A mitigação do prejuízo do credor no direito brasileiro

Resumo: O presente artigo tem como objetivo primordial verificar se no direito brasileiro é considerado dever do credor cooperar com o devedor, a fim de mitigar os prejuízos causados pelo inadimplemento. Questiona-se neste trabalho se o devedor deverá reparar os danos que poderiam ser evitados com esforços razoáveis do credor. Primeiramente, tendo em vista que tal dever não foi regulamentado pelo Código Civil vigente, busca-se encontrar os fundamentos jurídicos que possibilitariam a recepção do duty to mitigate the loss pelo ordenamento pátrio. Para tanto, foi feita uma breve análise acerca da cláusula geral de boa-fé objetiva e do abuso do direito. Foi possível concluir que a regra específica para a mitigação pode ser derivada de tais normas. Diante disso, passa-se a verificar qual seria a natureza jurídica desse dever, bem como a sua estrutura e a necessidade de sua regulação expressa no direito brasileiro.

Palavras-chave: Boa-fé objetiva e subjetiva. Abuso de direito. Dever de mitigação. Duty to mitigate the loss. Natureza jurídica. Dever ou ônus.

Sumário:  1. O Princípio da boa-fé no direito brasileiro. 2. Abuso do direito. 3. O dever de mitigar. 4. A norma de mitigação no direito brasileiro. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas.

1. o princípio da boa-fé no direito brasileiro

A cláusula geral da boa-fé subdivide-se em subjetiva e objetiva. A boa-fé subjetiva diz respeito ao estado mental do agente pautado na sua ignorância de estar se comportando em desconformidade com o Direito. Nos dizeres de Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, “a boa-fé (subjetiva) traduz um estado de ignorância desculpável, no sentido de que, o sujeito, tendo cumprido com os deveres de cuidado impostos pelo caso, ignora determinadas eventualidades”.[1]

Em outro norte, a boa-fé objetiva diz respeito a uma regra de conduta, na qual os sujeitos da relação jurídica devem proceder de forma honesta e leal.

Sobre a distinção da boa-fé objetiva e da boa-fé subjetiva, assim dispôs Judith Martins-Costa:

“A boa-fé subjetiva denota, portanto, primariamente, a ideia de ignorância, de crença errônea, ainda que escusável, acerca da existência de uma situação irregular, crença (e ignorância escusável) que repousam seja no próprio estado (subjetivo) da ignorância (as hipóteses do casamento putativo, da aquisição da propriedade alheia mediante a usucapião), seja numa errônea aparência de certo ato (mandato aparente, herdeiro aparente, etc.) […]

Diversamente, ao conceito de boa-fé objetiva estão subjacentes as ideias e ideais que animaram a boa-fé germânica: a boa-fé como regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração para com os interesses do “alter”, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado. Aí se insere a consideração para com as expectativas legitimamente geradas, pela própria conduta, nos demais membros da comunidade, especialmente no outro polo da relação obrigacional. A boa-fé objetiva qualifica, pois, uma norma de comportamento leal.”[2]

Assim, a boa-fé objetiva, ao contrário da boa-fé subjetiva, não tem como base o estado mental do indivíduo, mas, sim, um padrão de conduta que deve ser seguido pelas partes na relação obrigacional.

Dentre as funções da cláusula geral da boa-fé objetiva, as quais, segundo Judith Martins-Costa, estão: a hermenêutico-integrativa, a de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos e a de norma de criação de deveres jurídicos,[3] neste trabalho, insta ressaltar a relevância da última.

Com efeito, os deveres que nascem da cláusula geral da boa-fé objetiva são, na denominação de Clóvis do Couto e Silva, secundários, anexos ou instrumentais.[4] Ainda sobre tais deveres o jurista assim prelecionou:

“Categoria das mais importantes é a dos deveres secundários, como resultado da incidência do princípio da boa fé. […]

Os deveres secundários comportam tratamento que abrangem toda a relação jurídica. Assim, podem ser examinados durante o curso ou o desenvolvimento da relação jurídica, e, em certos casos, posteriormente ao adimplemento da obrigação principal. Consistem em indicações, atos de proteção, como o dever de afastar danos, atos de vigilância, de guarda, de cooperação, de assistência”.[5]

Ademais, os deveres secundários têm como objetivo, não mais o cumprimento da prestação principal ou de seus deveres principais, mas o fiel processamento da relação obrigacional. Nos dizeres de Judith Martins-Costa:

“O que importa bem sublinhar é que, constituindo deveres que incumbem tanto ao devedor quanto ao credor, não estão orientados diretamente ao cumprimento da prestação ou dos deveres principais, como ocorre com os deveres secundários. Estão, antes, referidos ao exato processamento da relação obrigacional, isto é, à satisfação dos interesses globais envolvidos, em atenção a uma identidade finalística, constituindo o complexo conteúdo da relação que se unifica funcionalmente.”[6]

Dentre o rol exemplificativo de deveres anexos citados pela doutrina e pela jurisprudência, insta destacar, in casu, o dever de cooperação, o qual teve crucial importância no direito das obrigações.

Isso porque, antes da inserção desse dever no ordenamento jurídico brasileiro, os interesses do credor e do devedor eram considerados antagônicos, pois ao credor não era imputado o dever de auxiliar na prestação da obrigação.

Todavia, com o advento do dever de cooperação, decorrente do princípio da boa-fé, credor e devedor deixaram de ocupar posições antagônicas na relação obrigacional, passando a ter interesses comuns, e, assim, devendo ambos agir de forma positiva a fim de concretizar a relação obrigacional.

Clóvis do Couto e Silva assim dispôs sobre o papel do dever de cooperação no direito obrigacional:

“A inovação, que permitiu tratar a relação jurídica como uma totalidade, realmente orgânica, veio do conceito de vínculo como uma ordem de cooperação, formadora de uma unidade que não se esgota na soma dos elementos que a compõem.

Dentro dessa ordem de cooperação, credor e devedor não ocupam mais posições antagônicas, dialéticas e polêmicas. Transformando o status em que se encontravam, tradicionalmente, devedor e credor, abriu-se espaço ao tratamento da relação obrigacional como um todo. […]

A obrigação, vista como processo, compõe-se, em sentido largo, do conjunto de atividades necessárias à satisfação do interesse do credor.”[7]

Assim, diante da nova visão da relação obrigacional introduzida pela cooperação, o credor também passou a ter deveres que antes eram limitados somente ao devedor, como ensinou Clóvis do Couto e Silva:

“A concepção atual de relação jurídica, em virtude da incidência do princípio da boa-fé, é a de uma ordem de cooperação, em que se aludem as posições tradicionais de devedor e credor. Com isso, não se pense que o credor deixará de estar nitidamente desenhado como aquele partícipe da relação jurídica que é titular de direitos e pretensões. Amenizou-se, é certo, a posição deste último, cometendo-se-lhe, também, deveres, em virtude da ordem de cooperação. Com isso, ele não deixou de ser o credor, sujeito ativo da relação, mas reconheceu que a ele cabia certos deveres.”[8]

Todavia, frise-se que a cooperação não se limita à busca somente pelo adimplemento da obrigação. Tal dever também deve subsistir nos casos de inadimplemento, a fim de que os prejuízos dele decorrentes sejam minimizados.

Dessa forma, o credor não está adstrito somente a deveres referentes à cooperação com o devedor, a fim de tornar possível a prestação da obrigação, mas também deve observar deveres que lhe impõem a cooperação, com o objetivo de diminuir os danos decorrentes do inadimplemento.

E é nesse contexto da aplicação do dever de cooperar também nos casos de inadimplemento da obrigação que o dever de mitigar tem a sua fundamentação.

Assim, diante da cooperação, introduzido pela boa-fé objetiva no ramo obrigacional, pode-se deduzir que o credor, quando possível, deve empregar esforços razoáveis, a fim de diminuir ou até evitar o prejuízo causado pelo inadimplemento, atuando de forma a cooperar com a outra parte da relação obrigacional.

Portanto, pode-se determinar que a mitigação dos danos decorre da cláusula geral da boa-fé – a qual, frise-se, no direito brasileiro, está disposta no Código Civil vigente no seu art. 422 – e, consequentemente, do seu dever anexo de cooperação.

Nesse sentido, assim dispôs Véra Maria Jacob de Fradera:

“No sistema do Código Civil brasileiro de 2002, o duty to mitigate the loss poderia ser considerado um dever acessório, derivado do princípio da boa-fé objetiva, pois nosso legislador, com apoio na doutrina anterior ao atual Código, adota uma concepção cooperativa de contrato. Aliás, no dizer de Clóvis do Couto e Silva, todos os deveres anexos podem ser considerados como deveres de cooperação. […]

Outro aspecto a ser destacado é o da positivação do princípio da boa-fé objetiva, no novo diploma civil, abrindo, então, inúmeras possibilidades ao alargamento das obrigações e/ou incumbências das partes, no caso, as do credor.”[9]

Destarte, dúvidas não pairam de que a norma da mitigação do prejuízo pode ser aplicada no Brasil, extraída dos quadrantes da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil de 2002) e do seu dever anexo de cooperação, razão pela qual o credor deve atuar de forma positiva, utilizando-se de esforços razoáveis para mitigar o seu prejuízo, sob pena de não ser indenizado pelas perdas que poderia ter evitado.

2. abuso do direito

Conforme analisado, a boa-fé é fundamento para o dever de mitigação. Todavia, insta ainda verificar se o abuso de direito, regulado no sistema jurídico pátrio, no art. 187 do Código Civil vigente,[10] também pode ser utilizado como justificativa para a recepção do duty to mitigate the loss.

De acordo com referido artigo, existem três hipóteses de exercício irregular de direito, conforme o agente exceda manifestamente os limites impostos: (i) pelo fim econômico ou social; (ii) pela boa-fé ou (iii) pelos bons costumes.

Na busca pela fundamentação da mitigação, somente os limites impostos pela boa-fé devem ser observados.

Isso porque, como já foi asseverado, a boa fé serve como fundamento para o dever de mitigar no Brasil, porquanto impõe ao credor que ele atue de forma cooperativa com o devedor, minimizando os danos provocados pelo inadimplemento quando possível.

Dessa forma, tendo em vista que o abuso de direito ocorre quando o agente exerce o seu direito, excedendo os limites impostos pela boa-fé objetiva, dúvidas não pairam de que também o abuso de direito pode ser utilizado como justificativa para a recepção da mitigação pelo ordenamento brasileiro.

Assim, o credor exerce abusivamente o seu direito à indenização quando pretende ser indenizado pelos prejuízos que poderia ter evitado com esforços razoáveis. Isso porque, nesse caso, o credor não atuou de forma cooperativa com o devedor, excedendo manifestamente os limites traçados pela boa-fé.

Portanto, ser indenizado pelos prejuízos inevitáveis constitui exercício regular do direito. Todavia, intentar a reparação por danos evitáveis pela cooperação configura abuso de direito, o qual não pode ser assegurado pelo ordenamento.

Destarte, pode-se concluir que, assim como a cláusula geral da boa-fé, o abuso de direito também serve de fundamentação para a recepção do dever de mitigar pelo sistema jurídico brasileiro.

3. O DEVER DE MITIGAR

A natureza jurídica do dever de o credor mitigar o prejuízo é muito debatida na doutrina e na jurisprudência de diversos países que adotam a mitigação. Sobre o assunto, insta transcrever a lição de Véra Maria Jacob Fradera:

“Claude Witz, ao comentar o assunto, diz ser opinião largamente dominante a de o dever de mitigar o próprio prejuízo não constituir uma obrigação, no sentido exato do termo, porquanto não poderia, caso descumprida, ser sancionada pela via da responsabilidade contratual, tendo como sujeito passivo o credor. Tampouco seria possível, como esclarece o artigo 28 da C.V.I.M., exigir a execução in natura.

Poder-se-ia argumentar tratar-se, então, de uma espécie de obrigação natural ou obrigação moral, mas estas classificações não se adaptam perfeitamente ao caso, sobretudo em razão das consequências do descumprimento do dever de mitigar.

Dois importante sistemas jurídicas, o alemão e o suíço, encontraram uma outra qualificação para esse dever, o primeiro, atribuindo-lhe a condição de Obliegenheit e o segundo, a de incombance.

a) A noção de Obliegenheit tem sua fonte no direito alemão de seguros, tendo Reimer Schmidt buscado realizar a sua sistematização, a partir da construção de um sistema geral de obrigações, onde seriam incluídas todas as obrigações anexas, os ônus ou incumbências e os deveres para consigo mesmo. Segundo afirmou Clóvis do Couto e Silva, esta tentativa não teve maior êxito. Contudo, o mesmo autor esclarece permanecerem atuais os estudos de Reimer Schmidt relativamente a certos deveres anexos, v.g., a descoberta de deveres anexos de menos intensidade de coação ou deveres de grau menor.

b) Já os autores suíços cunharam a expressão incombance para designar este tipo de dever. O termo provém do verbo latino incumbere, cujo sentido é o de pesar, onerar. Sendo o Código suíço redigido em língua francesa, seu legislador adotou o substantivo incombance.

c) Em França, apesar de o direito francês não utilizar esta terminologia, a jurisprudência vem aplicando esse conceito, com fulcro no princípio da boa-fé objetiva e na noção de abuso de direito”.[11]

No direito brasileiro, a discussão sobre a natureza jurídica do dever de mitigar também é calorosa e paira no questionamento de ser a mitigação realmente um dever ou, ao contrário, um ônus.

No dever jurídico, a parte deve obedecer a uma determinada conduta, pois o descumprimento desse dever pode ocasionar a aplicação de sanção ou até o cumprimento forçado da obrigação. Por outro lado, o ônus diz respeito a uma faculdade, e o seu descumprimento acarreta mero prejuízo à parte onerada, a qual não pode ser compelida a atuar ou mesmo sofrer qualquer sanção.

Sobre o assunto, insta transcrever ensinamento de Mário Júlio de Almeida Costa, ao definir dever e ônus:

“O dever jurídico, que representa o correlato dos direitos subjectivos propriamente ditos, consiste na necessidade de observância de determinada conduta, imposta pela ordem jurídica a uma ou a diversas pessoas para tutela do interesse de outrem cujo cumprimento se garante através dos meios coercitivos adequados. […]

Resta-nos aludir ao ônus jurídico, que se entende como a necessidade de adoptar certa conduta para a obtenção ou conservação de uma vantagem própria. Já aqui se inferem os tópicos característicos desta figura: o acto a que o ônus se refere não é imposto como um dever; tutela-se um interesse do onerado – traduzido na consecução de uma vantagem nova ou em evitar-se a perda de uma vantagem que preexiste”.[12]

Os estudiosos do direito que entendem ser a mitigação um ônus prelecionam que, não obstante a norma de mitigação imponha ao credor a observância de uma conduta, não é direito subjetivo do devedor que o credor atue de maneira a diminuir os seus danos.

Dessa forma, não se poderia dizer que a mitigação é uma prestação devida pelo credor ao devedor, mas que esta é, sim, uma faculdade do credor. Isso porque a inobservância dessa faculdade não causaria nenhum prejuízo ao devedor, mas somente uma desvantagem econômica ao credor, que não seria indenizado pelos danos que poderia ter evitado.

Portanto, o credor não poderia ser coagido a despender esforços razoáveis para mitigar os prejuízos ou sofrer qualquer tipo de sanção em decorrência de sua inércia.

Nos dizeres de Christian Sahb Batista Lopes:

“A norma de mitigação atua, portanto, como ônus jurídico imposto sobre o credor. Se agir em conformidade com a norma, terá direito à reparação de todos os prejuízos sofridos. Se não agir, não verá surgir o direito à indenização pelos danos que poderiam ter sido evitados. O ônus impõe, assim, um requisito para que se constitua, em benefício do credor, o direito à indenização pelos danos decorrentes do inadimplemento”.[13]

Por outro lado, há quem defenda que a mitigação tem natureza jurídica de dever, e não de ônus. Nesse caso, não seria uma faculdade do credor mitigar seus prejuízos, já que a mitigação seria uma conduta que deveria ser observada pelo credor.

A justificativa para a mitigação como dever está no fato de que a inércia do credor, nos casos em que poderia atuar para diminuir os danos causados pelo inadimplemento, não traz uma perda de vantagem somente para ele, pois, pelo contrário, a ausência de atuação do credor ocasiona um prejuízo ao devedor, o qual terá que arcar com danos que poderiam ter sido evitados ou até majorados.

Ademais, conforme já exposto neste trabalho, o dever de mitigar é um dever acessório decorrente da cláusula geral da boa-fé e do abuso de direito. Assim, eventual descumprimento do dever de mitigar acarretaria também descumprimento da boa-fé e prática do abuso de direito, fato que não pode ser admitido pelo direito brasileiro.

Portanto, a mitigação seria uma conduta a ser seguida pelo credor, ante o princípio da boa-fé objetiva e do dever de cooperação que norteiam o direito das obrigações, razão pela qual, em caso de descumprimento desse dever pelo credor, este estaria sujeito a sanções ou até mesmo à prestação forçada da sua atuação.

Nesse sentido, entendeu Véra Maria Jacob Fradera:

“A consideração do dever de mitigar como dever anexo justificaria, quando violado pelo credor, o pagamento de perdas e danos.

Como se trata de um dever e não de obrigação, contratualmente estipulada, a sua violação corresponde a uma culpa delitual.”[14]

Diante de todo o exposto, pode-se considerar que o debate sobre a natureza jurídica do dever de mitigar ainda está latente na doutrina, razão pela qual um estudo mais aprofundado sobre o assunto torna-se necessário.

4. A NORMA DE MITIGAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

Passa-se agora a destrinchar como seria a formulação e os efeitos da norma de mitigação no direito brasileiro. Para tanto, serão analisados estes aspectos, tendo em vista as duas posições relativas à natureza jurídica do duty to mitigate the loss explicitadas no item anterior, quais sejam de dever jurídico ou de ônus jurídico.

Segundo Christian Sahb Batista Lopes, que entende que a norma de mitigação tem natureza de ônus, tal regra teria a seguinte estrutura:

“a) O credor não será indenizado pelos danos decorrentes do inadimplemento que pudessem ter sido evitados ou reduzidos com o emprego de medidas ou esforços razoáveis de sua parte.

b) A indenização devida ao credor deverá ser reduzida do montante dos ganhos por ele obtidos que não seriam auferidos se não fosse pelo inadimplemento.

c) O credor deverá ser indenizado pelas despesas razoáveis feitas na tentativa de evitar ou reduzir os danos decorrentes do inadimplemento”.[15]

A formulação da norma de mitigação acima disposta reflete os efeitos jurídicos decorrentes da inobservância de um ônus. Isso porque o credor que não agir em conformidade com tal norma não sofrerá uma sanção nem será coagido a atuar. Ele sofrerá um prejuízo que somente lhe afetará, qual seja a redução da indenização no montante dos danos que poderia ter evitado.

Ademais, a fim de não sofrer prejuízo com a sua atitude de minimizar os danos decorrentes do inadimplemento, o credor poderá ser indenizado pelos custos razoáveis decorrentes de sua atuação.

Em relação ao custeio dos gastos despendidos com a minimização dos prejuízos do inadimplemento, Véra Maria Jacob Fradera também entende que, se o credor cumprir o dever de mitigar (e não ônus), ele terá direito ao reembolso das despesas feitas em razão disto.

Nesse sentido, assim lecionou:

“[…] Se o credor realizou as despesas, para cumprir o dever (Obligenheit ou incombance) de mitigar, ele teria ou não, direito ao reembolso das somas dispendidas?

A resposta deve ser positiva, de acordo com o pensamento de Claude Witz, que faz outra observação importante sob o ponto de vista teórico, o cumprimento de um dever de mitigar pode gerar uma autêntica obrigação, a cargo do seu beneficiário, o devedor, que teria então uma verdadeira obrigação de reembolsar o credor (destacou-se).”[16]

Por outro lado, sob a ótica da natureza jurídica de dever, se o credor inadimplir a mitigação, este poderá sofrer sanções por ter incidido em abuso de direito, bem como por ter violado a cláusula geral da boa-fé.

Também foi esse o entendimento de Maria Véra Jacob Fradera, que dispôs que “[…] a consideração do dever de mitigar como dever anexo justificaria, quando violado pelo credor, o pagamento de perdas e danos”.[17]

Verifica-se, pois, que, tanto na hipótese de a mitigação ser um ônus ou um dever, se o credor atuar a fim de mitigar os prejuízos decorrentes do inadimplemento, os custos razoáveis despendidos na diminuição dos danos deverão ser custeados pelo devedor.

Já no caso de descumprimento do dever ou de inobservância do ônus da mitigação, duas podem ser as consequências sofridas pelo credor. No primeiro caso, será reduzido da indenização o valor do prejuízo que poderia ser evitado pelo credor. Já na segunda hipótese, o devedor terá direito a perdas e danos decorrentes da inércia do credor.

Insta asseverar que, em ambas as hipóteses acima apresentadas, o credor terá como estímulo para cooperar com o devedor a possibilidade de sofrer um prejuízo financeiro, seja em decorrência da redução de sua indenização, seja em relação ao pagamento de perdas e danos ao devedor.

Por fim, cabe ressaltar que a norma de mitigação, como ônus ou como dever, tem um relevante caráter de indeterminação. Dessa forma, caberá ao aplicador da norma cotejar a conduta do credor no caso concreto, embasado por padrões e valores intra e extrassistemáticos, a fim de definir os esforços razoáveis que o credor poderia ter tomado in casu, mensurando-os.

Segundo Christian Sahb Batista Lopes, “a casuística nacional cuidará de estabelecer os parâmetros para a razoabilidade da conduta do credor, preenchendo, a partir do julgamento dos casos concretos, o quadro fornecido por tal conceito indeterminado”.[18]

5. CONCLUSÃO

É fato que o Código Civil de 2002 lamentavelmente se omitiu em relação ao dever/ônus do credor de mitigar o seu prejuízo decorrente do inadimplemento. Todavia, pode-se concluir que a mitigação está implícita no ordenamento pátrio, porquanto esta pode ser extraída da cláusula geral da boa-fé, bem como do abuso de direito, conforme já exposto neste trabalho.

Assim, tem-se que o sistema jurídico brasileiro, com fulcro no abuso de direito e na boa-fé objetiva, determina que o credor prejudicado pelo inadimplemento deve adotar esforços razoáveis para evitar ou minimizar os seus danos.

Os efeitos decorrentes da mitigação dependem da observância ou não dela pelo credor. Assim, se o credor despender esforços razoáveis para diminuir os seus prejuízos, os custos de sua atuação positiva deverão ser custeados pelo devedor.

Todavia, se o credor quedar inerte, não minimizando os danos quando possível, a sua indenização será limitada aos danos inevitáveis ou o devedor terá direito a perdas e danos, dependendo da natureza jurídica que for adotada.

Com efeito, dúvidas ainda pairam sobre a natureza jurídica do duty to mitigate the loss direito brasileiro. Alguns se posicionam no sentido de que é um ônus, enquanto outros aduzem que é um dever.

Destarte, já existem julgados aplicando a mitigação na jurisprudência brasileira. A maioria dessas decisões, ante a inobservância da mitigação, limita a indenização do credor aos prejuízos inevitáveis.

A norma de mitigação, assim como a boa-fé objetiva, possui ampla indeterminação, razão pela qual caberá ao juiz, no caso concreto, quantificar os esforços razoáveis que poderiam ser despendidos na situação em análise, levando em consideração fatores extra e intrassistemáticos.

Por fim, insta ressaltar que, apesar de ter sido demonstrado que o direito pátrio atual já contempla a norma de mitigação, entende-se que a regulação expressa do duty to mitigate the loss traria mais segurança e eficiência na sua aplicação ao caso concreto.

 

Referências
AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
COSTA, Mário Júlio de Almeira. Direito das obrigações. 9 ed. Coimbra: Almedina, 2006
COUTO E SILVA, Clóvis V. A obrigação como processo. 2. reimpressão. Rio de Janeiro: FGV, 2008.
FRADERA, Véra Maria Jacob de. Pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo? Revista trimestral de direito civil. Rio de Janeiro, v. 19, p. 109/119, jul./set. 2004.
GOMES, Elena de Carvalho. Entre o actus e o factum: os comportamentos contraditórios no direito privado. v. 6. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
LOPES, Christian Sahb Batista. A mitigação dos prejuízos no direito contratual. Belo Horizonte. Belo Horizonte, 2011. Tese (Doutorado em Direito) – Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 2011.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha. Da boa fé no Direito Civil. 2. reimpressão. Lisboa: Almedina, 2001.
 
Notas
[1] MENEZES CORDEIRO. A boa fé no direito civil, 2001. p. 516.

[2] MARTINS-COSTA. A boa-fé no direito privado. 1999. p. 411-412.

[3] MARTINS-COSTA. A boa-fé no direito privado. 1999. p. 427-428.

[4] COUTO E SILVA. A obrigação como processo, 2008. p. 91.

[5] COUTO E SILVA. A obrigação como processo, 2008. p. 93.

[6] MARTINS-COSTA. A boa-fé no direito privado, 1999. p. 440.

[7] COUTO E SILVA. A obrigação como processo. 2008. p. 19-20.

[8] COUTO E SILVA. A obrigação como processo. 2008. p. 97.

[9] FRADERA. Pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo? 2004. p. 116

[10] Art. 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

[11] FRADERA. Pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo? 2004. p. 113-114.

[12] COSTA. Direito das obrigações. 2006. p. 56-58

[13] LOPES. A mitigação dos prejuízos no direito contratual. Belo Horizonte, 2011. Tese (Doutorado em Direito) – Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 2011, p. 182.

[14] FRADERA. Pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo. 2004. p. 118.

[15] LOPES. A mitigação dos prejuízos no direito contratual. Belo Horizonte, 2011. Tese (Doutorado em Direito) – Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 2011, p. 187.

[16] FRADERA. Pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo? 2004. p. 118.

[17] FRADERA. Pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo? 2004. p. 118.

[18] LOPES. A mitigação dos prejuízos no direito contratual. Belo Horizonte, 2011. Tese (Doutorado em Direito) – Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 2011, p. 189. (Insta asseverar que em sua tese de doutorado, Christian fixou algumas condutas/esforços do credor que podem ser considerados como razoáveis, a fim de mitigar o seu prejuízo).


Informações Sobre o Autor

Marina do Nascimento Ferreira

Advogada. Assistente Jurídico no escritório Humberto Theodoro Júnior Sociedade de Advogados. Especialista em Direito Constitucional


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