Resumo: A educação ambiental é diferenciada na forma como se relaciona com as outras ciências, algo que é almejado por diversas áreas em razão da complexidade do mundo atual. No novo paradigma de integração dos conhecimentos, o Direito Ambiental surge como seara promissora para desenvolvimento desse modo de lidar com os outros saberes. Partindo desse escopo, o presente artigo visa cotejar a Lei Federal 9.795/99, que trata da Política Nacional de Educação Ambiental, com os ensinamentos presentes em algumas das obras de destaque da Educação Ambiental. Busca-se com isso desmistificar a ideia de que na educação formal, e principalmente no estudo do Direito, é improvável a chamada integração com os conhecimentos alternativos ao científico. Chega-se à conclusão de que não é só interessante para o pesquisador do Direito Ambiental compreender os olhares dos outros saberes e sim é algo necessário para a formação deste tendo em vista a sua área de atuação.[1]
Palavras-Chave: Direito Ambiental. Integração. Interdisciplinaridade.
Abstract: Environmental education is differentiated in the way it relates to other sciences, something that is desired by several areas because of the complexity of the current world. In the new paradigm of knowledge integration, Environmental Law appears as a promising area for developing this way of dealing with other knowledge. From this scope, this article aims to compare Federal Law 9.795 / 99, which deals with the National Environmental Education Policy, with the teachings present in some of the outstanding works of Environmental Education. It seeks to demystify the idea that in formal education, and especially in the study of law, it is unlikely to call integration with knowledge alternative to scientific. It is concluded that it is not only interesting for the researcher of Environmental Law to understand the looks of other knowledge, but rather it is something necessary for the formation of this in view of its area of activity.
Keywords: Environmental Law. Integration. Interdisciplinarity.
Sumário: Introdução. 1. Diálogo entre a educação ambiental formal e não formal. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Com o advento da Constituição Federal de República de 1988, a educação ambiental foi elevada a um patamar constitucional. A concretização de tal instituto foi possível graças às discussões empreendidas na Conferência Mundial do Meio Ambiente em Estocolmo 1972 e dos estudos desenvolvidas pela Comissão Brutland entre 1983-1987 que trouxeram à tona princípios como o da precaução e da informação (MILARÉ, 2014). No capítulo IV que trata do meio ambiente na Constituição Brasileira, mais especificamente no Art. 225, §1º, inciso VI, atribui-se ao Poder Público a responsabilidade de promoção da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino, fazendo com que exista uma conscientização pública para a preservação do meio ambiente (BRASIL,1988).
Na concepção de Machado (2013), o legislador constituinte criou um verdadeiro direito subjetivo para os cidadãos tendo em vista que estes podem reivindicar a prestação da educação ambiental, sendo na verdade um direito que assiste a todos os brasileiros. Como forma de consubstanciação da previsão constitucional, o Poder Público por meio da Lei Federal 9.795/99, também conhecida como Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), trouxe uma série dispositivos visam aplicação do instituto nas várias esferas de ensino formal além do denominado nível não formal.
Esse artigo visa discutir a necessidade de integração entre a educação ambiental formal e a não formal, encontrada no cotidiano. Para tanto, foi utilizado com subsídios a Política Nacional de Educação Ambiental e autores como Freire (1983), Boff (2012) e Carvalho (2012). Nesse sentido, a integração entre o Direito Ambiental e outras ciências, como a educação, torna-se a compreensão da temática mais concreta, fazendo com que algo que outrora mostra-se distante possa ser visualizado por todos.
1 DIÁLOGO ENTRE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL FORMAL E NÃO FORMAL
Freire (1983) aborda essa relação entre saberes – científico e outros – quando apresenta um possível diálogo entre um engenheiro agrônomo e o agricultor. O modo de investigação que preza pela comunicação e não simplesmente pela extensão (esta entendida no seu sentido gnosiológico) em que consiste somente em um “depósito” de informações é a busca do conhecimento participativo no qual todos contribuam com essa construção. Esta aspiração pela integração entre sujeitos em busca de conhecimento é um dos alicerces da educação progressista, forma de ensinamento que condiz perfeitamente com os anseios do modo de ensino aspirado para as questões do meio natural que sofrem influência direta, e muitas vezes negativa, das ações humanas.
Tomando como base a experiência adquirida, busca-se analisar a mesma através das questões da educação ambiental e do reconhecimento (valorização) de outras formas de saber além do “acadêmico”. Esses saberes “alternativos” – leia-se, alternativos à ciência – que são extremamente presentes na sociedade e que em muitos momentos são negligenciados pela sua falta de legitimação frente às instituições que se consideram detentoras de todos os saberes, excluindo aqueles que são construídos fora dela, reivindicam seu lugar de direito no contexto da importância do conhecimento.
Apesar de estar prevista na PNEA, no art. 13, a educação ambiental (E.A) dita não formal está muito distante da concretização. Um primeiro argumento que pode ser erigido para alicerçar tal assertiva é que no próprio texto legal, ela aparece desarticulada da educação formal algo que não é o ideal. Ora, se no corpo legal deve-se prezar pela concepção da forma ideal (BOBBIO, 2004), já inicia-se de forma inadequada quando define-se uma rígida separação entre as duas vertentes do ensinamento ambiental.
Neste diapasão entre os modos de compreender os saberes e a forma correta de exteriorizá-los ganha relevante destaque quando analisadas as questões ambientais no cenário brasileiro, visto que muitas práticas aqui utilizadas são na maioria das vezes importadas de outras culturas, algo que é extremamente maléfico para a apreensão dos ensinamentos. De acordo com Freire (1983) A educação importada, manifestação da forma de ser de uma cultura alienada, é uma mera superposição à realidade da sociedade importadora. E, porque assim é, esta “educação”, que deixa de ser porque não está sendo em relação a dialética com a seus contextos, não tem nenhuma forma de transformação sobre a realidade.
Além deste problema acerca da importação da educação, introduzindo-a erroneamente em outro contexto sociocultural, acrescenta-se a ideia de que continuamente pensa-se o educar como algo estanque e sem movimento no qual o “Consultor” chega na localidade escolhida e simplesmente aplica a técnica ao caso concreto sem ao menos ouvir os sujeitos diretamente afetados pelo possível resultado não estabelecendo desta forma um diálogo. Freire (1983) afirma que todo fazer educativo, portanto, seja educador ou não, que se limite a dissertar, a narrar, a falar de algo, em vez de desafiar a reflexão cognoscitiva dos educandos em torno deste algo, além de neutralizar aquela capacidade cognoscitiva, fica na periferia dos problemas. Sua ação tende à “ingenuidade” e não à conscientização dos educandos.
Na exemplificação trazida pelo reconhecido educador brasileiro traz-se a lume justamente um dos principais calos dos temas ambientais, que é o modus operandi de como passar e esclarecer determinadas práticas e resultados para aqueles indivíduos que possuem a capacidade cognoscitiva, todavia devido aos meios utilizados para a construção desses entendimentos os objetivos aspirados não conseguem ser concretizados. Logo a decadência do modo de ensinar bancário (somente “depósito” do conhecimento” , e até mesmo no diálogo entre os saberes, fica mais latente nas questões relacionadas com o meio ambiente, já que essas necessitam de uma visão mais holística das problemáticas.
O choque quase que inevitável entre esses dois mundos epistemológicos distintos ocorre em sua grande maioria pela falta de empatia para com o outro. O tecnicista acredita que o seu conhecimento e somente ele é necessário para resolver todos os problemas. Já o detentor de saber popular, “doxa”, acredita que a sua sabedoria que foi construída em anos de história e práticas culturais não pode ser substituída por um ensinamento padrão, que não se adequa a sua realidade social.
O modo de aproximação e posicionamento dos sujeitos irá interferir diretamente na maneira em que a educação ambiental (e até mesmo a própria educação) será compreendida pelo outro. Logo, a educação ambiental pela sua ontologia deve ser exercida e praticada de forma participativa, através de uma condução coletiva no qual exista um educador-educando ambiental e um educando-educador ambiental não existindo nenhuma hierarquia gnosiológica, mas sim uma cooperação intersubjetiva.
Tendo como linha norteadora esse pensamento no qual existe apenas um sujeito detentor do modo de ensinar no qual os outros conhecimentos são renegados frente a ele é que consiste um dos pontos que a educação progressista, e consequentemente a educação ambiental, combate. Acerca da importância da valorização dos outros saberes, Boff (2012) afirma que só será efetivo se houver um processo coletivo de educação, em que a maioria participe, tenha acesso a informações e faça “troca de saberes”. O saber popular contido nas tradições dos velhos, nas lendas e nas estórias dos índios, caboclos, negros, mestiços, imigrantes dos primeiros que aí viveram, confrontando e complementando com o saber crítico científico. Esses saberes revelam dimensões da realidade local e são portadores de verdade e de sentido profundo a ser decifrado e a ser incorporado por todos. O que daí resulta é uma profunda harmonia dinâmica do ecossistema onde os seres vivos e inertes, as instituições culturais e sociais, enfim todos encontram seu lugar, interagem, se acolhem, se complementam e se sentem em casa.
Percebe-se que se faz imperioso esse reconhecimento e utilização do saber popular na medida que este tem como principal objetivo a conservação e manutenção da qualidade ambiental. Não se pode olvidar que a educação ambiental não é um fim em si mesmo, pelo contrário ele é um instrumento que visa à concretude do meio ambiente pleno e sadio não apenas para os seres humanos e sim para todos os seres vivos. Contudo, o que se quer não é uma desvalorização do conhecimento dito científico, mas sim um equilíbrio entre os saberes. Essa harmonia entre ambos (científico e popular) se torna possível e necessário tendo em vista que ambos possuem como finalidade principal o meio ambiente e a questão ambiental se faz cada vez mais urgente.
A principal preocupação do educador-educando é desde logo estabelecer um diálogo com a comunidade/individuo a fim de concretizar a comunhão de saberes, já que essa será uma de suas fontes. A comunidade de um modo geral e cada indivíduo de per si que nela se encontra, além da pessoa que não faz parte dela mas atua em favor das causas ambientais junto com a comunidade são classificados de uma maneira peculiar. Carvalho (2012) denomina esses indivíduos de sujeito ecológico. Segundo a autora, esse sujeito, é o tipo ideal, portador do ideário ecológico, com suas novas formas de ser e compreender o mundo e a experiência humana. Sintetiza assim as virtudes de uma existência ecologicamente orientada, que busca responder aos dilemas sociais, éticos e estéticos configurados pela crise socioambiental, apontando para a possibilidade de um mundo socialmente justo e ambientalmente sustentável.
O sujeito ecológico conceituado por Carvalho (2012) é todo aquele que vivencia, reflete ou age a favor das ações que tem como alicerces a conservação do meio ambiente de modo a garantir o direito intergeracional de acesso a esse bem a todos, trazendo consigo a ideia de igualdade social perante ele. Uma das características comuns aos sujeitos ecológicos é justamente a visão ampliada e não reducionista imposta pela sociedade, não se prende a um só olhar ou a só um modo de perceber o mundo. Esses indivíduos procuraram dialogar, conhecer e respeitar outras formas de analisar o mesmo fato.
Devido a essas inúmeras facetas ligadas a uma personalidade de liderança e dinamismo, o sujeito ecológico principalmente no âmbito das comunidades locais que sofrem opressão das grandes forças do capital (agronegócio) assim como a desvalorização dos seus saberes por parte do mundo científico tradicional, deve junto com seus pares combater essa influência do opressor. Freire (1988) afirma que cabe aos oprimidos se libertarem da opressão pois só eles têm essa consciência e não estariam só libertando (eles), mas também os opressores.
Logo a educação ambiental tem seu caráter libertador quando vislumbrada pela “Pedagogia do Oprimido”, pois com ela nota-se a sua essência libertadora de um novo modo de enxergar a realidade. Revela-se libertadora quando propõe o diálogo com aqueles considerados oprimidos pela força e pressão do capital econômico. Traz a lume a criticidade e a reflexão desses indivíduos por meio do respeito para com os outros saberes. Faz com que sujeitos ecológicos revelem-se para além de suas comunidades trazendo consigo toda sua vivência no âmbito político, social e ambiental. Portanto essa forma de comunhão de saberes deixa de ser apenas um método puro para se tornar um meio de ação socioambiental libertadora.
CONCLUSÃO
A concretização de um ideal em forma de lei não necessariamente significa que esta será concretizada com plenitude. Um dos grandes exemplos nacionais que podem ilustrar tal afirmação é a PNEA. Apesar de ser pensando como os “braços e pernas” do preceito constitucional do art. 225, §1, inciso VI este não conseguiu atingir um patamar satisfatório de efetividade no contexto da atividade de campo proposta.
Destarte, sair da denominada zona de conforto do saber é algo extremamente incômodo e inquietante. O saber científico, nele incluído a elaboração/promulgação de leis, muitas das vezes não permitem que o pesquisador se aventure em outras searas do conhecimento. Todavia, a partir do momento em que existe essa libertação, o indivíduo busca a todo momento a conexão entre o saber formal e o saber não-formal.
Consoante foi supramencionado, não se deve prender única e exclusivamente ao disposto legal, pois se assim o fizer, o jurista cairá em uma situação já advertida pelo célebre Pontes de Miranda, será um jurista de papel, distante do mundo fático e umbilicalmente ligado a um mundo ideal. Portanto, o Direito, e principalmente o Direito Ambiental deve ser interpretado conjuntamente com os outros conhecimentos acadêmicos (Educação, Biologia, Engenharia, Química) e também com os saberes alternativos para que desta maneira consiga estar o mais próximo possível da realidade que ele (jurista/pesquisador) irá atuar.
Informações Sobre o Autor
Afonso Feitosa Reis Neto
Doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFPE. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFPE. Bacharel em Direito UFPE. Tecnólogo com láurea em Gestão Ambiental IFPE