A aplicação do Código de Defesa do Consumidor no Direito Autoral

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Resumo : O presente trabalho tem como objeto a análise do direito autoral sobre o prisma do Código de Defesa do Consumidor.


Há uma grande indagação sobre a exigibilidade ou não da cobrança de direitos autorais em face das empresas que disponibilizam rádio ou televisor em seus estabelecimentos.


O fulcro legal que legitimaria a referida cobrança seria o artigo 68 da Lei 9.610/98 (Direitos Autorais), o qual dispõe que a retransmissão de obras musicais e audiovisuais, por qualquer modalidade, em locais de “freqüência coletiva”, quais sejam hotéis, motéis, bares, restaurantes, clínicas médicas enseja o pagamento pela empresa que a utiliza dos direitos autorais, in verbis: 


“Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.


§ 1º. Considera-se representação pública a utilização de obras teatrais no gênero drama, tragédia, comédia, ópera, opereta, balé, pantomimas e assemelhadas, musicadas ou não, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, em locais de freqüência coletiva ou pela radiodifusão, transmissão e exibição cinematográfica.


§ 2º. Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.


§ 3º. Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.


§ 4º. Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no artigo 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais.


§ 5º. Quando a remuneração depender da freqüência do público, poderá o empresário, por convênio com o escritório central, pagar o preço após a realização da execução pública.


§ 6º. O empresário entregará ao escritório central, imediatamente após a execução pública ou transmissão, relação completa das obras e fonogramas utilizados, indicando os nomes dos respectivos autores, artistas e produtores.


Destarte, não existem dúvidas de que pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a sua obra, sejam composições musicais ou audiovisuais, garantia esta prevista em nossa Constituição Federal e na Lei de Direitos Autorais.”


Ora, é inquestionável que o criador das obras artísticas veiculadas pela televisão e rádio (músicas, filmes, documentários, shows…) possui o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor de sua obra criativa, da maneira que quiser, bem como, permitir que terceiros a utilizem, total ou parcialmente.


O fundamento para que se proceda tal cobrança é que a empresa, ao disponibilizar o televisor aos seus clientes, lucra indiretamente com a exibição, nos termos do entendimento jurisprudencial:


“Processo REsp 174464 / PR


RECURSO ESPECIAL 1998/0036928-7 


Relator(a) Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110) 


Órgão Julgador T4 – QUARTA TURMA


Data do Julgamento 19/12/2002


Data da Publicação/Fonte DJ 16/06/2003 p. 343


RJADCOAS vol. 47 p. 31


SJADCOAS vol. 126 p. 146


Ementa 


Civil. Direito Autoral. Cobrança. Ecad. Legitimidade. Prequestionamento. Ausência. Captação de música por empresa especializada em sonorização ambiental. Restaurante. lucro indireto. Súmula n. 63-STJ. Lei 5.988/73.


I. A sonorização ambiental de restaurante, inclusive proporcionada por empresa especializada em tal espécie de serviço de seleção musical, constitui hipótese de incidência de direitos autorais, ao teor do art. 73 da Lei n. 5.988/73.


II. “São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais” – Súmula n. 63-STJ.


III. Recurso especial conhecido e provido.


Acórdão. Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Ruy Rosado de Aguiar.”


Cabe indagar, primeiramente, quem é o verdadeiro usuário da obra do direito autoral exibida: a empresa ou o cliente consumidor?


Por exemplo, o objeto social de um restaurante é o fornecimento de alimentação à clientela e de um hotel o oferecimento de hospedagem.


Assim, a disponibilização de televisor ou rádio no restaurante ou quarto de hotel não enseja lucro ao empresário, mesmo porque o destinatário do direito autoral não é a empresa e sim o consumidor.


A música e a televisão executadas com origem em frequências geradas livremente a qualquer usuário que possua um receptor para retransmiti-las nos referidos estabelecimentos, apenas constitui uma forma de tornar o ambiente mais agradável.


Nenhuma pessoa vai a um hotel ou restaurante assistir televisão ou rádio, ou seja, “consumir” a obra executada, pois poderia fazê-lo sem qualquer custo no aconchego de seu lar.  


Desta feita, se a empresa não é a destinatária da obra musical ou televisiva executada, nem mesmo obtém lucro indireto com tal veiculação, conclui-se que não lhe pode ser imputada a cobrança do direito autoral.  


Na espécie, existe uma ligação direta entre o consumidor usuário da obra intelectual e o direito autoral, protegida, inclusive pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Constituição Federal.


O papel atual da empresa que disponibiliza o televisor e rádio aos seus clientes, diferentemente do que entende o legislador infraconstiticional e boa parcela de nossos Tribunais, revela-se importante no sentido de auxílio na propagação da cultura, do laser, da educação e da informação.


Inclusive, constitui fundamento constitucional o incentivo pelo Estado à cultura, dignidade da pessoa humana, função social da propriedade, a defesa do consumidor e a promoção social, dispositivos estes muitas vezes esquecidos pelos operadores do direito, verbis:


“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…)


III – a dignidade da pessoa humana;(…)”


“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…)


V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;(…)”


“art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna , conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor…”
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”


“Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:


V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;(…)”


“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.


§ 1º. O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.(…)


§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:


I – defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;


II – produção, promoção e difusão de bens culturais;


III – formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;


IV – democratização do acesso aos bens de cultura; (…)”


“Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: (…)


§ 3º. O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.”


Nos termos do julgado abaixo transcrito, quando o Poder Judiciário é questionado à aplicação dos preceitos constitucionais anteriormente suscitados, sua resposta foi positiva no sentido de priorizar o acesso à cultura em cotejo ao princípio da livre iniciativa, em debate acerca da constitucionalidade de Lei Estadual que assegura meia-entrada ao estudante:  


”Ação direta de inconstitucionalidade – Lei nº 7.844/92, do Estado de São Paulo – meia entrada assegurada aos estudantes regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino – ingresso em casas de diversão, esporte, cultura e lazer – competência concorrente entre a União, Estados-membros e o Distrito Federal para legislar sobre direito econômico – constitucionalidade – livre iniciativa e ordem econômica – mercado – intervenção do estado na economia – artigos 1º, 3º, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição do Brasil – 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da “iniciativa do Estado”; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (STF – ADI 1950 – SP – TP – Rel. Min. Eros Grau – DJU 02.06.2006 – p. 4)


Portanto, o direito do acesso à cultura, conhecimento e informação possui o mesmo patamar à garantia constitucional dos direitos patrimoniais, ou seja, direito autorais.


Robert Alexy, nos ensina que, em algumas situações, os direitos fundamentais podem entrar colisão, chegando a concluir, até mesmo que


 “…não existe catálogo de direitos fundamentais sem colisão de direitos fundamentais…”.


 Canotilho aduz que a autêntica colisão de princípios fundamentais se dá quando o direito fundamental afeta o exercício de outro direito fundamental. A solução para a colisão de direitos fundamentais à sanada pela incidência da técnica da razoabilidade e da proporcionalidade, com ensina Robert Alexy, mediante a ponderação dos interesses envolvidos, a fim de que seja encontrada a solução mais racional.


 O Professor Canotilho elucida: “… qual a função dos princípios: têm uma função retórica ou argumentativa ou são normas de conduta?…os princípios são multifuncionais. Podem desempenhar uma função argumentativa permitindo, por exemplo denotar a ratio legis de uma disposição (…) ou revelar normas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito … “ (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 173.)


Infelizmente, mal sabe o consumidor do seu direito ao acesso à cultura e a interferência dessa relação com o meio empresarial.


De forma, indireta o consumidor paga ao restaurante, hotel o uso do direito autoral pela disponibilização de televisor e música no estabelecimento comercial, já que o empresário obviamente imputa o preço do respectivo uso no valor final da prestação de serviço.


Essa cobrança indireta do direito autoral, também dá amparo à aplicação do Código do Consumidor.


A televisão, rádio, internet e outras formas de mídia, revolucionaram o modo de relacionamento dos indivíduos entre si e com o mundo natural.


Com a revolução tecnológica, houve uma quebra do paradigma da forma de    produção de informação.


O indivíduo que até então havia sido consumidor de informação passa a gerá-la e distribuí-la


Não se pode ignorar que a sociedade pós-moderna é marcada pelo signo da imagem e da informação.


As transformações pelas quais a vida em sociedade passa estão intimamente ligadas à sua estreita relação com a imagem, que gera conhecimento, além de ser uma das manifestações da cultura de nossa época, se não a principal delas.


A forma de geração de conhecimento pela imagem e pela mídia afeta, indubitavelmente, o modo de compreensão de mundo da sociedade.


Os veículos de informação de massa, tais como a internet, televisão e rádio, inauguraram um novo paradigma no âmbito da comunicação e da construção de conhecimento.


A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem estabeleceu como direito do homem o acesso à informação, status este que alberga a condição de direito fundamental e, 


Portanto, não há dúvidas quanto à aplicação do CDC no direito autoral, considerando que o usuário e destinatário da propriedade intelectual é o consumidor.


 


Referências bibliográficas:


ALEXEY, Robert. Derechos y Razón Prática. México: Fontamara, 1993.
CANOTILHO. José Joaquim Gomes e MOREIRA. Vital. Fundamentos da constituição. Coimbra: Coimbra Editora. 1991.

CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e teoria da constituição. 4ª ed. Coimbra: Almedina, 2001.

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo, Malheiros, 2001.


Informações Sobre o Autor

Eric Rodrigues Moret

Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo IBEJ – Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos, Pós Graduado em Direito Tributário pela UNICURITIBA, Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pela UNICURITIBA. Membro do Projeto de Pesquisa “Livre Iniciativa e Dignidade Humana – Ano II”, do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Curitiba – UNICURITIBA.


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