Natália Costa de Holanda Silva[1]
João Paulo Lima Cavalcanti[2]
Resumo: A era tecnológica transformou a sociedade contemporânea e redefiniu o conceito de privacidade. Sob a perspectiva da internet, as informações disponibilizadas pelos usuários se tornam eternas diante da ampla divulgação e rapidez das informações. Nesse sentido, surge o direito ao esquecimento como um instrumento que visa a proteção de direitos de personalidade como a intimidade e a privacidade. A internet compõe-se por provedores que interligam indivíduos, assim, tem-se o provedor de pesquisa, cujo papel se limita a mostrar conteúdos de outros usuários como resultado de pesquisa. Diante disso, o presente trabalho aborda a possibilidade de responsabilização civil dos provedores de busca na Internet como meio de efetivação do direito ao esquecimento. Para tanto, a fim de se entender sobre a possibilidade de responsabilizar esses provedores, será feita uma análise com base na lei 12.965/14, a lei do Marco Civil, verificando sua aplicabilidade e efetividade e ainda como os tribunais superiores brasileiros vêm tratando o tema, partindo da análise de casos emblemáticos e relevantes.
Palavras-chave: Direito ao Esquecimento. Responsabilidade Civil. Provedores de Pesquisa. Lei do Marco Civil da Internet. Direito e Internet.
Abstract: The technological age has transformed the contemporary society and redefined the concept of privacy. From the perspective of the internet, the information provided by users becomes eternal because of the wide dissemination and speed of information. In this sense, the right to be forgotten emerges as an instrument aimed at protecting personality rights such as intimacy and privacy. The network is made up of providers that connect individuals in this sense there is the search provider, whose role is limited to showing content from other users as a result of research. Given this, this paper addresses the civil liability of Internet search providers as the main means of enforcing the right to be forgotten. Therefore, to understand the possibility of holding these providers liable, an analysis will be made based on the 12.965/14 law, the Marco Civil Law, verifying its applicability and effectiveness and also how the Brazilian higher courts have been deciding with the issue, starting from the analysis of emblematic and relevant cases.
Keywords: Right to be Forgotten. Civil Liability. Search Providers. Marco Civil of Internet Law. Law and Internet
Sumário: Introdução. 1. O direito ao esquecimento na Internet e o conflito entre o direito à liberdade de informação e o direito à privacidade. 1.1 Conceito e aplicabilidade do direito ao esquecimento. 1.2 O direito ao esquecimento e o conflito entre o direito à privacidade e a liberdade de expressão. 1.3 Enquadramento do direito ao esquecimento na esfera digital e suas consequências. 2. A responsabilidade civil dos provedores de busca na internet diante do direito ao esquecimento. 2.1 A estruturação dos provedores de internet e enquadramento na lei do marco civil da internet (12.965/14). 2.2 Pressupostos para a responsabilidade civil dos provedores de pesquisa quanto ao direito ao esquecimento 2.2.1 Possibilidade da responsabilidade civil dos provedores de pesquisa por ato próprio. 2.2.2 Responsabilidade civil do provedor de pesquisa de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiro no Marco Civil da Internet. 2.3 O posicionamento da jurisprudência brasileira anteriormente ao marco civil – notice and take down– e a tese pela responsabilidade objetiva 3.0 a responsabilidade civil dos buscadores como consequência do direito ao esquecimento nas decisões judiciais. 3.1. O caso Mario Costeja González. 3.2 O caso Xuxa Meneguel vs Google Brasil. 3.3 S.M.S VS Google. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal elenca em seus variados direitos fundamentais a proteção à intimidade dos indivíduos bem como assegura o direito a liberdade de informação. Tem-se, pois, um notável conflito de interesses, uma vez que a depender do caso concreto, determinado direito deve se sobrepor a outro. Nesse sentido, o instituto do direito ao esquecimento se relaciona diretamente com o direito a privacidade, buscando evitar que a honra, a privacidade e o direito ao nome sejam atingidos por fatos pretéritos, permitindo, assim, o “esquecimento” de fatos relacionados a determinada pessoa através da retirada de informações consideradas ofensivas de algum veículo de informação.
O direito ao esquecimento é um tema relativamente novo, tendo uma maior repercussão em meados de 2014 quando foi concedido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, à um espanhol, o direito a desindexação de links ofensivos a sua honra em sites de busca na internet. Com isso, verifica-se que este instituto despertou maior interesse e impulsionou grandes debates com o aprimoramento das tecnologias, mormente a Internet, demonstrando-se de grande importância no momento atual em razão do grande avanço tecnológico, cuja consequência é a violação de alguns direitos constitucionalmente garantidos.
Nesse viés, o problema desse estudo se baseia na possibilidade de responsabilizar provedores de busca na internet, uma vez que esse mecanismo é um instrumento intermediário entre a exibição de resultados de conteúdo ofensivo publicado por um terceiro usuário e o ofendido que invoca sua retirada sob o argumento do direito ao esquecimento.
Sendo assim, este trabalho tem como objetivo geral analisar a responsabilidade civil dos provedores de busca como meio de efetivar o direito ao esquecimento, utilizando como principal fonte de análise a Lei 12.995/14, o Marco Civil da Internet.
Diante disso, no primeiro capítulo deste trabalho busca-se contextualizar o direito ao esquecimento e o principal conflito que é por ele abarcado: a liberdade de expressão versus o direito a privacidade. Além disso, em tal capítulo procura-se analisar o direito ao esquecimento na esfera digital, especificamente, a internet.
No segundo capítulo será abordado, inicialmente, a estruturação da internet, bem como o enquadramento do provedores de pesquisa na Lei do Marco Civil da Internet (12.965/14).Ademais, será analisada a possibilidade de responsabilizar os provedores de busca pelos serviços prestados, o tipo de responsabilidade e as teses de responsabilização antes e depois da lei 12.965/14 e críticas à referida lei.
E por fim, o último capítulo tem como escopo analisar o posicionamento da jurisprudência brasileira, enfatizando como os tribunais vêm decidindo acerca da responsabilidade civil dos provedores de busca como consequência do direito ao esquecimento. Nesse viés, serão analisados casos emblemáticos que geraram grandes debates acerca de suas decisões.
Além disso, para o desenvolvimento desta pesquisa foi utilizada a metodologia bibliográfica, de natureza descritiva, sendo resultado de uma análise, principalmente doutrinária, acerca da aplicação do direito ao esquecimento bem como a consequente responsabilização dos provedores de busca.
1. O DIREITO AO ESQUECIMENTO NA INTERNET E O CONFLITO ENTRE O DIREITO A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E O DIREITO À PRIVACIDADE
1.1 CONCEITO E APLICABILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO
No Brasil, o direito ao esquecimento ainda é um tema novo e pouco conhecido, tendo sua origem histórica relacionada a condenações criminais; basicamente ao direito do ex-detento à ressocialização, evitando-se que sejam perseguidos por toda a vida por um crime pelo qual já pagou sua pena.
Entretanto, com a evolução tecnológica, esse direito evoluiu e se fortaleceu, trazendo a ideia principal de servir como meio de impedir que fatos pretéritos sejam ressuscitados, ocasionando em graves prejuízos para o envolvido. Nesse sentido, conceitua Cavalcante:
O Direito ao Esquecimento (therighttobeletalone no direito norte-americano) é aquele que uma pessoa tem de não permitir que um fato – mesmo que verdadeiro – acontecido em determinado momento da sua vida, seja exposto ao público, causando-lhe transtornos e sofrimento (CAVALVANTE, 2014, apud ALMEIDA, 2017, pg. 3).
Assim, o direito de ser esquecido se baseia na necessidade de um indivíduo não ter seu nome ligado a situações que, no passado, causaram sofrimento, humilhação ou desonra. Tratando-se, basicamente, da possibilidade de impedir que qualquer meio de comunicação volte a expor tais situações, ainda que verídicas, à sociedade.
Ocorre que, apesar do direito ao esquecimento ser um meio de proteção de direitos de personalidade, vale salientar que há limitações em sua aplicação.Ou seja, um determinado fato, ainda que venha a causar sofrimento, se for necessária a sua divulgação em razão do interesse público, o direito ao esquecimento não pode alcançar tal situação.
Por exemplo, o direito de ser esquecido não deve ser aplicado a um político que se utilize do pedido de desindexação de informações sobre sua condenação por corrupção, visto que tais informações tratam-se evidentemente de interesse da coletividade. Diante disso, o que vai assegurar a garantia ou não o direito ao esquecimento é a presença do interesse público.
A expressão “direito ao esquecimento”, criticada por alguns doutrinadores, nos remete a possibilidade de que uma pessoa poderia errar ou cometer ilícitos ao longo de sua vida e posteriormente acionar a justiça visando o direito de ter seu nome desassociado a certo fato. É necessário dizer que qualquer pessoa, por mais que tenha errado anteriormente, não merece uma punição social eterna. Ademais, em grande parte dos casos, como acontece com ex-presidiários, os interessados já pagaram sua pena para com a sociedade, e não merecem carregar essa culpa durante toda sua vida. Nesse sentido, ninguém deve ser obrigado a conviver eternamente vinculado a um fato do passado. Deve ser permitido ao indivíduo a liberdade de esquecer, e de ser esquecido pela sociedade. Acerca disso, argumenta Anderson Schereiber:
Cumpre registrar que o direito ao esquecimento não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou de reescrever a história (ainda que se trate tão somente da sua própria história). O que o direito ao esquecimento assegura é a possibilidade de se discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados (SCHREIBER, 2013, p. 171).
A tese do direito ao esquecimento ganhou força no ordenamento jurídico brasileiro com a edição do enunciado 531, da VI Jornada de Direito Civil, assim dispondo: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.
No âmbito das decisões judiciais, os casos que abriram os debates sobre o direito ao esquecimento no Brasil foram o caso Aída Curi[3] e o da Chacina da Candelária[4], ambos relacionados com a exposição de um programa de tv de fatos que aconteceram no passado. Nos dois casos foi ajuizada ação de reparação de danos morais, materiais e à imagem em face da rede televisiva.
O que se nota nos dois casos mencionados é que embora as decisões tenham chegado a resultados diferentes, houve sempre uma análise minuciosa acerca da colisão entre o direito à privacidade e a liberdade de expressão.
Com isso, no próximo tópico iremos abordar acerca desse conflito, fazendo-se uma análise da prevalência dos interesses em confronto a partir da particularidade de cada caso concreto.
1.2 O DIREITO AO ESQUECIMENTO E O CONFLITO ENTRE O DIREITO À PRIVACIDADE E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
O principal conflito presente nos debates sobre o direito ao esquecimento é o direito à privacidade versus a liberdade de expressão. O equilíbrio entre tais direitos tem ocasionado uma significativa discussão, gerando um dos grandes desafios dos tribunais é tentar equilibrar esses princípios de importância similar. Dito isso, é essencial avaliar até que ponto a liberdade de imprensa pode penetrar na vida privada, essencialmente no que diz respeito a fatos passados.
O direito de informar e ser informado são garantidos pela constituição, precisamente em seu artigo 5º, IX. Porém, tal direito não pode se sobrepor a outros direitos constitucionalmente previstos. Devem-se considerar outros princípios limitadores também dispostos na carta magna, como o direito à privacidade.
Conforme preceitua Marmelstein, a liberdade de expressão deve ser alvo de restrições:
Apesar de a liberdade de expressão, em suas diversas modalidades, ser um valor indispensável em um ambiente democrático, infelizmente, o que se tem observado com muita frequência é que a mídia nem sempre age com o nobre propósito de bem informar o público. Muitas vezes, os meios de comunicação estão interessados em apenas vender mais exemplares ou obter índices de audiência mais elevados. Por isso, é inegável que a liberdade de expressão deve sofrer algumas limitações no intuito de impedir ou diminuir a violação de outros valores importantes para a dignidade humana, como a honra, a imagem e a intimidade das pessoas, ou seja os chamados direitos da personalidade (MARMELSTEIN, 2013, p. 130).
Nesse sentido, o direito à informação é livre de qualquer censura, mas sendo cabível um controle ao que é informado, uma vez a partir do momento que tal liberdade atinge a honra e a privacidade de outrem, deve, pois, sofrer tais limitações. Entretanto não será qualquer informação que poderá sofrer restrições, mas apenas aquela que atinge diretamente a outro direito fundamental constitucionalmente previsto.
Assim, conforme Isabela Germano e Joseane da Costa, a justificativa para o reconhecimento de limites ao direito de liberdade de expressão deve basear-se, primeiramente, na coesão e fluência do ordenamento jurídico, viabilizando a coexistência de direitos aparentemente incompatíveis. Em decorrência disso, presume-se, que a proteção constitucional de um direito não pode estabelecer a impossibilidade de sua restrição quando o abuso em seu exercício implicar a violação de outros direitos fundamentais (GERMANO e DA COSTA, s/p, 2018).
No tocante ao direito à privacidade, este está disposto não só na Carta Magna como também no Código Civil Brasileiro, neste último assim expresso: “A vida privada da pessoa natural é inviolável e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”
De acordo com Celso Ribeiro Bastos (1989), o direito à privacidade consiste na faculdade que cada pessoa tem de impedir a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de obstar-lhes acesso a informações sobre a privacidade de cada um e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano.
Já para Rodotá (RODOTÁ, 2008, p. 15.) o termo privacidade é “o direito de manter o controle sobre suas próprias informações e de determinar a maneira de construir sua própria esfera particular”.
Dessa forma, é notável que a liberdade de expressão pode sofrer restrições em razão da melhor adequação e funcionamento das normas.
Quanto à aplicabilidade de tais princípios, sabe-se que os direitos constitucionais devem ser sempre protegidos, na medida do possível. Ao entrar em conflito uns com os outros, um direito deverá ceder, sem, contudo, considerar que aquele direito que foi suprimido, é inválido. Para isso, é necessária a técnica da ponderação, cujo objetivo é estabelecer critérios de para chegar a uma solução justa do caso.
Nesse diapasão, surge o direito ao esquecimento, assegurado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, atuando como espécie dos direitos da personalidade, visando proteger a intimidade, a vida íntima, a honra e a imagem dos indivíduos. Todavia, embora o tema encare a proteção da intimidade, ele esbarra em outro direito tão importante quanto, e que engloba o interesse coletivo. Entretanto, conforme se pôde concluir das decisões acerca dos casos concretos como os casos Aída Curi e a Chacina da Candelária, não há nenhuma disposição legal que indique precisamente qual princípio constitucional se utilizar e em que momento, cabendo ao judiciário, através da análise de cada caso concreto, saber mensurar e adequar qual direito deve se sobrepor ao outro.
Além disso, é importante salientar que com as novas tecnologias, os debates sobre o direito de ser esquecido se intensificaram, sendo notável uma maior dificuldade de se garantir uma ampla proteção à intimidade bem como à liberdade de expressão, conforme se verá no próximo tópico.
1.3 ENQUADRAMENTO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NA ESFERA DIGITALE SUAS CONSEQUÊNCIAS
Hodiernamente o interesse pelo tema “direito ao esquecimento” veio, sem dúvidas, do desenvolvimento tecnológico, especificamente a internet. Apesar deste instituto se manifestar em diferentes faces, é na internet se concentram os principais debates acerca do tema. Assim, estamos diante de uma sociedade hiperconectada em que as informações chegam instantaneamente e de qualquer lugar do mundo. O transporte de informações de maneira rápida e eficiente é uma evolução muito importante para a sociedade, mas ao mesmo tempo gera uma exagerada difusão de informações que compromete a vida privada dos indivíduos. Dessa forma, em razão da imensa proporção de divulgação de informações, a evolução tecnológica se torna um tormento para a proteção dos direitos de personalidade. Os fatos, uma vez expostos na internet, em suas redes de buscas, se tornam perenes, possibilitando que a qualquer momento alguém possa procurar na internet um acontecimento passado da vida de outrem. Nesse sentido argumenta Schereiber:
Ao contrário dos jornais e revistas de outrora, cujas edições antigas se perdiam no tempo, sujeitas ao desgaste do seu suporte físico, as informações que circulam na rede ali permanecem indefinidamente. Pior: dados pretéritos vêm à tona com a mesma clareza dos dados mais recentes, criando um delicado conflito no campo do direito. De um lado, é certo que o público tem direito a relembrar fatos antigos. De outro, embora ninguém tenha direito de apagar os fatos, deve-se evitar que uma pessoa seja perseguida, ao longo de toda a vida, por
um acontecimento pretérito (SHCREIBER, 2013, p. 168).
Nesse diapasão, basta um clique e alguns segundos para que qualquer conteúdo pesquisado se torne acessível por qualquer pessoa. A memória eterna da internet tem trazido diversos problemas para aqueles que não desejam mais serem lembrados. O passado que se quer esquecer se faz presente à todo momento ocasionando significativas repercussões na vida das pessoas. Como um agravante a essa situação, temos os buscadores de internet como Google, Yahoo, Bing, entre outros. Tais ferramentas aumentaram a possibilidade de que fatos ocorridos no passado sejam rememorados a todo o momento.
Com efeito, no âmbito da internet, o direito ao esquecimento não se baseia no direito de não ser lembrado, mas apenas defende a necessidade de ter informações indesejadas desindexadas pelos provedores de busca, ou seja, se pleiteia que conteúdos ofensivos não sejam mais mostrados nos resultados de busca sempre que for utilizado algum termo específico.
Dessa forma, um caso emblemático ocorrido na Espanha e julgado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia – TJUE, demonstra claramente a aplicabilidade do direito ao esquecimento na internet com a desindexação de informações dos provedores de busca[5].
Outro caso acerca da retirada de conteúdo pelos provedores de busca diz respeito à apresentadora brasileira Xuxa Meneguel, onde a mesma perdeu na justiça contra a Google Brasil ao pedir que fossem retirados links referentes à expressão “Xuxa pedófila”[6]. A decisão do caso, ao chegar na Suprema Corte, foi mantido o mesmo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, sob o argumento de que a autora deveria ter indicado especificamente a URL dos links que deveriam ser retirados, não sendo possível desindexar links de forma genérica apenas por referenciar seu nome.
Ante o exposto, é necessário salientar que nem sempre o direito de ter informações excluídas por provedores de internet é garantia de se concretizar, pois, conforme visto anteriormente dependerá de um juízo de valor a ser auferido pelo magistrado. Ainda no viés da desindexação de dados por provedores de busca, outra questão que gera debates é a possibilidade de responsabilizar as empresas que oferecem esse serviço de fornecimento de dados. Destarte, será abordado no próximo capítulo a possiblidade de responsabilizar tais provedores à luz do Marco Civil, bem como as teses de responsabilização anteriores a esta lei.
- RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE BUSCA NA INTERNET DIANTE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO
2.1. A ESTRUTURAÇÃO DOS PROVEDORES DE INTERNET E ENQUADRAMENTO NA LEI DO MARCO CIVIL DA INTERNET (12.965/14)
Existem diversos tipos com diferentes finalidades de provedores de internet. Diante desse fato, exemplifica Leonardi:
É possível afirmar que provedor de serviços de Internet é gênero do qual as demais categorias (provedor de backbone, provedor de acesso, provedor de correio eletrônico, provedor de hospedagem e provedor de conteúdo) são espécies. O provedor de serviços de Internet é a pessoa natural ou jurídica que fornece serviços relacionados ao funcionamento da Internet, ou por meio dela.(LEONARDI, 2012, pg. 125).
Com efeito, para melhor compreender o tema é necessário diferenciar alguns dos provedores de serviços, dessa forma, explica Leonardi: (2012, p. 73-74). O provedor de acesso ou de conexão é a pessoa jurídica fornecedora de serviços que possibilitam o acesso de seus consumidores à internet.
Já o provedor de hospedagem é a pessoa jurídica fornecedora de serviços que consistem em possibilitar o armazenamento de dados em servidores próprios de acesso remoto, permitindo o acesso de terceiros a esses dados.
O provedor de informação apenas é encarregado de produzir as informações divulgadas na internet. E por fim, quanto ao provedor de conteúdo, este disponibiliza na Internet as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação. Na maior parte dos casos tal provedor exerce controle editorial prévio sobre os conteúdos que divulga, escolhendo o teor do que será apresentado aos usuários antes de permitir o acesso ou disponibilizar essas informações. O provedor de conteúdo pode editar informação disponibilizada na página-fonte, bem como remover, corrigir e apagar eventuais referências que causem danosa terceiros, bem como inserir protocolos de exclusão para que não sejam encontrados pelos mecanismos de busca.
Nesse diapasão, de acordo com Colaço (2017, p. 82): “os provedores de conteúdo se dão em três acepções: provedor de conteúdo em sentido estrito, provedor de informação e provedor de busca. Sendo a última, citada pela Ministra Nancy Andrighi, em trabalho acerca do tema.”
Afirma-se com clareza que o provedor de pesquisa está enquadrado como provedor de conteúdo. Ocorre que, com a promulgação da lei do Marco Civil da Internet (12.965/14), esse dispositivo legal trouxe, especificamente, apenas duas espécies de provedores: os de conexão e o de aplicação de internet.
Quanto ao conceito dos provedores de conexão, a lei trouxe algo muito próximo à definição mencionada anteriormente. Entretanto, em relação aos provedores de aplicação a norma não trouxe definições precisas, se limitando apenas a defini-los como “o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet”.
Portanto, em razão da escassa definição presente na legislação, doutrinadores enquadram os provedores de pesquisa no conceito de provedores de aplicação mencionados na lei do Marco Civil da Internet (12.965/14), limitando-se, o presente trabalho, a estudar a responsabilidade civil desse provedor, especificamente.
2.2. PRESSUPOSTOS PARA A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE PESQUISA QUANTO AO DIREITO AO ESQUECIMENTO
Os sites de busca oferecem ao usuário a possibilidade de realizar pesquisas acerca de qualquer assunto disponível na plataforma da web, fornecendo determinados critérios para alcançar o resultado almejado, resultando na exibição de links das páginas em que a informação pode ser localizada.
Por outro lado, a utilização dessas ferramentas de busca são, por muitas vezes, alvo da propagação de conteúdo ilícito, como por exemplo a divulgação de informações que ferem a imagem, a honra e a privacidade do indivíduo, principalmente em relação a pessoas públicas. Dessa forma, é se utilizando diretamente dos provedores de pesquisa que se tem acesso aos sites ofensivos. Com isso, caso uma pessoa requeira o seu direito de ser esquecido e consequentemente a desindexação das informações consideradas ofensivas, a responsabilidade será atribuída a esses provedores ou aos terceiros geradores da informação?
Primordialmente, deve-se fazer uma análise mais cuidadosa diante do provedor de busca, visto que a responsabilidade perante tais provedores pode se dar de formas distintas, tanto pelo próprio provedor, como por conteúdo gerado por terceiros.
2.2.1 Possibilidade da responsabilidade civil dos provedores de pesquisa por ato próprio
Inicialmente, para atribuir algum tipo de responsabilidade a um provedor de conteúdo pelas informações que possam representar danos a terceiros, faz-se mister averiguar a real possibilidade de controle editorial prévio sobre o conteúdo publicado. Ou seja, é necessário analisar se existe a possibilidade do responsável pelo site de busca ter ciência prévia do teor das informações que serão publicadas. Caso seja possível exercer esse controle, aí sim os referidos provedores poderão ser responsabilizados solidariamente com os autores efetivos do conteúdo ofensivo.
Diante disso, afirma Magalhães:
Se o provedor de aplicações de internet atua ao mesmo tempo como dirigente de um banco de dados, o que ocorrerá em não poucas hipóteses, responderá sempre por fato próprio, independentemente de requisitos como fato de terceiro e ordem judicial (MAGALHÃES, 2019, s/p).
Ocorre que, conforme afirma Colaço, o controle prévio realizado pelos provedores de pesquisa seria inviável:
As buscas obtidas pelo sistema desses provedores são ilimitadas, sendo impossível delimitar quais os sites referenciados são seguros ou não veiculam conteúdo ilícito, já que apresenta-se impossível a realização de filtragem prévia sobre todo conteúdo veiculado na rede e disponibilizado pelo provedor de busca por meio de links (COLAÇO, 2017, s/p).
Assim, os provedores de busca se limitam apenas a indicar sites já existentes com base nos dados oferecidos pelo usuário, mostrando apenas informações postadas por outros usuários. Visto isso, pode-se dizer que os provedores de pesquisa funcionam apenas como um meio de chegar a uma informação, não alcançando o resultado das pesquisas que realiza. Nesse sentido afirma Stoco:
O dever de filtrar o resultado das pesquisas não é atribuído ao provedor, pois não seria atividade intrínseca ao serviço, e, assim, não poderia ser reputado como defeituoso, já que não exerceria controle sobre o resultado das buscas, mas apenas um mero fornecedor de meios físicos para repassar mensagens e imagens transmitidas (STOCO, 2004, p. 901, apud ANDRIGUI, 2012, p. 67;).
Com efeito, tais autores defendem que a possibilidade de controle prévio não restaria viável, uma vez que essa verificação do conteúdo de cada página publicada por seus diversos usuários eliminaria um dos maiores pontos positivos da internet, que é a disponibilização de dados em tempo real além da clara possibilidade de censura e violação à liberdade de expressão.
Consoante, conforme aduz Leonardi (2012), o provedor que não exerce controle editorial prévio à divulgação das informações publicadas em sua página, só poderá ser responsabilizado por atos ilícitos praticados por terceiros usuários.
Ante o exposto, diante da provável impossibilidade de filtrar o conteúdo das buscas, o provedor de aplicação seria apenas um mero intermediário, sem qualquer controle anterior sobre o conteúdo gerado por seus usuários e não haveria qualquer conduta por parte do provedor que atraísse para si a responsabilidade pelos atos de outrem, cabendo ao mesmo apenas colaborar com a vítima para a identificação do eventual ofensor.
Ocorre que, no ano de 2014, houve a promulgação da lei 12.965/14, o Marco Civil da Internet, que trata especificamente da possibilidade de responsabilização dos provedores por danos causados por terceiros.
2.2.2. Responsabilidade civil do provedor de pesquisa de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiro no Marco Civil da Internet
Inicialmente, convém destacar que o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) é a principal lei brasileira que regula direitos na internet e esta lei não trata especificamente sobre o direito ao esquecimento, entretanto, menciona expressamente a responsabilidade civil dos provedores em casos de conteúdos disponibilizados por terceiros.
Nesse viés, conforme visto anteriormente, o provedor de pesquisa é enquadrado como provedor de conteúdo e qualificado como provedor de aplicações mencionado na lei 12.965/14. Com isso o artigo 19 do Marco Civil trata, especificamente, da responsabilidade civil dos provedores e determina o que se segue:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
- 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
- 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal. § 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na Internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicação de Internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
- 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerando o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na Internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Depreende-se do artigo supracitado que a responsabilidade dos provedores de aplicação por dano decorrente de conteúdo publicado por outros usuários não é automática, e sim condicionada ao descumprimento de notificação judicial para remoção do conteúdo tido como danoso.
A responsabilidade dos provedores de acordo com o artigo analisado, surgirá unicamente da omissão destes, ou seja, do não cumprimento da decisão judicial determinando remoção ou bloqueio do acesso à informação ofensiva disponibilizada por um terceiro usuário. Desse modo, a notificação perante uma decisão judicial e o seu consequente descumprimento são condições de procedibilidade para a responsabilização solidária dos buscadores.
Além disso, a legislação prevê que a decisão que determina a remoção do conteúdo ilícito deve ser específica, permitindo a identificação exata do material a ser removido, cujo objetivo é evitar que sejam removidos conteúdos por um todo e também, para que não se determine de um provedor de busca a remoção de uma informação que não esteja sob sua administração.
Nota-se que a lei do Marco Civil utilizou a liberdade de expressão como o principal fundamento para a sistematizar a responsabilidade dos provedores. Assim, a obrigatoriedade de uma de notificação judicial no art. 19 desta lei, foi imposta para que a liberdade de expressão/informação dos usuários não fosse diminuída por outros usuários e até mesmo pelos próprios provedores.
Diante disso, resta claro que a lei do Marco Civil determinou que a responsabilidade adotada foi a subjetiva, uma vez que tal responsabilidade tem como pressupostos a conduta, no caso, a omissiva ( não retirada de conteúdo ilícito), o dano sofrido pelo usuário (a violação à privacidade de terceiros) e o nexo causal entre a omissão do provedor, bem como, o dano e a culpa (quando provedor, após receber uma notificação judicial para retirar um conteúdo do ar, não o faz) .
Já quanto a responsabilidade ser solidária ou subsidiária, a referida lei não deixou tão evidente, cabendo à doutrina e à jurisprudência analisar a opção do legislador pela solidariedade ou subsidiariedade. Assim, de acordo com Rocha, entende-se que a responsabilidade seria solidária, conforme exemplifica:
O fato de o legislador quedar-se silente indica, através da interpretação sistemática da lei, que a responsabilidade é solidária, já que, no artigo 21, a subsidiariedade está expressa. (ROCHA, apud, SANGOI, 2016, pg. 68).
Segundo Rocha (ROCHA, pg. 831, 2014, apud, SANGOI, pg. 68, 2016) deve-se aplicar o princípio do legislador racional deduzindo que se houve a necessidade de expressamente inserir a subsidiariedade em outro dispositivo, é porque a modalidade do artigo 19 é solidária.
Ainda sobre o tema, há outros entendimentos acerca da responsabilidade solidária, nesse sentido, entende Mulholland que a solidariedade surge a partir do momento em que o provedor de aplicação é omisso e consequentemente não cumpre determinada ordem judicial, assim aduzindo a autora:
E esta interpretação é a que mais se aproxima de uma razoável aplicação da lei, considerando que, ainda que o conteúdo ilícito ou abusivo gerado não está esteja causalmente conectado à conduta direta da prestação do serviço do provedor, este responderá pelos danos causados diretamente por sua omissão na retirada do material, que só, excepcionalmente e após a notificação judicial para tanto, responsabilizar-se-á pela omissão em sua retirada. Ou seja, o que concretamente indica a responsabilidade do provedor é a omissão (culpa) na retirada do material considerado liminarmente como infringente após devidamente notificado judicialmente para fazê-lo. Significa dizer que, diferentemente da norma do Código Civil (artigo 933) que estabelece a responsabilidade indireta objetiva do garantidor/guarda, o Marco Civil da Internet abraçou uma hipótese de responsabilidade civil indireta calcada na culpa – omissão culposa na retirada de conteúdo infringente gerado por terceiro após notificação judicial – que importa também em responsabilização solidária do provedor de Internet pelos danos causados diretamente à vítima pelo terceiro (MULHOLLAND, apud SANGOI, 2016, pg. 67)
Conforme os entendimentos acerca da responsabilidade subjetiva, é lógico afirmar que mesmo diante do silêncio da Lei do Marco Civil, o seu artigo 19, nos leva a entender pela responsabilidade solidária, uma vez que, se há uma determinação judicial obrigando o provedor de pesquisa a retirar um conteúdo que fere a privacidade de outrem e o mesmo ficar inerte, logicamente a ele será atribuída a responsabilidade solidária em razão de ter ocorrido a causalidade prevista na norma.
Superada a tese acerca da responsabilidade solidária dos provedores, parte da doutrina defende a ideia de que a responsabilidade civil dos provedores de aplicação deveria ser objetiva bem como reprova a necessidade de uma decisão judicial para que o provedor remova o conteúdo supostamente danoso.
2.3 O POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA ANTERIORMENTE AO MARCO CIVIL – NOTICE AND TAKE DOWN– E A TESE PELA RESPONSABILIDADE OBJETIVA
A responsabilidade civil por veiculação na internet de conteúdo ofensivo era tema que despertava vários debates nos tribunais brasileiros. O cenário era formado de um lado por pessoas que desejavam ser esquecidas e ter informações suas retiradas de determinados sites e de outro por empresas donas de provedores que sustentavam a tese de que não poderiam ser responsabilizadas por conteúdos que foram publicados por terceiros usuários.
Em momento anterior à existência de um dispositivo legal específico como o Marco Civil da Internet para a proteção de dados na internet, era adotado, no Brasil, a tese do noticeand take down, a qual advém diretamente do ordenamento norte-americano, especificamente, da chamada Digital Millennium Copyright Act (Lei dos Direitos Autorais do Milênio Digital). De acordo com essa tese, o provedor apenas responderia por atos ilícitos de seus usuários se houvesse uma prévia notificação de retirada de conteúdo. Caso este não seja retirado, haveria a responsabilidade solidária do provedor junto ao terceiro causador do dano. Com isso, esse método obrigava a retirada, pelo provedor da internet, de conteúdos ofensivos, a partir do recebimento de apenas uma notificação do interessado. Nesse sentido, acerca da teoria do noticeand take down aduz Shereiber:
A referida teoria nasce no campo do direito autoral, para criar uma espécie de exceção à responsabilidade por violação de direitos autorais na internet, assegurando imunidade aos provedores que atendessem prontamente à notificação do ofendido para a retirada do material impróprio. Com a notificação, o controvertido dever geral de monitoramento permanente da rede transforma-se em uma obrigação específica de agir, que não poderia mais ser afastada pelo argumento da inviabilidade prática de monitoramento e que, se atendida, isentaria o notificado de responsabilidade civil. (SCHEREIBER, pg. 10, 2016).
Assim, de acordo com essa tese, a reponsabilidade civil só seria atribuída a um provedor de busca se sobreviesse apenas uma notificação extrajudicial determinando a retirada de um conteúdo danoso, e assim vinham entendendo os tribunais brasileiros.
A jurisprudência brasileira adotava a tese do noticeand take down, afirmando que bastaria a ciência inequívoca do conteúdo ofensivo, sem sua retirada no prazo considerado razoável, para que o provedor se tornasse responsável.
Autores como Schereiber defendem a eficácia desse modelo adotado anteriormente ao Marco Civil, com o seguinte argumento:
Por outro lado, os efeitos práticos da importação mostravam-se promissores. A imunidade prometida estimularia, ao menos em tese, uma atuação mais proativa dos proprietários de redes sociais, que teriam, no momento da notificação, a oportunidade de avaliar o conteúdo postado pelo terceiro e decidir se seria ou não o caso de adotar medidas para sua retirada do site (a exemplo do que a maioria de tais empresas já faz em relação a pornografia infantil), contribuindo para um ambiente virtual mais sadio, respeitador dos direitos fundamentais do ser humano, sem a necessidade de impor à vítima o recurso ao Poder Judiciário, que, além de custoso, requer tempo incompatível com a rápida difusão do conteúdo ofensivo pelo mundo virtual(SCHREIBER, 2016, pg. 11).
Com isso, conforme visto anteriormente, o notice and take down foi ultrapassado em razão da promulgação da lei 12.965/14, que adotou o sistema de responsabilização dos provedores de aplicação apenas com o descumprimento de uma notificação necessariamente judicial, o chamado judicial notice and take down.
De certo, a via extrajudicial tem sua viabilidade obstruída de sobremaneira e, ainda que se configure a via a via mais rápida a solução de conflitos. Por que opor-se, afinal, mesmo com a vigência do marco civil, requerer diretamente ao servidor de internet medidas a mitigar os danos a serem tomadas pelo serviço.
Outrossim, embora esteja claro que a responsabilidade adotada pela lei 12.965/14 foi a subjetiva, há doutrinadores que adotam a tese da responsabilidade objetiva, sustentando tal argumento na teoria do risco. Assim, a hipótese de responsabilidade objetiva está prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil[7] que estabelece a responsabilização independentemente de culpa em razão do risco da atividade. Além dessa hipótese, outro argumento que embasa essa tese é a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que adota expressamente a responsabilidade objetiva, uma vez que, conforme visto anteriormente, é inegável a relação de consumo existente entre o provedor e o usuário. Ocorre que, como argumento para rechaçar essa tese, defende-se que a adoção da responsabilidade objetiva acarretaria enormes prejuízos, conforme explica Lima:
Os custos destes riscos seriam fatalmente repassados aos usuários que pagariam preços muito mais caros pelos serviços usufruídos. Além de poder inviabilizar a internet como uma eficaz ferramenta de comunicação e transmissão de informação (LIMA, 2015, pg. 12).
Ademais, conforme entendimento de Schreiber, a responsabilidade deveria ser objetiva em razão risco inerente a atividade dos provedores (SHEREIBER, 2015. P 181, apud, SANGOI, 2016, p. 67)
A responsabilidade dos provedores de aplicação por danos causados por terceiro deveria ser objetiva. Tendo em vista que a exploração dos provedores de aplicação consiste em atividade de risco, haja vista o “elevado potencial de danos inerente à criação de um espaço onde o conteúdo inserido assume dimensão pública, sem qualquer espécie de filtragem prévia”.
O autor defende ainda que a para tornar o ambiente virtual mais democrático e respeitador de direitos fundamentais o provedor deveria atuar na avaliação dos conteúdos, isoladamente, e decidiria se seria viável manter ou retirar tal conteúdo ofensivo do ar.
No mesmo sentido, explica Chinellato:
O artigo 19 da lei 12.965/14 representa um retrocesso perante a tendência de se priorizar formas de composições extrajudiciais de conflitos, como a mediação e a conciliação. No seu entendimento, ocorre desnecessária judicialização de questões que poderiam ser resolvidas mediante simples notificação extrajudicial. E ainda que o acesso ao Poder Judiciário deveria ser determinado àqueles que sentirem que o direito à liberdade de expressão foi tolhido por remoção de conteúdo, e não àqueles que se sentem ofendidos ou prejudicados (Chinellato (2015, p. 130, apud SANGOI, 2016, pg. 60).
Tais autores mencionados, apesar de sustentar a responsabilidade objetiva alicerçada na teoria do risco. Entendimento que não se mostra viável, segundo Leonardi (2012 pg. 99), pois a responsabilidade objetiva dos provedores de aplicação não aparenta ser justa, devendo-se ter cautela ao interpretar o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, visto que, este não define por o conceito de atividade que implica risco e como resultado ocorre uma aplicação arbitrária desse dispositivo. Assim, toda conduta humana apresenta risco, razão essa que somente atividades reconhecidamente perigosas justifica a aplicação da teoria do risco.
Assim, a teoria da responsabilidade objetiva foi afastada em razão de que tal responsabilização demandaria um controle prévio por parte dos provedores de busca, e que a remoção por parte de um entendimento feito pelo provedor por si só, do que este entendesse como ofensivo se tornaria altamente prejudicial à liberdade de expressão, chegando a ser comparado com uma censura prévia.
Destarte, a jurisprudência vinha adotando anteriormente a tese do notice and take down e responsabilizando provedores que não cumprissem uma notificação extrajudicial determinado a retirada de um conteúdo danoso. Ocorre que, a partir da lei do Marco Civil, a teoria atualmente adotada é a judicial notice take and down, a qual defende que a responsabilidade só sobrevém mediante o descumprimento de uma determinação judicial determinando a retirada de determinado conteúdo ilícito. Exceto no art. 21 desta lei, que preferiu adotar o notice and take down, em caso de divulgação de conteúdo não autorizado que aborde nudez ou ator de sexo de caráter privado, excluídas do artigo outras questões como racismo, discriminação ou apologia à violência.
Diante disso, o que se observa é que existem duas teses extremas, ou seja, no notice and take down se dá mais poder ao provedor de pesquisa, onde o próprio faz o seu juízo de admissibilidade determinado uma espécie de controle prévio de conteúdos publicado por terceiros. Assim, essa tese poderia ser considerada como arbitraria, uma vez que a possibilidade de controle prévio por um mecanismo de busca acarretaria em graves violações a direitos fundamentais como o direito de informação e a liberdade de expressão, e ainda de forma mais intensa prejudicaria a democracia.
Por outro lado, diante da tese do judicial notice and take down onde o provedor de busca não faz um controle prévio de conteúdos publicados, ou seja, qualquer informação, ainda que ofensiva, pode ser disponibilizada e consequentemente acessada sempre que for usados termos referentes a ela no conteúdo da pesquisa. Entretanto, na referida tese, há apenas um controle posterior, no qual é determinado por uma notificação judicial, ensejando, consequentemente, a responsabilidade subjetiva. Ocorre que, diante desse entendimento, em razão dos provedores não se utilizarem de um filtro ou controle anterior, abrem-se portas para possíveis transgressões aos direitos de personalidade, como a privacidade, a intimidade e a honra só sendo remendadas após um tramite processual. Diante disso, essa teoria defende a possibilidade de um mínimo de filtro, garantida por diplomas legais como o Marco Civil da Internet, a Constituição Federal e o Código Civil.
Nesse viés, para enriquecer o debate, faz-se necessário analisar casos emblemáticos no qual foi reportado, ainda que indiretamente, o direito ao esquecimento como medida cabível para se justificar a responsabilidade civil dos provedores de busca no âmbito das decisões do Superior Tribunal de Justiça, conforme será demonstrado nos próximo capítulo.
3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS BUSCADORES COMO CONSEQUÊNCIA DODIREITO AO ESQUECIMENTO NAS DECISÕES JUDICIAIS
3.1. O CASO MARIO COSTEJA GONZÁLEZ
Antes de abordar sobre as decisões judiciais brasileiras, faz-se mister analisar o caso emblemático que abriu os debates acerca da responsabilidade civil dos provedores de busca perante o argumento do “direito ao esquecimento”. O caso do espanhol Mario Coteja Gonzalez, que embora seja referente a outro ordenamento jurídico, trouxe contribuições de suma importância até mesmo nos julgados brasileiros.
O caso refere-se a uma decisão do TJUE (Processo C-131/22. Esse caso tratou de uma ação interposta por Mario Gosteja Gonzalez em face do jornal La Vanguardia, perante a Angecia Espanhola de Protección de Datos – AEPD e das empresas Google Spain e Google Inc. em razão dos provedores de busca mencionados mostrar resultados referente a venda de seu imóvel em hasta pública para recuperação de créditos devidos à Seguridade Social espanhola sempre que era realizada uma pesquisa em seu nome, sob o argumento de que tais conteúdos violavam sua privacidade. Foi requerido pelo autor que os provedores acima mencionados ocultassem ou retirassem suas informações pessoais de forma que não fosse retornado o conteúdo tido como ofensivo sempre que seu nome fosse buscado. Em 2010 houve o julgamento pela agência, tendo esta rejeitado o pedido em relação ao jornal, visto que este apenas publicou o anúncio por ordem do Ministério do Trabalho e Seguridade Social, visando a ordem pública, para dar ampla publicidade ao leilão dos imóveis. No tocante ao Google, houve o entendimento de que os provedores de busca se submetem à legislação protetiva de dados pessoais, na medida em que são intermediários da informação. Sendo, dessa forma, legítimo e justo determinar a retirada dos dados bem como determinar a proibição de que determinadas informações pessoais fossem divulgadas, quando isso causar lesão ao direito fundamental e também à dignidade das pessoas em sentido amplo.
As empresas Google Spain e Google Inc, sucursal e matriz, interpuseram, questionando quais seriam as obrigações impostas aos provedores de pesquisa. No julgamento do caso, a Agência Nacional entendeu que seria necessário devolver a matéria para o Tribunal de Justiça da União Européia – TJUE, por considerar que a matéria envolvia a interpretação da Diretiva Européia de Proteção de Dados 95/46. Na qual, seria necessário avaliar a responsabilidade civil dos provedores de busca.
No julgamento foi analisado alguns pontos como as características das atividades dos provedores de busca. A empresa Google defende que não faz tratamento específico dos dados que surgem na internet em páginas de terceiros. E, ainda que se admita que o Google realize um tratamento de dados, isso não pode torná-lo responsável juridicamente, na medida em que ele não conhece o teor desses dados e não exercer sobre eles qualquer controle. Entretanto, foi considerado que ação o meio de busca deve ser considerado como tratamento de dados, e que decorreria a responsabilidade do Google, na medida em que ele dá finalidade ao acesso aos dados e define quais os meios para seu tratamento.
Quanto à questão da responsabilidade civil dos provedores de pesquisa, um dos argumentos da Google para se isentar da responsabilidade foi que a atividade dos mecanismos de busca não poderia ser considerada como atividade de proteção dados presente na Diretiva 95/46 do Parlamento Europeu e que a empresa não realizar um controle prévia dos conteúdos, não podendo então ser responsabilizada.
A corte européia derrotou o argumento de que não se enquadrava como atividade de proteção, bem como entenderam que os provedores de busca são sim responsáveis civilmente uma vez que estes determinam a finalidade e os meios de tratamento de dados pessoais. Assim, os provedores realizam esse tratamento de dados ao indexarem resultados em sua chave de pesquisas, pois as informações retornadas exibem informações com dados pessoais de determinada pessoa, portanto, os titulares desses dados têm o direito de querer vê-los retirados.
Nesse sentido, dessa emblemática decisão do TJUE, conclui-se que um indivíduo tem o direito de requerer que uma informação danosa deixe de estar associada ao seu nome sempre que realizada uma pesquisa em um provedor de busca. Dessa forma, foi decidido que o direito à vida privada e à proteção de dados pessoais se sobrepõe aos interesses coletivos e econômicos do provedor de buscas, salvo quando tais informações se refiram a pessoas públicas.
3.2. O CASO XUXA MENEGUEL VS GOOGLE BRASIL
Em 2012 houve o julgamento do Recurso Especial 1.316.921/RJ, no qual discutia o emblemático caso de uma ação iniciada pela apresentadora Xuxa Meneguel, em face da empresa Google Brasil Ltda. Esse julgamento teve bastante importância no Brasil visto que definiu o regime de responsabilidade subjetiva dos provedores de busca ante a inexistência de nenhuma lei regulamentadora, já que a lei do Marco Civil foi apenas promulgada em 2014.
Esse caso trata-se basicamente do direito ao esquecimento, embora não tenha sido utilizado o termo ao longo do processo, cujo aprofundamento no mérito se limitou mais analisar o pedido da autora, a retirada e filtragem de resultados de pesquisas realizadas pelos provedores de busca.
A autora ingressou com a ação requerendo que o Google, provedor de pesquisa, retirasse dos seus resultados encontrados sites, vídeos e imagens que associassem a apresentadora ao termo de pesquisa “pedófila”, “pedofilia” ou qualquer outro termo que associassem a mesma a essa conduta criminosa, ainda que com “grafia que se assemelhe a estas, isoladamente ou conjuntamente, com ou sem aspas” (STJ, 2012). Tal circunstância se deu em razão da participação da demandante em 1982, no elenco do filme “Amor estranho Amor”, no qual a atriz, também menor de idade à época, foi associada à pratica de pedofilia.
Em primeira instância o pedido de Xuxa foi deferido e posteriormente confirmado pelo TJRJ sendo a decisão limitada a desindexar apenas imagens e não os links de resultantes da pesquisa, razão pela qual a empresa Google recorreu, chegando a pauta ao Superior Tribunal de Justiça, onde foi definida a responsabilização dos provedores de busca por conteúdo gerado por terceiros.
Na decisão, o provedor de pesquisa foi reconhecido como uma espécie de provedor de conteúdo e conforme aduz a relatora, agem apenas como intermediários de informações:
Esses sites não incluem, hospedam, organizam ou de qualquer outra forma gerenciam as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário. (STJ, 2012, pg. 7).
Além disso, foi descartada pela Turma a teoria da responsabilidade objetiva e a teoria do risco na atividade baseado no Art. 927 do Código Civil, sob o argumento de que há que ter cautela ao interpretar tal artigo, uma vez que não se pode considerar o dano moral um risco inerente à atividade dos provedores de pesquisa. Citando Erica Brandini Barbagalo, a relatora anota que “as atividades desenvolvidas pelos provedores de serviços na Internet não são “de risco por sua própria natureza, não implicam riscos para direitos de terceiros maior que os riscos de qualquer atividade comercial” (STJ, 2012, p. 8).
No julgamento ainda ficou definido que o provedor de busca não é responsável por realizar um controle prévio de conteúdos ofensivos a outrem, cabendo ao usuário que se sentiu ofendido ir diretamente ao endereço da publicação e providenciar a remoção dela para que tal informação não voltasse a aparecer nos resultados de busca realizados por um provedor de pesquisa.
Com efeito, foi demonstrada a possibilidade do provedor de desindexar, ou seja, não retornar conteúdos com o termo “Xuxa pedófila” conforme o pedido inicial da autora. Contudo, foi entendido pela relatora que tal mecanismo não seria efetivo pois se fosse utilizado outros termos na pesquisa, poderia a informação danosa e ofensiva ser mostrada novamente. Ainda concluiu a Ministra Relatora que a possibilidade de suprimir links com os conteúdos requeridos pela autora se caracterizaria como uma censura e uma violação à liberdade de expressão.
Diante disso, depreende-se do mencionado julgado que foi reconhecido, ainda que antes da regulamentação da lei 12.965/14, que os provedores de busca não seriam obrigados a excluir do seus dados resultados de uma busca feita por algum termo ou expressão específica mesmo com indicação do endereço do site (URL) bem como, também foi entendido pela isenção de responsabilidade de tais provedores.
Esse entendimento vem sendo mantido pelo STJ sendo, sempre que invocado o direito ao esquecimento ou a possibilidade de responsabilizar os provedores de busca, recorrentemente citado e seguido pela corte.
3.3. S.M.S VS GOOGLE
Esse caso trata da responsabilidade civil por conteúdo de terceiros onde o pedido de retirada de conteúdo é fundamentado no “direito ao esquecimento”. Além disso, esse julgamento aconteceu na vigência do Marco Civil, tornando o entendimento em questão de grande importância visto que as demais decisões no futuro serão diretamente influenciadas. O REsp. 1.593.873/SP tratou-se de uma demanda interposta por S.M.S em face da empresa Google LTDA, cujo objetivo era que o provedor bloqueasse definitivamente resultados de busca que reproduzissem fotos suas de nudez relacionadas ao seu nome, quando pesquisado. Chegando a demanda ao STJ, por não existir precedentes brasileiros que relacionassem o direito ao esquecimento com a retiradas de conteúdo por parte dos provedores, a ministra relatora Nancy Andrighi utilizou o emblemático caso do espanhol González conforme visto anteriormente, não sendo utilizado o mesmo entendimento, tendo em vista a incompatibilidade entre os pressupostos legais do Brasil e da União Europeia, nestes termos:
Apesar de indicar um importante precedente, não se pode olvidar que o Tribunal de Justiça Europeu parte de pressupostos legais muito distintos daqueles existentes no País. O mais importante, cumpre mencionar, é a ausência de uma lei geral que disponha sobre a proteção de dados pessoais dos cidadãos brasileiros (REsp 1.593.873, Terceira Turma, julgado em 26/06/2012, DJe 29/06/2012).
Foi concluído que a pretensão de excluir dados pessoais só poderia ser concretizada se a informação tivesse sido fornecida pelo próprio usuário, em razão de uma relação contratual entre as partes. Com isso, de acordo com a Ministra Relatora, tal dispositivo não se aplicaria ao caso em análise, visto que S.M.S não forneceu informação pessoal.
Nesse sentido, conforme explica Frajhof (2019, p. 133) “À luz da jurisprudência do STJ, não existiria fundamento jurídico para requerer a desindexação de um conteúdo gerado por outros usuários, pedido este baseado no “direito ao esquecimento”.
Diante disso, a obrigação de retirada de conteúdo deve recair diretamente sobre quem disponibilizou a informação ofensiva na internet e não ao provedor de pesquisa. Decisão lamentável, visto que certos dados lançados na rede digital têm alcance indefinido e, mesmo que o indivíduo que o divulga retire o conteúdo lesivo, nada impede que outros usuários da rede que tiveram contato com tais dados os reproduzam. No caso em tela, a pessoa lesionada não mais teria propriedade sobre imagens de seu próprio corpo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade da informação trouxe inúmeros benefícios e avanços para a democratização do direito à informação, entretanto, por outro lado, o mundo virtual também se tornou um ambiente fácil para violações de direitos de personalidade. Diante disso, nasce a necessidade de uma proteção e um controle maior nesse espaço digital, abrindo-se portas para a afirmação do direito ao esquecimento.
No desenvolvimento do trabalho, foi abordada a conceituação do direito ao esquecimento bem como foi demonstrado que perante a aplicabilidade de tal direito surge a problemática do conflito entre a proteção dos direitos de personalidade versus a liberdade de expressão e o direito à informação e que em cada caso concreto será feito o equilíbrio e a harmonização desses direitos bem como as circunstâncias em que um direito irá se sobrepor a outro. Nesse sentido, aindase verificou o direito ao esquecimento sob a esfera da internet e suas consequências.
Ademais, no presente trabalho, foi analisada possibilidade de responsabilizar os provedores de pesquisa na internet sob o argumento de utilização do instituto do direito ao esquecimento, no qual se caracteriza em pedidos de retirada de conteúdos ofensivos que violem diretamente direitos de personalidade de determinado indivíduo.
Com isso, partindo da análise da lei 12.965/14, a lei do Marco Civil da Internet, pôde-se inferir que essa legislação preza pela liberdade de expressão e dispõe expressamente que os provedores de aplicação, na qual está enquadrado o provedor de busca, apenas serão responsabilizados por atos de terceiros se permanecerem inertes após uma decisão judicial determinando a retirada de um conteúdo tido como danoso de seu sistema, concretizando assim a tese do judicial noticeand take down. Esse entendimento baseou-se na condição de que tais provedores não fazem um controle prévio de conteúdo, vindo o Marco Civil a estabelecer uma condição de realizar esse controle de forma posterior, após notificação judicial, visando, dessa forma, proteger também os direitos de personalidades em questão.
Ainda da análise do Marco Civil, ficou evidente que essa legislação adotou a responsabilidade subjetiva, não obstante existam críticas a esse entendimento. Contudo, essa lei foi silente quanto a responsabilidade ser solidária ou subsidiária, na qual, por meio lógico restou claro que se tratava de responsabilidade solidária em razão da situação fática do art. 19.
Diante disso, foi possível verificar que, diferentemente do caso Mario Gonzalez, a jurisprudência brasileira não vem conferindo aos provedores de busca a obrigação de desindexar links que contenham informações ofensivas. Com efeito, percebe-se que o direito ao esquecimento na internet não está sendo efetivado totalmente, principalmente em razão dos entendimentos consolidados do STJ sobre a isenção de responsabilidade sobre os provedores de pesquisa. Com isso, o que se observa é que especialmente no que diz respeito aos provedores de pesquisa, a corte superior tem tratado de forma distinta dos demais provedores de aplicação abarcados pela lei 12.965/14, como as redes sociais e os sites de hospedagem.
Nesse sentido, desde o caso Xuxa Meneguel, em 2012, ainda quando a obrigação de retirar os links não foi fundamentada no nome “direito ao esquecimento” e mesmo após, como no caso S.M.S vs Google, quando o pedido foi baseado no referido nome, o entendimento acerca da total isenção de culpa dos provedores de busca foi mantido.
Portanto, responsabilizar os provedores de busca como instrumento para efetivar o direito ao esquecimento não vem surtindo efeito, visto que as decisões acerca do tema refletem que tal direito, na esfera digital, não encontrou guarida no Brasil, sob a falaciosa égide de uma ampla proteção ao direito à informação e a liberdade de expressão em detrimento a direitos de personalidade dos usuários dos servidores de busca.
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[1] Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Joaquim Nabuco
[2] Graduado em Direito (UNICAP), Pós-Graduado em Direito Civil e Empresarial (UFPE), Mestre em Antropologia (UFPE), professor de Direito pelo Centro Universitário Joaquim Nabuco (UNINABUCO – Recife), membro da Comissão de Família e Sucessões (OAB, subseção Olinda) e advogado.
[3]No caso Aída Curi, os irmãos da vítima pleitearam indenização alegando que a emissora teria reaberto as feridas da família ao explorar a imagem de Aída do programa “Linha Direta Justiça” da Tv Globo. A decisão final de última instância foi de que os direitos à intimidade e à imagem dos recorrentes e da respectiva irmã não se sobrepõem ao interesse coletivo da sociedade de ter acesso às informações sobre o fato histórico
[4]No caso da Chacina da Candelária, o autor teve reconhecido o direito de ser esquecido, sob o argumento de que o mesmo foi absolvido em processo criminal e que seria possível, do mesmo modo, contar a estória da Chacina da CandeIária sem a menção de seu nome, constituindo abuso do direito de informar e violação da imagem do cidadão a edição de programa jornalístico contra a vontade expressamente manifestada de quem deseja prosseguir no esquecimento.
[5]Conhecido como caso Gonzalez, trata-se de uma ação movida pelo espanhol Mario Costeja Gonzalez, em face de um jornal local e das empresas Google Spain e Google Inc. Na pauta o autor alegava que as empresas demandadas teriam violado sua privacidade visto que disponibilizaram como resultado de pesquisa em seu nome links que anunciavam a venda de um imóvel de sua propriedade em hasta pública para a recuperação de créditos devidos por este à Seguridade Social espanhola. Assim, foi solicitado que fosse retirado pelas demandadas tais informações, pois o processo de recuperação de crédito já havia transitado em julgado e tais informações não eram atuais. Por fim, a decisão foi de que a empresas Google Spain e Google Inc retirassem tais conteúdos, pois sempre que as informações expostas por estas, ainda que por terceiros, ferissem um direito fundamental deveriam ser desindexadas.
6 A utilização do termo “Xuxa Pedófila” fazia referência a um filme onde continha cenas conteúdo íntimo da atriz, menor de idade, com outro adolescente, também menor de idade no ano de 1982, intitulado “Amor estranho amor”
[7]Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.