Apontamentos sobre o fenômeno do condomínio de fato no direito brasileiro

Resumo: O condomínio de fato é um fenômeno que vem surgindo nos últimos anos nos centros urbanos brasileiros como nova modalidade imobiliária devido principalmente à omissão do poder público na prestar serviços e ao aumento da violência nas cidades. Trata-se normalmente da organização de moradores de uma determinada área que se organizam e passam a administrar e zelar um logradouro público, inclusive limitando o acesso de pessoas que não residem naquela área. O presente trabalho analisará alguns aspectos jurídicos e controvérsias do referido Fenômeno, buscando inclusive analisar o fenômeno ante a falta de tratamento legal específico.


Palavras-chave: Condomínio de fato, Direitos Reais, Problemas Urbanos, Propriedade Imobiliária.


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Abstract: The condominium in fact is a phenomenon that is appearing in the last years in the Brazilian urban centers as new real estate modality owed mainly to the omission of the public power in rendering services and to the increase of the violence in the cities. It is usually treated of the residents’ of a certain area organization that you/they are organized and they start to administer and to care for a public public area, besides limiting the people’s access that you/they don’t reside in that area. The present work will analyze some juridical aspects and controversies of the referred Phenomenon, looking for besides to analyze the phenomenon in the face of the lack of legal treatment specific.


Keywords: Condominiun in fact, Rights in rem, Urban problems, State Property.


Sumário: 1 – Introdução; 2 – Considerações iniciais sobre o condomínio de fato; 3 -Outros tipos de relações condominiais; 4 – Peculiaridades do fenômeno; 5 – Conclusão.


1. Introdução


Com a evolução das relações sociais, é necessário que o direito venha a se adaptar de modo a cumprir sua função. As complexas mudanças pelas quais a sociedade humana passou nos últimos anos criaram a necessidade de uma nova dinâmica quanto as relações do direito de propriedade.


Figuras como o Condomínio de fato surgem dentro dessa nova dinâmica, motivado principalmente na omissão do Estado em fornecer serviços básicos que lhe seria próprio oferecer, e ante a isso, os próprios particulares se reúnem com a finalidade executar esses serviços.


No entanto, essa nova situação, continua a margem do Direito, não reconhecida, sem no entanto, deixar de ter implicações sociais e jurídicas, criando inclusive novos problemas, razão pela qual não pode mais ser ignorada pelo Poder Público.


2. Considerações iniciais sobre o condomínio de Fato.


Tem-se condomínio, quando um determinado bem ou, um conjunto de bens, pertence a uma pluralidade de pessoas, cabendo a cada uma delas igual direito idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes. Na lição de CAIO MÁRIO,


“o poder jurídico é atribuído a cada condômino, não sobre uma parte determinada da coisa, porém sobre ela em sua integralidade, assegurando-se a exclusividade jurídica ao conjunto de comproprietários, em relação a qualquer pessoa estranha e disciplinando-se os respectivos comportamentos, bem como a participação de cada um em função da utilização do objeto”[1].


Após a I Guerra Mundial, com a crise habitacional que surgiu inicialmente na Europa em função do crescimento das cidades e a conseqüente valorização dos terrenos urbanos, que provocou a necessidade de melhor aproveitamento do solo, e essa por sua vez provocou o crescimento da propriedade horizontal. “O desenvolvimento urbano, a valorização dos terrenos citadinos e a necessidade de aproveitamento de espaço suscitaram a idéia de instituir condomínio nos prédios de mais de um andar, distribuindo-os por diversos proprietários.” [2] Ganha importância a figura do Condomínio Edilício, como figura especial de condomínio, onde se tem a reunião orgânica de espaços comuns sendo regidos pelas regras de condomínio ao lado de espaços individuais, de utilização exclusiva, consistindo no direito de propriedade de seu titular. O crescimento da atividade empresarial da incorporação imobiliária, com todas as suas conseqüências, bem como a necessidade de regulamentar esse novo regime condominial, demandaram uma regulamentação específica desse tipo dessa situação, como uma forma de definir e regulamentar direitos e obrigações de incorporadores, construtores e adquirentes de unidades.


Da mesma forma, demandado pela necessidade, surge nova figura na contemporaneidade a figura do denominado “condomínio de fato”, expressão que, não obstante as críticas, vem sendo usada para designar a situação em que as vias e espaços livres pertencem ao poder público, sendo que o proprietário de cada unidade ou lote é titular do direito de propriedade de forma tradicional. Como informa MATTIETTO, “não há propriamente aí uma comunhão incidente sobre direitos reais. Tem-se, na verdade, uma espécie de loteamento com propriedades individuais, e uma situação fática de aparência condominial” [3]. O que ocorre no condomínio de fato é a reunião de proprietários ou possuidores de vários imóveis de uma localidade se reúnem, formal ou informalmente e passam a controlar e gerir determinadas áreas de domínio público, normalmente ruas e praças, como se fossem condôminos dessas áreas.


Se a expressão “condomínio” já é bastante criticada pela sua impropriedade tanto para a figura do “condomínio edilício” quanto pra essa nova figura, não menos merecedora de críticas é a expressão “de fato”, uma vez supondo-se a antítese fato e direito. Pois, mesmo ignorada pelo ordenamento jurídico enquanto forma de negócio jurídico, essa nova forma vem se proliferando na realidade social, gerando efeitos vários e por isso exigindo a tutela do mundo jurídico.


Conforme relata DANIELLE MACHADO SOARES,


“a insuficiência do poder público quanto a questões de segurança, higiene, abastecimento de água, conservação de vias e logradouros públicos de uso comum do povo, levou os proprietários individuais a se agruparem informalmente, de modo a comportarem-se como condôminos, sem que houvesse a efetiva relação condominial.”[4]


Assim, conforme aconteceu com o Condomínio Edilício, movido pela necessidade de uma crise imobiliária do pós-guerra, também surge movido pela necessidade, ante as novas situações que surgiram com o passar dos anos.


A referida figura possui natureza híbrida, com características de figura de direito real e direito obrigacional ao mesmo tempo. Tem-se por um lado cada condômino exercendo a sua propriedade na forma tradicional que é plena sobre o lote de que é titular como unidade autônoma e o aspecto condominial que está direcionado para o bem de domínio público, em que os titulares dos lotes autônomos se organizam de modo semelhante ao do regime dos condomínios edilícios. Essa nova figura só vem a corroborar com a tese da superação divisão clássica direitos reais – direitos obrigacionais.


 Se por um lado temos novos aspectos na relações obrigacionais e reais que provocaram um encurtamento da distância principiológica entre a propriedade, que perde seu caráter absoluto, e os contratos, que passaram a extrapolar a esfera meramente intersubjetiva, por outro teremos o surgimento de diversas figuras híbridas, onde se verá ao mesmo tempo existência de relações obrigacionais em figuras de direito real, como ocorre no usufruto, por exemplo. Ademais, essa divisão perde importância na medida em que o Direito Civil vem abandonando paulatinamente a perspectiva oitocentista meramente patrimonialista típica do liberalismo, com o advento do Estado Social, em prol da valorização do ser humano. Nesse sentido, em nível nacional tem-se a Constituição Federal de 1988 impregnando o Direito Privado com seus novos valores sociais, tutelando a dignidade da pessoa humana e objetivando a solidariedade, e fazendo com que aquele tenha um novo foco. Assim, parece ter razão PIETRO PERLINGIERI ao visualizar a unificação das teorias relativas a relações patrimoniais, mesmo que não sistemática e uma divisão conforme sejam as relações patrimoniais ou não patrimoniais[5].


Quanto às características básicas desse novo instituto, temos as seguintes:


1 – As vias e espaços livres pertencem ao Município, alterando-se apenas o direito de uso, que é retirado da coletividade e assegurado aos moradores do local;


2 – O proprietário do lote goza do direito de propriedade de forma tradicional, ou seja, como todo e qualquer titular do domínio;


3 – As praças, ruas, vias de comunicação e outros espaços livres tem seu uso limitado aos proprietários dos lotes;


4 – Há domínio comum sobre determinados bens, tais como guaritas e seus acessórios, bombas de água e reservatórios, materiais utilizados na manutenção e conservação das vias e espaços públicos;


6 – Serviços de vigilância e segurança, coleta de lixo, distribuição de água e rede de esgoto, pavimentação e conservação das partes comuns e dos serviços.


7 – Administração e funcionamento, normalmente a cargo de uma entidade associativa dos moradores locais;


8 – Rateio de despesas necessárias a manutenção e conservação das partes comuns e dos serviços;


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Um dos grandes problemas que tem-se apresentado no que tange a novas figuras no caso dos Direitos reais, é justamente a questão do sistema de enumeração “numerus clausus”. Sem dúvida trata-se de uma questão importante, uma vez que temos vários institutos com todas as características de Direitos Reais e que não são tratados juridicamente como tal em função do sistema de enumeração exaustiva.


O sistema do numerus clausus é um sistema fechado, exclusivo, onde só se admite as situações ou figuras expressamente enumeradas pela lei. Diferentemente do que ocorre no Direito das Obrigações, onde a vontade das partes é suficiente para a criação de uma figura válida, no caso dos Direitos Reais da maioria dos países, tem-se a enumeração exaustiva do que é Direito Real. Conforme se sabe, tal sistema tem origens no Direito Romano, mas ganhou prestígio principalmente após a revolução francesa, onde o sistema fechado de direitos reais foi uma das formas encontradas pela burguesia de concretizar seus objetivos como e consolidar a nova ordem político-econômica acabando com de vez com o sistema feudal que ainda imperava.


“A burguesia precisava da liberdade, e o Estado liberal-democrático, assentado naquele formalismo jurídico que em Kant chegara à sua formação mais acabada, era um Estado destituído de conteúdo, neutralizado para todo ato de intervenção que pudesse embaraçar a livre iniciativa material e espiritual do indivíduo, o qual, como soberano, cingira a Coroa de todas as responsabilidades sociais”.[6]


O sistema contraposto ao “numerus clausus”, denominado “numerus apertus”, também encontra suas raízes no direito romano, no campo do direito das obrigações. È o sistema chamado aberto. A lei não restringe o número de situações ou figuras que podem ser criadas, quando muito, faz uma enumeração que é meramente exemplificativa. Os direitos obrigacionais são considerados ilimitados por natureza, e em razão disso, o sistema do “numerus apertus” é muito mais adequado a estrutura dessas relações, muito dinâmicas, e que podem assumir várias facetas diferentes, com novas configurações.


LUCIANO CASTRO MAIA assevera que


“Os direitos reais são tradicionalmente definidos pelo poder que o homem tem de dominar as coisas. Por serem absolutos e, portanto, oponíveis a toda a coletividade, o ordenamento exige desta o dever de abstenção sobre a prática de qualquer ato ilícito em desfavor dos poderes conferidos ao titular de um direito real. Para que isso ocorra com certa segurança, deve ser proporcionado amplo conhecimento sobre quais são os direitos reais e o conteúdo de cada um deles para a sociedade, o que corresponde aos princípios da taxatividade e tipicidade, cuja compreensão se faz necessária para contextualização do tema.”[7]


A que se observar que também hoje, as relações que regem a propriedade adquiriram um caráter mais dinâmico, sendo necessário a mudança do sistema do numerus clausus para o do numerus apertus. Conforme os argumentos das duas correntes, os defensores da primeira, argumentam que os direitos reais não são numerosos, são finitos, por essa razão seu elenco é facilmente enunciável. Contraposto, tem-se o argumento invoca-se a possibilidade do domínio ser decomposto em tantos direitos quanto sejam as frações de utilidade econômica que a coisa possa obter, não sendo possível a partir disso, a determinação em texto legal, do número desses direitos. Ora, como se sabe, a sociedade é uma coisa dinâmica, os anseios sociais são mutáveis e o direito deve acompanhar as transformações e mudanças de valores que ocorrem na sociedade, como bem diz RÁO, o direito deve acompanhar a realidade social, pois existe em função dela.[8] Se a sociedade muda, o direito também de mudar sob pena de engessar a vida em sociedade e perder sua finalidade. Assim, parece não mais assistir razão ao princípio do “numerus clausus” no sistema que rege a propriedade.


3. Outros tipos de relações condominiais.


O Código civil trata de duas formas de Condomínio. O condomínio ordinário, que trata-se simplesmente da situação de múltiplos sujeitos e a justaposição de relação de titularidade destes com um único bem, ou, um conjunto de bens indivisíveis e a situação do condomínio edilício ou horizontal, caracterizado pela coexistência de áreas de uso ou propriedade comum e áreas de uso e propriedade individuais.


A realidade vem se mostrando cada vez mais dinâmica quanto a relações condominiais. Para que se visualize tal situação basta que se veja quantos novos institutos e figuras surgiram como formas de condomínio as quais normalmente os autores chamam de “novas propriedades” e que, como o condomínio horizontal, surgem das necessidades sociais muito antes de ganharem alguma atenção do legislador, em função de se afastarem das figuras da civilística tradicional. Como essas novas figuras tem-se o loteamento fechado, a multipropriedade imobiliária, o shopping center, clubes de campo e cemitérios privados.


O loteamento fechado, instituído pela lei 6.766 de 1979, é um desmembramento criado por lei que tem como características o fato do proprietário do lote gozar do direito de propriedade como qualquer titular do domínio sobre o lote integrante de parcelamento tradicional. Nesse caso, todo lote deve ser cercado ou murado em seu perímetro; o acesso é feito por um único local, como regra, mas nada impedindo que haja mais de um, havendo sempre portaria e portão, com porteiro, estando o acesso interno submetido a identificação prévia; os logradouros e espaços livres tem seu uso limitado aos proprietários dos lotes, mediante permissão ou concessão do município que continua sendo o proprietário dessas áreas, retiradas o uso da coletividade e assegurando somente aos moradores locais; há o domínio comum dos moradores sobre determinados bens, como cercas e portaria, por exemplo; é necessária a manutenção das áreas públicas quando o próprio município não cuida disso; é necessária a manutenção e a conservação dos serviços, bens e partes comuns; e finalmente, necessário uma administração que se incumba das tarefas afetas ao funcionamento interno do loteamento.


Quanto a multipropriedade imobiliária, surge na Europa e América do Norte no início dos anos 80 através do sistema imobiliário e hoteleiro, ante a procura da classe média por residências de férias. Nesse caso, diversos proprietários repartem o aproveitamento econômico de certo imóvel em turnos intercorrentes, normalmente semanas anuais, destinando-as discriminadamente a cada um dos titulares, com exclusividade e em caráter perpétuo, de modo que a cada multiproprietário corresponda o direito de aproveitamento econômico de uma fração espaço-temporal, incidente sobre determinada unidade imobiliária em período certo do ano, sem concurso dos demais.


No caso do shopping center, tem-se um condomínio atípico, principalmente quando cada unidade comercial é alienada a um titular. É subordinado a regras próprias, onde normalmente o contrato do shopping exerce a função de convenção condominial. No entanto, na prática, o empreendedor normalmente mantém com certa freqüência a propriedade de todo o imóvel, dando apenas as lojas em locação, ou a outro título, razão pela qual se aplica por analogia a lei condominial, tendo em vista as despesas de manutenção e o regime de partes de utilização comum.


No que se refere a clubes de campo não existe também legislação específica sobre o assunto.  Normalmente uma relação de cunho contratual que pode ter repercussão no direito real caso haja imóveis alienados em seu interior, hipótese em que se recorrerá a estrutura do condomínio horizontal caso hajam demandas a serem resolvidas. A idéia do clube de campo é o caso em que se tenha um condomínio de áreas comuns onde o proprietário desfrute de serviços complementares e seja proprietário de um lote.


Quanto aos cemitérios privados, surge com a possibilidade dada a proprietários de terrenos amplos de se explorar a atividade funerária como atividade empresarial, em decorrência de permissão legal dada pelo Código de Postura Urbana de cada município. Em decorrência desse direito concedido pelo poder público ao proprietário do terreno, surge a relação entre o município, o proprietário do terreno do cemitério e o adquirente do espaço para a sepultura, que vai trazer uma série de situações, que pode incidir em vários institutos jurídicos, como a servidão de passagem entre jazigos, locação se serviços, cobrança de cotas condominiais para a manutenção do cemitério, desapropriação de sepulturas, etc. Esses direitos vão depender dos tipos de contratos firmados.


4. Peculiaridades do fenômeno.


Em primeiro lugar, observe-se que resulta da autonomia privada, da reunião informal de proprietários que por sua própria iniciativa passam a se comportar como verdadeiros condôminos diante de um bem público, situação que não é permitida em nosso ordenamento jurídico em razão do sistema de tipicidade fechada.


Tem natureza híbrida onde apresenta traços de vários outros institutos, como o loteamento fechado, condomínio horizontal e figuras do direito administrativo, que podem ser mescladas, conforme o interesse da Administração Pública em, de alguma forma normatizar e regulamentar as situações referentes aos condomínios de fato. Conforme a doutrina administrativa, não há óbice à utilização do bem público de uso comum, objeto do condomínio de fato, em caráter privado, desde que se obedeça a certos requisitos e procedimentos, estabelecidos de acordo com os princípios constitucionais da administração pública.


Conforme ensina CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, “a utilização de bens públicos pelos particulares, como é natural, depende do tipo do bem (bem de uso comum, de uso especial e dominical), mas se propõe em relação a qualquer dessas categorias”. [9]


Tratando-se de um bem público de uso comum ou de uso especial, necessário é que passe por um processo de “desafetação”, que consiste na retirada, através de lei, da destinação pública específica que é dada àquele bem e que ele se torne bem dominical.


Quanto à utilização do bem público de forma privativa, ela pode ocorrer nas seguintes modalidades: Concessão ou cessão de uso, Permissão de uso e Concessão de direito real de uso. Concessão ou cessão de uso, conforme BANDEIRA DE MELLO, é o contrato administrativo pelo qual a Administração pública trespassa a alguém o uso do bem público para uma finalidade específica. Aplica-se ao bem público de uso especial, e por isso, não será objeto do condomínio de fato. Permissão de uso, que é o ato unilateral, precário e discricionário quanto à decisão de outorga pelo qual se faculta a alguém o uso do bem público. Sempre que possível, será outorgada mediante licitação ou, no mínimo, com obediência a determinados procedimentos que assegurem tratamento isonômico aos administrados. Logicamente, sempre que possível, pois vão acontecer casos em que, evidentemente não se poderá efetuar tais procedimentos, como no caso de alguém que explore bar ou restaurante e queira instalar mesinhas na calçada, ou mesmo no caso do condomínio de fato. São situações que diretamente não são movidas por interesse geral, pois os destinatários são certos e não há lugar pra competição. Há que se falar ainda na última modalidade admitida, a Concessão do Direito real de uso, que é o contrato administrativo que transfere o direito real resolúvel de uso, a título remunerado ou gratuito de terreno público ou do espaço aéreo que o recobre, para que seja utilizado com fins específicos, normalmente de urbanização industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social. Esse Contrato administrativo, incidirá sobre o bem público dominial.[10] Dessa forma, a Concessão de direito real de uso e a permissão de uso, são as figuras que aqui interessam, por serem elas objetos possíveis para o condomínio de fato.


Importante ressaltar que a Administração Pública deverá tomar certas precauções e procedimentos, de forma que os interesses públicos e sociais não saiam prejudicados, e sejam obedecidos os princípios constitucionais da administração pública.


Um interessante exemplo para se visualizar a questão da ponderação de interesses públicos pela administração, seria por exemplo, a situação de uma rua sem saída e mal cuidada, onde os moradores pretendem assumir a sua gestão como condôminos, zelando pela infra-estrutura e até melhorando as condições do logradouro, frente a situação de uma rua que não obstante a necessidade de cuidados e infra-estrutura e da disposição dos moradores em zelar por ela e limitar o acesso, é o único ou principal caminho para uma determinada Escola, ou Hospital. Nesse caso, o interesse público parece obstar a constituição do condomínio nesse logradouro, até mesmo por força do Princípio da Eficiência da Administração Pública, pois o custo social não parece de maneira nenhuma justificar a medida.


Superados tais obstáculos, vislumbre-se aqui a possibilidade de se legalizar o condomínio de fato e de alguma forma, regularizar essa situação.


Outra questão que se coloca, é a do Rateio das despesas do Condomínio. Por ser uma situação irregular, faltam-lhe alguns requisitos para sua projeção dentro do mundo do direito, que lhe possibilitariam gerar efeitos jurídicos. Normalmente, essas situações, que se assemelham ao Condomínio horizontal também quanto ao rateio de despesas, por estarem à margem do direito, somente vão encontrar legitimidade para a cobrança das despesas do Condomínio no estatuto da associação de moradores, que normalmente é a base, para o surgimento dessa nova figura. Mas o que se fazer no caso dos moradores não associados?


Além da falta de previsão normativa legal para o registro do condomínio de fato no Registro de Imóveis, e havendo a recusa de proprietários ou moradores em participar da Associação, sendo que no caso estarão amparados pela liberdade de associação preconizada na Constituição Federal, segundo a qual “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.[11]


A jurisprudência tem oscilado nos tribunais. No Superior Tribunal de Justiça, não é diferente:


“Loteamento. Associação de moradores. Cobrança de taxa condominial. Precedentes da Corte. 1. Nada impede que os moradores de determinado loteamento constituam condomínio, mas deve ser obedecido o que dispõe o art. 8º da Lei nº 4.591/64. No caso, isso não ocorreu, sendo a autora sociedade civil e os estatutos sociais obrigando apenas aqueles que o subscreverem ou forem posteriormente admitidos. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Matéria Cível. Recurso Especial No. 623.274/RJ. Relator Ministro Menezes Direito. Brasília, DF,  20 de agosto de 2001)


Da mesma forma, vide julgado daquela corte em sentido contrário:


“RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO ATÍPICO. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. COBRANÇA DE DESPESAS COMUNS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. O proprietário de lote integrante de gleba urbanizada, cujos moradores constituíram associação para prestação de serviços comuns, deve contribuir com o valor que corresponde ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não é adequado continue usufruindo dos benefícios sociais sem a devida contraprestação. Precedentes. Recurso conhecido e provido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Matéria Cível. Recurso Especial No. 538.833/RJ Relator Min. Castro Filho. Brasília, DF, 22 de novembro de 2005)


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Ante o princípio do não enriquecimento sem causa, já a muito recebido pela nossa jurisprudência, e agora também expresso no texto do Código Civil, não restam dúvidas, uma vez que, mesmo que determinado morador resista a associar-se, o simples fato de situar dentro daquele contexto, faz com ele se beneficie, direta e indiretamente, dos serviços oferecidos pela associação que constitui o condomínio de fato. Seja em razão da segurança e serviços oferecidos ou até mesmo da valorização que o seu imóvel sofrerá em função disso. Permitir que o morador não associado se beneficiasse sem contribuir com as despesas,  configuraria situação de enriquecimento sem causa.


Não há que se cogitar o princípio constitucional da liberdade de associação, como forma de se evitar a participação no rateio das despesas condominiais. Conforme se observa, a despesa do condomínio não parte do fato “estar associado” e sim das despesas que aproveitaram também aquele morador, encravado dentro da área do condomínio de fato que recusa-se a participar da associação. A partir do momento que você tem a cobrança de valores, com a destinação específica, que aproveita ao condômino não associado, tem-se então como legitima a cobrança de valores deste.


A discussão parece perder razão uma vez que a teoria do enriquecimento sem causa se consolidou definitivamente no ordenamento jurídico brasileiro ao ganhar corpo no texto do Código Civil. Talvez no caso de alguma cobrança sem destinação específica, por parte da associação, ou simplesmente por compor a associação, ou “estar associado”, daria razão à alegação do princípio da liberdade de associação para contestar a cobrança. No entanto, mesmo para aqueles que enxergam na situação “estar associado” a legitimidade para cobrança de despesas, e pelo fato de se tratar de norma constitucional o princípio da liberdade de associação, de norma hierarquicamente superior ao Código Civil, onde se encontra expressa a vedação ao enriquecimento sem causa, cabe alegar que tal princípio, parece plenamente de acordo com a Constituição Federal, que é impregnada de valores sociais, onde o individual sempre é sobrepujado pelo interesse geral, e que traz a “solidariedade” como um dos valores constantes nos objetivos da república federativa do Brasil. Assim, poderíamos mesmo dizer que, o principio do enriquecimento sem causa chega mesmo a ser um princípio implícito da Constituição Federal.


Finalmente como último aspecto a ser observado, tem-se a questão da proteção possessória. DANIELLE MACHADO SOARES, entende que o Condomínio de fato não se encontra sob proteção possessória, quanto às partes de uso comum, uma vez que tal tutela é própria da propriedade privada, tendo em vista que o objeto da associação pertence ao ente público.[12] Acredita que nesse caso, seria cabível apenas ação de natureza indenizatória. Ora, no entanto, uma vez caracterizada a situação de Posse, por parte dos condôminos, sendo essa posse justa, legitimada por um contrato administrativo, não há motivos para que essa posse não seja protegida. Inclusive tal proteção encontra azo na própria teoria da função social da posse, quando esta, ao reinterpretar o direito de posse e esse passa a ser contemplado sob sua feição social e sob a importância da sua utilidade social, o que faz inclusive, à luz dos princípios constitucionais em vigor.[13] Ademais a tutela possessória é um pressuposto lógico, para que o possuidor legítimo possa tirar o proveito econômico do bem sem ser molestado.


No entanto, cabe recordar aqui que, tratando-se a posse do bem público, só haverá proteção possessória quando a Administração Pública autorizar através dos meios já citados, o uso pelos moradores do bem público objeto do condomínio de fato.


Em se tratando também de Bem público de uso comum o objeto do condomínio de fato, susceptível de permissão de uso, trata-se de um ato unilateral, precário e discricionário, que, podendo ser revogado a qualquer tempo sem indagar interesses do permissionário e não dá a este nem o direito a indenização, a proteção possessória só será possível contra terceiros, e jamais contra a Administração pública, permissora.


5. Conclusão


O condomínio de fato, como nova figura jurídica, até então ignorada pelo legislador necessita ser reconhecido pelo Estado, em função da realidade social problemática em que está inserido e em função dos grandes problemas jurídicos que sua regulamentação e reconhecimento poderiam resolver.


A analise do instituto revela que, mesmo que seja possível dar soluções a algumas questões que a situação envolve, a mesma reclama uma maior atenção por parte do Estado, que por sua omissão é um dos grandes responsáveis pelo surgimento de tal figura.


De toda forma, se o Estado não tem se mostrado presente em certas situações, causadoras do fenômeno, também deixado novamente a desejar ao deixar de reconhecer e regular o fenômeno que tem se mostrado em fatos freqüentes. A omissão no reconhecimento e na regulação do fenômeno tem criado controvérsias e dificuldades em respostas jurídicas, inclusive na manifestação do poder judiciário.


 


Referências

ALBUQUERQUE, Ana Rita Viera de. Função social da posse. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

BONAVIDES. Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7. Ed., São Paulo: Malheiros, 2001.

MAIA, Luciano Soares. Direitos reais e condomínio de fato. In: http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/bh/luciano_soares_maia2.pdf.  Acesso em 22/03/2010.

MATTIETTO, Leonardo. Associação de moradores, condomínio de fato e cobrança de contribuições. Revista Jurídica. Porto Alegre, v. 334, agosto de 2005.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13. ed., São Paulo: Malheiros, 2000.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil; volume 4 – direitos reais. 19. ed., Rio de Janeiro: 2004.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 6 ed.º, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

SOARES, Danielle Machado. Condomínio de fato. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

 

Notas:

[1] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil; volume 4 – direitos reais. 19. ed., Rio de Janeiro: 2004, p. 175.

[2] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Op. Cit., p. 185.

[3] MATTIETTO, Leonardo. Associação de moradores, condomínio de fato e cobrança de contribuições. Revista Jurídica. Porto Alegre, v. 334, agosto de 2005, p. 74.

[4][4] SOARES, Danielle Machado. Condomínio de fato. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 82.

[5][5] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

[6] BONAVIDES. Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7. Ed., São Paulo: Malheiros, 2001. P.68.

[7]MAIA, Luciano Soares. Direitos reais e condomínio de fato. In: http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/bh/luciano_soares_maia2.pdf. Acesso em 22/03/2010.

[8] “Encontra-se, pois, a origem do direito na própria natureza do homem, havido como ser social. E é para proteger a personalidade deste ser e disciplinar-lhe sua atividade, dentro do todo social de que faz parte, que o direito procura estabelecer, entre os homens uma proporção tendente a criar e a manter a harmonia da sociedade.” (RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 6. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 53.)

[9]MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13. ed., São Paulo: Malheiros, 2000. p. 762.

[10] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. Cit., p. 766-768.

[11] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada a 5 de outubro de 1988. Art. 5, XX.

[12] SOARES, Danielle Machado. Op. Cit., p. 105.

[13] ALBUQUERQUE, Ana Rita Viera de. Função social da posse. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 11.


Informações Sobre o Autor

João Emilio de Assis Reis

Mestre em Direito Privado pela UNIFLU-RJ, Doutorando em Direito pela PUC-SP, Professor de Direito Civil no UNASP-SP


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