Resumo: O regime constitucional da propriedade, no âmbito da Constituição da República de 1988, tem como princípio basilar a função social, o qual permeia todo o texto constitucional referente ao tema. O conhecimento da realidade social é fator de extrema relevância para a efetivação de direitos. O princípio da função social da propriedade possui uma disciplina jurídica que oferece maiores possibilidades concretizadoras, pois sua efetivação foi definida como responsabilidade de operadores jurídicos que se encontram inseridos na realidade que determina, em parte, seu significado. Assim, o trabalho interpretativo dos operadores jurídicos no âmbito urbano constitui fator determinante para a realização da função social da propriedade urbana.[1]
Palavras-chave: princípio; propriedade; função social da propriedade urbana.
Abstract: The constitutional regime of property concerning the 1988 Brazilian Constitution has as principle the social function of property, principle that we can locate in the whole constitutional text. This conception recognizes the knowledge of social reality is a factor of extreme relevance to the law sense of effectiveness. The principle of property’s social function has complementary statutes to the constitution which offer innumerous real possibilities because its effectiveness was defined as a responsibility of attorneys and judges who are present in the real world. Therefore, the interpretative task of the justices regarding the complementary statutes to the constitution about the Brazilian cities constitutes an important factor for the accomplishment of the principle social function of the urban property.
Sumário: 1. Introdução. 2. Breve fundamentação histórica da propriedade em uma perspectiva constitucional. 3. A função social da propriedade á luz da constituição federal de 1988. 4. O princípio da função social. 5. Função social da propriedade: a discussão acerca de efetividade à luz da Constituição Federal de 1988. 6. A propriedade urbana e sua função social. 6.1. O moderno conceito de função social da propriedade. 7. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo analisar a função social que a propriedade urbana desempenha dentro do contexto social e a efetividade que apresenta à luz da Constituição Federal de 1988. Ao longo do trabalho foi realizada uma revisão da literatura que considerou duas categorias conceptuais sobre a propriedade urbana: uma perspectiva constitucional e outra para além da constituição.
É imperioso admitir que o interesse pelo tema em análise tem aumentado nos últimos anos, sobretudo, pela imperiosidade de entendermos e melhor compreendermos qual o objetivo da função social da propriedade
Inicialmente se faz necessário ressaltar alguns aspectos históricos acerca do surgimento da função social da propriedade, bem como a importância da aplicação dos mecanismos trazidos pelos institutos acima referidos. Na seqüência, busca-se a definição do que cada um deles representa, e após, se examina os principais temas debatidos na atualidade sobre o assunto e a conseqüente efetividade, com suas prerrogativas em uma perspectiva constitucional.
No decorrer do texto dialogaremos sobre a propriedade urbana no quadro da atual Carta Magna atrelada ao princípio intrínseco da função social e os paradigmas que tal propriedade desempenha nos dias atuais.
Diante da aparente ou quiçá dissensões jurisprudências e doutrinárias acerca da questão da função social da propriedade, faz-se mister trazer à baila alguns posicionamentos concernentes à idéia da propriedade e seu princípio basilar da função social frente aos ditames da Carta Magna.
Como manifesto, o cumprimento da função social da propriedade urbana tem por finalidade a integração da sociedade no processo de desenvolvimento nacional e de uma melhor distribuição de terras, pautada tanto pela justiça quanto pela moral.
Destarte, sentimento inerente ao homem e fundamento último de toda a sociedade contemporânea, a propriedade afigura-se como o direito em torno do qual gravita toda a regulação jurídica do Direito das Coisas.
De tal contorno, para uma melhor caracterização da moderna concepção de propriedade, realizamos um esforço no sentido de expor o conceito básico de propriedade para melhor direcionamento do presente estudo.
Com a vinda da Constituição Federal de 1988, posto que ventila em seu bojo o instituto da Função Social da Propriedade, definido como a preocupação de assegurar o uso da coisa em consonância com os ditames clamados pelo bem comum, afastando-se do plena in re potestas e adquirindo cada vez mais um caráter publicista.
Neste particular, cumpre trazer o seguinte questionamento, ab initio, de que a função social não se limitaria apenas à previsão do art. 5°, XXIII, mas o mesmo possui base constitucional também no art. 170, representando princípio norteador da ordem econômica.
Assim sendo, neste artigo, procuraremos esboçar uma breve análise sobre propriedade urbana e sua função social, em seu desenvolvimento ao longo das coordenadas espaço-temporais. Com este intuito, faremos pequena base sobre o evolver histórico do instituto da propriedade; traremos à colação as principais contribuições doutrinárias a respeito da função social, bem como procederemos ao estudo acerca da inclusão da função social no próprio conceito de propriedade e a sua efetividade frente a atual Carta Política.
2. BREVE FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE EM UMA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL.
O Direito de Propriedade está fundamentado em normas constitucionais, mas não se restringe só a ela. O evolucionar histórico dos institutos da propriedade e de sua função social acabaram por desaguar, juntamente com o Direito Civil em geral, em seara Constitucional. Destarte, o Código Civil deixa o centro das atenções no estudo do tema trazido à baila, cedendo lugar às normas superiores, o que decorre do princípio de supremacia da Constituição.
O direito de propriedade no Brasil foi contemplado em todas as cartas constitucionais[2]. A constituição do Império, inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, garantia o direito de propriedade em toda a sua plenitude, numa perspectiva individualista, como prevalecia naquele momento histórico.
No Brasil, a ideação arrolada entrou em nosso cotidiano jurídico com a Constituição de 1946, dada a interrupção do Estado Novo, pois, embora houvesse disposição constitucional acerca da regulação legal da propriedade, a vontade do regime ditatorial prevalecia em todas as ocasiões. Somente em 1967, apareceu textualmente a função social, como princípio de ordem econômica.
A Emenda Constitucional nº 10 de 1964 mudou profundamente o direito de propriedade ao restabelecer a prévia e justa indenização em dinheiro para a desapropriação por utilidade pública, necessidade pública e interesse social. Excepcionalmente, a indenização por desapropriação do interesse social para fins de reforma agrária seria através de títulos da dívida agrária resgatáveis no prazo máximo de 20 anos.
Carlos Roberto Gonçalves assim explica que:
“O princípio da função social tem controvertida origem. Teria sido, segundo alguns, formulado por Augusto Comte e postulado por Léon Duguit, no começo do século. Em virtude da influencia que a sua obra exerceu nos autores latinos, Duguit é considerado o precursor da idéia de que os direitos só se justificam pela missão social para o qual devem contribuir e, portanto, que o proprietário deve comportar-se e ser considerado, quanto á gestão dos seus bens, como um funcionário.”[3]
Atualmente, nossa Lex Fundamentalis, além de inserir a função social da propriedade no capítulo concernente a direitos e garantias individuais, plasma-o como princípio de ordem econômica, subdividindo seus efeitos conforme seja a propriedade urbana ou rural, o que configura uma inovação da Constituição vigente.
Assim é válido mencionar que a garantia emprestada pelo princípio da função social ao direito de propriedade visa assegurar o exercício pleno e efetivo de outro princípio estrutural do Estado Democrático, o da dignidade da pessoa humana, inserida no art. 1º da Constituição Federal.
No capítulo sobre os “princípios da atividade econômica’’, a Constituição estatui:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) II – propriedade privada; III – função social da propriedade; (…) (art. 170)”.[4]
Em suma, pauta-se claro que a propriedade deverá direcionar-se para o bem comum, qualquer que seja a propriedade. Sempre haverá função social da propriedade, mais ou menos relevante, porém a variável instala-se no tipo de destinação que deverá ser dado ao uso da coisa.
3. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE Á LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
A noção de função social da propriedade surgiu com as mudanças ocorridas no conceito de propriedade, deixando de ser um direito absoluto, inviolável, para atender às necessidades coletivas. É curial salientar que as concepções políticas de cada período da história influenciaram no conceito de propriedade ao longo do tempo.
A Constituição da República de 1988 garante, em seu artigo 5º, inciso XXII,
o direito de propriedade, mas logo em seguida, no inciso XXIII, prevê que a propriedade atenderá à sua função social. O princípio da função social da propriedade é reafirmado como princípio da ordem econômica e financeira (Art. 170, III, CRFB/1988) e permeia todo o texto dos dispositivos constitucionais referentes à política urbana (Arts. 182 e 183, CF/1988) e à política agrícola e fundiária (Arts184 a 191, CF/1988). Em face destes dispositivos constitucionais não se pode mais sustentar o direito de propriedade sobre bases exclusivamente privatísticas, consubstanciadas em regras consagradoras de uma perene prevalência da esfera individual sobre a coletiva.
É imperioso aludir que a função social diz respeito à própria estrutura da propriedade não sendo apenas um limite ao direito do proprietário. O particular não deixa de ter o direito ao seu bem, haja vista a própria Constituição Federal o garantir. Entretanto, pelo princípio da predominância do interesse público sobre o interesse particular, deve utilizá-lo de maneira racional em prol do bem-estar da sociedade. Não procedendo desta forma pode perder o seu direito de continuar proprietário do referido bem, mas recebe uma justa indenização com o fim de evitar prejuízos.
4. O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL
O direito de propriedade, conforme amplamente propagado, é uma relação que se dá em face da sociedade como um todo. Constitui-se em um direito que gera por si um dever de não fazer da sociedade. Disso decorre o entendimento de que ninguém, nem o conjunto social, a princípio, podem interferir na forma com que o proprietário usa, goza ou dispõe do seu bem. Entretanto, pode-se perceber uma nítida renovação destes valores, reavaliando-se a propriedade como direito absoluto, inseriando-a no contexto social; fato que se tem função social da propriedade.
Nesse sentido, o direito de propriedade não é pleno, tampouco um privilégio concedido pelo Estado, mas fruto da construção humana que, tendo em vista as diferentes conotações de época e lugar que deram origem ás perfurações no seu conteúdo, deve atender a uma função social.
Assim preleciona Gustavo Tepedino que:
“A propriedade como relação jurídica complexa funcionalizada a interesses patrimoniais, função como causa de atribuição dos poderes do proprietário.”[5]
A partir dessa expressão de conceituação vaga, o direito de propriedade passa a ser encarado como uma complexa situação jurídica subjetiva, ativa e passiva. Por conseguinte, travou-se na doutrina intenso debate acerca do exato sentido da expressão função social da propriedade, tendo em vista em convertê-la num conceito jurídico.
Verdadeiro dissenso, entretanto, é verificável no tocante à sua conceituação, vez que doutrinadores há que entendem como mais uma limitação ao exercício do direito de propriedade[6], ao passo que outros a justificam como o próprio conteúdo do direito. Não de pode olvidar, também, o intento de uns poucos em apresentá-la como uma inspiração socialista.
O exercício do direito de propriedade, bem verdade, desde tempos findos apresenta inúmeras e variadas limitações. O direito de vizinhança, os direitos reais sobre a coisa alheia e o poder de polícia são exemplos de limitações ao direito de propriedade. A função social da propriedade, todavia, não pode ser confundida com nenhuma destas restrições, posto que além da tradicional noção negativa que lhes são outorgadas, apenas atingem o exercício do direito.
Nesse sentido, José Afonso da Silva aduz que:
“O princípio da função social traduz um novo regime jurídico à propriedade, pois incide no próprio conteúdo deste direito como elemento que determina a aquisição, o gozo e utilização; logo, ela só é considerada legítima enquanto considerada propriedade função.”[7]
Orlando Gomes, quanto á suposição de cunho socialista do princípio da função social, manifesta-se nos seguintes termos:
“…para os socialistas autênticos, sobre ser uma concepção sociológica e não um conceito técnico-jurídico, revela profunda hipocrisia pois mais não serve do que para embelezar e esconder a substância da propriedade capitalista. É que, legítima o fez ao configurar a atividade do produtor da riqueza, do empresário, do capitalista, como exercício de uma profissão no interesse geral. Seu conteúdo essencial permanece inatingível, assim como seus componentes estruturais.”[8]
A função social não se relaciona somente com o uso da propriedade, alterando, por conseguinte, alguns aspectos pertinentes a essa relação externa que é seu exercício. E por uso da propriedade é possível apreender o modo com que são exercitados as faculdades ou poderes inerentes ao direito de propriedade. Destaca Eduardo Espínola que o pressuposto de confiança e recíproca e boa-fé, que se integra no moderno conceito de obrigação, encontra correspondência na função social, implícita no direito de propriedade no sentido de consideração da solidariedade social, compreendendo os direitos do proprietário e os deveres que lhe são impostos pela política legislativa.[9]
Assim sendo, o adjetivo social, agregado ao termo função, demonstra que este objetivo deve corresponder ao interesse da coletividade, ou seja, dos não-proprietários, de forma a se promover harmonização entre o poder do proprietário e o interesse social.
5. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: A DISCUSSÃO ACERCA DE EFETIVIDADE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
O princípio da função social tem sido colocado por importante parcela de doutrinadores como uma norma constitucional programática. Ao passo que, diversamente, outros a entendem como norma constitucional de aplicabilidade imediata.
Relembrando-se, a Constituição Federal garante (art. 5º, XXII) o direito de propriedade e concomitantemente lhe impõe (art. 5º, XXIII) função social, cuja inobservância dará lugar à adoção de desapropriação, no interesse social. Essa visão sistemática acerca da função social merece, pois, um detalhamento acerca de seu alcance e limitações.
O regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição. Esta garante o direito de propriedade, desde que atenda sua função social. Esse conjunto de normas constitucionais sobre propriedade denota que ela não pode mais ser considerada como um direito individual, tampouco como instituição do Direito Privado, tão somente. Embora prevista entre os direitos individuais, relativizando-se seu conceito e significado, especialmente porque os princípios de ordem econômica são preordenados à vista da realização de seu fim: assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Ao determinar, o art. 5º, § 1º da Lex Major, que a normas constitucionais definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata, tal cláusula não deve ficar circunscrita ao art. 5º, devendo ser interpretada de forma vinculativa a todos os demais direitos e garantias expostas no texto constitucional sob o enunciado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.
Conforme aduz Robério Nunes:
“Os princípios constitucionais e as chamadas normas constitucionais programáticas não podem ser colocados na mesma categoria. O princípio constitucional pode ou não abranger um conteúdo programático. Contudo, sua eficácia e efetividade não podem estar condicionadas a regulamentação posterior. Se o princípio consagra uma diretriz, esta se torna plenamente exigível e juridicamente imperativa, independentemente de regulamentação infraconstitucional.”[10]
Destarte, os princípios fundamentais da Constituição, dentre eles o da função social da propriedade, não podem ter sua efetividade comprometida por uma regra remissiva ou programática. Não necessitam, pois de regulamentação infraconstitucional para se fazer valer no ordenamento jurídico-constitucional. Constituem pontos de direção, sistematização e controle do processo de concretização da Carta Magna, que tornam viáveis a determinação objetiva dos conceitos, fundamentos e diretrizes diante de caso concreto posto à apreciação do operador jurídico.
Portanto, é lícito aludir que em havendo resistência no caso concreto do Estado ou do particular em obedecer ao determinado pelo princípio fundamental da função social, ao tolerar ou empreender a utilização anti-social do direito individual de propriedade, comprometendo a estabilidade de sua garantia institucional ou negando o direito fundamental à propriedade, cabe ao prejudicado ou ao Estado ingressar pedindo a tutela jurisdicional (art. 5º, XXX, da CF), ou mesmo, implementar os instrumentos postos no ordenamento jurídico para delimitação da propriedade.
6. A PROPRIEDADE URBANA E SUA FUNÇÃO SOCIAL
A função social, espécie de harmonização entre a natureza do bem e sua utilização de acordo com os fins legítimos da sociedade, atinge, in genere, as propriedades; por exemplo, a propriedade urbana e rural, a propriedade acionária, a propriedade intelectual, a propriedade dos bens de consumo, etc. Cada uma destas propriedades, entretanto, apresenta seus delineamentos específicos.
No entanto, para evitar os efeitos negativos que surgem em virtude do crescimento desordenado do fenômeno da urbanização, gloriosamente uma Carta Constitucional brasileira preocupou-se com a política urbana, dedicando-lhe normas que traçam seu perfil, sempre no intuito de cumprir a função social delineada no próprio regramento constitucional; na hipótese em estudo, vinculada à adequação do bem (imóvel urbano) às atividades urbanas básicas.
O sistema constitucional brasileiro, a partir de 88, dedicou um capítulo – Da Ordem Econômica e Financeira – à política urbana, estabelecendo que a “propriedade urbana cumpre sua função social, quando atende às exigências fundamentais de ordenação de cidade expressas no plano diretor” (art. 182, § 2º, da CF), decorrente de uma política de desenvolvimento urbano, a cargo do Poder Público Municipal, visando implementar as funções sociais da propriedade e, conseqüentemente, da cidade, garantindo o bem-estar de seus habitantes (art. 182, caput, da CF).
Assim, importante admitir que o constituinte de 88 apresentou, destinados à realização da função social, o parcelamento ou edificação compulsórios, o IPTU progressivo, e a desapropriação. Estas medidas limitadoras, que não se confundem com a própria função social, representam meios compulsórios para direta ou indiretamente alcançá-la, de forma a impedir a ocupação de áreas não suficientemente equipadas, evitar a retenção especulativa de imóveis vagos ou subutilizados, para preservar o patrimônio cultural ou ambiental, para exigir a urbanização ou ocupação compulsórios de imóveis ociosos, para captar recursos financeiros ao desenvolvimento urbano, bem como para exigir a reparação de impactos ambientais.
Diversos projetos de lei forma apresentados no Congresso Nacional visando a regulamentar o conteúdo da propriedade urbana imóvel, normatizando, dessa forma, os meios necessários à consecução da funcionalização do bem.
Por certo que a propriedade urbana não cumpre sua função social somente nas hipóteses lançadas pela Constituição, mas com todos os elementos que concorrem para a ordenação da cidade, tornando-a um lugar mais adequado à convivência das pessoas.
Nesse viés cumpre asseverar que o crescimento desordenado reclama e necessita de um controle rigoroso, em especial face à multiplicação do número de construções, as quais produzem reflexos os mais terríveis sobre o bairro e a cidade, malferindo os seus habitantes e sobrecarregando os não pouco deficientes serviços públicos.
A existência de limitações ou restrições administrativas, consideradas o exercício do poder de polícia, conforme classicamente definido, impõem obrigações negativas, quando muito um dever de suportar determinada ação. A função social da propriedade urbana, na parte atrelada à ordenação das cidades, atua com maior amplitude que essas limitações ou restrições: elas não exigem o desenvolvimento positivo, como pode ocorrer por força da vinculação da propriedade à função social.
Nesta esteira é que o Direito Urbanístico, conjunto de medidas destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem nas cidades, preocupado com a qualidade de vida, a facilidade de circulação, a eficiência como esta se realiza, procurando o equilíbrio ecológico e a preservação do meio ambiente, tem como uma de suas principais preocupações impedir a concentração de terra com objetivos especulativos.
E como é sabido, a população normalmente carente, instalada num processo de segregação residencial, na periferia, pressiona e reivindica ao Poder Público melhores condições. Para tanto é necessário ordenar esses espaços.
6.1. O MODERNO CONCEITO DE FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
A propriedade sempre constituiu um foco constante de tensões sociais e econômicas, instabilizando relações jurídicas, causando acirrados conflitos entre as pessoas e, estas e o Estado, enfim, tem fortes repercussões em todas as esferas sociais.
O Direito sempre procurou criar instrumentos e meios que pudessem defendê-la e pacificá-la, no sentido de superar as violentas controvérsias que explodem ao seu redor. Neste sentido, o operador do direito, fruto de pressões sócio-econômicas, atrelou à noção de direito de propriedade individualista, a uma função social. O questionamento em voga na seara jurídica sobre o tema é saber o que significa “Função Social da Propriedade” e como efetivar e concretizar a mesma. Não apresentaremos aqui um conceito acabado e claro do que seja a função social da propriedade e nem temos tal pretensão neste trabalho. O que procuramos é oferecer um ponto de partida do qual pode ser edificada uma nova concepção dogmática para o direito de propriedade e de sua função social.
A idéia de propriedade, em um sentido ao menos assimilável ao que hoje adotamos, é um produto da evolução social. Não é possível estabelecer o tempo e o lugar em que este conceito foi formulado pela primeira vez, mas o que é induvidoso é que, em um certo ponto, a sociedade percebeu a necessidade de conservar e transmitir uma condensação de referências de sentido que permitisse distinguir o ter do não-ter.
No Brasil, apenas em 1934 se teve pela primeira vez, menção a restrição do direito de propriedade.
Com perdurar dos anos as Constituições Brasileiras foram se alteando uma sobre as outras, aprimorando o conceito de propriedade e da função social da mesma, eclodindo na Constituição de 1988 que inovou ao incluir a função social da propriedade entre os direitos e garantias individuais e coletivos ( art.5º, XXII), conferindo-lhe , assim, o status de Clausula Pétria ( art.60, parágrafo 4º,IV). Além disso, a atual Constituição manteve a função social da propriedade entre os princípios da ordem econômica (art.170, III) e, não satisfeita, cuidou de, inclusive, prever requisitos mediante os quais a propriedade de bens imóveis, sejam urbanos ou rurais, cumpram sua função social.
7. CONCLUSÃO
Considerando o evolver do conceito de propriedade através do tempo, é de deduzir-se que, cada vez com maior intensidade, a propriedade vai deixando de ser um direito pleno e ilimitado.
Desde tempos imemoriais, tal direito, outrora tido por absoluto, vai sendo paulatinamente cerceado, mormente no que diz respeito à função social da propriedade, chegando à Idade Moderna com um caráter ainda individualista, porém, muito menos aviltante ao bem estar coletivo.
Grande salto dessa teorização se deu na Idade Média, com a conformação inicial do conceito da função social da propriedade, contribuição palmar da Igreja, seus filósofos e pontífices, que consideram dever a propriedade ser exercida com vistas ao bonum commune.
A Carta Magna de 1988 inaugura o Estado Democrático de Direito, que inclui dentre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana em seu art. 1º, III, constituindo como objetivos fundamentais, dentre outros, construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), erradicar a pobreza e a marginalização (art. 3º, III), promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV).
No seu artigo 5º, XXII, a Carta Magna garante o direito de propriedade, mas logo em seguida, no inciso XXIII condiciona o exercício do mencionado direito ao cumprimento da função social. Nota-se, portanto, que o direito de propriedade e a função social são dois aspectos relevantes para entendermos a questão agrária no Brasil e os conflitos dela decorrentes.
Apoiando-se nesta contribuição, Duguit plasma sua própria teoria, de ser a propriedade uma função social, ao revés de ter uma. Imputa-lhe, ademais, um caráter socializante.
Tal concepção foi aproveitada pelo regime fascista italiano, posto que atendia a seus interesses.
A atividade jurídica peninsular foi a intuição da limitação interna do direito de propriedade, sua grande contribuição à atualidade.
Proporcionalmente caminharam a restrição da propriedade e a ampliação da sua função social, até que se encontraram no âmbito constitucional, figurando hoje, no Brasil, entre os direitos e garantias individuais.
Tal tendência inclui-se na configuração do novo Código Civil, ao acolher expressamente a função social da propriedade, o que consagra, na verdade, a concretização do princípio da Socialidade, reflexo mesmo da publicização do Direito Civil;
Hodiernamente, a melhor doutrina entende que a função social da propriedade é elemento essencial à propriedade. Tal entendimento atesta o grau de importância e de correlação máxima entre ambos os conceitos: não há propriedade sem atendimento à função social.
No protótipo do Estado Moderno, cabe ao Judiciário a garantia do exercício desse direito. Na visão de Marx[11], “quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando, tão mais poderoso se torna o mundo objetivo, alheio que ele cria diante de si, tão mais pobre se torna ele mesmo, seu mundo interior, e tanto menos o trabalhador pertence a si próprio.”
Referências
Informações Sobre o Autor
Suzycleide de Almeida Santos
Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFs