Resumo: Este artigo busca analisar a responsabilidade civil em meio eletrônico do indivíduo que, por suas ações, causa danos a sujeitos determinados ou indeterminados, com ou sem dolo, e como o Poder Judiciário se posiciona no sentido de estabelecer um parâmetro para fixar as indenizações, sejam elas de danos morais ou materiais.
Abstract: This article seeks to analyze the civil liability in electronic form of the individual who, by their actions, causes damage to determined or indeterminate subjects, with or without intent, and how the Judiciary is positioned to establish a parameter to the indemnities, whether moral or material damages.
Sumário: Introdução. 1. Do fato jurídico. 2. Das responsabilidades e obrigações. 3. Da responsabilização pelos danos materiais e morais causados na internet. 4. Conclusões. 5. Referências.
Introdução
Com a expansão de novas tecnologias, uma gama incontável de benesses é conferida a quem decide usufruir dos equipamentos e sistemas inventados para encurtar distâncias, facilitar comunicações, automatizar procedimentos e outras atividades que acabam por tornar a vida do ser humano mais fácil e agradável.
É possível citar, por exemplo, a vinda do celular como um substitutivo para as cartas, que eram escritas, na maioria das vezes, de próprio-punho, e encaminhadas à empresa responsável pelo envio da correspondência, o que despendia um longo tempo até que a informação fosse recebida pelo destinatário e acabava por gerar custos ao remetente; tudo isso com o risco de toda essa cadeia de atividades falhar, culminando no extravio da correspondência ou equívoco no local da entrega. Com o aparelho celular, as pessoas simplesmente abriram mão de trabalhar com esse retrógrado sistema de correspondência para enviar e receber informações através de uma simples ligação, ou através da simples digitação de uma mensagem de texto eletrônico para o número de telefone destinatário.
De igual modo, uma série de outras invenções surgiu para facilitar as interações com as outras pessoas, como a internet, correspondências eletrônicas, redes sociais, etc.
Contudo, o uso desenfreado das mordomias trazidas por essas novas tecnologias não poderia simplesmente verter somente em aspectos positivos, pois, com a mesma velocidade em que é possível obter informações boas, também é possível enviar e receber informações negativas, que venham a denegrir a imagem de determinado indivíduo, ou que sirvam de subsídio para a aplicação de golpes pelos mais astutos hackers[1].
Posto este imbróglio, o presente estudo tem por objetivo se debruçar não nos aspectos positivos trazidos pela sociedade da informação, posto que esses são facilmente verificados por qualquer um que utilize das tecnologias, mas sim dos negativos, eis que, em determinados casos, a tarefa de se analisar a responsabilidade civil para imputar a obrigação de indenizar os prejuízos causados nos mais variados meios eletrônicos torna-se árdua, e requer, além da compreensão fluente de institutos tão profundos quanto o das responsabilidades, obrigações e fatos jurídicos, a aplicação da norma cabível, verificando-se sempre a individualidade do caso em concreto.
Logo, antes de se adentrar ao mérito principal da responsabilidade civil pelos danos causados na internet, é importante deixar claros alguns conceitos sobre os institutos acima referidos, não exaurindo todas as vertentes sobre estes temas, mas propiciando o básico para o entendimento adequado sobre o estudo proposto.
1. Do fato jurídico
Fatos são acontecimentos que reverberam na realidade alguma consequência não-jurídica. Os fatos jurídicos, por outro lado, têm o condão de criar, modificar e extinguir direitos e obrigações de um sujeito em sua órbita individual; indivíduos determinados em uma órbita bilateral ou sinalagmática; e, por fim, impactar indivíduos localizados em uma órbita difusa ou coletiva.
Os fatos podem surgir mediante condutas humanas ou não, sendo exemplificados como o pôr-do-sol, chuva leve, caminhada, ou seja, tratam-se de situações que não impactam o ordenamento jurídico.
Os fatos jurídicos podem consistir igualmente em condutas humanas ou não, porém, estes impactam o ordenamento jurídico. Cite-se, por exemplo, o transcurso do tempo capaz de gerar a prescrição ou decadência, a celebração de um negócio jurídico, uma chuva torrencial que cause enchentes, a realização de um testamento, etc.
O ponto crucial é saber o que determina juridicidade de um fato, tornando-o jurídico, ou não. Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho, ensina que haverá a consequência jurídica de um fato, refletindo suas nuances perante o ordenamento jurídico, quando este verificar ou violar determinado pressuposto normativo:
“O que torna jurídico qualquer fato é a norma. O ordenamento elege os fatos jurídicos. Se a verificação de um evento não é pressuposto de nenhuma consequência prescrita em norma, ele não é um fato jurídico.”[2]
De igual modo, observando no ponto de vista eletrônico e informacional, também é possível existirem fatos jurídicos e não jurídicos.
O envio de uma mensagem eletrônica com o intuito de parabenizar o aniversário de um sujeito em uma rede social, a divulgação de um evento sem fins lucrativos, entre outros, são capazes de caracterizar um fato não jurídico, eis que essas hipóteses não possuem o condão de criar, modificar ou extinguir direitos. Já outros fatos, como por exemplo, o registro em uma rede social, a venda de determinado produto através de um endereço eletrônico na internet, o envio de uma mensagem eletrônica ofensiva à honra de determinado sujeito, são situações que se enquadram em fatos jurídicos, pois tais atitudes refletem de forma impactante no ordenamento jurídico, eis que podem até mesmo acarretar eventual responsabilização para que a vítima pleiteie indenização pelos danos decorrentes.
O registro de uma conta em uma rede social, por exemplo, pressupõe o aceite do usuário para os termos de serviço que, na maioria das vezes, são contratos de adesão imodificáveis, sob pena de não celebração. Contudo, em boa parte desses contratos, há disposições em que o sujeito concorda em ser rastreado pelo provedor de serviços, o que pode culminar na mitigação ao seu direito de privacidade, eis que, a partir do momento em que está sendo monitorado, outros agentes externos podem se valer da pretensa situação para praticarem atos lícitos, ou não, capazes de acarretar danos ao indivíduo que, supostamente, aceitou as determinadas cláusulas.
Tudo isso para confirmar que é possível um fato, dentro da sociedade da informação ou fora dela, ser considerado jurídico ou não, sanando-se qualquer dúvida que eventualmente paire quando o devido enfoque é dado aos ambientes eletrônicos.
2. Das responsabilidades
O Código Civil Brasileiro[3], em seu artigo 927, dispõe que, aquele que, por ato ilícito, causar dano a alguém, ficará obrigado a repará-lo. De igual modo, em seus artigos 186 e 187, define que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ou exercício manifestamente excedente de um direito, cometerá ato ilícito.
Do comando legal, é possível extrair os elementos para existência da responsabilidade civil, que são, justamente, a existência de partes, um dano, e o nexo de causalidade. Assim entende a doutrina:
“Com isso, deve-se observar que os pressupostos da responsabilidade civil são os seguintes:
As partes, porque a responsabilidade civil é uma relação jurídica obrigacional secundária ou derivada em que consta num polo a figura do autor ou agente e, no outro, a vítima (direta ou indireta)
O dano, de natureza patrimonial ou extrapatrimonial, considerado ressarcível pelo sistema jurídico.
O nexo de causalidade, que é o vínculo existente entre a conduta do agente (por si, por terceiro ou por fato de coisa animada ou inanimada) e o prejuízo experimentado pela vítima”[4]
Não há dúvidas quando se debruça a análise do dano, pois é facilmente identificado no caso em concreto. Entretanto, o que mais causa discussões repousa na análise do nexo de causalidade, eis que, em sua existência, constituirá como elemento fundamental para a caracterização da responsabilização de outrem.
Neste sentido, quem será responsável para indenizar, por exemplo, quando ocorre um abalroamento entre três carros, onde A atinge a traseira de B, e este, com a força do impacto, e não por sua intenção própria, atinge a traseira de C? Contra quem A proporia a sua ação indenizatória? Neste mesmo exemplo, B faria jus a algum tipo de indenização?
Para solucionar este conflito, a doutrina trouxe algumas teorias sobre o nexo de causalidade. Explicar-se-ão, neste artigo, as principais. São elas: Equivalência das Condições, Causalidade Adequada, Causalidade Eficiente e Causalidade Direta e Imediata[5].
A Teoria da Equivalência das Condições pressupõe que, em havendo culpa, todas as condições de um dano serão equivalentes, ou seja, todas elas contribuirão para a formação do nexo causal e gerarão a responsabilização do agente.
Para ilustrar, supomos uma situação em um acidente de trânsito, em que uma vítima entra na ambulância e vai para o hospital. No meio do caminho, a ambulância é atingida por um ônibus e a mesma vem a falecer. Quem deverá ser responsabilizado?
No caso da Teoria da Equivalência das Condições, ambos responderão. Os benefícios dessa teoria abrangem uma proteção maior às vítimas de um dano e simplificam o problema do nexo causal, de vez que incluem todos os ofensores no polo passivo de uma demanda indenizatória. Os malefícios decorrem justamente do mesmo fato, pois aumentam de forma indefinida o número de legitimados a ressarcir o dano. Propomos outro exemplo, para entender o lado negativo dessa teoria: um indivíduo que reside em um condomínio edilício no formato de apartamentos deixa o seu carro estacionado na sua demarcação de vagas, após retornar de mais um dia de trabalho. Ao amanhecer, verifica que seu carro está extremamente danificado, tendo em vista que seu vizinho, cuja demarcação de vaga encontra-se justamente ao lado, embriagou-se no dia anterior e não possuía reflexos motores capazes de realizar a manobra corretamente, resultando em uma colisão geradora de inabilitação total do veículo. Neste caso, à luz da Teoria da Equivalência das Condições, a vítima poderia propor ação indenizatória em face do condomínio, pois, caso não tivesse demarcado a sua vaga ao lado da do ofensor, o acidente não teria ocorrido, sem excluir a possibilidade de se voltar a ação em face do ofensor direto do dano, formando um litisconsórcio passivo.
A Teoria da Causalidade Adequada pressupõe que o problema da causalidade é resolvido por uma questão científica de probabilidade. Entre os antecedentes do dano, há de se destacar aquele que está em condições de, necessariamente, tê-lo produzido, ou seja, pergunta-se, qual é a causa mais apta a causar o dano?
Nessa teoria o juiz elimina os fatos menos relevantes que possam figurar entre os antecedentes do dano e verifica qual, “no curso normal das coisas”, teve força para provocar o ilícito. A análise se fundará em um princípio de normalidade, imputando-se ao agente, as consequências que, em um determinado momento histórico, segundo o estado e da ciência técnica, são “normais” consequências de seu comportamento.
A ideia de normalidade consubstancia-se em um juízo de probabilidade sobre a conduta do sujeito que se pretende responsabilizar e as consequências verificadas no caso em concreto, comparando-se com aquilo que habitualmente ocorre.
Aqui, cita-se um exemplo trazido por Carlos Roberto Gonçalves, que ilustra ambas as teorias citadas anteriormente.
“As duas teorias podem ser facilmente compreendidas com o seguinte exemplo: A deu uma pancada ligeira no crânio de B, a qual seria insuficiente para causar o menor ferimento num indivíduo normalmente constituído, mas que causou a B, que tinha uma fraqueza particular dos ossos do crânio, uma fratura de que resultou a morte. O prejuízo deu-se, apesar de o fato ilícito praticado por A não ser causa adequada a produzir aquele dano em um homem adulto.
Segundo a teoria da equivalência das condições, a pancada é uma condição sine qua non do prejuízo causado, pelo qual o seu autor terá de responder. Ao contrário, não haveria responsabilidade, em face da teoria da causalidade adequada (Cardoso de Gouveia, Da responsabilidade contratual, n. 69).”[6]
A Teoria da Causalidade Direta e Imediata, ou Teoria da Interrupção do Nexo Causal, pressupõe que se considera como causa jurídica apenas o evento que se vincula diretamente ao dano, sem a interferência de outra condição sucessiva. Ou seja, analisa-se qual é a causa que realmente ensejou o dano, e desta, interrompe-se a verificação da causalidade, imputando-se ao agente do último fato as consequências jurídicas de seu ato. Os benefícios dessa teoria são que, aparentemente, fundamenta-se em um fator mais objetivo que as teorias antecedentes, não se baseando em noções abertas como “eficiência causal” ou “normalidade social”. As críticas decorrem justamente da excessiva restrição, a ponto de deixar de fora a possibilidade de indenização dos danos reflexos.
Um exemplo clássico e controvertido da aplicação desta teoria ocorreu no RE 369.820/RS, em que o STF entendeu pela não responsabilização do Estado em decorrência de um homicídio praticado por apenado fugitivo do sistema prisional.
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA JULGADA PROCEDENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MATERIAIS. MORTE CAUSADA POR FORAGIDO DO SISTEMA PRISIONAL. INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FALHA OU OMISSÃO NAS ATRIBUIÇÕES DO ESTADO. DANO QUE NÃO PODE SER ATRIBUÍVEL AO ENTE ESTATAL. RESPONSABILIDADE AFASTADA. PRECEDENTES DO STF.
I – Não há de se declarar responsabilidade do Estado por ato perpetrado por foragido do sistema prisional, quando ausente nexo causal entre o dano e a pretensa ação ou omissão atribuída ao ente público.
II – Conhecimento e provimento da Remessa Necessária e da Apelação Cível” (fl. 186)
O caso integrou o Informativo n. º 391, de 6 a 10 de junho de 2005 do STF, e a fundamentação, em síntese, foi a seguinte:
“IV. Todavia, a faute du service não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. O Ministro Moreira Alves, no voto que proferiu no RE 130.764/PR, lecionou que 'a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal', que 'sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada' (cf. Wilson Mello da Silva, 'Responsabilidade sem culpa', nºs. 78 e 79, págs. 128 e seguintes, Ed. Saraiva, São Paulo, 1974). Essa teoria, como bem demonstra Agostinho Alvim ('Da Inexecução das Obrigações', 5ª ed., nº 226, pág. 370, Ed. Saraiva, São Paulo, 1980), só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva. Daí, dizer Agostinho Alvim (1. c): 'os danos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis”.' (RE 130.764/PR, RTJ 143/270, 283).[7]
Logo, observa-se que a jurisprudência é oscilante na aplicação da Teoria da Interrupção do Nexo Causal e na Teoria da Causalidade Adequada. Além do mais, a doutrina possui vários entendimentos sobre o tema.
Por fim, a Teoria da Causalidade Eficiente pressupõe que as condições que concorrem para um certo resultado não são equivalentes, existindo sempre um antecedente que, em virtude de um intrínseco poder qualitativo ou quantitativo, elege-se como verdadeira causa do evento danoso. Nessa teoria, o juízo acerca da causalidade não se daria in abstrato, mas in concreto, observando-se qual entre as várias causas foi a mais eficiente para a produção do evento danoso.
As críticas dessa teoria é que nem os seus defensores conseguem eleger um consenso sobre um critério mais ou menos objetivo que permitisse selecionar, de forma concreta, entre as diversas causas de um dano, qual delas teria o condão de produzi-lo, com o intuito de responsabilizar ou não o agente, ou seja, causa uma certa insegurança no tocante à sua aplicação. Ex.: atendimento de um sujeito em um hospital, que vem a falecer. Entre as inúmeras hipóteses de causa mortis deste indivíduo, o operador do direito deveria eleger uma, entre várias outras, que geraram este fato jurídico.
Trazidos, de forma breve e resumida, os pressupostos da responsabilidade civil, passemos a análise da responsabilização pelos danos causados na internet, de forma mais específica.
3. Da responsabilização pelos danos materiais e morais causados na internet
Mesmo que não haja previsão específica na legislação civilista e consumerista, os danos causados na internet devem ser indenizados, se presentes os pressupostos da responsabilidade civil[8].
Com a expansão da internet, os usuários começaram a perceber que é possível praticar comércio eletrônico, transações financeiras, anúncio publicitário de marcas e logotipos, dentre outras hipóteses com potencial rentabilidade. Para a concretização dessas atividades, seria imperioso haver em mãos as informações de potenciais clientes, e, se possível, até mesmo catalogá-los com as suas preferências, com o intuito de realizar uma espécie de “marketing direcionado”, para aumentar a efetividade das iniciativas propostas pelo setor privado.
Contudo, como a internet é um meio rápido de troca de informações, nem sempre se observa boa-fé dos provedores de serviço para a captação, armazenamento e propagação das referidas informações desses usuários.
É possível perceber, através dos mecanismos de busca, que se algum tipo de pesquisa for realizado, alguma oferta publicitária de algum tipo de produto, referente ao assunto de interesse do usuário, aparecerá em algum local visível na janela do referido website.
Como ocorre a captação desse tipo de informação? Além do mais, é lícito captar os dados do usuário sem o seu expresso e inequívoco consentimento?
Existem duas formas para a captação dos dados do usuário na internet: o sistema Opt-in e o sistema Opt-out.
O sistema Opt-in caracteriza-se pela emissão de um pedido de permissão do servidor ao usuário para a captação dos seus dados. Ou seja, caso o usuário aceite os termos de conduta que lhe são impostos pelo website, seus dados poderão ser captados, armazenados e eventualmente, até divulgados. Ex.: Facebook, Linkedin, dentre outros.
O sistema Opt-out caracteriza-se pela captação dos dados do usuário independentemente de sua vontade. Ou seja, basta que o usuário navegue no website do servidor para que seus dados sejam captados, armazenados, e, eventualmente, até divulgados. Ex. Google, Escavador, Jusbrasil, entre outros.
Ao debruçarmos a análise sobre a legislação vigente, verifica-se que o sistema atualmente aceito para a captação de dados dos usuários é o Opt-in, uma vez que, conforme a previsão contida no art. 7º, VI e VII, “c” do Marco Civil da Internet[9], e do art. 43, §2º, do Código de Defesa do Consumidor[10], o usuário deve obter informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, além de informações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, sendo obrigação do agente provedor de serviços promover um comunicado por escrito ao consumidor, quando ocorrer a abertura de cadastro, ficha ou registro de seus dados pessoais, devendo ser requisito fundamental para tanto, o seu expresso consentimento.
“Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
VI – informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, com detalhamento sobre o regime de proteção aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade;
VIII – informações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que:
c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos de uso de aplicações de internet;
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.”
Verifica-se que, mesmo se o servidor de serviços que se utiliza do sistema Opt-out realizar a captação de dados e informações do usuário de internet sem lhe causar danos diretos, ainda sim estará praticando um ato em desconformidade com a legislação vigente, e tal postura deve ser combatida pelos órgãos de proteção ao consumidor. A argumentação dessas empresas muitas vezes se volta à própria proteção dos dados do usuário. Ora, na prática, diz-se o absurdo de que é possível violar a privacidade do indivíduo para a sua própria proteção na rede. Neste sentido, argumenta Roberto Senise Lisboa:
“O argumento segundo o qual torna-se necessária a supervisão da informação transmitida pelo usuário por razões de segurança pode ser utilizado com o intuito deliberado de não se reconhecer a esfera personalíssima de intimidade do usuário.
Violar a correspondência via Internet por motivos de segurança da empresa sobressalta aos olhos. Afinal, infirma-se um direito da personalidade (a intimidade e privacidade do usuário) sob o pretexto de se prevenir a violação de outro direito da personalidade (o direito ao sigilo da empresa).
Não se concebe a prática danosa para se inibir, preventivamente, eventual dano que sequer se pode afirmar que se verificará”.[11]
Logo, a mera captação de dados do usuário sem o seu expresso consentimento, por si só já gera um dano à sua privacidade, o que deve ser-lhe ressarcido através de indenização por danos morais, e, eventualmente, patrimoniais, se demonstrar a monetização da referida informação.
Contudo, mesmo se nos distanciarmos desta modalidade de dano quase indireto ao indivíduo, é possível verificar outras hipóteses que acarretam prejuízos morais e até mesmo materiais de forma direta ao usuário dos serviços disponibilizados pelo provedor.
Recentemente houve um ataque hacker global que afetou 74 países segundo uma empresa russa[12]. Os hackers realizavam uma espécie de “sequestro de arquivos” através da utilização de um vírus capaz de vencer os sistemas de segurança da empresa Microsoft. Contudo, a invasão à privacidade desses usuários se deu através do meio cibernético[13], ou seja, ocorreu através da internet.
Ora, caso o ataque atingisse algum brasileiro, o mesmo haveria de ter o direito subjetivo de propor ação indenizatória em face dos ofensores diretos, e, subsequentemente, através de responsabilidade subsidiária, aos provedores de serviço, no caso, a própria empresa Microsoft, tendo em vista que esta criou um ambiente de risco aos seus usuários, no tocante a falha da devida prestação de segurança que prometera em seus contratos de adesão aos usuários.
Tudo isso para comprovar que a argumentação trazida pelos servidores de aplicações no tocante à “proteção garantida” das informações que possuem sobre os usuários é falha e deve ser revista, principalmente quando o consumidor não deu o seu expresso consentimento para o armazenamento, cadastro, publicação e divulgação de suas informações pessoais.
Outras situações igualmente graves podem ser verificadas pelas atitudes de provedores de aplicação. Cita-se, por exemplo, o site Escavador, que realiza a coleta de dados pela Deep Web[14] dos usuários. Através das informações contidas neste site é possível saber, com demasiada facilidade, se determinado sujeito ajuizou algum tipo de reclamação trabalhista ou figurou como réu em determinada ação penal, o que dificulta sobremaneira o seu ingresso no mercado de trabalho, com a facilitação da formação das ditas listas negras[15].
Por fim, é imperioso ressaltar que a internet guarda um amplo acervo de dados, que devem ser vistos com cautela pelo usuário, tendo em vista que poderá ser vítima de algum ato ilícito, podendo lhe causar danos patrimoniais ou extrapatrimoniais.
4. Conclusões
Por todo exposto, é possível verificar que a legislação não conseguiu acompanhar o desenvolvimento tecnológico das redes.
Contudo, mesmo que inexista legislação específica sobre o assunto, é possível, através da análise dos requisitos da responsabilização civil, concluir pela possibilidade de responsabilização de indivíduos que causem danos individuais ou coletivos a outrem através da rede mundial de computadores. Também é possível verificar a existência de responsabilização subsidiária por parte do provedor de serviços de aplicações na internet, caso esteja envolvido com a ineficiência de segurança dos dados dos usuários.
É possível notar, igualmente, que uma série de grandes provedores de serviços utiliza-se de meios ilegais para a captação dos dados dos usuários de internet, e a mesma deve ser combatida com rigor pelos órgãos de proteção ao consumidor, e até mesmo pelo próprio Ministério Público, tendo em vista que, por mais que o discurso desses provedores caminhem no sentido de garantir a proteção dos usuários, o mesmo é irreal, conforme demonstrado anteriormente, em alusão ao caso do ataque hacker cibernético mundial por intermédio da internet.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Nunes Sindona
Advogado especialista em direito previdenciário tributário e empresarial pela PUC-SP graduando em ciências contábeis e economia