistema prisional brasileiro pode ser revertido. O sistema de co-gestão comprova que a adoção desse tipo de gestão resultou em aspectos efetivamente positivos. O índice de reincidência diminui significativamente, a questão de fugas e rebeliões também é positiva, além do ensino e da profissionalização do apenado, tudo isso resultado de um tratamento digno proporcionado ao presidiário.
A adoção do sistema de PPP em presídios já é uma realidade, ficando a cargo do parceiro privado o investimento para a construção do sistema penitenciário (demasiadamente alto), operação e manutenção. No tocante ao poder público restam as obrigações de nomear os diretores e chefes de funções-chave do estabelecimento penal; proporcionar segurança interna e externa ao presídio; executar as penas e/ou medidas de segurança em todas as acepções; proporcionar o acesso ao Ensino Fundamental, bem como, de acordo com o desempenho do trabalho efetivado pelo parceiro privado, arcar com o retorno financeiro a este.
A nova realidade poderá trazer benefícios no sentido de aumentar a capacidade de vagas no sistema prisional (hoje superlotado); proporcionar um cumprimento de pena de maneira digna ao presidiário; estabelecer parcerias com a sociedade no sentido de oferecer trabalho ao apenado e com isso facilitar-lhe a ressocialização, além de desonerar o Estado no tocante a investimentos em curto prazo (verbas para construção de unidades prisionais).
A implantação do sistema de PPP na gestão de estabelecimentos prisionais, diante da realidade carcerária vivida hoje pelo país, enseja aspectos profundamente positivos. O poder público há de estar presente na fiscalização, tanto da implantação quanto no decorrer da gestão modelo de parcerias, com o intuito de evitar o que recentemente ocorreu, por exemplo, nos modelos de co-gestão prisional do Estado do Amazonas e Ceará.
Com o fiel cumprimento das obrigações impostas a ambos os lados da parceria, tendo em vista o objetivo de recepcionar, no seio da comunidade, um ex-detento ressocializado, o novo modelo de gestão prisional, que agora inicia procedimento de implantação, trará muitos benefícios para a sociedade, mormente se comparado com o atual modelo vigente.
Portanto, a parceria entre a administração pública e a iniciativa privada, ao que parece, é uma alternativa totalmente viável, que poderá auxiliar o aparelho estatal na parte administrativa não judicial da execução penal, sendo uma opção que atuaria diretamente no sentido de atenuar a grave crise que se encontra o sistema penitenciário atualmente, garantindo, sobretudo a Dignidade Humana do próprio preso.
Informações Sobre o Autor
Eduardo Paixão Caetano
Professor de Ciências Criminais. Delegado de Polícia Judiciária Civil. Mestrando em Direito Ambiental Especialista em Direito Público Pós-graduado em Direitos Difusos e Coletivos em Segurança Pública Especialista em Direito Penal e com certificação de MBA Executivo em Negócios Financeiros