Breves considerações em torno do art. 944, parágrafo único, do Código Civil

Sumário: 1. Introdução; 2. A evolução doutrinária acerca da concepção da culpa e a formulação de um conceito objetivo ou normativo; 3. O estudo dos graus de culpa. Sua consideração como fundamento da própria obrigação de reparar e como elemento para a quantificação do dano; 4. O Código Civil de 2002 e os critérios por ele previstos para a reparação dos danos; 5. A novidade representada pelo art. 944, parágrafo único, do Código Civil. A inconstitucionalidade de sua interpretação literal; 6. O fundamento de validade do art. 944, parágrafo único, do Código Civil. A necessidade de tutelar o “patrimônio mínimo” do ofensor; 7. Conclusão.


1. Introdução.


É inegável que o vigente Código Civil brasileiro trouxe importantes inovações no tratamento da responsabilidade civil. A começar pela própria apresentação da matéria, que foi desdobrada em dois capítulos, sendo o primeiro dedicado às hipóteses em que será deflagrada a “obrigação de indenizar” (arts. 927/943) e o segundo destinado ao estabelecimento dos critérios para a “indenização” do dano (arts. 944/954). Esta nova disposição do tema por certo não é aleatória, antes concede novo alento à divisão do estudo da responsabilidade civil em dois momentos, a saber, o an debeatur e o quantum debeatur.


Não é, porém, só do ponto de vista formal que o Código Civil de 2002 inova. De fato, em cada uma das duas grandes áreas podem ser observadas novas disposições, em especial a consagração de uma cláusula geral de responsabilidade objetiva (art. 927, § único)[1], a afirmação da responsabilidade civil dos incapazes (art. 928)[2] e, já no plano da quantificação do dano, a possibilidade de redução eqüitativa da reparação (art. 944, § único)[3]. Os três temas estão a merecer novos estudos e aqui se dirá alguma palavra sobre o último.


2. A evolução doutrinária acerca da concepção da culpa e a formulação de um conceito dito objetivo ou normativo.


É conhecida a advertência de Caio Mário da Silva Pereira no sentido de ser impossível a formulação de um único conceito de culpa[4]. Certo é que cada Autor, ao se dedicar ao estudo da responsabilidade civil, costuma acrescentar algum novo elemento ao seu próprio conceito de culpa. A detida análise da doutrina permite, no entanto, que se afirme uma modificação na própria concepção da culpa[5].


Em verdade, a primeira concepção da culpa aproxima este instituto da idéia de reprovação moral da conduta. Para esta visão, indispensável é a avaliação da própria pessoa do agente causador do dano, sendo então considerados elementos como seu estado de ânimo e sua formação psicológica.


Tal concepção, que se pode chamar de subjetiva ou psicológica, tem como grande virtude fazer com que o próprio culpado tenha a concreta noção do erro em que incidiu ao agir ou se omitir. Mas traz como conseqüência uma maior dificuldade, para a vítima, na demonstração da culpa, a qual assume os contornos de verdadeira probatio diabolica[6].


Assim, é compreensível que a própria doutrina tenha caminhado para uma nova concepção do mesmo instituto. Esta nova visão vai se afirmando, não sem resistências, no sentido de ser a culpa apreciada em abstrato, traduzindo-se em um erro de conduta que não seria cometido por um ser humano prudente nas circunstâncias do caso concreto[7]. Tem-se, assim, uma concepção dita objetiva ou normativa da culpa, a qual despreza o estado de ânimo do agente ao praticar o ilícito, centrando-se, simplesmente, no desvio a um padrão (standard) de conduta que deveria ter sido observado nas mesmas circunstâncias[8]. Desta forma, parece inegável que, mesmo na concepção objetiva ou normativa, a culpa continue a representar uma conduta avaliada negativamente, um desvalor, embora liberta de conotações morais ou psicológicas[9].


Embora sujeita a outras inúmeras críticas, é possível afirmar que esta é a visão que tem prevalecido na doutrina contemporânea, tanto no Brasil quanto no estrangeiro[10]. Adotada esta concepção normativa ou objetiva, parece ser de questionável valia o estudo dos graus da culpa, os quais já não podem ser referidos à maior ou menor reprovação psicológica, interna, da conduta, mas – se forem considerados – devem ter como referência o maior ou menor desvio, externo, da conduta tomada como padrão (standard)[11].


3. O estudo dos graus de culpa. Sua consideração como fundamento da própria obrigação de reparar e como elemento para a quantificação do dano.


É discutida, na doutrina, a origem da divisão da culpa em graus, mas parece possível afirmar que sua sistematização é obra de autores medievais. Com efeito, é a partir dos estudos dos glosadores e pós-glosadores que se torna corrente a divisão da culpa em grave (lata), leve e levíssima[12].


 A culpa grave pode ser traduzida no erro de conduta grosseiro, no desprezo pelos mais singelos deveres de cuidado[13]. Há quem a aproxime da culpa consciente, classificação que adquiriu relevância em âmbito penal, mas é certo que, ao longo dos séculos, tem sido equiparada ao próprio dolo (culpa lata dolo aequiparatur)[14].


A culpa leve, por sua vez, pode ser vista como o erro de conduta ordinário, ou como aquele erro que poderia ter sido evitado por um ser humano prudente nas mesmas circunstâncias de fato. Trata-se, em uma palavra, da própria culpa, o que, em verdade, deveria servir para dispensar o qualificativo.


Terceira modalidade seria a culpa levíssima, a qual se refere ao erro de conduta que seria evitado por um ser humano extremamente cuidadoso, ou, em outros termos, por um diligentíssimo bom pai de família[15]. A referência a este grau tem, ao longo dos séculos, servido de fundamento para a própria divisão da responsabilidade em contratual e extracontratual, repetindo-se, sem muita reflexão, que in lege Aquilia et levissima culpa venit[16]. O excesso de superlativos, porém, talvez demonstre a dificuldade em atribuir relevância a este grau de culpa, razão pela qual tem sido sempre criticado, ora afirmando-se que a hipótese pode muito bem ser estudada nos quadros de uma responsabilidade sem culpa, ora destacando-se a impossibilidade de se exigir sua observância pelo próprio ser humano[17]. Destaca-se, da mesma forma, que sua manutenção contribui para o alargamento do âmbito da responsabilidade civil, potencializando um lamentável processo de “vitimização social”[18].


Pode, assim, ser dito que esta divisão tripartite dos graus de culpa tem sido referida pela doutrina nacional e estrangeira, embora não exista unanimidade quanto à sua relevância. Em verdade, no Brasil, já foi tomada como fundamento para a existência da própria responsabilidade (an debeatur), tal como se observa na súmula 145 do Superior Tribunal de Justiça[19]. Este enunciado teve o claro – e louvável – propósito de proteger a vítima, uma vez que, ao se afirmar a natureza contratual do transporte desinteressado, aquela só poderia ser ressarcida na hipótese de dolo do condutor do veículo, nos precisos termos do art. 1.057 do diploma civil de 1916[20]. Hoje, contudo, a regra insculpida no art. 736 do vigente Código Civil parece afastar esta construção jurisprudencial e o próprio enunciado 145 pode ser considerado como prejudicial à vítima, a qual deve ser ressarcida uma vez demonstrada a culpa do motorista, aplicando-se à hipótese a cláusula geral do art. 186 do Código Civil[21].


Da mesma forma, somente para este fim – necessidade de conferir maior proteção à vítima – parece possível sustentar, em outra seara, a equiparação entre o dolo e a culpa grave, em especial pela dificuldade em demonstrar a ocorrência daquele[22].


Outra questão, que se mostra igualmente controversa, é a utilização dos graus de culpa como fundamento para a quantificação do dano (quantum debeatur). Certo é que no sistema estabelecido pelo Código Civil de 1916 não se admitia esta possibilidade, no que se acompanhava a doutrina e mesmo a legislação de alguns países europeus[23]. Entendia-se, de fato, que, mesmo na ausência de norma legal expressa, a reparação civil devia levar em conta a extensão do dano, e toda a sua extensão.


Este pensamento ganhou ainda mais força com a Constituição Federal de 1988, que consagrou como fundamento da República “a dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III) e como objetivo fundamental desta mesma República a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I)[24]. Assim, tornou-se corrente a afirmação, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, do “princípio da reparação integral do dano” sofrido pela vítima[25]. Referido princípio, pode ainda ser dito, encontrou previsão na legislação ordinária, sendo exemplo o Código de Defesa do Consumidor, tal como se deduz do disposto nos seus arts. 6º, VI, 25, caput e 51, I[26].


Além disso, passou a contar com inúmeros adeptos – também à míngua de previsão legal expressa – o entendimento de que a reparação do dano moral não deveria, simplesmente, permitir a compensação da vítima. Serviria, igualmente, de punição para o ofensor, ou, em uma expressão corrente, possuiria um caráter “pedagógico”, sendo um “desestímulo” à reiteração da conduta danosa[27]. Especialmente para que fosse observado este último caráter, tornou-se usual a referência – sem maiores considerações e sempre em companhia de outros critérios – ao “grau de culpa” do ofensor ou mesmo “das partes”[28].


Estas expressões podem ser ainda observadas em julgados recentes, sendo indiferente o fato de tratar-se de uma hipótese de responsabilidade subjetiva ou mesmo de responsabilidade objetiva[29]. Também pode ser observado que, por vezes, eleva-se o montante da reparação do dano moral, a qual costuma ter como único limite reconhecido a vedação ao “enriquecimento sem causa” da vítima[30]. E é esta última expressão que parece tornar possível a conclusão de que o grau de culpa não tem nenhuma relevância prática ao se estabelecer tal montante, pondo-se em relevo, ao contrário, as condições econômicas das partes, ou ao menos de uma delas, e alguma outra peculiaridade do caso submetido a exame[31].


4. O Código Civil de 2002 e os critérios por ele previstos para a reparação dos danos.


Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 tem-se, como já recordado, a introdução de um novo capítulo no Título dedicado à responsabilidade civil, sendo o mesmo intitulado “da indenização”. Este título pode, sem dúvida, levar à conclusão de que o vigente diploma só se refere ao dano material – neste contempladas as espécies dos danos emergentes e dos lucros cessantes (arts. 402 e 403) – uma vez que é tal dano que efetivamente se indeniza, ao contrário do dano moral, que se repara[32]. Esta visão, contudo, embora possa ser justificada pelo fato de o vigente Código ser fruto de um projeto da década de 70, quando muito pouco – ou nada – se falava acerca da reparação do dano moral, não merece prosperar se for adotada uma leitura menos severa em relação aos dispositivos do mesmo diploma.


É verdade que, somente em um artigo, o Código refere-se expressamente à reparação do dano moral, a saber, no art. 186, o qual, como já recordado, consagra uma cláusula geral de responsabilidade civil subjetiva[33]. Assim é que, no capítulo dedicado à indenização, preferiu o legislador utilizar expressões como “outras reparações” (art. 948, caput), “outro prejuízo” (art. 949), além de admitir a reparação de um prejuízo que não seja “material” (art. 953, § único)[34]. Com fundamento em todos estes dispositivos, é possível concluir que o vigente diploma não ignora que a reparação civil – seja a responsabilidade subjetiva ou objetiva – possa contemplar as duas espécies de danos[35].


Mas é certo, igualmente, que os arts. 944/954 não são os únicos dispositivos que tratam da reparação civil. Também a norma insculpida no art. 928, § único, é claramente dedicada à reparação civil, estando destacada somente para que se especifique a indenização na hipótese de atos praticados por incapazes[36].


Desta forma, uma primeira conseqüência deste raciocínio é no sentido de que o disposto no art. 944 possa ser aplicado seja à indenização do dano material, seja à reparação do dano moral. Esta visão, no entanto, embora facilmente defensável em relação ao caput do dispositivo, – uma vez que este seria a consagração expressa do princípio da reparação integral, já reconhecido pelo direito brasileiro –, não obtém a mesma acolhida quando se considera o seu parágrafo único. Recorde-se o dispositivo: “Art. 944. (…). Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”.


5. A novidade representada pelo art. 944, parágrafo único, do Código Civil. A inconstitucionalidade de sua interpretação literal.


Em verdade, inúmeras são as questões lançadas por este último dispositivo e não resta nenhuma dúvida no sentido de que intenta inaugurar uma nova realidade na sistemática da reparação civil. Tratando-se de aspecto efetivamente novo no direito brasileiro, é natural que o estudioso busque alguma semelhança com o previsto em outros ordenamentos.


Neste itinerário, recorde-se, em primeiro lugar, o disposto no Código Federal Suíço de Obrigações, reformado em 1911. Deste diploma podem ser destacadas duas normas, a saber, os arts. 43 e 44[37]. A leitura atenta destes dispositivos permite concluir que a gravidade da culpa é um elemento – mas não o único – que o magistrado poderá considerar, desde logo, no momento da fixação do montante da reparação (art. 43, primeira parte). Além disso, poderá ser utilizado, desde que a hipótese não seja de dolo ou culpa grave, como critério para a redução da reparação (art. 44, segunda parte). Neste último caso, contudo, o que aparentemente se quer evitar é que a reparação do dano possa causar a ruína do ofensor[38].


O segundo diploma que merece referência é o Código Civil Português, em vigor a partir de 1967, e que dispõe em seu art. 494º: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação econômica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”. Também aqui pode ser observado que a gravidade da culpa não é tomada como o único elemento a ser considerado pelo magistrado no momento da fixação do montante da reparação. Igualmente, parece ser determinante para a redução de tal montante, a consideração das condições econômicas, neste caso não só do ofensor, mas também do lesado[39].


Esta mesma necessidade de se evitar a ruína econômica do ofensor foi considerada pelo legislador argentino (Código Civil, art. 1.069) como fundamento para a redução da reparação, a qual, no entanto, será integral na hipótese de dolo do responsável[40].


Observe-se, por fim, o disposto no trabalho intitulado “Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil”, também no sentido de que a redução, embora excepcional, possa ter lugar como forma de se evitar um “encargo opressivo para o réu”[41].


Contemplando novamente o caso brasileiro, percebe-se que há uma flagrante contradição entre as considerações doutrinárias e a norma que, ao final, foi consagrada no dispositivo em comento. De fato, a doutrina anterior ao vigente diploma destacava que a situação econômica do ofensor poderia ser um critério para a redução da reparação e não, como restou expresso, unicamente seu grau de culpa[42].


Aqui parece estar o maior equívoco da norma codificada. Em verdade, sua aplicação, ainda que excepcional, tem como conseqüência mais evidente a recusa à reparação integral da vítima. Esta reparação integral, contudo, tal como já recordado, tem fundamento constitucional, e não poderia a legislação ordinária afastá-la senão por meio de um outro fundamento igualmente de estatura constitucional[43]. Tal fundamento certamente não é o grau de culpa do ofensor, e isto por ao menos dois fatores.


O primeiro fator que pode ser recordado é a extrema insegurança jurídica que a referência à gravidade da culpa produz. Em verdade, o que se observará em tal hipótese é o simples arbítrio judicial, sendo certo que cada julgador, analisando a mesma situação fática, será capaz de ter distintas visões sobre a gravidade da culpa do ofensor[44]. É inegável, neste sentido, que o ser humano é tentado a atribuir uma maior gravidade à culpa, não a partir da análise da própria culpa, e sim com fundamento no dano que então se verificou.


Não infirma, igualmente, este raciocínio, a reiterada afirmação de que a culpa levíssima ou a culpa leve podem provocar danos graves ou de que, ao contrário, a culpa grave ou mesmo o dolo, podem provocar danos de pequena monta[45]. A melhor solução para estas hipóteses – aqui referidas só a título de argumentação – não está na consideração da gravidade da culpa e sim na correta determinação do nexo causal entre a conduta do ofensor e o dano que esta produziu[46]. Assim, evita-se, ao mesmo tempo, atribuir qualquer caráter punitivo à reparação do dano e também se permite, como regra, a reparação integral do dano, desde que este esteja causalmente vinculado à conduta do ofensor.


Este entendimento conduz ainda ao segundo fator a ser lembrado, o qual reside na inadequação de se insistir na própria graduação da culpa. De fato, a culpa levíssima parece não se sustentar mais, uma vez que exige um padrão não humano de conduta, o que se traduz em uma hipótese em que não se verifica culpa alguma, só podendo gerar responsabilidade caso esta seja objetiva. Da mesma forma, a culpa grave pode perfeitamente ser equiparada ao dolo, em especial quando se trata de proteger a vítima, e, de qualquer forma, não poderia ser invocada como fundamento para a redução da reparação. Resta, portanto, unicamente a culpa leve, a qual pode ser traduzida na própria culpa, sem qualquer qualificação.


Assim pensando, a interpretação literal da norma codificada fica marcada por sua inconstitucionalidade, em especial por se traduzir em fator de insegurança jurídica e, ainda, por representar inegável retrocesso no que se refere à reparação integral da vítima[47]. É necessário, portanto, buscar outro fundamento para que se admita como válida eventual redução do montante da reparação.


6. O fundamento de validade do art. 944, parágrafo único, do Código Civil. A necessidade de tutelar o “patrimônio mínimo” do ofensor.


Este fundamento de validade do art. 944, parágrafo único, pode ser encontrado na necessária tutela do chamado “patrimônio mínimo” do ofensor. Com efeito, não se nega que a vítima deva ser integralmente reparada, o que, como visto, decorre da própria necessidade de proteção à sua dignidade. Mas é igualmente certo que, também o ofensor, tem direito a um patrimônio mínimo[48].


Este entendimento encontra-se em consonância com a própria normativa constitucional e não está distante do que vem disposto nos diplomas civis referidos, uma vez que em todos eles fica evidente a necessidade de não se determinar, por força da reparação do dano, a ruína do ofensor. No caso brasileiro, esta doutrina começa a ganhar novos adeptos e acompanha a solução preconizada pelo próprio Código Civil quando admitiu a reparação objetiva, subsidiária e eqüitativa dos danos causados por incapazes (art. 928)[49]. Neste último caso, pode ser dito, a ponderação de interesses já foi feita pelo legislador, que, ao mesmo tempo em que considera relevante proteger a vítima contra os danos sofridos, entende necessário garantir ao incapaz um patrimônio mínimo indispensável à sua subsistência.


Na hipótese do art. 944, parágrafo único, ao contrário, a ponderação de interesses foi deixada ao prudente arbítrio do julgador, que sempre deverá considerar as circunstâncias do caso concreto, atuando com eqüidade[50]. Esta redução do montante da reparação, contudo, não se traduz em verdadeira faculdade atribuída ao magistrado, nada obstante os termos empregados pelo legislador[51]. Em verdade, constatando o julgador que a reparação integral pode acarretar a ruína do ofensor, deverá determinar sua redução eqüitativa, apresentando as razões de seu convencimento. Mas sempre considerará que a aplicação deste dispositivo tem natureza excepcional, exigindo especial fundamentação por parte do julgador, uma vez que a regra, em tema de reparação dos danos, consta do caput do art. 944 e se traduz no princípio da reparação integral[52].


Admitindo-se como correto este raciocínio, é ainda possível afirmar que o disposto no art. 944, parágrafo único, poderá ter lugar seja na hipótese de responsabilidade civil objetiva, seja no caso de responsabilidade subjetiva. Em verdade, aqui se está tratando da quantificação do dano (quantum debeatur) e não do fundamento para a existência da obrigação de reparar (an debeatur).


Pela mesma razão, não terá maior importância a distinção entre dano material e dano moral, devendo o magistrado considerar o montante global da reparação[53]. É provável, no entanto, que, por força da tradição arraigada no direito brasileiro, o magistrado tenha maior facilidade em reduzir a reparação do dano moral.


Saliente-se, por fim, que o disposto no parágrafo único do art. 944 é claramente contrário a qualquer forma de punição do ofensor, não se prestando, assim, à reiterada afirmação do caráter pedagógico da reparação do dano moral. Pode-se mesmo dizer que todo o sistema do Código Civil é refratário a este caráter, o qual, para ser admitido no direito brasileiro, exige uma atuação do legislador com a finalidade de consagrar as hipóteses de sua observância e determinar a reversão do valor a um fundo de reparação, além de prever as garantias indispensáveis do obrigado à reparação[54].


7. Conclusão.


É inegável que o disposto no art. 944, parágrafo único, do Código Civil representa verdadeira inovação legislativa, sem dúvida uma das mais importantes no que diz respeito à responsabilidade civil. Contrariou-se, de fato, o sistema consagrado pelo diploma civil revogado e adotou-se uma formulação que não encontra paralelo em outros ordenamentos jurídicos, mesmo naqueles que possam ter servido de inspiração ao legislador nacional.


Mas é necessário interpretar o dispositivo à luz das normas constitucionais, desprezando-se a interpretação literal, fonte de inúmeros equívocos. Neste sentido, o presente artigo fornece argumentos para que novas reflexões sejam apresentadas a um debate que acaba de ser, simplesmente, iniciado.


 


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Notas:

[1] “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

[2] “Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem”.

[3] “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”.

[4] De fato, após recordar as inúmeras definições de culpa e seus elementos, referido Autor (Responsabilidade Civil, 9ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 69) conclui que “diante desta floresta de definições, que mais extensa fora, quanto mais longe levasse a pesquisa, pode-se conceituar a culpa como um erro de conduta, cometido pelo agente que, procedendo contra direito, causa dano a outrem, sem a intenção de prejudicar, e sem a consciência de que seu comportamento poderia causá-lo” (original grifado).

[5] Para um estudo pormenorizado das diferentes concepções da culpa seja consentido remeter a Marcelo Junqueira CALIXTO, A Culpa na Responsabilidade Civil – Estrutura e Função, Rio de Janeiro, Renovar, 2008, pp. 7-61.

[6] A referência a esta concepção da culpa pode ser vista em Anderson SCHREIBER, Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil – Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos, São Paulo, Atlas, 2007, pp. 11-18.

[7] Contra os perigos da abstração absoluta na apreciação da culpa já advertira, na doutrina nacional, Pontes de MIRANDA (Tratado de Direito Privado, 2ª ed., vol. LIII, Rio de Janeiro, Borsói, 1966), o qual, após considerar (p. 50) que “a regra é que a culpa se aprecia in abstracto, isto é, sem se atender ao estado psicológico do agente. A culpa in concreto é exceção”, afirma o seguinte (p. 51): “Sabemos que subjetivamente, e não só objetivamente, o dano é relativo (…). Também o é no caso de diligência: quando se diz que há de ser a diligência média (termo bem vago), têm-se em mira os casos ordinários, em que as circunstâncias não exigem do agente outros cuidados. O motorista do caminhão deve ser mais prudente que o cocheiro do carro. A culpa in abstracto seria impossível, praticamente. Quem já viu o homem médio? Quem conhece o ‘bom pai de família’?” (original grifado).

[8] Sobre esta nova concepção de culpa pode igualmente ser visto Anderson SCHREIBER, Novos Paradigmas, cit., pp. 33-37.

É importante esclarecer que esta concepção da culpa, dita objetiva, não se confunde, de maneira alguma, com a chamada responsabilidade objetiva, uma vez que, nesta, é a própria análise da culpa que não tem nenhuma relevância para a deflagração da responsabilidade civil. Os Tribunais nacionais, contudo, por vezes já incidiram no equívoco de confundir os dois institutos, tal como se observa em dois julgados do TJRJ: 1) Apelação Cível n. 7.037/97, 2ª Câmara Cível, julg. em 02.12.1997, Rel. Des. Luiz Odilon Gomes Bandeira; 2) Apelação Cível n. 2004.001.13108, 16ª Câmara Cível, julg. em 16.11.2004, Rel. Des. Miguel Ângelo Barros.

[9] Em verdade, já se sustentou, em outra sede (A Culpa, cit., p. 17), uma aproximação entre a apreciação em abstrato e a apreciação em concreto da culpa, sem que se possa afirmar a adesão total a uma ou outra concepção, ao menos da forma como foram originariamente formuladas. Segundo este entendimento, a culpa pode ser definida (p. 31) como o “erro de conduta, imputável ao agente, consistente em não adotar o cuidado que teria sido adotado pelo ser humano prudente nas circunstâncias do caso concreto”.

[10] No direito brasileiro pode ser recordada a doutrina de Maria Celina Bodin de MORAES, Danos à Pessoa Humana – uma leitura civil-constitucional dos danos morais, Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p. 213. Na doutrina italiana pode ser visto Mauro BUSSANI, As peculiaridades da noção de culpa – um estudo de direito comparado, tradução de Helena Saldanha, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2000, pp. 161-162. No direito francês veja-se a obra de Geneviève VINEY e Patrice JOURDAIN, Traité de Droit Civil – Les conditions de la responsabilité, 2ª ed., Paris, LGDJ, 1998, p. 361. As críticas que são dirigidas a uma concepção puramente objetiva da culpa podem ser encontradas na citada obra de Anderson SCHREIBER, Novos Paradigmas, pp. 37-41.

Do ponto de vista legislativo é válida a referência ao Código Civil Português, vigente a partir de 1967, que dispõe: “Art. 487º. Culpa. 1. (omissis). 2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. Em perspectiva mais recente pode ser vista a proposta elaborada pelo Grupo Europeu de Responsabilidade Civil (European Group on Tort Law) e que consta do documento intitulado “Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil”, o qual pode ser acessado em www.indret.com. Neste documento, a culpa é tratada no art. 4, verbis: “Art. 4:101. Culpa. A pessoa que, intencionalmente ou por negligência, violar o padrão de conduta exigível responde por culpa. Art. 4:102. Padrão de conduta exigível. (1) O padrão de conduta exigível corresponde ao de uma pessoa razoável colocada nas mesmas circunstâncias e depende, especialmente, da natureza e valor do interesse protegido em questão, da periculosidade da atividade, da perícia que é de esperar da pessoa que a exerce, da previsibilidade do dano, da relação de proximidade ou da particular confiança entre as partes envolvidas, bem como da disponibilidade e custos de métodos preventivos ou alternativos. (2) O padrão de conduta pode ser ajustado em função da idade, de deficiência psíquica ou física, ou quando, devido a circunstâncias extraordinárias, não se possa legitimamente esperar que a pessoa em causa atue em conformidade com o mesmo. (3) As disposições que prescrevem ou proíbem uma determinada conduta devem ser tomadas em consideração a fim de se estabelecer o padrão de conduta exigível”.

[11] Este aspecto é corretamente destacado por Anderson SCHREIBER, Novos Paradigmas, cit., p. 42. Afirma o Autor, ao discorrer sobre os graus de culpa, que “se é certo que tal classificação jamais foi reconhecida como incontestável, a consagração da culpa normativa veio advogar pela sua absoluta inutilidade diante de uma concepção mais técnica, e menos moral, da responsabilidade civil. De fato, embora a concepção psicológica da culpa pudesse recomendar que o grau de negligência fosse levado em consideração, a fim de sancionar o agente na exata medida da reprovabilidade moral da sua conduta, o mesmo não ocorre em uma visão objetiva ou normativa da culpa. A dissociação entre a culpa e a moral veio impor a prevalência, mesmo na responsabilidade subjetiva, da função reparatória sobre qualquer função sancionatória ou dissuasiva que pudesse ser desempenhada pelo instituto. Não tendo a intensidade da culpa qualquer influência sobre o valor do dano, despiciendo se torna tomar sua gravidade em consideração”.

[12] Sobre o tema seja consentido remeter o leitor ao afirmado em outro estudo (A Culpa, cit., pp. 107-119 e 130-134). Aqui somente interessa observar que a divisão da culpa nos três graus referidos a seguir não conta com o apoio unânime dos autores. Neste sentido, pode ser recordada a doutrina de Luiz da Cunha GONÇALVES (Tratado de Direito Civil, 2ª ed., vol. XII, tomo II, São Paulo, Max Limonad, 1957), segundo o qual “a graduação da culpa não pode ser só tríplice: ela pode ter muitos graus, conforme as circunstâncias” (p. 593). Este mesmo Autor observara, pouco antes (p. 591), que “já houve quem pretendesse estabelecer seis graus: latissima, latior, lata, levis, levior, levissima, – graduação que não teve êxito algum na doutrina; assim como outros quiseram reduzir os graus só a dois: lata e levis, o que não obteve melhor aceitação. Discutiu-se, também, se a culpa levissima era, no direito romano, exigida na responsabilidade contratual; e certos romanistas sustentavam que a culpa levissima era, apenas, a que se devia observar na custódia ou guarda de coisa alheia. Mas estas questões têm medíocre interesse prático” (grifos no original). Na doutrina nacional pode ser consultado Manoel Ignácio Carvalho de MENDONÇA (Doutrina e Prática das Obrigações ou Tratado Geral dos Direitos de Crédito, 3ª ed., tomo II, atualizada por J. M. de Carvalho Santos, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1938, p. 19), para quem a culpa “comporta, sem dúvida, graus infinitos, insuscetíveis de determinação”.

[13] Pontes de MIRANDA (Tratado de Direito Privado, vol. XXIII, Rio de Janeiro, Borsói, 1958, p. 72), por exemplo, refere-se a esta modalidade de culpa como “a culpa crassa, magna, nímia, como se dizia, que tanto pode haver no ato positivo como no negativo, é a culpa ressaltante, a culpa que denuncia descaso, temeridade, falta de cuidados indispensáveis. Quem devia conhecer o alcance do seu ato positivo ou negativo incorre em culpa grave” (original grifado).

[14] A aproximação entre culpa grave e culpa consciente é sustentada por Sérgio CAVALIERI FILHO (Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 62) quando afirma que “examinada pelo ângulo da gravidade, a culpa será grave se o agente atuar com grosseira falta de cautela, com descuido injustificável ao homem normal, impróprio ao comum dos homens. É a culpa com previsão do resultado, também chamada culpa consciente, que se avizinha do dolo eventual do Direito Penal. Em ambos há previsão ou representação do resultado, só que no dolo eventual o agente assume o risco de produzi-lo enquanto na culpa consciente ele acredita sinceramente que o evento não ocorrerá”.

[15] Refere-se Caio Mário da Silva PEREIRA (Responsabilidade Civil, cit., p. 71) a esta modalidade de culpa nos seguintes termos: “Culpa levíssima, a falta cometida em razão de uma conduta que escaparia ao padrão médio, mas que um diligentissimo pater familias, especialmente cuidadoso, guardaria” (grifos no original). Um outro conceito, não muito distante, pode ser encontrado na doutrina de Sérgio CAVALIERI FILHO (Programa de Responsabilidade Civil, cit., p. 62), quando afirma que “já a culpa levíssima caracteriza-se pela falta de atenção extraordinária, pela ausência de habilidade especial ou conhecimento singular”.

[16] O próprio Superior Tribunal de Justiça já admitiu a possibilidade de se responsabilizar o agente quando, em âmbito extracontratual, obrou com culpa levíssima. No caso, não se conheceu do recurso especial por se considerar a prova da culpa uma questão de fato, contra a qual incide a súmula 07 do mesmo STJ. Assim, prevaleceu a decisão do Tribunal de Justiça local, que reconhecera a culpa levíssima do motorista que atropelou e causou a morte de uma criança. Com efeito, afirma a ementa do julgado (STJ, REsp. 238.159/BA, 4ª T., julg. em 29.02.2000, publ. DJ em 08.05.2000, Rel. Min. Barros Monteiro): “Responsabilidade Civil. Atropelamento. Culpa. Matéria de Prova. Repercussão no cível do julgado criminal. Na responsabilidade aquiliana ou extracontratual, basta a culpa levíssima do agente. Pretendida inexistência de culpa do motorista e imputação de responsabilidade exclusiva da vítima pelo evento. Alegações que dependem da reapreciação do quadro probatório. Incidência da súmula nº 07-STJ. Dissídio pretoriano não configurado. Inexistência, porém, de vinculação do juízo cível ao decidido no criminal, inocorrentes que são as exceções previstas nos arts. 65 e 66 do Código de Processo Penal. Recurso especial não conhecido” (grifou-se). Afirma o Ministro Relator, em seu voto, o seguinte: “Depois, sabe-se efetivamente que são diversos os parâmetros para aferição da culpa na área cível, de um lado, e na área criminal, de outro. Na responsabilidade aquiliana ‘levissima culpa venit’ (cfr. Orlando Gomes, Obrigações, p. 359, 1ª ed.). Para firmar-se a responsabilidade extracontratual do demandado, bastava a culpa levíssima, o que foi reconhecido no atropelamento da vítima, tanto pela r. sentença como pelo v. Acórdão”. Recorde-se, por oportuno, o teor da súmula 07 do STJ: “7 – A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Em sentido semelhante pode ser vista a súmula 279 do STF, verbis: “279 – Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

[17] A aproximação entre as hipóteses de responsabilidade por culpa levíssima e aquelas de responsabilidade sem culpa foi destacada por Luiz da Cunha GONÇALVES (Tratado, cit., pp. 470-471), que afirma: “Doutro lado, os próprios defensores da teoria da responsabilidade subjetiva consideram exigível a reparação do dano, até no caso de culpa levíssima, seguindo neste ponto a doutrina clássica: ‘in lege Aquilia et levissima culpa venit’. Ora, como atrás foi afirmado, o conceito de culpa levíssima ou culpa ex re ipsa é tão amplo, que pode abranger todos ou quase todos os casos para os quais foi, modernamente, construída a teoria da responsabilidade objetiva ou sem culpa” (grifos no original).

No sentido da incompatibilidade entre este grau de culpa e a concepção dita normativa ou objetiva deste mesmo instituto pode ser vista a doutrina de Maria Celina Bodin de MORAES (Danos à Pessoa Humana, cit., pp. 216-217): “O brocardo latino in lege Aquilia et levissima culpa venit ainda hoje é chamado a justificar a atribuição de responsabilidade em caso de culpa levíssima. Não obstante, a diligência normal, ao se reconduzir ao standard médio, configura o modelo de conduta profissional esperado, não parecendo nem possível nem razoável manter-se uma exigência acima do standard no âmbito da concepção normativa da culpa”. Na doutrina italiana esta mesma crítica pode ser encontrada na obra de Carlo Massimo BIANCA, Diritto Civile – La Responsabilità, vol. V, Milano, Giuffrè, 1994, p. 580.

[18] O aspecto é destacado por Maria Celina Bodin de MORAES (Danos à Pessoa Humana, cit., p. 327) que, em suas conclusões, afirma: “A lesão à situação jurídica subjetiva protegida poderá decorrer de ação ou omissão, por culpa ou por risco. A tutela da dignidade humana da vítima tem que significar a mais ampla proteção da pessoa. No entanto, com relação à culpa levíssima, será permitido ao juiz ponderar: a exigência de cuidados excepcionais e diligência incomum ofereceriam um forte incentivo à chamada ‘indústria do dano moral’, além de, do ponto de vista da consciência coletiva, contribuírem significativamente para o incremento do processo de vitimização social”.

[19] STJ, súmula 145: “145 – No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.

[20] O art. 1.057 do revogado Código Civil encontra paralelo no art. 392 do vigente diploma, que dispõe: “Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei”. O entendimento – anterior ao vigente Código Civil – favorável à natureza contratual do transporte desinteressado pode ser observado nas decisões que serviram de fundamento à edição da súmula 145 do STJ: a) REsp. 3.035/RS, 4ª T., julg. em 28.08.1990, publ. DJ em 24.09.1990, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; b) REsp. 38.668/RJ, 3ª T., julg. em 25.10.1993, publ. DJ em 22.11.1993, Rel. Min. Eduardo Ribeiro; c) REsp. 34.544/MG, 3ª T., julg. em 13.12.1993, publ. DJ em 07.03.1994, Rel. Min. Cláudio Santos; d) REsp. 3.254/RS, julg. em 17.11.1994, publ. DJ em 16.10.1995, Rel. para o acórdão Min. Fontes de Alencar; e) REsp. 54.658/SP, 4ª T., julg. em 12.12.1994, publ. DJ em 13.03.1995, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior.

[21] Afirma o art. 736 do Código Civil: “Art. 736. Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia. Parágrafo único. Não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas”.

Dispõe, por sua vez, o art. 186 do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Ainda por força da necessidade de se conferir maior proteção à vítima é possível sustentar a superação da vetusta súmula 229 do STF, a qual afirma: “229 – A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”. Neste último caso, contudo, imprescindível a referência ao disposto no art. 7º, XXVIII da Constituição Federal, o qual sepultou, definitivamente, a exigência de culpa grave, muito embora, para o STJ (REsp. 12.648/SP, 4ª T., julg. em 08.06.1993, publ. DJ em 30.08.1993, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; REsp. 125.948/RJ, 4ª T., julg. em 25.06.2002, publ. DJ em 10.03.2003, Rel. Min. Barros Monteiro e REsp. 535.647/RJ, 3ª T., julg. em 05.02.2004, publ. DJ em 25.02.2004, Rel. Min. Castro Filho), tal exigência já seria descabida desde a edição da L. 6.367/76.

[22] No plano legislativo, esta equiparação é feita pelos arts. 248, 272, I e 278, I do vigente Código Brasileiro de Aeronáutica (L. 7.565/86). No claro intuito de conferir maior proteção à vítima, sustenta importante parcela da doutrina nacional a nulidade da chamada “cláusula de não-indenizar” na hipótese de o ofensor obrar com dolo ou culpa grave. Neste sentido é o pensamento de Sílvio RODRIGUES (Direito Civil: Responsabilidade Civil, 20ª ed., vol. 4, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 181), quando afirma que “para muitos a falta grave ao dolo se assimila. Tal asserção teoricamente não é verdadeira, pois no dolo existe a intencionalidade, que na falta grave não está presente. Entretanto, parece imoral admitir-se a isenção de uma responsabilidade, quando o inadimplemento foi gerado em falta inescusável do contratante. Daí a razão por que, no respeitante a seus efeitos, pode-se dizer que a falta grave ao dolo se assimila”. Em sentido semelhante pode ser visto Sérgio CAVALIERI FILHO, Programa de Responsabilidade Civil, cit., p. 532.

[23] É conhecida a passagem de Caio Mário da Silva PEREIRA (Responsabilidade Civil, cit., p. 71) que, em doutrina anterior ao vigente Código Civil, afirmou: “Nosso direito desprezou esta gradação da culpa, que não deve influir na determinação da responsabilidade civil, e que não encontra amparo no BGB ou apoio em boa parte da doutrina”.

Recorde-se, entretanto, que, na legislação posterior ao revogado Código Civil, havia pelo menos um caso em que se admitia a utilização do grau de culpa como critério para a quantificação do dano moral. É o que se lê no art. 53, II, da Lei 5.250/67, a chamada “Lei de Imprensa”. Afirma o dispositivo: “Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: I – (omissis); II – a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica, e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação”.

[24] Dispõe o art. 1º da Constituição da República: “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…); III – a dignidade da pessoa humana”. O art. 3º, por sua vez, afirma: “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

[25] Na doutrina, podem ser recordadas algumas das conclusões a que chega a professora Maria Celina Bodin de MORAES (Danos à Pessoa Humana, cit., pp. 331-333): “1. À pessoa humana cabe a proteção mais ampla, e que deve ser concedida a cada uma de suas características, peculiaridades, singularidades. O Direito Civil deve voltar-se para a busca do instrumental que permitirá alcançar a reparação integral pelo dano sofrido. 2. A reparação integral parece ser a medida, necessária e suficiente, para proteger a pessoa humana nos aspectos que realmente a individualizam. De fato, considera-se que a responsabilidade civil na atualidade tem como foco precípuo a situação em que se encontra a vítima, visando recompor a violência sofrida em sua dignidade através da reparação integral do dano”. Esta mesma referência à reparação integral do dano consta do Enunciado n. 46, elaborado por ocasião da I Jornada de Direito Civil, realizada entre os dias 11 e 13 de setembro de 2002, evento promovido pelo Conselho da Justiça Federal e que teve a coordenação científica de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, ex-Ministro do STJ. Afirma o Enunciado: “46 – Art. 944: a possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva”. Observe-se, no entanto, que a parte final deste enunciado foi suprimida por ocasião da IV Jornada de Direito Civil, realizada em 26 e 27 de outubro de 2006, sem que se alterasse, no entanto, a referência à reparação integral. Afirma, com efeito, o Enunciado n. 380, aprovado nesta última Jornada: “380 – Atribui-se nova redação ao Enunciado n. 46 da I Jornada de Direito Civil, com a supressão da parte final: ‘não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva”. Os enunciados podem ser obtidos em www.jf.gov.br.

Na jurisprudência, é válida a referência ao decidido pelo TJMG (07ª Câmara Cível, Embargos de Declaração na Apelação Cível n. 1.000.00.303381-8, julg. em 27.04.2004, Rel. Des. Pinheiro Lago), no qual se afirma “que o pensamento hoje prevalecente é o de que o disposto no art. 944, parágrafo único, do Código Civil, deve ser tomado com temperamentos, tratando-se, em verdade, de exceção à regra da reparação integral do dano, não devendo ser aplicado nos casos de responsabilidade civil objetiva, sendo esta, é bom que se diga, a hipótese dos autos”.

[26] São os seguintes os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: (…); VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”; “Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores”; “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis”. Recorde-se ainda a jurisprudência estabelecida pelo STJ no tocante à responsabilidade civil do transportador aéreo pelo extravio de bagagem ou de carga, de que são exemplos os seguintes julgados: a) REsp. 494.046/SP, 4ª T., julg. em 27.05.2003, publ. DJ em 23.06.2003, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; b) REsp. 347.449/RJ, 4ª T., julg. em 26.10.2004 e publ. DJ em 29.11.2004, Rel. Min. Fernando Gonçalves; c) REsp. 552.553/RJ, 4ª T., julg. em 12.12.2005, publ. DJ em 01.02.2006, Rel. Min. Fernando Gonçalves; d) REsp. 300.190/RJ, 4ª T., julg. em 24.04.2001, publ. DJ em 18.03.2002, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; e) EREsp. 269.353, Segunda Seção, julg. em 24.04.2002, publ. DJ em 17.06.2002, Rel. Min. Castro Filho.

[27] A referência ao caráter punitivo pode ser observada na doutrina de Carlos Edison do Rêgo MONTEIRO FILHO (Elementos de responsabilidade civil por dano moral, Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p. 153), que afirma: “Por outro lado, se ilícita a conduta causadora do dano, ganha lugar a punição; de maneira que quanto maior o grau de culpa, ou mais forte a intensidade do dolo, maior deverá ser a sanção correspondente. É da própria essência da reparação do dano moral essa flexibilidade”. Em sentido semelhante é o pensamento de Clayton REIS (Dano Moral, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 99). A referência ao caráter punitivo ou pedagógico consta da obra de Sílvio de Salvo VENOSA (Direito Civil, 3ª ed., vol. IV, São Paulo, Atlas, 2003, pp. 24-25) e dos comentários elaborados por Regina Beatriz Tavares da SILVA (Novo Código Civil Comentado, coordenado por Ricardo Fiúza, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 842). Esta mesma referência pode ser observada no Enunciado n. 379, elaborado por ocasião da IV Jornada de Direito Civil, realizada nos dias 26 e 27 de outubro de 2006 e promovida pelo Conselho da Justiça Federal. Afirma referido enunciado: “379 – O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil”. A chamada “teoria do desestímulo”, por sua vez, ganhou previsão expressa no Projeto de Lei n. 6.960/2002, de autoria do então Deputado Federal Ricardo Fiúza, que propõe a transformação do atual parágrafo único do art. 944 do Código Civil em § 1º, inserindo-se, no mesmo dispositivo, um § 2º, o qual tem a seguinte redação: “§ 2º. A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”.

Na jurisprudência, é copiosa a referência a estes elementos, podendo ser destacado o decidido pelo STJ no REsp. 355.392/RJ (3ª T., julg. em 26.03.2002, publ. DJ em 17.06.2002, Rel. para o acórdão o Min. Castro Filho), no qual entendeu-se, nos termos do voto do Relator, que, em tema de dano moral, “deve o juiz, valendo-se do bom-senso que é imprescindível ao correto discernimento do julgador, levar em consideração critérios objetivos e subjetivos, tais como o nível cultural do causador do dano; a condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; as conseqüências do dano no psiquismo do ofendido; as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima etc., para, só então, estabelecer o quantum a ser pago. Ademais, na fixação da reparação, deve o magistrado agir pedagogicamente, estipulando valor que desestimule a prática de outros ilícitos similares, mas que não sirva a condenação também de contributo a enriquecimentos injustificados” (grifou-se). Já no REsp. 668.434/SP (3ª T., julg. 08.03.2005, publ. DJ em 19.09.2005, Rel. para o acórdão o Min. Humberto Gomes de Barros) preferiu-se ressaltar que a reparação do dano moral “deve ter conteúdo didático, de modo a coibir reincidência do causador do dano sem enriquecer a vítima” (grifou-se). Interessante, recordar, igualmente, o voto-vencido do Min. Jorge Scartezzini, proferido no julgamento do REsp. 687.567/RS (4ª T., julg. em 28.06.2005, publ. DJ em 13.03.2005, Rel. Min. César Asfor Rocha). A decisão da Turma foi no sentido de reduzir o valor arbitrado pelas instâncias ordinárias, uma vez que “o valor fixado exacerba o comumente tido por razoável por esta egrégia Turma em hipóteses assemelhadas”. O voto-vencido, contudo, defende a necessidade de se observar “o teto fixado no Tribunal”, sendo que este “se aplica a cada um e não ao total da família”. Segundo o mesmo voto, o teto deve ser ainda observado, pois “uma empresa que tem, segundo o relato do advogado da defesa, vinte ações correndo pelo mesmo fato, pela mesma razão, quando é que ela vai parar se não houver uma sanção por parte do Tribunal? Entendo que o limite está razoável. Pedindo vênia ao eminente Relator, portanto, fixaria quinhentos [salários mínimos] para cada um dos herdeiros”.

No REsp. 331.279/CE (1ª T., julg. em 23.02.2002, publ. DJ em 03.06.2002, Rel. Min. Luiz Fux), por sua vez, admite-se que a reparação do dano moral deva ter um caráter “exemplar”, verbis: “A perda precoce de um filho é de valor inestimável, e, portanto, a indenização pelo dano moral deva ser estabelecida de forma equânime, apta a ensejar indenização exemplar”.

[28] Inúmeros, de fato, são os julgados que se referem, genericamente, ao grau de culpa, tal como se observa, por exemplo, no REsp. 240.441/MG (4ª T., julg. em 25.04.2000 e publ. DJ em 05.06.2000) e no REsp. 264.515/RJ (4ª T., julg. em 13.09.2000 e publ. DJ em 16.10.2000), ambos da relatoria do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Na ementa dos dois recursos é possível observar a seguinte passagem: “O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na fixação da indenização a este título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico do autor e, ainda, ao porte econômico do réu, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso”.

O grau de culpa “das partes” foi um dos critérios utilizados para o arbitramento do dano moral por ocasião do julgamento do REsp. 702.895/MS (4ª T., julg. em 12.12.2005, publ. em 13.03.2006, Rel. Min. Jorge Scartezzini), no qual se lê, na própria ementa, que “consideradas as peculiaridades do caso em questão (a origem do prejuízo, as repercussões do evento danoso e o grau de culpa das partes), o quantum fixado pelo tribunal a quo (R$ 50.000,00) a título de danos morais ainda se mostra excessivo, não se limitando à justa reparação dos prejuízos advindos do evento danoso. Destarte, para assegurar ao lesado justa reparação, sem incorrer em enriquecimento indevido, reduzo o valor indenizatório, fixando-o em R$ 25.000,00”.

[29] É ainda interessante observar que a jurisprudência do STJ está muito próxima de uma padronização no que se refere à reparação do dano moral resultante da morte de ente querido. O montante, contudo, é distinto, quer se trate de Turmas de Direito Público (1ª e 2ª Turmas), quer se trate de turmas de Direito Privado (3ª e 4ª Turmas). Aquelas, de fato, costumam fixar o valor da reparação no equivalente a 300 salários mínimos (neste sentido pode ser vista a compilação apresentada no voto do Min. Relator, por ocasião do julgamento do REsp. 866.450/RS, 2ª T., julg. em 24.04.2007, publ. DJ em 07.03.2008, Rel. Min. Herman Benjamin); estas, no entanto, têm por valor recorrente o montante de 500 salários mínimos, tal como se observa no voto proferido pelo Min. Hélio Quaglia Barbosa por ocasião do julgamento do REsp. 745.710/RJ (4ª T., julg. em 05.12.2006, publ. DJ em 09.04.2007). Interessante observar, neste último julgado, que o voto-vencedor do Min. Jorge Scartezzini insiste, justamente, na necessidade de se garantir o montante de 500 salários mínimos para cada autor da ação, salvo se o número de lesados for muito elevado. Colhe-se, com efeito, do voto deste último Ministro, Relator para o acórdão, que “perfaz-se imprescindível somar o número de lesados, a quantidade de integrantes do pólo proponente da lide. Em outros termos, tenho que a consecução da eqüidade, a observância das regras de experiência e bom senso, dos princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade quando da fixação da indenização de danos morais não se coaduna com o desprezo do número de pessoas lesadas pela morte de parente” (original grifado).

[30] A referência à vedação ao enriquecimento sem causa como limite à reparação do dano moral é recorrente na jurisprudência do STJ e dos Tribunais estaduais. Como exemplos de julgados daquele Tribunal podem ser citados, entre outros: REsp. 872.181/TO, 3ª T., julg. em 20.03.2007, publ. DJ em 18.06.2007, Rel. Min. Nancy Andrighi; REsp. 749.566/RO, 4ª T., julg. em 18.04.2006, publ. DJ em 08.05.2006, Rel. Min. Jorge Scartezzini e REsp. 693.172/MG, 1ª T., julg. em 23.08.2005, publ. DJ em 12.09.2005, Rel. Min. Luiz Fux. Em âmbito estadual, pode ser citado o julgado do TJRS, 09ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 70006781611, julg. em 26.05.2004, Rel. Des. Marilene Bonzanini Bernardi.

[31] Como exemplo da relevância conferida às peculiaridades do caso concreto pode ser recordado o decidido no REsp. 351.779/SP (2ª T., julg. em 19.11.2002, publ. DJ em 09.02.2004, Rel. para o acórdão Min. Franciulli Netto). Tratava-se de uma ação de reparação de danos proposta contra o Estado de São Paulo, uma vez que seu agente (delegado de polícia) divulgara fatos ofensivos à honra dos três proprietários de uma escola sem que o respectivo inquérito tivesse sido concluído. Ao final da instrução criminal tais fatos revelaram-se falsos, mas a instituição de ensino teve de encerrar as atividades e seus proprietários quase foram mortos pela população. O pedido foi julgado procedente em primeiro grau de jurisdição e a apelação dos autores da ação foi parcialmente provida pelo TJSP, que elevou a reparação individual do dano moral para R$ 100 mil. No julgamento do recurso especial este valor foi mantido pela Relatora originária do acórdão, a Min. Eliana Calmon, tendo esta sido acompanhada pelo Min. Francisco Pessanha Martins. A divergência foi, entretanto, inaugurada pelo Min. Franciulli Netto, o qual considerou que “a importância de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não é suficiente para provocar o efeito pretendido pelo douto colegiado a quo”. Afirma ainda que “é certo que o dano moral não pode significar um enriquecimento do credor. Menos não é verdade, contudo, que, como registrou o próprio Tribunal de origem, não deve a indenização por danos morais ser meramente simbólica, mas efetiva e proporcional à condição da vítima, do autor do dano e da gravidade do caso. (…). Não há, assim, desde que guardada a proporcionalidade e razoabilidade da indenização, possibilidade de enriquecimento ilícito da vítima em detrimento do autor do dano, quer pela própria dificuldade de mensuração do prejuízo quer pela evidente necessidade de impedir que a indenização arbitrada seja tão leve que incentive o réu a continuar causando danos morais contra outras vítimas, ou que a sociedade comece a ver com naturalidade tais comportamentos e passe a agir da mesma forma”. Propõe, então, “que a indenização em razão dos danos morais, para cada autor, seja arbitrada em R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais)”. Este, de fato, acaba sendo o valor final pago a cada um dos autores da ação de reparação, pois também os Min. Paulo Medina e Laurita Vaz votam neste sentido.

[32] Podem ser recordados os termos dos arts. 402 e 403 do vigente Código Civil: “Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”; “Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

[33] Afirma o art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

[34] Dispõe o art. 948 do Código Civil: “Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”. O art. 949, por sua vez, afirma: “Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”. Finalmente, o art. 953, § único, reza que: “Art. 953. (omissis). Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso”.

[35] Neste sentido, aliás, é o disposto na súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, muito embora editada quando ainda em vigor o Código Civil de 1916. Dispõe referido verbete: “37 – São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

[36] Recorde-se o disposto no art. 928, § único: “Art. 928. (omissis). Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem”.

[37] Em tradução livre, é a seguinte a redação dos arts. 43 e 44: “Art. 43. (III. Fixação da indenização). O juiz determina o modo e a extensão da reparação, de acordo com as circunstâncias e a gravidade da culpa. Quando um animal que vive em um ambiente doméstico, e não é conservado com um fim patrimonial ou de lucro, é ofendido ou morto, o juiz pode considerar, em uma medida apropriada, o valor afetivo do animal para o seu detentor ou pessoas próximas a este. Os danos e interesses não podem ser concedidos sob a forma de renda, salvo se o devedor, ao mesmo tempo, fornecer garantias”; “Art. 44. (IV. Redução da indenização). O juiz pode reduzir os danos e interesses, ou mesmo não os conceder, quando a parte lesada consentiu com a lesão ou quando os fatos de que ela é responsável contribuíram para a ocorrência do dano, para o seu aumento, ou quando eles agravaram a situação do devedor. Quando o prejuízo não foi causado nem intencionalmente nem por efeito de uma grave negligência ou imprudência, e a sua reparação expuser o devedor à ruína, o juiz pode eqüitativamente reduzir os danos e interesses”.

[38] Em comentário ao dispositivo, no entanto, Georges SCYBOZ e Pierre-Robert GILLIÉRON (Code Civil Suisse et Code des Obligations Annotés, 5ª ed., Lausanne, Payot, 1993, p. 29) afirmam que, se a extensão da reparação deve ser fixada em relação à gravidade da culpa do autor do ato ilícito – o que só é possível quando se tratar de responsabilidade subjetiva – a redução da reparação poderá ocorrer na hipótese de culpa leve, não se referindo à ruína do ofensor.

[39] Neste sentido podem ser vistos os comentários de Fernando Andrade Pires de LIMA e João de Matos Antunes VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1967, p. 339. Afirmam os Autores que “a faculdade conferida aos tribunais neste artigo limita-se aos casos de mera culpa”, sendo que “os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos. Trata-se de um julgamento de equidade”. Asseveram, igualmente, que “quanto à culpabilidade do agente, interessará averiguar se ele agiu com culpa lata, leve ou levíssima. Através da situação econômica dos interessados, procurar-se-á saber que repercussão têm sobre a situação patrimonial da vítima e do autor do ato ilícito a lesão e o pagamento da indenização” (grifos no original).

[40] Em sua redação original, dispunha o art. 1.069 do Código Civil Argentino: “Art. 1.069. O dano compreende não somente o prejuízo efetivamente sofrido, como também o ganho de que foi privado o lesado pelo ato ilícito, e que neste Código se designa pelas palavras ‘perdas e interesses’”. Posteriormente, a Lei 17.711, de 1968, acrescentou um novo parágrafo ao dispositivo, o qual dispõe: “Os juízes, ao fixar as indenizações por danos, poderão considerar a situação patrimonial do devedor, atenuando-a se for eqüitativo; mas não será aplicável esta faculdade se o dano for imputável a dolo do responsável”.

[41] A matéria é tratada no art. 10 de referido trabalho, verbis: “Art. 10:301. Danos não patrimoniais. (1) Tomando em consideração o seu âmbito de proteção (Art. 2:102), a violação de um interesse poderá justificar a atribuição de uma compensação por danos não patrimoniais, em especial nos casos de danos pessoais ou de ofensa à dignidade humana, à liberdade ou a outros direitos de personalidade. Nos casos de morte e de lesão corporal muito grave, pode igualmente ser atribuída uma compensação pelo dano não patrimonial às pessoas que tenham uma relação de grande proximidade com o lesado. (2) De uma forma geral, devem ser tomadas em consideração no cálculo destes danos todas as circunstâncias do caso, incluindo a gravidade, duração e conseqüências da ofensa. A gravidade da culpa do autor apenas deve ser tida em conta quando tiver contribuído significativamente para a ofensa”. A seção 4 deste mesmo art. 10 trata, por sua vez, da “limitação da indenização”, e afirma o seguinte: “Art. 10:401. Limitação da indenização. Excepcionalmente, se face à situação econômica das partes a reparação integral constituir um encargo opressivo para o réu, a indenização pode ser reduzida. Para tomar esta decisão, deve ter-se em consideração, especialmente, o fundamento da responsabilidade (art. 1:101), a extensão da proteção do interesse (art. 2:102) e a dimensão do dano”.

[42] Neste sentido é esclarecedora a opinião do Autor do livro dedicado ao Direito das Obrigações no Anteprojeto de Código Civil de 1972, que se transformou no Projeto de 1975, finalmente convertido, com algumas adaptações, no vigente Código Civil. Trata-se do professor Agostinho ALVIM, o qual, na “Exposição de Motivos”, redigida em agosto de 1970, esclareceu o seguinte (“Direito das Obrigações – Exposição de Motivos”, in Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, número 24, pp. 101-102): “Do mesmo modo, em face do Código Civil [refere-se ao diploma revogado], o fato de ser leve a culpa, ou levíssima, não exclui a responsabilidade, salvo casos expressos em lei; e sobretudo não vale nunca como atenuante. Todavia, não parece justo que, no caso de culpa leve e dano vultoso, a responsabilidade recaia inteira sobre o causador do dano. Um homem que economizou a vida toda para garantir a velhice, pode, por uma leve distração, uma ponta de cigarro atirada ao acaso, vir a perder tudo o que tem, se tiver dado origem a um incêndio. E não só ele perde mas toda a família. Notam os autores que acontecimentos como estes trazem em si uma dose de fatalidade. Dir-se-á que a vítima perde; mas perderia igualmente, sem ter a quem recorrer, se a fatalidade fosse outra: um raio ou obra de um malfeitor desconhecido. E a fatalidade está em que a distração é uma lei inexorável, à qual ninguém nunca se furtou. É justamente por reconhecer isso que o legislador manda indenizar no caso de acidente do trabalho, embora ele ocorra, quase sempre, por motivo de descuido, negligência, imprudência, enfim culpa do empregado”.

Também vale recordar, em perspectiva histórica, que o Anteprojeto de Código de Obrigações de 1963, da autoria de Caio Mário da Silva Pereira, descartava a pesquisa do grau de culpa para a fixação do montante da reparação, preferindo, ao contrário, destacar a gravidade do próprio dano. É o que se lê no art. 941, verbis: “Art. 941. A indenização será fixada de acordo com a gravidade do dano, consideradas as circunstâncias pessoais e materiais que o envolverem, e terá como finalidade restituir o prejudicado ao estado anterior ao fato, sem contudo converter-se em fonte de enriquecimento”. O artigo seguinte afirma: “Art. 942. No caso de dano moral, haja ou não prejuízo material, o juiz arbitrará moderadamente a indenização, invocando inclusive a eqüidade”. A mesma sistemática foi mantida no Projeto de 1965, arts. 878 e 879. Mais interessante ainda é constatar que esta construção legislativa foi absorvida na primeira versão do Anteprojeto de 1972, o qual, de forma enfática, afirma: “Art. 1.003. A indenização não se mede pela gravidade da culpa, mas pela extensão do dano. Todavia, se houver excessiva desproporção entre o ato e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”. Mas, já na segunda versão deste mesmo Anteprojeto, adotou-se entendimento diverso, mais próximo do que consta do vigente Código Civil. Em verdade, afirma o art. 986 daquele Anteprojeto: “Art. 986. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”.

[43] No mesmo sentido é a doutrina de Carlos Nélson KONDER (“A redução eqüitativa da indenização em virtude do grau de culpa: apontamentos acerca do parágrafo único do art. 944 do Código Civil”, in Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 29, Rio de Janeiro, PADMA, jan./mar. de 2007, p. 32), o qual afirma: “Desse modo, as aberturas da legislação que carecem de preenchimento valorativo, como é o caso do parágrafo único do art. 944 do Código Civil, devem ser utilizadas para efetivar a aplicação direta dos princípios constitucionais e, em caso de colisão de mais de um princípio, ensejam o mecanismo de ponderação para determinar qual deles deve prevalecer, sendo aplicável àquele caso concreto. Portanto, se o princípio da reparação integral do dano tem caráter constitucional, a utilização da redução eqüitativa da indenização com base na desproporção excessiva entre o grau de culpa e o dano, deve, além de respeitar os limites do dispositivo, ter por fundamento a aplicação de um outro princípio constitucional que deva prevalecer diante das circunstâncias específicas daquele caso concreto. Entender em sentido contrário faria crer que era a legislação inferior que, sem supedâneo maior, estaria autorizando o juiz a afastar a aplicação de um princípio ao qual se atribui a natureza de implicitamente constitucional”.

Sobre a aplicação da técnica de ponderação na responsabilidade civil pode ser vista a doutrina de Anderson SCHREIBER, Novos Paradigmas, cit., em especial pp. 137-155.

[44] Nem será possível a uniformização da jurisprudência, caso o STJ mantenha seu entendimento atual no sentido de que as questões relativas à culpa configuram “matéria de fato”, o que inviabiliza a interposição de recurso especial, nos termos da súmula 07 do mesmo Tribunal. Este entendimento, contudo, não tem sido adotado em todas as ocasiões, sendo exemplo o REsp. 473.085/RJ (3ª T., julg. em 14.06.2004, publ. em 23.05.2005, Rel. para o acórdão Min. Antônio de Pádua Ribeiro), em que, por maioria, decidiu-se pelo conhecimento e provimento parcial do recurso. Outro julgado que pode ser lembrado é o REsp. 418.713/SP (2ª T., julg. em 20.05.2003, publ. DJ em 08.09.2003, Rel. Min. Franciulli Netto). Recorde-se ainda, por oportuno, que tanto no direito francês, quanto no direito italiano, as Cortes Superiores têm exercido um importante papel no controle das decisões de nível inferior nas questões relativas à culpa. Sobre o tema veja-se, respectivamente, Geneviève VINEY e Patrice JOURDAIN, Traité de Droit Civil, cit., pp. 317-318 e Giovanna VISINTINI, Tratado de la Responsabilidad Civil – la culpa como criterio de imputación de la responsabilidad, tradução argentina por Aída Kemelmajer de Carlucci, vol. 1, Buenos Aires, Depalma, 1999, pp. 52-64.

[45] Recorde-se aqui, entre outros autores, o pensamento de Sílvio RODRIGUES (Direito Civil, cit., p. 188), o qual, criticando a solução da primeira versão do Anteprojeto de Código Civil de 1972 – que, como visto, não considerava o grau de culpa como critério para a reparação do dano – afirma: “Tal solução por vezes se apresenta injusta, pois não raro de culpa levíssima resulta dano desmedido para a vítima. Nesse caso, se se impuser ao réu o pagamento da indenização total, a sentença poderá conduzi-lo à ruína. Então estar-se-á apenas transferindo a desgraça de uma para outra pessoa, ou seja, da vítima para aquele que, por mínima culpa, causou o prejuízo. Se uma pessoa, no vigésimo andar de um prédio, distraidamente se encosta na vidraça e esta se desprende para cair na rua e matar um chefe de família, aquela pessoa, que cometeu apenas uma inadvertência, poderá ser condenada ao pagamento de uma enorme indenização, capaz de consumir toda a economia de sua família. Pequena culpa, gerando enorme e dolorosa conseqüência. Entretanto, essa é a lei, pois in Lex Aquilia et levissima culpa venit”.

[46] No mesmo sentido parece ser a doutrina de Gisela Sampaio da CRUZ, O Problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 2005, em especial pp. 313-344.

Em sentido contrário pode ser visto Miguel KFOURI NETO, Responsabilidade Civil do Médico, 6ª ed., São Paulo, Atlas, 2007, pp. 75-76. Analisando, em especial, a responsabilidade médica, afirma o Autor que “essa gradação introduzida pelo Código Civil brasileiro permitirá maior justiça ao se fixar a extensão da reparação do dano – por meio da análise da gravidade da imperícia, negligência ou imprudência com que se houve o profissional da medicina. Conforme a maior ou menor previsibilidade do resultado, maior ou menor falta de cuidado objetivo, o agir culposo será enquadrado como levíssimo, leve ou grave. Aí, o juiz poderá proceder à justa individualização da culpa e, por conseguinte, à extensão da reparação”. Do mesmo Autor pode ainda ser consultado o trabalho intitulado “Graus de culpa e redução eqüitativa da indenização”, in Revista dos Tribunais, vol. 839, São Paulo, Revista dos Tribunais, setembro de 2005, pp. 47-68. Em sentido semelhante é a doutrina de Carlos Alberto Menezes DIREITO e Sérgio CAVALIERI FILHO, Comentários ao Novo Código Civil, coordenado por Sálvio de Figueiredo Teixeira, vol. XIII, Rio de Janeiro, Forense, 2004, pp. 337-338.

[47] Sobre o tema da eficácia “vedativa do retrocesso” das normas constitucionais podem ser consultadas, na doutrina nacional, a obra de Luís Roberto BARROSO, Interpretação e Aplicação da Constituição – fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2004, pp. 379-380, e a obra de Ana Paula de BARCELLOS, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais – o princípio da dignidade da pessoa humana, 2ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2008, em especial pp. 83-91. Considerando, especificamente, o retrocesso que poderia representar o então Projeto de Código Civil, embora tenham destacado outros aspectos, pode ser visto, da autoria de Luiz Edson FACHIN e Carlos Eduardo Pianovski RUZYK, o artigo “Um Projeto de Código Civil na contramão da Constituição”, in Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 4, Rio de Janeiro, PADMA, out./dez. de 2000, em especial pp. 248-262.

Em relação ao tema da reparação dos danos, a possibilidade de retrocesso foi sustentada por Wesley de Oliveira Louzada BERNARDO, Dano Moral: Critérios de Fixação de Valor, Rio de Janeiro, Renovar, 2005, pp. 169-173. Este Autor chega a afirmar (p. 171) que “são excludentes” os critérios da indenização pela extensão do dano e o da sua reparação com base no grau de culpa, salientando ainda (p. 172) que “o citado parágrafo único do art. 944 refoge ao sistema idealizado pelo legislador, podendo-se creditar sua inserção no novel diploma a um ‘descuido sistemático’, muito provavelmente derivado das quase três décadas de tramitação do Projeto de Lei, que possibilitaram a inclusão de um sem número de emendas, algumas destoantes do espírito do texto original”.

[48] Sobre o tema do “patrimônio mínimo” é indispensável a leitura de Luiz Edson FACHIN, Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, Rio de Janeiro, Renovar, 2001. Este Autor afirma (p. 1), com toda razão, que: “A pessoa natural, ao lado de atributos inerentes à condição humana, inalienáveis e insuscetíveis de apropriação, pode ser também, à luz do Direito Civil brasileiro contemporâneo, dotada de uma garantia patrimonial que integra sua esfera jurídica. Trata-se de um patrimônio mínimo mensurado consoante parâmetros elementares de uma vida digna e do qual não pode ser expropriada ou desapossada. Por força desse princípio, independente de previsão legislativa específica instituidora dessa figura jurídica, e, para além de mera impenhorabilidade como abonação, ou inalienabilidade como gravame, sustenta-se existir imunidade juridicamente inata ao ser humano, superior aos interesses dos credores”. Esta visão, aliás, constitui o fundamento da defesa de um “limite humanitário” para a reparação civil, o qual restou consagrado no enunciado 39, elaborado por ocasião da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal entre os dias 11 e 13 de setembro de 2002. Tal enunciado, fulcrado no disposto no art. 928, parágrafo único, do Código Civil, afirma o seguinte: “39 – Art. 928: a impossibilidade de privação do necessário à pessoa, prevista no art. 928, traduz um dever de indenização eqüitativa, informado pelo princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana. Como conseqüência, também os pais, tutores e curadores serão beneficiados pelo limite humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgotados todos os recursos do responsável, mas se reduzidos estes ao montante necessário à manutenção de sua dignidade”. É possível, da mesma forma, defender a observância deste limite humanitário em todos os quadrantes da responsabilidade civil, e não só na hipótese de reparação devida por incapazes, pais, tutores ou curadores. Neste sentido é o afirmado no “Comentário” ao art. 944 constante da obra de Gustavo TEPEDINO, Heloísa Helena BARBOZA, Maria Celina Bodin de MORAES et al., Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, vol. II, Rio de Janeiro, Renovar, 2006, pp. 861-862. Ali sustenta-se (p. 862), com toda razão, que “a quantificação da indenização tomará sempre como limite o patrimônio disponível do ofensor, sendo de se considerar impenhorável não apenas os bens indicados em lei, como o imóvel residencial (Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990), mas também o patrimônio necessário à conservação de uma existência digna, conceito que não deve ser visto de forma reducionista. Nem mesmo a regra de reparação integral do dano pode afastar a incidência dos princípios constitucionais. Portanto, o valor da indenização mede-se pela extensão do dano, mas se limita ao montante de que pode dispor o ofensor sem prejuízo da sua vida digna”.

[49] Entre os defensores do respeito ao patrimônio mínimo do ofensor encontra-se Carlos Edison do Rêgo MONTEIRO FILHO, “Artigo 944 do Código Civil: O problema da mitigação do princípio da reparação integral”, in O Direito e o Tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas, coordenado por Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin, Rio de Janeiro, Renovar, 2008, pp. 781-785. O Autor, muito embora admita a validade da referência ao grau de culpa do ofensor, afirma (p. 781), em passagem que merece adesão, que “se o causador do dano for solvente e tiver capacidade para suportar o encargo da indenização sem recair em pobreza, a aplicação do parágrafo único do art. 944 é de ser, em princípio, afastada. A exceção, como se viu, interpreta-se restritivamente. Isso porque, nessa hipótese, o pagamento da indenização à vítima não comprometeria a existência digna do ofensor. E o princípio da restituição integral não permite a preponderância da tutela patrimonial do ofensor em detrimento da vítima. A ratio do dispositivo deve ser tão-somente a de evitar reduzir o causador do dano a um estado de carência” (original grifado).

[50] Sobre a atuação eqüitativa do juiz recomenda-se a leitura de Agostinho ALVIM, “Da Eqüidade”, in Revista dos Tribunais, vol. 797, São Paulo, Revista dos Tribunais, março de 2002, pp. 767-770. Neste texto, originariamente publicado em julho de 1941, o Autor salienta que, na eqüidade judicial, o magistrado atua dentro do direito, de forma que “não cria o direito, antes o extrai do sistema e o revela”. Afirma, igualmente, que “as circunstâncias e informes que o juiz deverá levar em consideração, para resolver dado caso concreto, devem ser informes e circunstâncias que tenham valor perante o direito, circunstâncias que o legislador levaria em consideração, se legislasse para o caso em apreço. É necessário que a solução se justifique em face do direito positivo e da moral positiva, para a qual a lei apela em certos casos”.

[51] Neste sentido pode ser recordada, ainda uma vez, a doutrina de Carlos Edison do Rêgo MONTEIRO FILHO (“Artigo 944 do Código Civil”, cit., p. 786), quando afirma que “com efeito, não se pode mesmo estabelecer, em todos os casos, a facultatividade da aplicação da norma tout court. Se presentes certos fatores determinantes, o ordenamento todo estará a impor a aplicação do dispositivo para reduzir o valor da reparação do dano. Ou, por outra, se em jogo componentes tais como dignidade humana, solidariedade, e o reflexo no patrimônio mínimo, não poderá prevalecer a natureza aparentemente dispositiva da norma” (grifos no original).

[52] Conclusão semelhante, salvo pela referência à gravidade da culpa, é sustentada por Carlos Edison do Rêgo MONTEIRO FILHO (“Artigo 944 do Código Civil”, cit., p. 785), quando afirma que “o sacrifício da tutela especial da vítima (e do princípio da reparação integral) para se autorizar a redução eqüitativa da indenização só ocorrerá quando houver, em contraposição, um conjunto de circunstâncias de tal força que permita justificar o mecanismo. Não basta, como aparentemente se deduz do parágrafo único do art. 944, que haja excessiva desproporção entre a culpa e o dano. Para que a solução seja verdadeiramente condizente com a eqüidade, deve-se estar em presença de outros requisitos, como as situações patrimoniais do ofensor e da vítima – que se revelam, em definitivo, como componentes essenciais na equação. Serão o limite e o fundamento da redução” (grifos no original).

[53] Em sentido contrário é a doutrina de Thomas BUSTAMANTE e Denis Franco SILVA (“Neminem Laedere: o novo Código Civil brasileiro e a integral reparabilidade dos danos materiais decorrentes de ato ilícito”, in Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 20, Rio de Janeiro, PADMA, out./dez. de 2004, pp. 247-258), os quais sustentam que a redução no valor da indenização dos danos materiais feriria o direito de propriedade da vítima, o qual possui tutela constitucional (art. 5º, XXII) e não admitiria tal restrição. Afirmam, de fato, que “não se pode, nem mesmo ao argumento de se estar aplicando a ‘eqüidade’, permitir que alguém que cometeu ato ilícito tenha sua propriedade protegida contra as indenizações decorrentes da prática desse mesmo ato. A eqüidade possui, sempre, uma ligação com a justiça e, a justiça, no caso concreto, não se coaduna com a hipótese traçada no dispositivo legal questionado, pois sequer existem fundamentos justificadores para a redução do quantum indenizatório. A regra constitucional é a da garantia de propriedade, e quando não há razões para solução diversa, rules must be obeyed” (p. 258).

[54] Sobre o tema seja consentido remeter ao que se sustentou em outra sede (Marcelo Junqueira CALIXTO, A Culpa, cit., pp. 310-312). Em sentido semelhante é a doutrina de Maria Celina Bodin de MORAES (Danos à Pessoa Humana, cit., pp. 330-331), a qual afirma: “Como hipótese excepcional, pode-se admitir uma figura semelhante à do dano punitivo quando for imperioso dar uma resposta à sociedade, tratando-se, por exemplo, de conduta particularmente ultrajante ou insultuosa em relação à consciência coletiva, ou, ainda, quando se der o caso, não incomum, de prática danosa reiterada. O interesse protegido, o bem-estar da coletividade, justificaria o remédio. (…). É de aceitar-se, ainda, um tipo de função punitiva na reparação de dano moral para situações potencialmente causadoras de lesões a um grande número de pessoas, como ocorre nos interesses difusos, tanto na relação de consumo quanto no direito ambiental. Aqui, a ratio será a função preventivo-precautória que a punição inegavelmente detém. Nesses casos, contudo, o instituto não pode se equiparar ao do dano punitivo, como hoje é conhecido, porque o valor a maior da indenização, a ser pago ‘punitivamente’, segundo as previsões da Lei nº 7.347/85, servirá a beneficiar um número amplo de pessoas, através do depósito das condenações em fundos previamente determinados”. A referência, feita por esta Autora, à “conduta particularmente ultrajante ou insultuosa”, permite afirmar, igualmente, a possibilidade de a eventual regulação específica da matéria contemplar a conduta dolosa, – e não simplesmente culposa –, do ofensor como hipótese de aumento do valor da reparação a ser paga por este.


Informações Sobre o Autor

Marcelo Junqueira Calixto

Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor Adjunto do Departamento de Direito da PUC-Rio. Professor dos cursos de Pós-Graduação da PUC-Rio, FGV, UERJ e UCAM. Advogado. Conferencista da EMERJ e da ESAP. Advogado.


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