As Famílias e o Ambiente Virtual Durante A Pandemia: O Cumprimento Dos Alimentos Devidos em Meio ao Covid-19

Families and the Virtual Environment During the Pandemic: The Fulfillment of Food Due in the Midst of Covid-19

Autora: Thayná Ferreira dos Santos Araújo – Acadêmica de Direito da Faculdade Maurício de Nassau da Unidade de Lauro de Freitas. E-mail: [email protected]

Orientadora: Lorena Esquivel de Brito – Professora Universitária de Direito Civil da Faculdade Maurício de Nassau na Unidade de Lauro de Freitas. Advogada. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado (2009), Pós-Graduação em Contratos e Direito do Consumidor pelo Centro de Direito do Consumo da Universidade de Coimbra (2010) e Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses pela Universidade de Coimbra (2012) / Diploma de Mestre em Direito revalidado pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). E-mail: [email protected]

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Resumo: O presente trabalho objetiva o esclarecimento da temática de alimentos do diploma Civil em circunstâncias do enfrentamento da pandemia do Covid-19 no Brasil, visto a necessidade de manutenção dos alimentos e a razoabilidade da cobrança destes em meio a grave crise ocasionada nas relações trabalhistas pelo isolamento social. Ademais, esclarece-se também acerca do instituto da prisão civil por alimentos durante o isolamento social, conforme entendimento dos tribunais superiores. A metodologia utilizada para o presente trabalho foi a bibliográfica, consulta processual e doutrina tradicional civil, ademais, fez uso também da legislação Civil brasileira, dados processuais dos tribunais. Objetiva-se com a pesquisa elucidar pontos principais para além dos tradicionais existentes no direito para o cumprimento da obrigação alimentícia.

Palavras-chave: Civil. Pandemia. Covid-19. Alimentos.

 

Abstract: The present work aims to clarify the theme of food of the Civil Diploma in circumstances of coping with the pandemic of Covid-19 in Brazil, given the need to maintain food and the reasonableness of the collection of these in the midst of a severe crisis caused in labor relations by social isolation. Moreover, it is also clarified about the institute of civil prison for food during social isolation, according to the understanding of the higher courts. The methodology used for the present work was the bibliographic, procedural consultation and traditional civil doctrine, in addition, also made use of brazilian civil legislation, procedural data of the courts. The objective of the research is to elucidate main points beyond the traditional existing ones in the right to comply with the food obligation.

Keywords: Civil. Pandemic. Covid-19. Food

 

Sumário: Introdução. 1. Direito Civil Constitucional. 2. Ambiente Virtual e o Direito de Família. 3. O Nascimento da Obrigação de Pagar Alimentos. 4. Cumprimento de Alimentos em meio a Pandemia de Covid-19. Elucidações Finais. Referências Bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

Em uma de suas mais importantes frases Ítalo Miqueias da Silva Alves assevera de maneira contundente que: “O direito não se massifica, se vive” – (Miqueias Alves).

O presente trabalho inicia-se com essa frase que marca a trajetória de qualquer acadêmico, jurista, e demais profissionais do direito, pois, o direito é vivido por cada um de nós, é o rumo pelo qual escolhemos as nossas vidas.

O direito tem um importante papel na regulação da situação social dos homens, em verdade, está é a fonte primordial do Estado Democrático de Direito, por meio desta é possível atingir-se objetivos sociais de forma individual e de acordo com o parecer do ordenamento jurídico a ele inerente.

Segundo as importantes lições de Miqueias Alves acerca do surgimento do direito, reside-se a ideia central de que:

O direito nasceu junto com a civilização, aliado à história da sociedade, sob a forma de costumes, no momento em que os povos entram na história, a maior parte das instituições jurídicas já existem, mesmo que ainda misturadas com a moral e com a religião, como o casamento, a propriedade, a sucessão, o banimento, dentre outros, que foram se tornando obrigatórios e isso ocorreu em razão da necessidade de um mínimo de ordem e direção, de regras de conduta, com o objetivo de regular o convívio entre os homens e proporcionar harmonia nas relações humanas. (ALVES, 2017)[1].

Em continuidade de pensamento Ítalo Miqueias da Silva Alves segue o entendimento e apresenta brilhante base teórica acerca da temática histórica do direito até a sua contemporaneidade atual:

Ao se fazer uma análise de ótica dos grandes pensadores, dentre eles Rousseau, Platão, Max Weber, Karl Marx e Montesquieu, o homem poderia carregar em seu âmago, um instinto egoístico, que obrigaria a sociedade, a estabelecer critérios de convivência, em detrimento dos direitos coletivos. Podemos constatar isso em um versículo na bíblia, no livro de Marcos, dito por Jesus: “Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai dele, isso é que contamina o homem. E dizia: o que sai do homem, isso contamina o homem. Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem.” (Marcos 7:15, 20, 21, 22,23). O ser humano é caracterizado pela sua vocação para sociabilidade, e a singularidade de comportamento e formação. Em razão disto, é natural que as relações sociais intersubjetivas ou intergrupais sejam marcadas por divergências de ordens diversas. O Direito teve por finalidade, regulares justamente essas relações humanas, a fim de proporcionar paz e prosperidade no seio social, para impedir a desordem, o crime e o caos que seria proporcionado pela lei daqueles que detinham o poderio, principalmente, o econômico, ou seja, aquele que fosse mais forte, e tendo como objetivo alcançar o bem comum e obter a justiça. Surge então a necessidade de criação de normas de convivência, capazes de regular as relações humanas, com a missão de promover a paz social. As normas jurídicas nascem das vontades resistidas entre as partes de uma sociedade, e tendo por objetivo a minimização dos conflitos, a fim de estabelecer o convívio harmônico entre os homens. (ALVES, 2017).[2]

O direito é adequado a realidade social dos homens, atualmente o mundo tem passado por efeitos de uma pandemia de Covid-19 o qual afetou gravemente as diversas bases sociais e nos fez refletir bastante a respeito dos institutos presentes no direito, sobre tudo no direito civil, haja vista ser o papel deste regular as relações privadas. Sobre tudo isso, o trabalho visa entender as melhores formas de cumprimento da obrigação alimentícia no cenário pandêmico atual.

Conforme pontifica Miqueias Alves:

A grave crise que gira em torno do cenário mundial é uma causa preocupante tanto no Brasil quanto em diversos países do globo. Todos os países passam pela grave crise epidêmica mundial, que afronta todos os nossos hábitos e costumes, obrigando mudanças em nossas atitudes e rotinas diárias. (ALVES, 2020).[3]

Nisto, reforça-se o ponto central da construção desse trabalho, a relação do direito com a situação excepcional ocasionada pela pandemia de Covid-19.

 

  1. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

O direito civil constitucional vem como uma tendência de constitucionalização do direito privado, utilizando os princípios constitucionais para nortear as relações privadas e a orientar as relações entre o Estado e os particulares, de modo a conciliar os valores e preceitos consagrados na Constituição Federal com as regras que regem as relações interpessoais.

Flores Valdés aponta o Direito Civil Constitucional como:

“um sistema de normas e princípios institucionais integrados na Constituição, relativos à proteção da pessoa em si mesma e suas dimensões fundamentais familiar e patrimonial, na ordem de suas relações jurídico-privadas gerais, e concernentes àquelas outras matérias residuais consideradas  civis, que tem por finalidade firmar as bases mais comuns e abstratas da regulamentação de tais relações e matérias, nas que são suscetíveis de aplicação imediata, ou que podem servir de ponto de referência da vigência, da validez e da interpretação da norma aplicável ou da pauta para o seu desenvolvimento.” (Joaquìn Arce Flores-AVldes, El derecho civil constitucional, p. 178-179).

Assim, o reconhecimento da existência do direito Civil Constitucional, de forma autônoma, leva o Estado à necessidade de aprimorar os instrumentos utilizados em sua atuação como agente normatizador das atividades humanas. Desta forma verificou-se a socialização das relações privadas, iniciando um fenômeno de constitucionalização do direito privado.

O que é perceptível, é a vantagem inegável da existência da disciplina direito civil constitucional se verifica na possibilidade do estudo das relações privadas sob um prisma constitucional integrado às relações privadas, conferindo uma nova personalidade ao direito privado.

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Dessa maneira, o direito privado se eleva, sendo colocado no topo do sistema normativo, utilizando-se de uma estrutura que lhe dá vida e evitando uma fragmentação da estrutura normativa, conciliando os princípios constitucionais com a legislação do direito privado.

Neste sentido o direito privado sofre influência direta da norma constitucional, servindo como um instrumento normativo utilizado para complementar os princípios constitucionais, abrindo assim um novo leque normativo tratado como um misto de direito civil com direito constitucional.

 

  1. AMBIENTE VIRTUAL E O DIREITO DE FAMILÍA

Ambiente virtual pode ser conceituado como os e-mails, fóruns, conferências, bate-papos, arquivos de textos, wikis, blogs, dentre outros. Ressalta-se que, em todos estes ambientes, textos, imagens e vídeos podem circular de maneira a integrar mídias e potencializar o poder da comunicação.

O ambiente virtual foi bastante propagado em meio a pandemia de Covid-19, vez que uma das formas a se evitar o alastramento dos vírus é o isolamento social. Diante desse cenário, muitas foram as mudanças necessárias na rotina da população. Foi adotado o teletrabalho como forma de haver a continuidade laboral mesmo quando não fosse possível a abertura das empresas.

Um exemplo disso é o direito de visita ao filho, assim, para poder adequar o direito à nova realidade que nos foi posta, os tribunais vêm relativizando o exercício da convivência do pai ou da mãe com os filhos em razão da pandemia da COVID-19 e a necessidade de isolamento social. Já há, na jurisprudência, decisões nas quais juízes não autorizam o deslocamento de crianças entre as residências dos pais.

Nesse sentido, a 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suspendeu o direito de visitas do pai que havia retornando da Colômbia em razão de ser a filha portadora de problemas respiratórios graves.

Outro exemplo no mesmo tema foi o ocorrido na decisão judicial da 1ª Vara Judicial da Comarca de Taquari, Rio Grande do Sul, a qual regulamentou a visita virtual para garantir os laços de afetividade entre o pai e a filha, que deverá ser realizada por vídeo, ao vivo, duas vezes por semana, pelo prazo mínimo de 10 minutos

Dentre a temática do direito de família, o ambiente virtual foi a forma como o Poder Judiciário encontrou para solucionar os litígios chegados em virtude das obrigações civis cabível ao inadimplente na senda de alimentos.

 

  1. O NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR ALIMENTOS

A Constituição Federal atribui primeiramente à família o encargo de promover, com absoluta prioridade, entre outros, o direito à vida, à saúde, à alimentação de crianças e adolescentes, além disso, o direito à alimentação, inclusive, é reconhecido como um direito social.

Preceitua o artigo 1695 do Novo Código Civil que:

“São devidos os alimentos quando quem os pretende não bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.

Como é cediço por todos, alimentos é subsistência, estabelece-se o binômio: necessidade-possibilidade, em que só pode requer alimentos aquele que realmente não possuir recursos próprios ou esteja impossibilitado de obtê-los, seja por doença, idade avançada, falta de trabalho ou calamidade pública.

Ademais, ainda é necessário outro pressuposto legal para o alimentado obtenha os alimentos que necessita; é necessário que o alimentante possua recursos, ou seja, se encontre em condições de fornecer a ajuda sem que haja desfalque em seu próprio sustento.

Nascida a obrigação alimentar é gerada a uma das partes o cumprimento de sua prestação pelos limites impostos pela lei, observada a sua própria subsistência, a obrigação pode se dar de diversas formas, filhos, separação conjugal, nascituro, em quaisquer que sejam as hipótese de nascimento desta obrigação, fica adstrito ao alimentante o cumprimento sob pena de recair sobre ele condenações ainda maiores, a efeito disso a própria prisão civil.

Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, desde a ratificação do aludido pacto, não haveria mais base legal para prisão civil do depositário infiel, prevista no art. 5º, LXVII, mas apenas para prisão civil resultante da dívida de alimentos.

A respeito disso, Ingo Sarlet aponta que:

A justificativa de tal previsão é mais do que sabida e em si reconhecida, visto que a restrição do direito de liberdade do devedor é tida como indispensável à garantia da própria sobrevivência ou, ao menos e em geral, da satisfação de necessidades essenciais do credor. Por tal razão, a própria possibilidade da prisão civil constitucionalmente prevista, a despeito de constituir fundamento da restrição de direito (da liberdade do devedor), é ela própria uma garantia fundamental. (SARLET, 2016).

Conforme estabelece o enunciado da Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça, é autorizada a decretação de prisão do devedor alimentício inadimplente em relação às 03 (três) prestações alimentares devidas e anteriores ao ajuizamento da ação de execução e ainda as parcelas que subsequentemente vencerem durante o deslinde do processo, nos termos do artigo 733, §1º, da lei 13.105/2015.

A prisão civil do genitor por não cumprimento da obrigação de pensão alimentícia é medida excepcional que somente deverá ser utilizada depois de consumidos os demais meios executivos da obrigação.

 

  1. CUMPRIMENTO DE ALIMENTOS EM MEIO A PANDEMIA DE COVID-19

O Brasil e o mundo tem passado por dificuldades extremas em relação ao enfrentamento da pandemia do Covid-19, dentre as medidas tomadas pelo Governo, podemos citar o isolamento social e o fechamento do comércio, que pela decorrência da duração da circulação do vírus em meio a população, gerou graves dificuldades a serem enfrentadas entre as famílias nesse período, dentre elas está a temática dos alimentos em matéria do Direito Civil.

Os alimentos conforme a doutrina clássica civilista nacional, nos dizeres de Orlando Gomes e Maria Helena Diniz, podem ser conceituados como “prestações derivadas para a satisfação das necessidades pessoais daquele que não pode provê-las pelo trabalho próprio”. [4]

É interessante citar os ensinamentos de Sílvio Rodrigues, o qual esclarece que

“(…) alimentos, em Direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também do vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução”.[5] (Silvio Rodrigues. Direito Civil: Direito de Família. Vol.6. 28 Ed. P.374).

Em harmonia com esse entendimento, Yussef Said Cahali leciona que, alimentos, em seu significado vulgar, é “tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida“, e em seu significado amplo, “é a contribuição periódica assegurada a alguém, por um título de direito, para exigi-la de outrem, como necessário à sua manutenção“. [6]

Os alimentos estão relacionados com os princípios da dignidade da pessoa humana e o da solidariedade familiar, ambos de fonte constitucional. Nessa temática, cita-se os dizeres de Flávio Tartuce, o qual a firma que “no plano conceitual e em sentido amplo, os alimentos devem compreender as necessidades vitais da pessoa, cujo o objetivo é a manutenção da sua dignidade: a alimentação, a saúde, a moradia, o vestuário, o lazer, a educação, dentre outros”. [7]

Passado o plano conceitual a respeito do tema, entende-se que os alimentos de maneira geral, devem ser concebidos dentro do ideal de patrimônio mínimo a dignidade humana do indivíduo.

Em relação a temática do enfrentamento da pandemia global do Covid-19 em virtude do isolamento social, que gerou grandes dificuldades e impactos econômicos pelo fechamento do comércio, o que ocasionou consequências ao cumprimento das obrigações alimentares.

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O dever de prestação de alimentos e as possíveis alternativas jurídicas e processuais para reduzir os impactos do seu inadimplemento, tanto para o devedor como para o credor, tem gerado constantes debates no âmbito do Direito de Família.

O Código Civil trata da obrigação da prestação alimentar no §1º do artigo 1.694. Entretanto, o próprio Código estabelece em seu artigo 1.699 que:

Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo”.

Ademais, a Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos), no seu artigo 15, estipula que:

A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados”.

Além de tudo isso, o Código de Processo Civil em seu art. 505 apresenta o seguinte teor:

“Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II – nos demais casos prescritos em lei”.

            Assim, em harmonia a situação pandêmica atual, o ordenamento jurídico estabelece o instituto da revisão de alimentos em meio as dificuldades econômicas existentes em face do alimentante, ora, pois, havendo a redução da jornada de trabalho e em consequência disso a redução dos salários, houve modificações significativas que ensejam a revisão dos alimentos, já que a nova situação interfere na subsistência o alimentante o que ocasiona de maneira reflexa na impossibilidade da manutenção status quo ante da obrigação alimentícia, e em outro ponto, atinge também a condição da dignidade humana do alimentado.

Ou seja em primeiro momento, tem-se a drástica redução nas possibilidades do devedor, o que enseja, a depender do caso, a suspensão do pagamento ou a redução do montante a ser pago. Entretanto, ciente das dificuldades enfrentadas pelo alimentante para cumprir com a obrigação, não há como se olvidar as mudanças nas necessidades do alimentando.

É de se mencionar que é benéfico as partes o mútuo consenso acerca da situação econômica do alimentante, privilegiando-se assim a conciliação entre as partes, evitando as cargas processuais, para a rápida solução dos conflitos existentes. Todavia, não havendo a conciliação entre as partes, enseja-se a revisional de alimentos para a solução da referida problemática.

Fica evidente a relação binomial alimentar da necessidade e a possibilidade, no entanto, há doutrinadores que apresentam o trinômio alimentar. Para Maria Berenice Dias, o trinômio é constituído por: proporcionalidade/necessidade/ possibilidade. [8]

Já para Paulo Lôbo, o trinômio é a necessidade/possibilidade/razoabilidade[9].

É imperioso mencionar que não é possível a alteração unilateral da obrigação alimentar pelo devedor tendo em vista a redução do valor do pagamento ou a sua suspensão. Pois, ambas as decisões necessitam do crivo do Poder Judiciário, sendo atos de exclusividade analise dos magistrados para a eventual homologação.

Há autores que firmam que a pandemia do Covid-19 é um fato notório e independe de prova, conforme preconiza o artigo 374, inciso I, do Código de Processo Civil. Entretanto, existe a possibilidade do uso da má-fé da situação do coronavírus para pleitear indevidamente a redução ou até mesmo suspensão da obrigação alimentar, e, tal situação merece pronto destaque frente aos Tribunais. Pois, em que pese a situação pandêmica seja cediça por todos, em virtude de não se fomentar a má-fé é necessário a comprovação probatória da impossibilidade da manutenção da situação que gera instabilidade financeira ao devedor.

No tocante à cobrança dos alimentos em atraso por meio do cumprimento de sentença pelo rito da coerção pessoal (prisão), disciplinado no artigo 528 e ss. do Código de Processo Civil, alguns pontos merecem destaque e reflexão.

É facultado ao devedor de alimentos apresentar justificativa, meio de defesa cabível nas execuções de alimentos, a fim de expor suas razões para o inadimplemento da verba alimentar, ainda que parcial, oportunidade em que poderá ofertar proposta de parcelamento do débito alimentar, a qual será apreciada pelo credor.

O Superior Tribunal de Justiça, em 26 de março de 2020, ao analisar pedido formulado pela Defensoria Pública da União, estendeu os efeitos de liminar concedida para o estado do Ceará, de forma a valer, em todo território nacional, em caráter excepcional, a determinação de que o cumprimento de prisão decorrente de dívida alimentar seja feito em regime domiciliar. Nisso, subtende-se que o devedor não pode ter a sua vida colocada em risco tendo em vista a satisfação do crédito alimentar. Portanto, o que justifica a adoção da prisão domiciliar para o devedor de pensão alimentícia em tempos de pandemia é a situação de fragilidade e vulnerabilidade de todos nesse momento.

Acerca do debate sobre o cumprimento forçado da obrigação alimentar, entende-se pela criatividade para efetivar a solução jurisdicional e satisfazer o crédito alimentar, são as formas alternativas a prisão alimentar, em exemplo, podemos citar a penhora de bens para a devida satisfação do crédito alimentar, o desconto em folha de pagamentos ou extrair os rendimentos do devedor.

 

ELUCIDAÇÕES FINAIS

Em suma entende-se que o cenário atual apresenta diversas instabilidades na sociedade, o que faz gerar consequentemente reflexões no mundo do direito em vista a nova realidade social, e conforme o abordado em tema, a obrigação alimentar tem sofrido diversas consequências que ensejam criatividade dos tribunais, em vista a solução da problemática e a devida prestação jurisdicional, em que firma-se a dignidade da pessoa humana e a razoabilidade da cobrança da obrigação alimentar em tempos de Covid-19.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Ítalo Miqueias S. A história do Direito e seus aspectos sociais tendo em vista a formação do Direito contemporâneo, 2017.

 

ALVES, Ítalo Miqueias S. O Desempenho das Funções no Teletrabalho e as Modificações Contratuais Frente à Pandemia Do Covid-19 e a Manutenção dos Direitos Trabalhistas quanto ao Direito Salarial Garantido, 2020.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

 

DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. 5. Ed. São Paulo: RT, 2009. p.492.

 

GOMES, Orlando. Direito de Família. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 455; DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 1.201, Apud TARTUCE, Flávio. Manual do Direito Civil Volume Único. 8. Ed. São Paulo: Grupo Gen, 2017.p.1574-1575.

 

SARLET, Ingo. Prisão civil do devedor de alimentos deve ser a última alternativa. Acesso: https://www.conjur.com.br/2016-nov-18/direitos-fundamentais-prisao-civil-devedor-alimentos-ultima-alternativa.

 

Joaquìn Arce Flores-AVldes, El derecho civil constitucional, p. 178-179.

 

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. P.350.

 

Silvio Rodrigues. Direito Civil: Direito de Família. Vol.6. 28 Ed. P.374.

 

TARTUCE, Flávio. Manual do Direito Civil Volume Único. 8. Ed. São Paulo: Grupo Gen, 2017.p. 1575.

 

Yussef Said Cahali. Questão dos Alimentos. Revista dos Tribunais. 4ª Ed. São Paulo. P. 533.

 

 

[1] ALVES, Ítalo Miqueias S. A história do Direito e seus aspectos sociais tendo em vista a formação do Direito contemporâneo, 2017.

[2] O autor aponta na obra A história do Direito e seus aspectos sociais tendo em vista a formação do Direito contemporâneo a relação da trajetória histórica do direito e a sociedade, fazendo importantes alusões históricas e a base social moderna, nessa obra é citada de maneira brilhante uma passagem bíblica que reforça ainda mais o fomento da manutenção do Estado Democrático de Direito sob a égide constitucional.

[3] ALVES, Ítalo Miqueias S. O Desempenho das Funções no Teletrabalho e as Modificações Contratuais Frente à Pandemia Do Covid-19 e a Manutenção dos Direitos Trabalhistas quanto ao Direito Salarial Garantido, 2020.

[4] GOMES, Orlando. Direito de Família. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 455; DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 1.201, Apud TARTUCE, Flávio. Manual do Direito Civil Volume Único. 8. Ed. São Paulo: Grupo Gen, 2017.p.1574-1575.

[5] Silvio Rodrigues. Direito Civil: Direito de Família. Vol.6. 28 Ed. P. 374

[6] Yussef Said Cahali. Questão dosAlimentos. Revista dos Tribunais. 4ª Ed. São Paulo. P. 533

[7] TARTUCE, Flávio. Manual do Direito Civil Volume Único. 8. Ed. São Paulo: Grupo Gen, 2017.p. 1575.

[8] DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. 5. Ed. São Paulo: RT, 2009. p.492.

[9] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. P.350.

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