RESUMO: Por mais que as uniões homoafetivas tenham sido alvo de muitos preconceitos, a luta pela aplicação dos direitos humanos tem se mostrado vitoriosa e os tribunais vem reconhecendo alguns direitos, a partir da convivência em comum, direitos esses contidos no contexto legal. A convivência de pessoas do mesmo sexo fez nascer polêmicos Projetos de Lei. O propósito de dar as parcerias homossexuais status de união estável possui fundamento, no reconhecimento dos direitos de todo o ser humano, além de deveres e obrigações, protegendo assim, disposições de caráter patrimonial, a propriedade construída pelos parceiros e o direito à adoção, garantindo ainda o direito de sucessão nos bens do parceiro falecido, marcando assim, a saída da clandestinidade destas relações e a regulamentação, como entidade familiar, que são baseados nos direitos fundamentais do ser humano.
Palavras-chave: União homoafetiva. Princípios constitucionais. Família homoafetiva. Adoção. Sucessão.
Abstract:No matter how much the unions gays have been objective of many prejudices, the fight of the human rights is being victorious and the tribunals are recognizing some rights starting from the coexistence in common, rights those contained in the legal context. The people’s of the same sex coexistence made to be born controversial bills. The purpose of giving the partnerships homosexuals status of stable union possesses foundation in the recognition of the whole human being rights besides duties and obligations, protecting like this dispositions of patrimonial character, the property built by the partners and the right to the adoption, still guaranteeing the succession right in the died partner’s goods, marking like this the exit of the secrecy of these relationships and the regulation as family entity that you/they are based on the human being fundamental rights.
Keywords: Union gay. Constitutional principles. Union gay family. Adoption. Succession.
SUMÁRIO: 1.Introdução.2 A homossexualidade: origens históricas.2.1 A homossexualidade no curso da história.2.1.1 A homossexualidade na Antiguidade.2.1.2 A homossexualidade na Idade Média e o início da homofobia.2.1.3 A homossexualidade e o cristianismo.2.1.4 A patologização da homossexualidade.2.2 A história da homossexualidade no Brasil.
3. Análise da homoafetividade em conformidade com os princípios constitucionais. 3.1 Princípio da igualdade.3.2 Princípio da dignidade da pessoa humana.4. Homoafetividade como instituição familiar.4.1 Evolução histórica do conceito de família4.2 Conceito constitucional de instituição familiar.4.3 Paralelo entre união homoafetiva e união estável.4.3.1 União estável. 4.3.1.1 Requisitos para configuração da união estável. 4.3.1.1.1 Diversidade de sexos. 4.3.1.1. 2 Convivência pública. 4.3.1.1.3 Fidelidade.4.3.1.1.4 Coabitação. 4.3.1.1.5 Estabilidade: união duradoura e contínua. 4.3.1.1.6 Ânimo de constituir família. 4.3.1.1.7 Inexistência de impedimentos matrimoniais. 4.3.2 União estável homoafetiva .5. Da adoção por homossexuais. 5.1 O Direito parental. 5.2 O direito do menor à adoção. 5.3 A adoção por homossexuais.
5.3.1 Omissão legal proibitória. 5.3.2 Inexistência de prejuízos ao menor
5.3.3 Entendimentos Jurisprudenciais.6. O silêncio da lei em confronto com o avanço jurisprudencial. 7. Considerações finais.referências.anexos: anexo A – Resolução CFP N° 001/99 de 22 de março de 1999. ANEXO B – Resolução CFESS N° 489/2006 de 03 de junho de 2006
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico tem a pretensão de analisar as relações homoafetivas à luz da Constituição Federal de 1988, mormente em confronto, com o princípio da igualdade, insculpido no art. 5º, Caput, da Magna Carta, através de comparativo com a união estável formada entre um homem e uma mulher.
O tema possui importância ímpar, considerando-se que a união familiar funda-se precipuamente, em sentimentos nobres, como o amor, a fidelidade, o respeito e a proteção recíproca a seus membros. Atualmente, a tarefa de conceituar família tornou-se árdua, em função das mudanças institucionais familiares, na sociedade.
Para o desenvolvimento deste trabalho, foram levantados os seguintes problemas: Levando-se em consideração os aspectos legais, que envolvem a família, como aquisição de patrimônio comum, obrigação alimentar e a adoção de filhos, a união homoafetiva duradoura é uma forma de instituição familiar? Em caso do rompimento da união homoafetiva, seja pela separação ou pela morte de um dos conviventes, é possível a partilha de bens adquiridos por ambos na constância da união? É possível o aperfeiçoamento do registro de filhos adotados pelo casal homoafetivo?
Tem como objetivo geral demonstrar que as uniões homoafetivas são uma realidade no Brasil, e necessitam da mesma proteção estatal, que as instituições familiares seculares gozam, com fundamento na Carta Magna, que destaca a pessoa humana, em privilegiado patamar.
Os objetivos específicos são: analisar os princípios da digninidade da pessoa humana e da igualdade, insculpidos na Magna Carta; o estudo do conceito amplo de instituição familiar, abrangendo as uniões homoafetivas, como modalidade de família; a análise da possibilidade de adoção de crianças, por pares homoafetivos, apresentando um caso concreto.
Por se tratar de pesquisa bibliográfica, foram consultados autores polêmicos e de vanguarda, tais como Maria Berenice Dias, que cunhou o neologismo “homoafetividade”, e Paulo Roberto Vecchiatti, Carla de Castro Abreu, Vinícius Marçal Vieira e Liliane Jaime Mendonça de Araújo, dentre outros, bem como jurisprudências pátrias relacionadas ao tema.
Em razão da problemática levantada, será primeiramente traçado, no segundo capítulo, um relato histórico acerca da homossexualidade, que data de séculos.
A partir do cristianismo, as relações entre pessoas do mesmo sexo deixaram de ser admitidas pela sociedade, que, em sua evolução, caminhando ao lado da religiosidade, atribuiu a tais relações a pecha de pecaminosa e abominada por Deus. As pessoas que nutriam sentimento por outras de mesmo sexo, passaram a sentir-se discriminadas pela sociedade, ou mantinham seus sentimentos na clandestinidade, visando manter o amor de seus familiares e o respeito da sociedade.
O terceiro capítulo fará uma análise da homoafetividade em conformidade com a Constituição Federal de 1988, que, com o seu advento, teve início o processo de redemocratização da nação brasileira, como sendo um Estado laico. A igualdade entre as pessoas, sem distinção alguma, adquiriu status constitucional, e a família passou a gozar de especial proteção pelo Estado.
As discriminações e os preconceitos em relação à cor da pele, sexo, idade, preferências religiosa e sexual são severamente abominados pela Constituição Federal.
O quarto capítulo fará um estudo acerca da homoafetividade como instituição familiar, mediante a apresentação do conceito constitucional de instituição familiar, culminando, com um parâmetro, entre união estável e união homoafetiva.
Como extensão ao capítulo anterior, o quinto capítulo estuda a possibilidade de adoção por pares homoafetivos.
O trabalho monográfico se encerra com o silêncio da lei em confronto com o avanço jurisprudencial. Nos últimos vinte anos, várias foram as Leis promulgadas com escopo exclusivo de atender aos anseios da nação brasileira e amoldar-se com o texto constitucional. O arcaico Código Civil de 1916 deixou de existir, para dar lugar ao novo Código Civil, mais humanitário, que modificou profundamente o Livro que trata do direito de família, em atendimento ao alargamento do conceito de instituição familiar, contido no bojo da Lei Maior. Entretanto, não existem no cenário nacional leis regulamentadoras da união homoafetiva, a despeito das intensas modificações no conceito de família.
2 A HOMOSSEXUALIDADE: ORIGENS HISTÓRICAS
2.1 A homossexualidade no curso na história
As relações homoafetivas existem há séculos, conforme vários relatos históricos, onde os primeiros filósofos célebres da história, dentre eles Platão, dizia-se homossexual.
Na antiguidade, as relações homoafetivas eram comuns entre os homens, e o matrimônio visava essencialmente à perpetuação da espécie.
O amor, a intimidade sexual de caráter prazeiroso acontecia com seus companheiros, com quem tinham momentos de absoluto prazer e alegria.
Lacerda Neto (2007a, p. 1), assim preleciona:
“A antigüidade grega, a que pertenceu Platão, caracterizava-se pelo politeísmo, crença em inúmeros deuses, a cada um atribuindo-se a responsabilidade por certos fenômenos, como o deus Amor, responsável pelo sentimento de afeição entre as pessoas; assinalava-se, ainda, pela bissexualidade masculina, em que aceitavam-se as relações sexuais de homens com mulheres e com homens, e pela pederastia, relacionamento entre o erastes e o erômenos: aquele, mais velho de 25 anos, procurava um moço de entre 12 e 15 anos (o erômenos), a quem, sob a aprovação dos respectivos pais, servia de amigo e educador até os seus 18 anos, quando a relação passava a ser de amizade, exclusivamente, sem conteúdo sexual que, de resto, não compreendia penetração anal e sim o coito interfemural (fricção do pênis entre as coxas, junto da genitália). A assim chamada homossexualidade grega encarnava um costume altamente moral de finalidade educadora; a intimidade física entre o erastes e o erômenos verificava-se no âmbito de uma relação, antes de tudo, formadora do caráter do mais moço, em que o mais velho desempenhava um papel significativo na transmissão de valores.”
Os homens, naquela época, não conseguiam compreender a natureza feminina. Mensalmente, durante o período menstrual, eram consideradas impuras e não eram tocadas por seus maridos.
A dificuldade em compreender o feminino, suas peculiaridades relacionadas à sua própria natureza, favoreciam as relações homoafetivas entre os homens, bem como sua aceitação social.
O portal História do Mundo (s.d) traz um relato histórico interessante acerca da história da homossexualidade, sem atribuir a autoria do texto que, a despeito de tal fato, vale ser colacionado no presente trabalho monográfico.
“Recuando para os tempos antigos poderíamos nos deparar com uma visão bastante peculiar ao notarmos que afeto e prática sexual não se distinguiam naquele período. As relações sexuais não eram hierarquizadas por meio de uma distinção daqueles que praticam optavam pelos hábitos homo ou heterossexuais. Na Grécia, por exemplo, o envolvimento entre pessoas do mesmo sexo chegava, em certos casos, a ter uma função pedagógica. Na cidade-Estado de Atenas, os filósofos colocavam o envolvimento sexual com seus aprendizes como um importante instrumento pelo qual se estreitavam as afinidades afetivas e intelectuais de ambos. Entre os 12 e os 18 anos de idade o aprendiz tinha relações com seu tutor, desde que ele e os pais do menino consentissem com tal ato. Já em Roma, havia distinções onde a pederastia era encarada com bons olhos, enquanto a passividade de um parceiro mais velho era motivo de reprovação.”
Relatos históricos revelam que 3.000 anos antes de Cristo até os primórdios da era cristã, a homossexualidade integrava as culturas antigas, sem nenhuma repressão ou preconceito, sendo livre e aberta a prática da homossexualidade.
No Egito e na Índia, especialmente neste último, relações homossexuais eram alçadas à categoria de divindade. Vários deuses indianos eram homossexuais ou bissexuais.
Lacerda Neto (2007b, p.1), narra:
“Na Índia, os deuses eram afetiva e sexualmente bissexuais, o que influenciou a população indiana, em igual sentido, até o advento da ocupação britânica, responsável por uma alteração das mentalidades e dos comportamentos, o que resultou, na atualidade, em uma certa renegação da homossexualidade e a sua atribuição à influência do Ocidente. Na Índia, os casamentos correspondiam a vinculações voltadas a constituir ou a fortalecer laços entre famílias, por meio da geração de filhos, fora do pressuposto (ocidental) da afetividade entre os cônjuges, livres, assim, para amar a terceiros e manter atividade sexual com eles. Os textos hindus mais antigos, designados como literatura védica (cerca de 200 antes de Cristo a 800 depois de Cristo), contém a narrativa relacionada com Crixna, um deus que assume formas humanas, e Ardjuna, simultaneamente divino e humano: tratava-se de amigos que se amavam.”
Na China antiga, os relacionamentos homossexuais eram comuns. Os chineses casavam-se visando a procriação, entretanto eram livres para manterem relacionamentos extraconjugais, sem nenhuma restrição.
Lacerda Neto (2007b, p.1) afirma que:
“Na China, anteriormente à era cristã, havia atração sexual e amor romântico dos homens por ambos os sexos. Por norma, os homens casavam-se e procriavam, porém, geralmente, sem conotação afetiva: a exemplo de outras culturas antigas, os membros do casal eram livres para realizar-se afetivamente em outras relações, independentemente do sexo do terceiro.”
O marco histórico da proibição da prática homossexual surgiu a partir do cristianismo, consequentemente, no poder de persuasão, que a Igreja exercia sobre os fiéis. Entre os judeus, a prática era também repudiada.
2.1.1 A homossexualidade na Antiguidade
Conforme já narrado alhures, a homossexualidade é tão antiga quanto à heterossexualidade, afirmação esta atribuída a Goethe, segundo informa Vechiatti (2008a, p. 40).
Nas sociedades primitivas, o relacionamento sexual entre homens era prática constante e aceitável.
O relacionamento homossexual entre um homem mais velho e outro mais novo relacionava-se à mitologia e conjunto de lendas, que permeavam as tribos antigas.
Acreditava-se que, através de tal relacionamento, o menino atingiria a masculinidade, através da exclusão do contato com a mãe, visando a aprendizagem dos costumes masculinos de seu povo (VECHIATTI, 2008a, p. 41).
Outras crenças fundavam a aceitação do relacionamento homossexual masculino, que somente com essa prática se alcançaria a fertilidade para futura procriação.
Imperioso ressaltar que o conceito de identidade homossexual atual diverge do que existia em tempos antigos, sendo que nessa época, as pessoas não se preocupavam com isso, apenas com a sexualidade (VECHIATTI, 2008a, p. 42).
Os registros históricos referem-se apenas à homossexualidade masculina, deixando de lado a feminina. Ocorre que na antiguidade, a mulher era desprezada, servia apenas, para a procriação e perpetuação da espécie, reinando grande preconceito em relação ao feminino nesse tempo. Os relacionamentos homoafetivos femininos não mereceram registro por essa razão, o que não significa que não existiam na antiguidade.
Os povos considerados mais tolerantes à homossexualidade foram os gregos e romanos, porém não eram os únicos.
Segundo Dias (2009, p. 35):
“Na Grécia, o livre exercício da sexualidade fazia parte do cotidiano de deuses, reis e heróis. O mais famoso casal da mitologia grega era formado por Zeus e Ganimede. Lendas falam do amor de Aquiles por Pátroclo e dos constantes raptos de jovens por Apolo. Até hoje se indaga sobre o caráter e a importância de tais práticas, se perversão admitida, instituição pedagógica ou ritual iniciatório, sendo questionado se tais hipóteses serias excludentes entre si. A bisexxualidade estava inserida no contexto social, e a heterossexualidade aparecida como preferência de certo modo inferior e reservada à procriação. Vista como uma necessidade natural, a homossexualidade restringia-se a ambientes cultos, como manifestação legítima da libido, verdadeiro privilégio dos bem-nascidos. Não era considerada uma degradação moral, um acidente ou um vício. Todo indivíduo poderia ser homossexual ou heterossexual, dois termos, por sinal, desconhecidos na língua grega. Nas Olimpíadas, os atletas competiam nus, exibindo sua beleza física. Era vedada a presença das mulheres nas arenas, por não terem capacidade para apreciar o belo. Também nas representações teatrais, os papéis femininos eram desempenhados por homens travestidos ou mediante o uso de máscaras.”
Em relação à Esparta, esta é a dicção de Vechiatti (2008a, p. 44):
“Já na cidade-estado de Esparta, cuja sociedade dava mais ênfase ao desenvolvimento militar do que ao cultural, a visão do amor entre homens tinha um enfoque um pouco diferenciado. Era ela estimulada dentro do exército espartano, para torna-lo ainda mais eficiente. Isso se explica por um simples fato: com a existência constante de relacionamentos homoafetivos dentro do exército, quando este ia para a guerra, o soldado estaria lutando não apenas por sua cidade-estado, mas igualmente para proteger a vida de seu amado, o que, obviamente, aumentaria o grau de dedicação do combatente.”
No mesmo sentido, em relação à Roma, ensina Vechiatti (2008a, p. 45):
“A sexualidade em Roma manteve, a princípio, o mesmo modelo ‘bissexual’ anterior, no sentido de ser comum o amor de homens mais velhos por meninos-adolescentes, mas com uma diferença, ao mesmo tempo sutil e perceptível: o extremo valor dado pelos romanos à virilidade masculina e àquilo que entendiam por virilidade. O macho romano se via como um dominador agressivo e acreditava que, quando forçava outros a se submeterem, estava lhes proporcionando prazer.”
Nesta esteira, verifica-se que a diferença entre as percepções acerca dos relacionamentos homoafetivos entre gregos e romanos consiste no fato de que aqueles cortejavam os meninos, visando a conquista, e estes praticavam o amor homossexual apenas com meninos escravos, vez que a sexualidade era intimamente ligada ao sentido de dominação (DIAS, 2009).
2.1.2 A homossexualidade na Idade Média e o início da hemofobia
Enquanto na Antiguidade a homossexualidade era aceita, na Idade Média, com a consolidação da Igreja, surgiram os primeiros sinais de intolerância, contra a prática homossexual, seja masculina ou feminina.
Na Idade Média, o governo administrativo confundia-se com o clero, ambos possuindo grande poder de domínio. A Igreja Católica Apostólica Romana vê o sexo apenas dentro do casamento, com finalidade específica de procriação; o prazer sexual é considerado pecaminoso.
Este pensamento foi consolidado na Idade Média, entretanto, ao invés de coibir as práticas homossexuais, tais continuaram sendo praticadas às escondidas, com muita discrição, para não ser discriminado pela sociedade preconceituosa medieval (VECHIATTI, 2008a).
Havia o pensamento de relacionar o homossexualismo com a feitiçaria, que era de igual forma abominada pela Igreja.
Na dicção de Vechiatti (2008a, p. 55)
“[…] a condenação homofóbica continuou cada vez com mais força. A suposta ligação entre a homossexualidade e a feitiçaria e o demonismo fez com que os heterossexuais em geral passassem a ter cada vez menos tolerância contra aqueles que amavam pessoas do mesmo sexo. Essas afirmações ganharam força considerável entre os anos 1348-1350, nos quais a Peste Negra devastou a Europa, dizimando aproximadamente um terço da população. Isso porque os chefes de Estado da época, influenciados por ministros religiosos, ligaram ditos desastres às condutas sexuais tidas por imorais (todas aquelas fora do casamento e sem intuito procriativo) aumentando ainda mais o ódio contra os homossexuais.”
O preconceito atravessou a Idade Média, e nos dias hodiernos, é comum a homofobia, embora seja inaceitável. A violência contra os homossexuais se externa de diversas formas, desde o preconceito escondido até práticas violentas, contra o homossexual, pelo simples fato de possuir orientação diferente.
Nos países islâmicos é prevista pena de morte aos homossexuais. No Afeganistão, Arábia Saudita, Sudão e Emirados Árabes ser homossexual é sinônimo de sentença de morte (DIAS, 2009).
Na América do Sul, apenas o Chile criminaliza a prática homossexual.
No Brasil, tramita o Projeto de Lei 5.003/2001, que propõe sanções às pessoas que pratiquem crime de discriminação e preconceito contra homossexuais, em todos os aspectos de sua vida, seja laboral ou social. Sobre o tema, é pertinente trazer à colação o escólio de Dias (2009, p. 79):
“De tão singelo, é até difícil sustentar a indipensabilidade de sua aprovação. Simplesmente diz: é crime discriminar por orientação sexual. Ora, é crime discriminar o negro, que também é alvo de crimes de ódio. Mas para eles há a Lei Afonso Arinos. A justificativa de alguns parlamentares é no mínimo bizarra: dizem simplesmente que não poderiam, nos cultos, falar mal dos homossexuais. Este é o fundamento para a lei não ser aprovada.”
Embora não pareça crível, os religiosos de plantão no Congresso Nacional, cuja bancada é formada em sua maioria por evangélicos, protestantes e católicos, não permitem a aprovação de projetos de lei, que pretende atribuir direitos aos homossexuais.
Enquanto isso, a homofobia segue seu curso. Valéria Amim (s.d.) retrata bem a homofobia:
“Para ilustrar a violência brutal ao homossexual, nos parece exemplar a canção de Chico Buarque de Holanda “Geni e o Zeppelin” do álbum a “Ópera do malandro”, baseado na “Ópera dos Três Vinténs” de Brecht. A Música narra uma pequena história em que o marginalizado é um homossexual, que durante o dia é Genival, e que de noite se transveste em Geni. A cidade é o seu carrasco, excluindo-a e agredindo-a das formas mais perversas, desveladas sob as diversas representações sociais acerca da homossexualidade. Os versos a seguir ilustram essa realidade: “Joga pedra na Geni Joga pedra na Geni Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela dá pra qualquer um Maldita Geni.” A rejeição social à imagem produzida pela personagem Geni foi comentada da seguinte forma pelo autor: (…) “O que eu ouvi por causa da música Geni e o Zepellin, foi impressionante: desaforos, insultos, fiquei profundamente identificado com as personagens, as pessoas que jogavam pedras na Geni eram as mesmas que reclamavam dela e por conseguinte de mim, que nos agrediam de uma forma implacável” (apud Carvalho, l982). Nesse comentário da música, Chico Buarque conseguiu captar com maestria um fenômeno social: o homossexual vem sendo tratado como o esgoto da sociedade ocidental contemporânea. Segundo Mott (in Velho, 1996), o Brasil é o país campeão de assassinatos de homossexuais, e ainda, entre todas as minorias são os mais odiados. A intolerância à homossexualidade, a hemofobia, tem-se apresentado das formas mais diversas, como: chacotas, agressões simbólicas e físicas, omissão da lei e etc; configurando um quadro de violência que chega a barbárie.”
A regulamentação de sanções para coibir a homofobia é medida que se impõe. Não se pode admitir manifestações homofóbicas, por estar em desacordo com a Constituição Federal, que veda qualquer tipo de preconceito às minorias.
Ressalte-se que o homossexual é a maior vítima de preconceito, dentre as demais minorias, posto que o negro encontra amparo em sua família e com outros negros; os portadores de doenças especiais, no mesmo sentido. Entretanto, o homossexual sofre preconceito no seio de sua própria família, que o abomina e sente vergonha da orientação sexual deste.
2.1.3 A homossexualidade e o cristianismo
Uma das indagações que muitas pessoas fazem quando param para refletir sobre a condição da homossexualidade, repousa na idéia de ser a mesma uma característica exclusiva do ser humano ou não.
Na verdade, a homossexualidade está presente não somente entre os homens, mas entre as inúmeras espécies de animais, sendo este um acontecimento que se dá desde os tempos mais remotos da história da humanidade.
Portanto, a sociedade em geral entende, que a homossexualidade é algo que está intimamente ligado, com os seres humanos e com todos os animais, não sendo possível ser varrida para debaixo do tapete, precisando ser regulamentada urgentemente.
O cristianismo apresenta-se entre outros movimentos religiosos ligados à moral e aos bons costumes, que combatem radicalmente os relacionamentos homoafetivos.
A Bíblia Sagrada não traz a palavra homossexual, mas é possível encontrar uma passagem que demonstra exatamente o tema. No Antigo Testamento, em Levítico 18:22, lê-se, “com o homem não te deitarás, como se fosse mulher; É abominação”. Nesse sentido, a igreja entende que a homossexualidade é contrária a lei divina (BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA, 1999, p. 145).
Mas, quando se fala em textos bíblicos, não se pode olvidar que a doutrina bíblica que condena a homossexualidade, condena também, o julgamento feito por qualquer pessoa, conforme a célebre passagem de João 8:7, ” […] aquele dentre vós que está sem pecado que lhe atire uma pedra” (BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA, 1999, p. 151).
Sendo assim, segundo a doutrina apresentada por Jesus Cristo, somente Deus pode julgar os seres humanos.
É complexo e delicado o caminho entre o Direito e a Religião, por se tratarem de teorias e valores diferenciados. Como exemplos, cita-se o divórcio e a independência da mulher, questões contrárias a Bíblia e a religião, mas que não acompanham a evolução da sociedade, sendo que o direito tem dever de regularizar tais fenômenos, em razão da evolução da sociedade.
Enéas Castilho Chiarini Júnior (2004, p.7) assim se posiciona
“[…] não se deve misturar Direito e Religião, pois são coisas diferentes. Bem andou o legislador ao contrariar alguns escritos bíblicos, como por exemplo este trecho que manda à mulher obedecer ao marido: “Vós, mulheres, submetei-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o Salvador do corpo. Mas, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres o sejam em tudo a seus maridos.” (Efésios 5:22-24). Quem, em pleno século XXI, seria capaz de afirmar que o homem é superior à mulher, e que portanto esta deve submeter-se àquele? Hoje em dia já está consagrado no mundo jurídico o princípio de igualdade entre os sexos. Deve-se lembrar ainda, que o Direito não está submisso à Religião, tanto é verdade que o Direito, mais uma vez, contraria os ensinamentos da Bíblia ao autorizar o divórcio, pois, conforme Marcos 10:7-9: “Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á a sua mulher. E serão os dois uma só carne: e assim já não serão dois, mas uma só carne. Portanto o que Deus ajuntou não separe o homem.”
Na atualidade, a sociedade e os valores familiares mudaram e clama pela igualdade entre os povos, ao passo que a doutrina bíblica é a mesma, que leva fatalmente ao conflito de idéias e princípios.
A Igreja se mostra inflexível em suas idéias, mantendo até os tempos atuais a vinculação da família, com a perpetuação da espécie.
Com o advento da Constituição Federal em 1988, a família deixou de representar a instituição nuclear, formada pelo pai (chefe de família e mantenedor do lar), mãe (submissa e dona de casa) e filhos que se desenvolvem sob o olhar protetivo materno.
A mulher contribui efetivamente com o seu esforço para a manutenção do lar, os filhos crescem sob os cuidados de babás ou em creches. Outrossim, várias famílias são formadas sem filhos, por opção do casal. Ou ainda, casais descasados se unem levando consigo suas respectivas proles, formando uma família ímpar.
2.1.4 A patologização da homossexualidade
A partir do século XIX, através da evolução do pensamento humano, o homem foi gradativamente valorizando a racionalidade, e deixando de lado a religiosidade exacerbada.
A busca para explicações científicas para fenômenos aparentemente sem explicação passaram a pautar a conduta do homem desse tempo, assim, “isso levou a que, a partir do século XIX, ganhasse força a posição de que a homossexualidade não deveria ser vista como um pecado contra Deus, mas como uma doença a ser tratada” (VECHIATTI, 2008a, p. 59).
O Professor de Medicina Legal Hélio Gomes, afirmava que o “homossexualismo” traduzia-se em forma de perversão sexual, passível de fazer com que os indivíduos sentissem atração por outros do mesmo sexo, com repulsa absoluta ou relativa para as pessoas do sexo oposto (GOMES, 1985).
Ressalta-se que o pensamento do autor é relativamente recente, posto que externado em pleno século XX, na Idade Contemporânea. Em sua obra “Medicina Legal”, de 1985, Gomes faz assertivas extremamente alheias à realidade, permeadas de homofobia.
De forma extremamente didática, mencionado autor fazia a distinção entre homossexualismo masculino e feminino, da seguinte forma (GOMES, 1985, p. 412):
“O homossexualismo masculino é também chamado uranismo (congênito) e pederastia embora este último termo rigorosamente signifique amor pelas crianças. Todavia, o uso emprega a palavra pederasta para traduzir o coito anal entre homens. Sodomia ou pedicação é o coito anal com mulher. A distinção entre pederastas ativos e passivos não é obrigatória. A regra é que as práticas sejam alternadas. Muitos pederastas não chegam ao coito anal; limitam-se ao perienal, à masturbação recíproca, a carinho no leito. (…) O homossexualismo feminino comporta tripartição didática: ou as honossexuais se atritam os órgãos sexuais em práticas recíprocas (tribadismo); ou praticam a sucção do clitóris, alternativamente (safismo ou lesbismo); ou se masturbam reciprocamente. A palavra lesbismo deriva de Lesbos, ilha onde antigamente viva um grupo de mulheres homossexuais chefiado pela poetisa SAFO, que deu origem ao outro nome da perversão – safismo.”
Em razão da patologização da homossexualidade, diferenciados tratamentos extremamente desumanos foram impingidos a homossexuais, à vista do Estado, e sem qualquer punição deste, visando a cura da pseudo patologia, dentre eles: terapias de choques convulsivos, lobotomia e terapias por aversão (VECHIATTI, 2008a). ervers ” visando a adequaçalquer puniçentos extremamente desumanos foram impingidos a homossexuais, ado pela poetisa SAFO, que
A patologia do homossexualismo perdurou até o ano de 1992, quando foi excluído o sufixo “ismo” (doença), por “dade” (modo de ser). Chiarini Júnior (2003, p. 1), elaborou um estudo acerca do tema, aduzindo que:
“Em decorrência da não caracterização da homossexualidade como doença, o termo homossexualismo deixou de constar nos diagnósticos da CID-10, pois, o sufixo “ismo” que significa doença, foi substituído por “dade” que designa modo de ser. Segundo os médicos o homossexualismo não pode mais ser “… sustentado enquanto diagnóstico médico. Isto porque os transtornos dos homossexuais realmente decorrem muito mais de sua discriminação e repressão social derivados do preconceito do seu desvio sexual. Desde 1991, a Anistia Internacional considera violação aos direitos humanos a proibição da homossexualidade.”
Entrementes, a despeito da despatologização recente da homossexualidade, a mesma continua sendo um desafio aos profissionais da psicanálise, em sua tentativa de compreender o psiquismo humano (DIAS, 2009).
Visando coibir o preconceito, através do uso de práticas terapêuticas para “cura” do homossexual, o Conselho Federal de Psicologia baixou a Resolução 1/1999, e o Conselho Federal de Serviço Social editou a Resolução 489/2006, que vedam condutas discriminatórias, por parte de psicólogos e assistentes sociais, em função da orientação social, no exercício de suas respectivas funções (DIAS, 2009).
2.2 A história da homossexualidade no Brasil
Relatos históricos remontam que a homossexualidade existe no Brasil desde antes da colonização, através de relacionamentos bissexuais ou homossexuais entre os índios nativos.
A homossexualidade indígena foi considerada pelos cristãos colonizadores como sendo consequência, de seus costumes pagãos, fato que os levaram a catequizar os nativos, visando a adequação dos costumes.
“Neste norte, pode-se dizer que a sexualidade dos nativos brasileiros seguia o que ocorria na Antiguidade Clássica européia, com algumas variantes de tribos para tribos, conforme seus costumes e suas lendas. Foi, também aqui, somente com a chegada da moral judaico-cristã que se começou a perseguição à prática homossexual no Brasil, que passou a trazer punições desumanas e sádicas aos homossexuais” (VECHIATTI, 2008a, p. 64).
Em relação às punições, vale trazer à colação o seguinte relato de Trevisan (2004) apud Vechiatti (2008a, p. 64):
“Na Europa dos séculos XVI, XVII e XVIII, não apenas a Espanha, Portugal, França e Itália católicas, mas também a Inglaterra, Suíça e Holanda protestantes puniam severamente a sodomia. Seus praticantes eram condenados a punições capazes de desafiar as mais sádicas imaginações, variando historicamente desde multas, prisão, confisco de bens, banimento da cidade ou do país, trabalho forçado (nas galés ou não), passando por marca de ferro em brasa, execração e açoite público e até castração, amputação das orelhas, morte na forca, morte na fogueira, empalamento e afogamento.”
Verifica-se que as leis possuíam cunho implacável, visando extirpar de modo definitivo a homossexualidade da vida humana, através de penas de fogueira, confisco de bens e infâmia previstas nas Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, a última aplicável até o advento do Código Civil em 1916 (VECHIATTI, 2008a).
As decisões eram chocantes, proferidas com requintes de crueldade e sadismo, e executadas do mesmo modo, visando a instauração da moral e dos bons costumes cristãos.
Oportuno transcrever uma sentença proferida pelo Santo Ofício da Inquisição, conforme a lavra de Vechiatti (2008a, p. 65-66):
“Decide o Visitador do Santo Ofício que vistos os Autos, declarações das testemunhas e a confissão que fez depois de preso o sodomita Salvador Romeiro, (…) o qual confessou que já foi preso Olha de São Tomé e mandado para Portugal preso onde andou remando nas galés por fazer as torpezas de pecado de molície (masturbação) e outrossim mostra-se que depois disso o réu fez e efetivou muitas e diversas vezes o horrendo e nefando crime de sodomia, sendo umas vezes agente e outras vezes paciente, com pouco temor de Deus e esquecido da salvação de sua alma. E outrossim mostra-se o réu muito notado e infamado de sodomítico e cometedor de tais torpezas, no qual caso as leis e Ordenações do Reino mandam que qualquer modo que o fizesse, seja queimado e feito por fogo em pó, para que de seu corpo e sepultura nunca mais haja memória e todos os seus bens sejam confiscados pela Coroa Real posto que descendentes ou ascendentes, e que seus filhos e descendentes fiquem ináveis e infames como os daqueles que cometem o crime de lesa-majestade. Vendo porém como réu de misericórdia, a qual ele pediu confessando sua culpa depois de preso, com muitas provas de arrependimento, condenam o réu Salvador Romeiro que vá ao Ato Público descalço, em corpo, com a cabeça descoberta, cingido com uma corda e com uma vela acesa na mão, e seja açoitado publicamente por esta vila e vá degregado para as galés do Reino por oito anos, para onde será embarcado na forma ordinária, nas quais servirá os dito oito anos ao Reino, remando sem soldo, fazendo penitência de tão horrendas e nefandas culpas, e pague as custas do processo. Olinda, Capitania de Pernambuco, 4 de agosto de 1594. Heitor Furtado de Mendonça, Visitador.”
Através do teor da decisão supra, verifica-se que a Igreja Católica possuía rigor extremado para exterminar aqueles que ousavam viver a vida de modo diverso de sua pregação moralista e ritualística.
Paulatinamente, a homossexualidade foi deixando o caráter de crime e passando a ter contornos de enfermidade, conforme já narrado alhures, época na qual os criminalistas passaram a defender a internação dos homossexuais, como forma de cura da pseudo-patologia.
Entretanto, a despeito das tentativas de extirpar a homossexualidade da sociedade, nenhuma logrou êxito. A homossexualidade era retratada por vários autores, dentre eles Gregório de Matos, Álvares de Azevedo, Aluísio de Azevedo, Adolfo Caminha, João Guimarães Rosa, Olavo Bilac, Mário de Andrade, dentre outros (VECHIATTI, 2008a).
A repressão à homossexualidade prevaleceu forte no Brasil até o século XX, em especial a partir da década de 1990, quando foi despatologizada.
Entretanto, a homofobia permanece no seio da sociedade brasileira. O absoluto silêncio do legislador constituinte e ordinário demonstra de forma clara e inequívoca a inadmissível omissão estatal, em relação aos pares homoafetivos.
Não existe uma lei sequer que ampare essa minoria, discriminada em toda sociedade, inclusive pela própria família. Apenas a Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha refere-se ao termo orientação sexual, em seus artigos 2º e 5º (DIAS, 2009).
Vários projetos de lei relacionados a homoafetividade foram apresentados, no Congresso Nacional, entretanto, o exacerbado preconceito e visível homofobia dos parlamentares impedem o conhecimento das matérias deduzidas nos projetos.
Nesse sentido, é o posicionamento de Dias (2009, p. 75-76):
“A omissão covarde do legislador infraconstitucional em assegurar direitos aos homossexuais e reconhecer seus relacionamentos, ao invés de sinalizar neutralidade, encobre grande preconceito. O receio de ser rotulado de homossexual, o medo de desagradar o eleitorado e comprometer sua reeleição inibe a aprovação de qualquer norma que assegure direitos à parcela minoritária da população, que é alvo da discriminação. (…) De forma pra lá de injustificável, a evidenciar postura discriminatória e preconceituosa, enorme é a resistência em aprovar qualquer projeto de lei que enlace as uniões de pessoas do mesmo sexo no sistema jurídico. Há um fato surpreendente para o qual não se encontra qualquer explicação. Forças conservadoras tomaram conta do Congresso Nacional. Lideram bancadas fundamentalistas de natureza religiosa que são cada vez mais numerosas. As igrejas evangélicas se juntam com os católicos, os protestantes e com conservadores de plantão. Assim, não há a mínima chance de ser assegurado aos homossexuais o direito de serem respeitados e de verem seus vínculos reconhecidos como entidade familiar. Mas ninguém, muito menos um representante do povo, pode se deixar levar pelo discurso religioso, o que afronta a Constituição Federal, a qual assegura a liberdade de credo. (…) Este panorama permite afirmar que a sociedade brasileira é marcada pela discriminação aos desiguais”.
A despeito da omissão estatal, vários direitos tem sido assegurados aos pares homoafetivos, seja através da via administrativa, ou pela via judicial.
Administrativamente, são concedidos o Seguro DPVAT, em decorrência de decisão liminar proferida pela Justiça Federal de São Paulo, em ação civil pública promovida pelo Ministério Público, que ensejou a edição pela SUSEP, da Circular 257/2004 (DIAS, 2009).
Outros direitos, como o visto de permanência; pensão por morte no âmbito da Justiça Federal; financiamento habitacional no Estado de São Paulo; condição de dependente, por força da Resolução 39/2007, do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, dentre outros.
Na esfera judicial, as decisões são diversificadas, dependendo se o magistrado possui ou não o preconceito em relação ao tema; havendo, extingue o feito por impossibilidade jurídica do pedido.
Em sendo o magistrado agente político de vanguarda, não se eximirá em dizer o direito ao caso concreto, em razão da omissão legislativa, valendo-se da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito, para a efetiva prestação da tutela jurisdicional.
3 ANÁLISE DA HOMOAFETIVIDADE EM CONFORMIDADE COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Para analisar com segurança as relações homoafetivas, é necessário que sejam estudados os princípios constitucionais, que tratam da proteção à família, dentre eles, a dignidade da pessoa humana e igualdade.
A Constituição Federal afirma, em seu art. 226, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, que a entidade familiar é formada pelo casamento, a união estável e família monoparental, descrevendo, destarte, o pluralismo familiar.
Neste sentido, ensina Dias (2010, p. 40-41):
“Raras vezes uma constituição consegue produzir tão significativas transformações na sociedade e na própria vida das pessoas como fez a atual Constituição Federal. […] A supremacia da dignidade da pessoa humana está lastreada no princípio da igualdade e da liberdade, grandes artífices de um novo Estado Democrático de Direito que foi implantado no País. […] O alargamento conceitual das relações interpessoais deitando reflexos na conformação da família, que não possui mais um significado singular. A mudança da sociedade e a evolução dos costumes levaram a uma verdadeira reconfiguração, quer da conjugalidade, quer da parentalidade. Assim, expressões como ilegítima, espúria, adulterina, informal, impura estão banidas do vocabulário jurídico. […] O pluralismo das relações familiares – outro vértice da nova ordem jurídica – ocasionou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento, mudando profundamente o conceito de família. A consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operaram verdadeira transformação na família”.
Entrementes, permanece de modo nefasto, a idéia taxativa de que família é constituída pela união de um homem e uma mulher, desconsiderando de forma inequívoca, as uniões homoafetivas, formadas, pelo amor entre pessoas do mesmo sexo.
O casamento e a união estável têm como fundamento a pluralidade de sexos, divergindo um e outro apenas em aspectos formais. O casamento enseja formalidade procedimental, através de processo de habilitação, publicação de proclamas dentre outros, e a união estável dispensa todas as solenidades previstas, ao matrimônio.
A família monoparental é constituída pela entidade familiar formada por qualquer um dos pais e seus descendentes.
Dias (2006, p. 37) apud Vieira e Araújo (2007, p. 59-60), assim preleciona:
“A Constituição Federal, rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de ser reconhecida a existência de outras entidades familiares, além das constituídas pelo casamento. Assim, enlaçou no conceito de família e emprestou especial proteção à união estável (CF 226 § 3º) e à comunidade formada por qualquer dos pais com seus descendentes (CF 226 § 4º), que começou a ser chamada de família monoparental. No entanto, os tipos familiares explicitados são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. Mas não só nesse limitado universo flagra-se a presença de uma família. Não se pode deixar de ver como família a universalidade dos filhos que não contam com a presença dos pais. Dentro desse espectro mais amplo, não cabe excluir os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, que mantêm entre si relação pontificada pelo afeto a ponto de merecerem a denominação de uniões homoafetivas. Dita flexibilização conceitual vem permitindo que os relacionamentos, antes clandestinos e marginalizados, adquiram visibilidade, o que acaba conduzindo a sociedade à aceitação de todas as formas que as pessoas encontram para buscar a felicidade.”
Não existe ordenamento legal para amparar as uniões homoafetivas, a despeito de tramitarem no congresso projetos de lei acerca do tema, que não são transformados em lei, pela atuação da Igreja Católica e dos segmentos evangélicos, embora o Brasil seja um Estado laico.
Os fenômenos sociais ensejam a criação de leis para os regularem, essa é uma regra padrão para o surgimento das leis. A despeito desta máxima, em relação aos companheiros de uniões homossexuais, o legislador mantém os olhos fechados.
A única referência legal vigente é discreta, e está contida na Lei 11.340/2006, (Brasil, 2010, p. 2505). também denominada Lei Maria da Penha, em seus artigos 2º e 5º, verbis:
“Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
[…]
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”
Embora de maneira tímida, a lei em comento tutela os interesses da mulher vítima de violência doméstica, ressaltando que as garantias contidas na lei independem da orientação sexual.
Nos outros sentidos, restam apenas fragmentos constitucionais, para ampararem os direitos destas famílias diferenciadas, que devem ser reconhecidas, pelo ordenamento jurídico e respeitadas à luz da dignidade da pessoa humana.
3.1 Princípio da igualdade
O princípio da igualdade encontra amparo no art. 5º Caput, e inciso I, da Constituição Federal, que afirma serem todas as pessoas iguais perante a lei, sem distinção alguma. Este princípio é deveras amplo, e seu estudo será restrito ao objeto do presente trabalho monográfico.
O princípio da igualdade possui aspecto duplo, sendo um formal e outro material. O aspecto formal estabelece a igualdade de todos perante a lei, e o aspecto material se consubstancia no fato de que todas as pessoas devem ter tratamento igualitário pela lei, com observância a situação, em que se encontram. Vale trazer à colação o entendimento de Motta (2006, p. 77):
“O Princípio da Isonomia ou Igualdade pontua as cadeiras do Direito, norteando todas as relações jurídicas. Há que se distinguir a isonomia formal da isonomia material. A isonomia formal (caput) pugna pela igualdade de todos perante a lei, que não pode impedir que ocorram as desigualdades de fato, provenientes da diferença das aptidões e oportunidades que o meio social e econômico permite a cada um. Já a igualdade material, ou seja, aquela que postula um tratamento uniforme de todos os homens perante a vida com dignidade, é quase utópico, visto que nenhum Estado logrou alcança-la efetivamente. Segundo Montesquieu, ‘a verdadeira igualdade consiste em tratar de forma desigual os desiguais’, conferindo àqueles menos favorecidos economicamente um patrimônio jurídico inalienável mais amplo”.
Há que se considerar entre os desiguais as minorias, dentre elas, as famílias formadas com base no homoafeto.
Ora, se a Constituição Federal afirma que todos são iguais perante a lei, em relação às uniões homoafetivas prevalece a discriminação odiosa da lei, externada através do silêncio absoluto do legislador em relação ao tema.
Verifica-se o posicionamento de Vieira e Araújo (2007, p. 69):
“Diante desse quadro, apesar de algumas poucas propostas legislativas no sentido de conferir juridicidade às uniões homoafetivas, a nuvem escura que ainda paira sobre nós é a da omissão inconstitucional do legislador que, mesmo diante deste fato social de tão importante relevância, furta-se ao dever de promover (por meio da lei) o bem de todos (heterossexuais e homossexuais) artigo 3º, IV, da Constituição Federal de 1988 – e atropela preconceituosa e discriminatoriamente, através de um abominável silêncio, parcela expressiva de cidadãos brasileiros, deixando-os órfãos de reconhecimento legal, pois, ‘é mais fácil acreditar que aquilo que não se ouve, que não se vê, não existe’.”
Na lição de Vecchiatti (2008a, p. 130):
“Disso resulta que, considerando que o atual entendimento empírico-científico demonstra que a homoafetividade é tão normal e tão digna quanto a heteroafetividade, não podem os casais homoafetivos serem discriminados em relação aos casais heteroafetivos por conta unicamente da homogeneidade de sexos daquele casal, devendo aqueles receberem a mesma proteção jurídica concedida a estes por intermédio das citadas técnicas interpretativas, sendo preconceituoso o entendimento em sentido contrário.”
Assim, a Constituição Federal, ao outorgar a proteção do Estado à família, reconhecendo como união estável somente aquela existente entre um homem e uma mulher, ignorando as entidades familiares homoafetivas, infringe a norma, que veda qualquer tipo de discriminação, bem como afronta o fundamental princípio constitucional da igualdade, consagrado em cláusula pétrea.
A Constituição Federal prevê e privilegia a liberdade de escolha, pouco importando o sexo da pessoa eleita, se igual ou diferente do seu. Se um indivíduo nada sofre ao se vincular a uma pessoa do sexo oposto, mas recebe o repúdio social por dirigir seu desejo a alguém do mesmo sexo, está sendo discriminado, em função de sua orientação sexual. Conforme lição de Dias (2010, p. 199):
“O compromisso do Estado para com o cidadão sustenta-se no primado da igualdade e da liberdade, estampado já no seu preâmbulo. Ao conceder a proteção a todos, veda discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade e assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Mais. Ao elencar os direitos e garantias fundamentais, proclama (CF 5º): ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza’. Esses valores implicam dotar os princípios da igualdade e da isonomia de potencialidade transformadora na configuração de todas as relações jurídicas. Fundamento de igualdade jurídica deixa-se fixar, sem dificuldades, como postulado fundamental do Estado de Direito”.
A família, nos dias atuais, apresenta como preceito de formação familiar muito mais do que a simples caracterização de sexo, mas de outros valores dignos relativos à natureza humana.
Sob este enfoque, a escolha do sexo, não pode ensejar tratamento desigualitário em relação à pessoa que escolhe, vez que tal tratamento faz gerar a distinção pelo sexo que possui (DIAS, 2009).
Dito impedimento discriminatório não tem exclusivamente assento constitucional. Está posto na Convenção Internacional Americana de Direitos Humanos e no Pacto de San José, dos quais o Brasil é signatário. Como preceitua o parágrafo segundo do artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, são recepcionados por nosso ordenamento jurídico os tratados e convenções internacionais.
A ONU tem entendido como ilegítima qualquer interferência na vida privada de homossexuais adultos, seja com base no princípio de respeito à dignidade humana, seja pelo princípio da igualdade. Se todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aí está incluída a opção sexual que se tenha.
Contraditoriamente, as investidas tímidas do legislador na criação de leis, que amparem os direitos dos casais homoafetivos não saem do papel. Como dito em linhas volvidas, a igreja interfere fortemente contra o tema, que acreditam pecaminoso. Lembrando: o Brasil é um estado laico!
Conforme Vecchiatti (2008a, p. 132-133):
“[…] é evidente que o Estado Brasileiro não pode utilizar-se de fundamentações religiosas para justificar discriminações políticas e jurídicas, ante a proibição de manutenção de dependência ou aliança com credos religiosos. Ademais, é uma decorrência lógica do principio da laicidade estatal essa proibição, visto que as religiões baseiam-se em supostas ‘verdades universais’, que não admitem discussão, por mais que toda racionalidade humana aponta para o sentido contrário. Afinal, as religiões baseiam-se em um ponto que lhes é muito cômodo: a fé não necessita comprovação – basta que alguma colocação seja professada e que nela se acredite, ante a afirmação de que seria baseada na ‘palavra de Deus’. Mas, ao contrário, a isonomia exige comprovação lógico-científico-racional, sendo esta a única forma válida de se criarem discriminações jurídicas, o que significa que, além de violar o princípio do Estado Laico, fundamentar uma discriminação jurídica em explicações religiosas afrontam também o princípio da igualdade, que supõe a existência de pelo menos um fundamento lógico-racional que justifique a discriminação pretendida com base no critério discriminador erigido.”
A sociedade não concebe a discriminação jurídica, tendo por escopo a religiosidade e seus dogmas, é inconstitucional e extremamente repudiada no Estado Democrático de Direito.
“O fato de não haver previsão legal não significa inexistência de direito à tutela jurídica. Ausência de lei não quer dizer ausência de direito, nem impede que se extraiam efeitos jurídicos de determinada situação fática. A falta de previsão específica nos regramentos legislativos não pode servir de justificativa para negar a prestação jurisdicional ou de motivo para deixar de reconhecer a existência de direito. O silêncio do legislador precisa ser suprido pelo juiz, que cria a lei para o caso que se apresenta a julgamento. Na omissão legal, deve o juiz se socorrer da analogia, costumes e princípios gerais de direito. Ainda que o preconceito faça com que os relacionamentos homossexuais recebam o repúdio de segmentos conservadores, o movimento libertário que transformou a sociedade acabou por mudar o próprio conceito de família. A homossexualidade existe, sempre existiu e cabe à justiça emprestar-lhe visibilidade. Em nada se diferenciam os vínculos heterossexuais e os homossexuais que tenham o afeto como elemento estruturante” (DIAS, 2010a, p. 1).
Para os doutrinadores, as discriminações jurídicas são admissíveis apenas em cumprimento ao princípio da igualdade, que deve ser aplicada de forma isonômica e proporcional. É o caso de leis como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, haja vista a hipossuficiência da qualidade especial que detém a criança e o adolescente, bem como o idoso. Ambos necessitam de cuidados especiais, e em relação à lei, não poderia ser diferente.
De igual forma, a minoria composta de casais homoafetivos necessitam de proteção estatal especial.
“O legislador intimida-se na hora de assegurar direitos às minorias alvo da exclusão social. A omissão da lei dificulta o reconhecimento de direitos, sobretudo frente a situações que se afastam de determinados padrões convencionais, o que faz crescer a responsabilidade da Justiça. Preconceitos e posições pessoais não podem levar o juiz a fazer da sentença meio de punir comportamentos que se afastam dos padrões que ele aceita como normais. Igualmente não cabe invocar o silêncio da lei para negar direitos àquele que escolheu viver fora do padrão imposto pela moral conservadora, mas que não agride a ordem social “(DIAS, 2010a, p 2)
É pacífico na doutrina que o princípio da igualdade deve tratar os iguais de forma igual, e os desiguais de forma desigual, na célebre visão de Montesquieu; este é o aspecto material (e utópico) do princípio em tela.
3.2 Princípio da dignidade da pessoa humana
Os Direitos Humanos estão sempre ligados com as mais diversas situações que envolvam os seres humanos, desta forma não seria diferente, com os homossexuais, sendo os mesmos direitos reservados a eles, pois, estes não se tratam de uma espécie diferente do ser humano.
O indivíduo tem o direito de ser homossexual, ou de optar por ser homossexual, pois esta escolha somente lhe diz respeito, não afetando os direitos de ninguém, mas este mesmo indivíduo terá dificuldade, para assumir a sua opção sexual em uma sociedade altamente discriminativa e homofóbica, não podendo fazer de sua escolha algo reconhecido juridicamente, com todos os direitos inerentes a um casal heterossexual.
O Direito, na atualidade, se direciona no sentido de resguardar a cada um o direito a “ser diferente”, ou seja, a resguardar os direitos individuais. Isso se mostra como uma nova tendência jurídica, onde teremos uma nova dimensão com vistas a regulamentar os direitos individuais e suas peculiaridades.
Cada ser humano é diferente entre si, e a Constituição Federal já resguardava este direito, coibindo qualquer forma de discriminação, relacionada à individualidade de cada pessoa, sob qualquer aspecto.
A Constituição Federal resguarda a cada um o direito a “ser diferente”, e a viver em sociedade com essas diferenças. O princípio da dignidade da pessoa humana traz ao homem o respaldo necessário a viver em sociedade de forma plena, tendo respeitado sua individualidade.
É pacífico o entendimento de que a dignidade da pessoa humana constitui um princípio jurídico essencial do Estado Democrático de Direito (VECHIATTI, 2008a, p. 145).
Abreu e Basile (2004, p. 5) afirmam:
“O princípio da dignidade da pessoa humana, a liberdade e a igualdade sem distinção de qualquer natureza, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, presentes no texto constitucional, são os valores fundantes do Estado Democrático de Direito. O princípio da dignidade da pessoa humana é o verdadeiro fundamento da República Brasileira, atraindo, com isso, o conteúdo de todos os direitos fundamentais. A dignidade humana não admite discriminações de quaisquer espécies, sendo é pois um conceito amplo, possibilitando assim o desenvolvimento do cidadão em liberdade. É, pois, este princípio, ao mesmo tempo que limite, tarefa dos poderes estatais e da comunidade em geral, ou seja, é simultaneamente expressão de autonomia da pessoa humana, vinculando-a à idéia de autodeterminação, no que diz respeito às decisões essenciais à própria existência, bem como expressão de proteção por parte da comunidade e do Estado, especialmente quando não puder exercer sua autodeterminação.”
Os objetivos fundamentais do Estado brasileiro, que visam a garantia da dignidade da pessoa humana, encontra assento no art. 3º, inciso IV, da Magna Carta, verbis (BRASIL, 2010, p. 13).:
“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
[…]
IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
A promoção do bem de todos inclui o aspecto sexual. Seguindo o raciocínio do legislador constituinte, não há como ser excluído deste rol os casais homoafetivos, que merecem atenção especial do aplicador do direito, ante a omissão legislativa.
Vieira e Araújo (2007, p. 63), dissertam:
“Dessa maneira, com fulcro nesta visão, que pauta pela filtragem constitucional de todos os institutos, interpretações e regras constantes do sistema, estribado ainda nos valores basilares da igualdade …, da não-discriminação e do repúdio ao preconceito (Art. 3º. ‘Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – promover o bem de TODOS, sem preconceitos de origem, raça, SEXO, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ – sem destaques no original) e, também, no desenvolvimento pluralista do conceito de entidade familiar, conquanto o constituinte não tenha se referido de maneira expressa às uniões homoafetivas, é de se perceber (facilmente) que sua gêneses emana da própria Lei Suprema.” (Original com destaques).
Continuam os citados autores (VIEIRA; ARAÚJO, 2007 , p. 63):
“Gizadas estas considerações, natural o reconhecimento do artigo 226 da Constituição Federal como sendo uma cláusula geral de inclusão, pela qual se proíbe a exclusão de toda e qualquer entidade que preencha os requisitos mínimos para que se possa configurar como familiar: afetividade, estabilidade e ostensividade.”
Nesta trilha, tem-se que o amor é o sentimento que faz com que pessoas se unam, com ânimo de constituir família e compartilharem uma vida comum. Tal sentimento não é exclusivo dos casais heterossexuais, sendo comum pessoas do mesmo sexo se apaixonarem uma pela outra, e entabularem uma união de fato.
Vecchiatti (2008a, p. 146), chama a atenção para o direito da felicidade, verbis:
“A dignidade humana constitucionalmente consagrada garante a todos o direito à felicidade, na medida em que a realidade empírica demonstra que a própria existência humana destina-se a evitar o sofrimento e a buscar aquilo que acreditamos que trará felicidade. Parafraseando Luiz Alberto David Araújo, a própria noção de contrato social implica a compreensão de que esse pacto coletivo só é aceito em geral por acreditarem que a vida em sociedade, com toso os seus ônus e benefícios, propiciará maiores condições de alcançar a felicidade do que se vivessem isoladamente.”
Qualquer pessoa inserida dentro do Estado Democrático de Direito tem que ter seu direito a liberdade respeitado, não podendo ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Não há razão para não se tratar com dignidade os homossexuais e reconhecer a sua entidade familiar e seus direitos inerentes.
Outrossim, o respeito é condição basilar para a vida em sociedade. Vecchiatti (2008a, p. 146), conceitua o ato de respeitar da seguinte forma:
“Respeitar é o ato de demonstrar tolerância com terceiros, ou seja, de admitir maneiras de pensar e agir diversas das suas próprias. Respeitar é,portanto, não reprimir uma pessoa pelo simples fato de ela pensar ou agir de forma diferente da sua, o que, em nosso ordenamento legal, é respaldado, ainda, pelo direito fundamental à liberdade de consciência, que é ‘a faculdade de o indivíduo formular juízos e idéias sobre si mesmo e sobre o meio externo que o circunda’, afirmando também que o Estado não pode interferir nesse âmbito íntimo do indivíduo, ‘não lhe cabendo impor concepções filosóficas aos cidadãos’. Ora, se todos têm o direito de autodeterminar a forma como viverão suas vidas, é evidente que têm o direito de ter a sua autodeterminação respeitada pelos demais membros da sociedade quando isso não implique prejuízos a terceiros, prejuízos que inexistem na homoafetividade.”
Assim conclui Vecchiatti (2008a, p. 146):
‘Note-se, ainda, que a homoafetividade não causa nenhum prejuízo a heterossexuais, como é evidente. Se um heterossexual se sente incomodado ao vislumbrar um casal homoafetivo, isso decorre de profundo preconceito, ou seja, de juízo de valor dezarrazoado, irracional, desprovido de lógica e racionalidade a fundamentá-lo. Em suma, do princípio da dignidade da pessoa humana decorre a obrigação de respeito ao próximo, o que significa que todas as pessoas merecem o mesmo respeito pelo simples fato de serem pessoas humanas.”
Neste norte, o respeito é o cerne do princípio da dignidade da pessoa humana. Vale trazer à colação o entendimento jurisprudencial pátrio.
“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo.” (Apelação Cível nº 70012836755. Sétima Câmara Cível. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Relatora: Desembargadora Maria Berenice Dias) (BRASIL, 2005).
O direito à sexualidade também está inserido no princípio da dignidade da pessoa humana, conforme leciona Dias (2010, p. 200).
“A sexualidade integra a própria condição humana. É direito humano fundamental que acompanha a pessoa desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável e imprescritível. Ninguém pode se realizar como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade à livre orientação sexual. O direito a tratamento igualitário independe da tendência afetiva. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade, pois é um elemento integrante da própria natureza humana e abrange sua dignidade.”
Portanto, a partir dos pensamentos doutrinários jurídicos atuais, vê-se que, havendo identidade, ainda que meramente biológica, de sexos do par e comprovando-se uma convivência duradoura, pública e contínua, cumprindo os parceiros, com os deveres de lealdade, fidelidade e assistência recíproca em uma verdadeira comunhão de vida, há que se reconhecer formarem eles uma união estável homoafetiva, não se pode desconhecer desses fatos com as barreiras do preconceito e da hipocrisia.
A convivência homoafetiva, desde que preenchidos os requisitos ensejadores da união estável, deve ser reconhecida como instituição familiar. Pensar de forma diversa representa o rompimento com os princípios maiores contidos na Constituição Federal, garantidores da harmonia e paz social.
4 HOMOAFETIVIDADE COMO INSTITUIÇÃO FAMILIAR
A legislação brasileira é omissa em relação às uniões homoafetivas, não existem normas permissivas ou proibitivas. Assim, os juízes não possuem nenhuma fundamentação legal, para o julgamento de casos apresentados em juízo, envolvendo questões atinentes aos relacionamentos homoafetivos.
Conforme dito em linhas anteriores, a entidade familiar no Brasil é formada pelo casamento, união estável entre homem e mulher, e família monoparental, que é constituída por qualquer um dos pais e seus descendentes, conforme art. 226, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, da Constituição Federal.
Assim, conclui-se que a intenção do legislador constituinte foi a de celebrar a família, entretanto limitou este conceito familiar, nas uniões em sociedade, deixando à deriva as uniões homoafetivas.
O amor é o sentimento, um vínculo que faz nascer uma família, não importa a natureza da instituição, se matrimonial, união estável e ainda, união homoafetiva.
Conforme Vecchiatti (2008a, p. 198):
“Justifica-se, portanto, a compreensão da família como uma comunidade de afeto, um verdadeiro LAR – Lugar de Afeto e Respeito, ou seja, relação de pessoas: a família como a relação das pessoas ligadas, por um vínculo de consangüinidade, afinidade ou afetividade”.
4.1 Evolução histórica do conceito de família
O acasalamento não é exclusividade da raça humana, sendo visível no mundo animal a união de espécies iguais visando a preservação da espécie.
Desde o homem das cavernas, existe o acasalamento, a união de tribos, que ocorria de modo intuitivo, visando a preservação da espécie, da mesma forma, que com os animais irracionais.
A evolução da espécie humana levou o homem a se unir, via de regra, a apenas uma pessoa sua semelhante, surgindo a monogamia. Assim, pode-se dizer que a família é uma construção cultural (DIAS, 2010).
A família possui importância fundamental na história da humanidade. Em razão de sua natureza gregária, o homem não suporta a solidão, e diante disso, a vida em grupo sempre foi objetivo do ser humano.
Vivendo em tribos, ao adquirir a racionalidade, o homem passou a entender que a vida a dois possui importância diferenciada, capaz de trazer o sentimento de felicidade e realização, em razão da perpetuação da espécie.
Considerando que a lei nasce após a existência do fato, o casamento surgiu como forma de intervenção estatal nas famílias, atribuindo status de socialmente aceita a família apenas se formada pelos laços do matrimônio.
Segundo Dias (2010, p. 27):
“O intervencionismo estatal levou à instituição do casamento: convenção social para organizar os vínculos interpessoais. A própria organização da sociedade se dá em torno da estrutura familiar. A sociedade, em determinado momento histórico, institui o casamento com regra de conduta. Essa foi a forma encontrada para impor limites ao homem, ser desejante que, na busca do prazer, tende a fazer do outro um objeto. É por isso que o desenvolvimento da civilização impõe restrições à total liberdade, e a lei jurídica exige que ninguém fuja dessas restrições. Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e o reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio.”
No Brasil, o Código Civil de 1916, repudiava qualquer forma de união existente entre homem e mulher, mesmo que com objetivo de vida comum e intuito de formação de família, sem que houvesse o vínculo matrimonial.
Durante sua vigência, admitia-se como sendo entidade familiar apenas aquela formada pelo casamento, ou seja, o matrimônio era a única maneira legal de se constituir família.
Conforme preleciona Vechiatti (2008a, p. 186):
“[…] a família jurídica do início do século XX, do Código Civil de 1916, de modelo predominantemente rural, não se preocupava com o amor ou com as pessoas nela existentes: tinha o intuito meramente patrimonialista de garantir que o modelo econômico do País se mantivesse intacto. Nessa forma familiar, o afeto era completamente ignorado. Nela, o marido era o chefe da sociedade conjugal, cabendo exclusivamente a ele a direção desta e restando à mulher a mera tarefa de administradora do lar e responsável pela educação dos filhos, sempre de acordo com os desígnios de seu marido – tanto que, ao casar, a mulher deixava de ser plenamente capaz para os atos da vida civil, tornando-se relativamente incapaz e passando a ter o patrimônio administrado pelo marido.”
A situação da mulher casada era delicada, sequer conseguia emprego remunerado, em razão do preconceito acirrado existente à época. Ora, a “colocação do homem em posição hierarquicamente superior à da mulher no casamento civil decorreu da postura machista da época” (VECHIATTI, 2008a, p. 186). O próprio Código Civil de 1916 era machista e intolerante.
Entrementes, à margem da sociedade famílias foram se formando desprovidas de vínculos matrimoniais. A mulher se emancipou, conseguiu espaço no mercado de trabalho. Com o surgimento da pílula anticoncepcional, a mulher conseguiu o sonhado planejamento familiar, embora contra os dogmas da igreja.
Diante de tamanha evolução no bojo da sociedade, o direito não poderia ficar inerte, advindo então, diversas leis que garantiram direitos às famílias não convencionais e à mulher, dentre elas, o Estatuto da Mulher Casada, a Lei do Divórcio e a Lei do Concubinato.
A própria Constituição Federal de 1988 tratou do tema, de modo a garantir plena proteção às famílias.
Outrossim, a Lei nº. 10.406, de 10.01.2002, introduziu importantes mudanças no capítulo destinado ao Direito de Família, desde o casamento até disposições sobre união estável e concubinato, adaptando-se à evolução social e à Constituição Federal.
Assim, o novo ordenamento civil demonstra a necessária evolução, em relação ao arcaico Código Civil de 1916. Entretanto, resta um longo caminho a ser percorrido para que o sentido de entidade familiar encontre firme alicerce.
4.2 Conceito constitucional de instituição familiar
O conceito de família se tornou complexo, em razão da complexidade presente na instituição familiar.
A Constituição Federal aduz que a família é a base da sociedade brasileira, e deve receber especial proteção do Estado. Essa é a redação de seu art. 226 Caput (BRASIL, 2010).
Inovou a Magna Carta, com louvor, ao atribuir o reconhecimento como ente familiar as uniões formadas apenas com os vínculos do amor e do afeto, além do reconhecimento da família monoparental, formada por um dos genitores e sua prole.
Ademais, consagrou-se ainda, que “a capacidade procriativa da entidade familiar não é indispensável à constituição da família, uma vez que elevou à condição de entidade familiar a família monoparental” (VECHIATTI, 2008a, p. 211).
Na lição de Dias (2010, p. 41):
“A Constituição Federal, rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhecer a existência de outras entidades familiares, além das constituídas pelo casamento. Assim, enlaçou no conceito de família e emprestou especial proteção à união estável (CF 226 § 3º) e à comunidade formada por qualquer dos pais com seus descendentes (CF art. 226 § 4º), que começou a ser chamada de família monoparental. No entanto, os tipos de entidades familiares explicitados são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. Mas não se pode deixar de ver como família a universalidade dos filhos que não contam com a presença dos pais.”
A despeito da coragem do legislador constituinte, prevalece à margem da lei a família homoafetiva, que também carece de proteção estatal. Se o direito evolui conforme a evolução da sociedade, não existem motivos plausíveis para o solene silêncio legislativo brasileiro em relação ao tema.
Neste sentido, afirma Dias (2010, p. 41):
“[…] não cabe excluir do âmbito do direito das famílias os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, que mantêm entre si relação pontificada pelo afeto, a ponto de merecerem a denominação de uniões homoafetivas. Apesar de posturas discriminatórias e preconceituosas, não é mais possível deixar de emprestar-lhes visibilidade. Dita flexibilização conceitual vem permitindo que os relacionamentos, antes clandestinos e marginalizados, adquiram visibilidade, o que acaba conduzindo a sociedade à aceitação de todas as formas de convívio que as pessoas encontram para buscar a felicidade. Nos dias de hoje, o que identifica a família não é nem a celebração do casamento nem a diferença de sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo.”
Seguindo essa esteira, verifica-se que, embora a Carta Cidadã tenha alargado o conceito de família, carece de acolher os direitos dos pares homoafetivos, em razão da existência de uniões homoafetivas, pautadas pelo amor e afeto, respeito recíproco e identidade de vida comum.
Não se pode fechar os olhos à realidade presente na sociedade contemporânea brasileira. Novelas tratam abertamente acerca do tema, reprisando a vida real.
No entanto, prevalece desprovida de tutela a família homoafetiva, sujeitando os companheiros à insegurança jurídica, que a ausência de norma regulamentadora enseja.
4.3 Paralelo entre união homoafetiva e união estável
A União Estável é protegida pela Constituição Federal, que garante ao instituto o status de família, afirmando em sua redação, que a lei deve facilitar a sua conversão em casamento.
A maior dificuldade em amoldar-se a união homoafetiva com a união estável, repousa no fato de que esta consiste em união de pessoas de sexo distintos, ou seja, formada entre um homem e uma mulher, estando, destarte, excluídas as homoafetivas.
Segundo Vechiatti (2008a, p. 308):
“[…] não há que se falar em possibilidade de aplicação do instituto da união estável somente aos casais heteroafetivos, tendo em vista que tal entendimento afronta diretamente o princípio da isonomia, protegido constitucionalmente, inclusive como cláusula pétrea de nossa Carta magna. Isso porque o não reconhecimento da união estável homoafetiva caracteriza discriminação por orientação sexual e mesmo discriminação sexual, tendo em vista que, se não fosse especificamente ele (ou ela) do seu sexo, mas alguém sem sexo oposto em sua situação, não haveria discussão alguma ao reconhecimento do Direito de Família como o aplicável à sua relação, com todas as conseqüências benéficas que dito reconhecimento traz – como o direito a alimentos, meação patrimonial de acordo com o regime de bens escolhido etc. Afinal, a orientação sexual do individuo só pode ser verificada quando da exteriorização do amor dele para com aquele (a) com quem mantém um relacionamento amoroso, ou seja, pela verificação do sexo da pessoa para com a qual exterioriza seu amor romântico.”
Além do sentimento de afeto, que unem os pares homossexuais, é importante ressaltar que os elementos caracterizadores da união estável são: objetivo de constituir família (idéia de vida em comum, dever de mútua assistência); estabilidade (a união estável tem que ser sólida, duradoura); continuidade (a união estável ininterrupta); notoriedade (o casal deve ser socialmente reconhecido como tal) (FERNANDES NETO, 2006, p. 3).
4.3.1 União estável
A união entre um homem e uma mulher pode ser entendida doutrinariamente como sendo pura ou impura.
A união estável, ou concubinato puro, configura-se pela convivência entre duas pessoas de sexos distintos, sob o mesmo teto, com ânimo de constituir família.
O concubinato impuro, ou apenas concubinato, são as relações não eventuais, entre o homem e a mulher, impedidos de casar, conforme exata dicção do art. 1.727, do Código Civil Brasileiro.
4.3.1.1 Requisitos para configuração da união estável
Os requisitos para configuração da união estável estão presentes no art. 1.723 do Código Civil Brasileiro, verbis (BRASIL, 2010)
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com objetivo de constituição de família.
§1º A união estável não se constituirá se ocorrerem impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.”
Analisando o dispositivo supra, verifica-se que o primeiro requisito, para a constituição da união estável está na diversidade de sexos, haja vista que o legislador expressamente se refere a “união estável entre o homem e a mulher”.
Na verdade, o dispositivo possui origem na Magna Carta, que reconhece como união estável aqueles existentes entre pessoas de sexo distinto, não ligadas pelo vínculo do matrimônio.
4.3.1.1.1 Diversidade de sexos
Como dito em linhas volvidas, é necessário, que os sujeitos da união estável sejam pessoas de sexos diversos, que se unem com ânimo de constituir família, sem os laços do matrimônio.
De forma evidente, não tutela o instituto da união estável as convivências entre mulher e mulher, ou homem e homem, haja vista a previsão legal da conversão da união estável em casamento, hipótese juridicamente impossível, no caso das uniões homoafetivas.
O marco inicial da união estável diverge do matrimônio, sendo que este, ante a solenidade que o reveste, tem como termo inicial a sua celebração formal. De outro norte, a união estável não se reveste de formalidades, tendo como início o ato de unirem os companheiros suas vidas, residindo sob o mesmo teto e mantendo uma convivência como se casados fossem.
Segundo Diniz (2002, p. 316 e 319):
“Meras relações sexuais acidentais e precárias, ainda que repetidas durante muito tempo, não revelam companheirismo, que requer estabilidade, ligação permanente entre homem e mulher para fins essenciais à vida social, isto é, aparência de casamento ‘perante terceiros ou de posse de estado de casado’. Ante o fato de a Lei n. 9.278/96 e o Código civil, art. 1.723, não mais determinarem prazo, a doutrina tem-se preocupado com o tempo, prevalecendo a opinião de que o período de 5 anos de permanência das relações (CGJSP – enunciado 4) é suficiente para configurar o estado convivencial, embora, para efeitos de investigação de paternidade, possa tal prazo ser de meses ou dias. Há quem entenda ser desaconselhável a fixação a priori do lapso temporal da convivência, aplaudindo o novo Código Civil, que não exige tempo mínimo para a configuração da estabilidade de qualquer prazo afastaria a tutela legal certas situações que a ela fariam jus e daria ensejo a manobras de fraude à lei com interrupção forçada da convivência às vésperas da consumação do lapso temporal para o seu reconhecimento e para a produção de seus efeitos jurídicos.”
Ora, a fixação de prazo de cinco anos para configurar a união, como estável é distante da realidade fática, haja vista a absoluta desnecessidade do transcurso de tão longo lapso temporal, para que seja reconhecida notoriamente a entidade familiar formada, sem o liame matrimonial.
Segundo Dias (s.d., p. 1):
“A união estável, porém, não dispõe de qualquer condicionante. Nasce do vínculo afetivo e se tem por constituída a partir do momento em que a relação se torna ostensiva, passando a ser reconhecida e aceita socialmente. Não há qualquer interferência estatal para sua formação, sendo inócuo tentar impor restrições ou impedimentos. Tanto é assim que as provas da existência da união estável são circunstanciais, dependem de testemunhas que saibam do relacionamento ou de documentos que tragam indícios de sua vigência.”
Importa que haja entre os conviventes o amor e respeito recíprocos, bem como a assistência material e moral, havendo ou não prole comum, não importando o lapso temporal que perdura.
4.3.1.1.2 Convivência pública
A publicidade da convivência se externa pela notoriedade de afeição recíproca, como afirma Scavone Júnior et. al. (2009, p. 2015-2016), “trata-se da fama, isto é, do reconhecimento público e notório da existência da união estável, de modo a afastar qualquer pecha de clandestinidade que possa se revestir nessa união”.
Na lição de Diniz (2002, p. 319-320):
“Notoriedade de afeições recíprocas, que não significa de modo algum publicidade. A esse respeito bastante expressiva é a lição de Cunha Gonçalves, segundo a qual a ligação concubinária há de ser notória, porém pode ser discreta, caso em que a divulgação do fato se dá dentro de um círculo mais restrito, o dos amigos, o das pessoas de íntima relação de ambos, o dos vizinhos do companheiro, que poderão atestar as visitas freqüentes do outro, suas entradas e saídas. … A convivência more uxório deve ser notória, os companheiros deverão tratar-se, socialmente, como marido e mulher, aplicando-se a teoria da aparência, revelando a intentio de constituir família. “
Nesta esteira, não se exige que a publicidade da convivência seja ampla, sendo bastante que a união seja do conhecimento de pessoas íntimas, parentes e amigos, que atestam ser a convivência estável, como se matrimônio fosse.
Embora a lei se refira a publicidade da convivência, o correto é afirmar, que o presente requisito traduz a notoriedade de afeições recíprocas, termo mais adequado.
4.3.1.1.3 Fidelidade
A fidelidade é aspecto comum dos relacionamentos monogâmicos. Os relacionamentos formados com base no amor recíproco, visando a procriação ou não, sempre existiram na raça humana. Sobre o tema, assim se posiciona Hendges (2003, p. 130):
“Mesmo que não esteja expressamente previsto na lei 9.278/96, tampouco na Lei 8.971/94, a fidelidade, que é inerente ao casamento (Art. 231, I, do Código Civil de 1916, e art. 1.566, I, do Código Civil de 2002), também deve existir na relação concubinária, amparando-se na moral e nos bons costumes, e tendo em vista a mens legis latoris, já que a nova lei, em seu art. 2º, prevê que são deveres dos conviventes o respeito e consideração mútuos, dever este que jamais poderia ser dado por cumprido, sem a existência da fidelidade entre os parceiros. Entretanto, configurada a boa fé entre os companheiros, a exemplo do casamento putativo, reconhecesse resultados jurídicos a esta relação, desde que presentes outros requisitos caracterizadores”.
A fidelidade é a forma de externar o amor e respeito ao companheiro, manifestações de afeto que devem permear a união estável, entre um homem e uma mulher. Havendo a quebra da fidelidade, o relacionamento se fragiliza, ficando na iminência de se romper.
Trata-se do dever de lealdade que deve estar presente na união estável, sendo que, inexistente tal dever, existe apenas um relacionamento com base em encontros sexuais furtivos, desprovido dos requisitos necessários para a configuração da união familiar.
4.3.1.1.4 Coabitação
Como dito alhures, a união estável deve ter a aparência de casamento, e como tal, os companheiros devem conviver sob o mesmo teto.
Entretanto, tal dever não é absoluto, haja vista que os companheiros podem ter a necessidade de ficarem temporariamente separados, em razão de doença, trabalho ou viagem profissional, hipóteses passíveis de ocorrer inclusive no matrimônio.
Para corroborar tal entendimento, vale trazer à colação o teor da Súmula 382, do STF, “a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório[1], não é indispensável à caracterização do concubinato”.
4.3.1.1.5 Estabilidade: união duradoura e contínua
A estabilidade da união é elemento de grande importância, devendo a convivência se estender pelo tempo, sem rupturas, externando a convivência harmônica entre os companheiros. Falece a orientação de ser necessário o transcurso do prazo de cinco anos para caracterização da convivência.
Scavone Júnior et al. (2009, p. 2016), asseveram:
“Contínua e duradoura: No sentido de ser estável – em oposição às uniões marcadas pela instabilidade – qualificada pelo animus durabilis, sem que haja um prazo certo de um, dois, ou três anos para a sua configuração, pelo que se deve levar em consideração não é o tempo, propriamente dito, mas a intenção de constituir família.”
Relacionamentos marcados pela instabilidade não podem ser considerados como união estável, haja vista sua semelhança com o casamento.
4.3.1.1.6 Ânimo de constituir família
Elemento de grande importância, o ânimo de constituir família possui status constitucional. Trata-se da vontade dos companheiros em constituir uma vida comum mediante o esforço comum de ambos, visando a prole comum ou não.
Scavone Júnior et. al. (2009, p. 2.016), aduzem:
“Trata-se do animus familiares, termo que preferimos ao invés do affectio quase maritalis, sustentado por alguns doutrinadores, porque se aproxima mais da idéia de família. Com efeito, compreenda-se esse animus como o objetivo, a intenção, enfim, a vontade, de duas pessoas conviverem de modo a constituir uma verdadeira família”.
Nesta esteira, conclui-se que os conviventes devem ter o desejo de constituir uma família, revelando assim, a seriedade do compromisso firmado entre os companheiros.
4.3.1.1.7 Inexistência de impedimentos matrimoniais
Entre os conviventes, não deve haver impedimentos matrimonias, vale dizer, um dos cônjuges, não pode estar casado. Ressalta-se que tal impedimento não alcança o companheiro que está separado de fato ou judicialmente.
Sobre o tema, é o posicionamento de Scavone Júnior (2009, p. 2017):
“Embora as Leis 8.971, de 29.12.1994 e a 9.278, de 10.05.1996 nada tenham disciplinado a respeito, a doutrina e a jurisprudência mais autorizadas corroboravam o entendimento lógico de que a inexistência de impedimentos dirimentes absolutos constituía um dos pressupostos para a configuração da união estável. Há duas exceções que se abrem para essa descaracterização. A primeira é ditada pelo próprio legislador, na parte final desse parágrafo, ao asseverar que não se aplicaria a pecha de impedimento para as pessoas que, embora casadas, estivesses separadas de fato ou de direito. A segunda, de aspecto prático, é a concernente à possibilidade da união estável putativa, aqui compreendida como a união fática entre duas pessoas que, ambas ou pelo menos uma delas, desconheça a existência de impedimentos dirimente absoluto. “
Os impedimentos matrimoniais encontram-se arrolados no art. 1.521, do Código Civil Brasileiro, aduzindo que não podem casar os ascendentes, com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; os afins em linha reta; o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau; o adotado com o filho do adotante; as pessoas casadas; o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio, contra o seu consorte.
De outro norte, o art. 1.523 do citado diploma legal, arrola as causas suspensivas ao matrimônio, que não impedem a configuração da união estável.
4.3.2 União estável homoafetiva
A união estável homoafetiva configura-se quando duas pessoas do mesmo sexo, unidas por intenso amor e afeto, resolvem viver sob o mesmo teto, com identidade de projetos, respeito recíproco, de forma pública, contínua e duradoura, formando, assim, a família homoafetiva.
Em relação ao tema, é o posicionamento de Vechiatti (2008a, p, 223-224):
“Hoje, tais uniões são relegadas a segundo plano sem qualquer fundamento normativo, donde se percebe que tal ocorre por mera construção doutrinária contra legem criada pelos profissionais do Direito. Contudo, ao contrário do que estes entendem, o amor familiar é o elemento essencial das relações interpessoais que dão origem às famílias oriundas da união amorosa. Sem ele, não há como falar em ‘casal’, pois duas pessoas que não sintam profundo amor uma pela outra não terão livre vontade de se relacionar em uma comunhão de vida e interesses. Por mais que o Direito não regule os sentimentos puros, isoladamente considerados, a partir do momento em que estes são associados a outros fatores (comunhão de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura), passam a produzir efeitos no mundo jurídico e, portanto, a merecer a proteção do Estado. […] No caso das uniões homoafetivas, que são fatos jurídicos, é necessário o reconhecimento de seu status familiar para que passem a gozar da proteção legal existente para a família, tendo em vista que ditas uniões formam, sim, uma entidade familiar” […].
Diante disso, havendo a presença dos requisitos ensejadores da união estável, à exceção da diversidade de sexos, não se pode atribuir antijuridicidade às uniões homoafetivas, que podem ser reconhecidas judicialmente, em caso de inexistência de litígio, através de ação declaratória que, conforme dicção do art. 4º do Código de Processo Civil Brasileiro (BRASIL, 2010, p. 613), “se destina apenas a declarar a certeza da existência ou inexistência de relação jurídica, ou de autenticidade ou falsidade de documento”.
A despeito do silêncio do legislador em regulamentar tais uniões, a jurisprudência pátria tem avançado, no sentido de garantir aos pares homoafetivos direitos análogos aos casais conviventes, em união estável, conforme narrado em linhas volvidas.
Novaes (2005, p.2) refere-se ao voto proferido por Dias nos Embargos Infringentes nº 70002656353:
“A busca da certeza jurídica a respeito de um fato é expressamente assegurada pelo inciso I do art. 4º do CPC, sendo inclusive facultado, pelo art. 861 do mesmo diploma, o uso da via de justificação para efeito meramente certificatório. Assim, não se restringe a via judicial tão somente para o fim de ‘dar a cada um o que é seu’, ou seja, não possui mera eficácia distributiva de efeitos das relações juridicizadas. Conforme bem lembra Araken de Assis, a declaração rejeita fatos incertos ou inexistentes acerca do thema decidendum, e, trazendo a lição de Pontes de Miranda, esclarece que se supõe que os fatos informadores do objeto declarável, segundo a convicção judicial, tenham efetivamente incidido no respectivo suporte fático (Cumulação de Ações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 80). Ao depois, a relação jurídica, que querem os embargantes ver reconhecida como existente, dispõe inclusive de referendo constitucional, atribuindo-lhe a legislação ordinária um leque de efeitos. Não se pode obstaculizar o uso da via judicial para revestir de certeza fato que exala efeitos jurídicos, mesmo que tais seqüelas não sejam buscadas em juízo. Esta posição, ainda que de forma minoritária, já tive oportunidade de sustentar no julgamento da Apelação Cível n° 598409167. Mesmo tendo restado isolado este entendimento no julgamento dos Embargos Infringentes n° 597191998 acabou por ser referendado pelo STJ, conforme traz o voto minoritário. Cabe lembrar, além da jurisprudência do STJ antes referida, que esta Corte já reconheceu como viável juridicamente a justificação judicial para a finalidade de comprovar a convivência entre duas pessoas homossexuais, seja para documentá-la, seja para uso futuro em processo judicial, onde poderá ser buscado efeito patrimonial ou até previdenciário. (Apelação Cível n° 70002355204, 7ª Câmara Cível, Relator Dês. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 11/4/2001). Ora, se até mesmo para aquelas relações jurídicas cuja existência e possibilidade de inserção no âmbito do direito ainda enfrentam a recalcitrância de alguns é assegurado o acesso à via declaratória, nada justifica que se recuse tal possibilidade para se emprestar certeza jurídica à relação que nasce de um fato que as partes pretendem ter reconhecido como existente”.
Para que haja o efetivo reconhecimento judicial da existência da união homoafetiva, os interessados devem fundar seus pleitos no Texto Maior, que garante a igualdade da aplicação da lei, independentemente de qualquer discriminação.
5 DA ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS
A adoção é um ato de amor extremo. Trazer para si uma criança como sendo filha, atribuindo-lhe todos os direitos inerentes à filiação biológica transcende própria paternidade, que se transmuta em concepção sócio-afetiva de imensurável valor.
Segundo Silva (1995, p. 86):
“Para Arnoldo Wald, adoção é uma ficção jurídica que cria o parentesco civil. É um ato bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre duas pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente. Caio Mário da Silva Pereira preconiza que adoção é ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim. Adoção, na lição de Liborni Siqueira, é direito parental. Comunga também desse entendimento Orlando Gomes, para quem adoção é o ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente de fato natural da procriação, o vínculo de filiação. Trata-se de ficção legal, que permite a constituição, entre duas pessoas, do laço de parentesco do primeiro grau na linha reta. Para nós, a adoção é o instituto pelo qual alguém estabelece com outrem laços recíprocos de parentesco em linha reta, por força de uma ficção advinda da lei. E, no conceito puramente sentimental, adoção é, verdadeiramente, um ato de amor. O adotante passa, por força dessa ficção jurídica, a ser o pai do adotado, como se este tivesse sido concebido por aquele.”
Na dicção de Santos (2008, p. 7):
“A adoção é um ato de amor e solidariedade. Acima de tudo de amor, pois recompensa o vazio existencial da psique humana, fatalidade da vida na ausência de um filho que se perdeu e a incapacidade biológica de procriação. Vai além, alcança a benevolência, própria do que ama, pela consciência do bem-estar do próximo e não somente pela satisfação de interesses e necessidades pessoais. É o amor excelso que ultrapassa as barreiras culturais, étnicas, sócias e econômicas, tecendo um novo fio em vínculo de afeto e carinho à parentela por consangüinidade e às relações por afinidade, transformando, assim, o arranjo familiar pela adição de mais um, mais dois, mais três…”
É importante ressaltar que a adoção de menores de dezoito anos tem como regramento o Estatuto da Criança e do Adolescente; a adoção de maiores se regerá em conformidade com o Código Civil Brasileiro.
Conforme dispõe o art. 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção atribui condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios. “Visou tal dispositivo exterminar a odiosa diferença entre filho natural e filho adotivo, inclusive no que concerne aos direitos sucessórios” (ISHIDA, 2009, p. 77).
Neste sentido, a adoção rompe o liame que havia entre o adotado e a família consangüínea.
A Constituição Federal veda qualquer diferença entre filiação biológica ou adotiva, aduzindo que todos os filhos tem os mesmos direitos, conforme redação do art. 227, § 6º, “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 2010, p. 137).
Para que se possa adotar, é necessário o preenchimento dos requisitos previstos no Estatuto Menorista, dentre eles, possuir mais de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil (art. 42 Caput), e no caso de adoção conjunta, comprovada estabilidade familiar (art. 42, § 2º).
Em relação à estabilidade familiar, disserta Silva (1995, p. 99):
“Resta saber, porém, se a denominada estabilidade da família vincula-se ou não a um lapso temporal de casamento ou de concubinato. Vem a pêlo a seguinte indagação: cônjuges casados há apenas 2 meses, embora vivendo sob a mais perfeita harmonia, podem requerer a adoção de uma criança ou adolescente? A resposta é, segundo o nosso modo de pensar, negativa. O início de qualquer relacionamento amoroso é marcado por amabilidades de parte a parte, cada um querendo mostrar ao outro as suas qualidades. É o convívio diário, paulatinamente experimentado ao longo dos anos, que acaba por desnudar os defeitos, os pontos negativos e as indiossincrasias de cada consorte ou concumbino. Por essa razão, entendemos que um casal com apenas 2 meses de matrimônio não se mostra habilitado, ainda, para reivindicar em juízo a adoção de um menor.”
Assim, a estabilidade resulta do relacionamento duradouro e harmonioso. Para o deferimento do pedido de adoção conjunto, mister que os adotantes estejam realmente aptos para receber um estranho como se filho biológico seu fosse, atribuindo ao mesmo amor, carinho, educação, dentre outros sentimentos paternais, garantindo ao mesmo todos os direitos inerentes aos descendentes.
Tal estabilidade familiar deve ser estendida à família homoafetiva, quando pleitear a adoção conjunta.
5.1 O Direito parental
O direito parental não se confunde com o direito de família. As relações de parentesco decorrem da consangüinidade e da afinidade, através de liame que liga a família de forma indissolúvel.
O vínculo natural de parentesco consiste na prole comum, nos filhos concebidos biologicamente, que estão em primeiro lugar na ordem de vocação hereditária. Entretanto, existe ainda o vinculo jurídico, que é estabelecido por lei, em nada alterando a essência do direito parental.
Na lição de Dias (2010, p. 338):
“Além de um vínculo natural, o parentesco também é um vínculo jurídico estabelecido em lei, que assegura direitos e impõe deveres recíprocos. São elos que não se constituem nem se desfazem por vontade. A espécie de parentesco, a maior ou menor proximidade dos parentes, dispõe de reflexos jurídicos diversos, a depender do grau de intensidade da solidariedade familiar. De modo geral, atenta-se ao critério de proximidade: os parentes mais próximos são os primeiros a serem convocados. […] As profundas alterações que ocorreram na família se refletem nos vínculos de parentesco. A própria Constituição encarregou-se de alargar o conceito de entidade familiar ao não permitir distinção entre filhos, afastando adjetivações relacionadas à origem da filiação (CF 227 § 6º). Ocorreu verdadeira desbiiologização da paternidade-maternidade-filiação e, consequentemente, do parentesco em geral. Assim, deve-se buscar um conceito plural de paternidade e de maternidade e de parentesco em sentido amplo, no qual a vontade, o consentimento, a afetividade e a responsabilidade jurídicas terão missões relevantes.”
Neste norte, tem-se que o direito à parentalidade consiste em direito fundamental do ser humano, qual não pode ser tolhido.
O ser humano cresce acreditando que somente alcançará a felicidade plena quando tiver a própria família, através da união com outra pessoa, advindo daí a própria prole, seja biológica ou afetiva, por meio do sublime ato de adotar.
Tal pensamento é incutido na mente humana desde o início de sua racionalidade, seja através da própria família, sociedade, escola ou igreja, e mesmo por meio da mídia, através de novelas que repetem exaustivamente o mesmo tema: duas pessoas apaixonam-se, sofrem revezes para ficarem juntas, e ao final, são felizes uma ao lado da outra, formando uma família.
Embora as novelas tenham retratado uniões homoafetivas de maneira isenta de preconceitos e sem caricaturas, existe a resistência no sentido de que duas pessoas do mesmo sexo possam formar verdadeiramente uma família, e em conseqüência, ter o direito à parentalidade.
No dizer de Vechiatti (2008a, p. 532-533):
“[…] considerando que essas pessoas só atingirão a felicidade por meio do exercício da parentalidade, então esta se afigura como um direito humano fundamental, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana. Ressalte-se, ainda, que esse direito fundamental é um direito de personalidade de todas as pessoas (donde, obviamente, também das pessoas homossexuais), que, como dito, só serão plenamente felizes se puderem ter filhos ou adotar uma criança ou um adolescente. Afinal, se determinada pessoa só puder atingir a felicidade pelo exercício da parentalidade, então esta é uma faculdade que lhe deve ser garantida como sucedâneo da dignidade humana constitucionalmente consagrada, que garante a todos o direito à felicidade. Assim, negar o direito à parentalidade a determinado grupo de pessoas é uma verdadeira agressão psicológica a estes, pois essa negação impossibilita que eles alcance a felicidade plena, que inequivocadamente afronta os princípios da dignidade da pessoa humana (que garante o direito à felicidade) e de igualdade (que proíbe discriminações arbitrárias como essa)”.
Seguindo esse raciocínio, o direito à parentalidade decorre dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, garantidores da felicidade e do tratamento igualitário.
Subtrair do par homoafetivo o direito parental é retirar do mesmo o direito fundamental de ser feliz.
5.2 O direito do menor à adoção
Todo menor que não tenha genitores biológicos conhecidos, ou quando estes forem considerados inaptos, para o exercício do poder familiar, tem o direito de ser adotado.
Ante a relevância da matéria, a Constituição Federal garante a integral proteção da criança e do adolescente em seu art. 227.
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 2010, p. 136-137)”.
Verifica-se que o Estado, em conjunto com a família e a sociedade, possui o dever de zelar pela preservação da integridade da criança e do adolescente.
No mesmo sentido, aduz o art. 19 da Lei 8.069/1990 (BRASIL, 2010, p. 1932).
“Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e. excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.”
Infere-se dos dispositivos supra, que a intenção do legislador foi de atribuir ampla e irrestrita proteção à criança e ao adolescente, de modo a lhe propiciar pleno crescimento e formação de caráter.
Seguindo este raciocínio, toda criança tem o direito fundamental de viver no seio de uma família, seja ela biológica ou substituta. Estando a criança em situação de risco, ante a ausência de pais biológicos ou pela destituição do poder familiar, a adoção se revela como imprescindível para o atendimento do interesse maior da criança e do adolescente: o de ter um lar, uma família que a acolha e ame.
Neste sentido, preleciona Santos (2008, p. 8):
“A causa que levou à aplicação do mecanismo da adoção advém de fatores provenientes da realidade social e que demandam ações imediatas de políticas públicas do Estado, de forma a minimizar substancialmente as mazelas que corroem os valores humanos, éticos, religiosos, solidários, que ainda sustentam a dignidade de uma grande população relegada à miséria por um modelo histórico-econômico concentrador de riquezas, injusto e desumano. A realidade social de nosso país é ‘o outro lado da moeda’ que precede à adoção que é meio para reintegrar a criança ao seu processo de socialização primária nos molde de uma família.”
Para que seja deferida a adoção, é necessária a configuração de reais vantagens para o adotando, e o pedido deve estar fundado em motivos legítimos. Regra contida no art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, verifica-se que o legislador definiu os critérios da adoção, sendo o primeiro consubstanciado nas reais vantagens para o adotando, de modo a minorar as consequências da colocação em família substituta, e caso seja adolescente ou saiba expressar sua vontade, sua oitiva é medida que se impõe. O acompanhamento técnico é da mesma forma, imprescindível (ISHIDA, 2009).
O segundo critério são os motivos legítimos dos adotantes, que “devem pleitear a adoção por motivos de afeição, carinho dentre outros, e não por outros motivos, como fins imorais (visando empregar o menor para fins domésticos) ou ilícitos (objetivando a prostituição)” (ISHIDA, 2009, p. 84).
O grupo que apregoa a oposição da adoção por homossexuais, mediante o argumento de que a homossexualidade dos pais poderia prejudicar o menor, afrontam o princípio da integral proteção ao menor, garantido na Magna Carta (VECCHIATTI, 2008b).
Preservados os interesses maiores da criança, impõe-se o deferimento da adoção, para garantia do direito fundamental de ter uma família.
5.3 A adoção por homossexuais
A legislação brasileira dispõe os requisitos para a concessão da adoção, conforme já narrado alhures. Entrementes, não se pode olvidar que a realidade das uniões homoafetivas estáveis, formadas pelo afeto, são indiscutivelmente a estabilidade familiar que se refere o art. 42 § 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, requisito este indispensável para a concessão da adoção conjunta.
O par homoafetivo, por constituir entidade familiar, anseia a concretização da família através da adoção de filhos, haja vista que a esterilidade natural em razão da orientação sexual inviabiliza a procriação.
Soluções alternativas tem sido procurada por pares homoafetivos, através da fertilização artificial, entretanto, o registro dos filhos havidos através da modalidade em comento encontra resistência no ordenamento legal.
Recentemente, as parceiras Adriana Tito Maciel e Munira Khalil El Ourra, paulistas que realizaram o sonho de ser mães através da tecnologia da genética, causaram polêmica. Munira é a mãe biológica, mas não carregou os filhos no ventre. Sua parceira gerou as crianças de nome Eduardo e Ana Luísa, que nasceram tendo duas mães. Agora, o casal luta pelo registro dos filhos, em nome de ambas as mães, como qualquer família comum (LIMA, 2009).
A polêmica é tamanha, e o preconceito acirrado, faz com que os pares homoafetivos que possuem estabilidade familiar se mantenham acanhados, com medo e vergonha de buscarem a tutela jurisidicional no sentido de realizar o sonho de ter filhos.
A Lei 12.010, de 03 de agosto de 2009, denominada Lei Nacional da Adoção, fechou os olhos para a realidade da família homoafetiva, a despeito do avanço jurisprudencial acerca do tema.
Sobre o assunto, é o posicionamento de Dias (2010b, p. 1):
“A chamada Lei Nacional da Adoção assume viés conservador ao tentar impedir a adoção por famílias homoafetivas. Ainda que venham a doutrina e a jurisprudência de vanguarda reconhecendo a união estável estável homossexual e admitindo a adoção homoparental, vã é a tentativa de impedir duas pessoas do mesmo sexo constituam uma família com prole. A postura, além de equivocada, é preconceituosa e discriminatória. Ao depois, comete duas ordem de inconstitucionalidade: cerceia aos parceiros do mesmo sexo o direito constitucional à família (art. 226) e não garante a crianças e adolescentes o direito à convivência familiar (art. 227). Impedir significativa parcela da população que mantém vínculos afetivos estéreis de realizar o sonho da filiação revela atitude punitiva, quase vingativa, como se gays e lésbicas não tivessem condições de desempenhar as funções inerentes ao poder familiar. Também acaba negando a milhões de crianças o direito de sair das ruas, de abandonar abrigos onde estão depositadas, sonegando-lhes o direito a um lar e a chance de chamar alguém de pai ou de mãe. Parece que o Projeto olvida o que diz a Constituição: que é dever não só da família e da sociedade, mas é também dever do Estado proteger, com absoluta prioridade, o cidadão do amanhã. Negar um lar não é proteger.”
A posição da autora é acertada, visto que, ao negar o direito de família com prole aos pares homoafetivos, um complexo conjunto de prejuízos inadmissíveis se apresenta de forma inexorável.
Fere-se o direito constitucional à família; obscatuliza-se o direito constitucional de ampla proteção à criança e ao adolescente, que normalmente aguarda ansioso pela adoção, em razão do abandono pelos pais ou pela destituição do poder familiar, vivendo não raras vezes na rua, ou em abrigos coletivos, desprovidos do amor existente no seio de uma família.
Se o Estado tem a função de proteger a criança e o adolescente, este não pode ser tão onipotente a ponto de fechar os olhos ante a realidade da sociedade, impedindo desarrazoadamente a adoção por pares homoafetivos que possuam convivência familiar estável.
Para o deferimento da adoção, independentemente da orientação sexual, o juiz deve analisar acuradamente a vida do adotante, mediante a ajuda de equipe interprofissional, formada por assistentes sociais e psicólogos, que farão visitas no futuro lar da criança, de tudo visto e analisado, deverá elaborar relatório circunstanciado para o conhecimento da autoridade judiciária.
Deve, ainda, proceder a oitiva de testemunhas que possam informar ao juízo acerca da idoneidade moral do adotante, bem como sua estabilidade emocional e aptidão para o exercício do poder familiar, tudo independente da orientação sexual do postulante.
Em relação ao homossexual que pretende adotar uma criança ou um adolescente, cabe ao juiz tomar as mesmas providências. Neste sentido, é a dicção de Silva (1995, p. 116):
“A nosso ver, o homossexual pode, sim, adotar uma criança ou um adolescente (e pode, também, assumir sua guarda ou tutela). Mas o deferimento do pedido de colocação em família substituta dependerá, precipuamente, do comportamento dele frente à sua comunidade, isto é, ficará na dependência do juiz apurar a conduta social do requerente em casa, no trabalho, na escola, no clube, enfim, no meio social onde vive. É o que sucede, por exemplo, com o requerente heterossexual que, casado ou solteiro, manifesta o desejo de adotar uma criança. A autoridade judiciária não poderá deferir de plano a adoção requerida, sem antes detectar a existência dos requisitos objetivos e subjetivos previstos no Estatuto. Para tanto, contará com a valiosa colaboração da equipe interprofissional prevista no art. 151 do diploma menorista, equipe essa composta por assistentes sociais e psicólogos, para a elaboração de estudo social pormenorizado, consubstanciado na realização de visita domiciliar e avaliação psicológica. Só depois de fazer um levantamento da vida social do requerente, e de sua estrutura emocional, é que o juiz, ouvido o representante do Ministério Público, deferirá a adoção postulada. Ora, com o homossexual o caminho a percorrer é o mesmo. A autoridade judiciária deverá detectar, de início, qual é o comportamento do requerente frente ao grupo social para o qual está voltado. Se ele, a despeito dessa opção sexual, mostrar-se bastante comedido e portar-se com invejável discrição no serviço, no clube, na faculdade etc., não haverá, a nosso ver, motivo capaz de obstar o deferimento do pedido de colocação em família substituta, seja sob a forma de guarda, seja sob a forma de tutela, seja, finalmente, sob a modalidade de adoção.”
Neste norte, a adoção homoparental deve ser entendida como admissível, mediante o preenchimento dos requisitos elencados na legislação menorista, e dissertados em linhas volvidas.
Do mesmo modo em que se procede o processo de adoção por requerimento de pessoa heterossexual, deve ser o procedimento quando no pólo ativo figurar o homossexual.
O indeferimento do pedido de adoção formulado por homossexual, exclusivamente, em razão de sua orientação sexual, é contrário aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, além de externar inadmissível preconceito que a história tenta combater.
5.3.1 Omissão legal proibitória
Embora não haja legislação permissiva, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulamente a adoção de menores, é omisso em relação ao tema em comento.
Em razão da omissão, o juiz não pode se eximir de aplicar o direito ao caso concreto, mediante o argumento de impossibilidade jurídica do pedido, posto que não existe também norma negatória.
Deve o juiz proceder em conformidade com o procedimento previsto em lei, através de investigação procedida por equipe interprofissional, formada por assistentes sociais e psicólogos, visando tão somente aferir as condições psico-sociais do autor para o recebimento de um filho em seu lar.
Nesse sentido, ensina Diniz (2008, p. 10):
“[…] o artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que podem adotar os maiores de vinte e um anos (leia-se dezoito anos), independentemente de estado civil. Além disso, o Código Civil, em seu artigo 1.618, instituiu que ‘só pode se qualificar como adotante pessoa maior de dezoito anos’. Logo, deduz-se que qualquer pessoa que preencha os requisitos impostos pelo ECA e pelo Código Civil pode adotar. Assim, seria inconstitucional levar em conta a opção sexual do adotante como requisito abonador ou desabonador no processo de adoção. Trata-se de questão de foro íntimo e sua invasão iria de encontro ao direito à intimidade, previsto na Carta Magna (art. 5º) como direito individual. Além disso, seria infligir o preceito constitucional que veda preconceitos ‘em razão da origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ (art. 3º, IV, parte final, da CF).”
Seguindo o mesmo raciocínio, Santos (2008, p. 9):
“A lei, como dito anteriormente, não impede a adoção unilateral pelo adotante homossexual. Contudo, para a efetivação do direito de adoção por um casal homossexual o relacionamento do par deveria ser considerado pela lei como uma união estável, o que de fato não o é, mesmo se caracterizando como uma entidade familiar nos moldes dos princípios atuais do Direito de Família. O casamento seria outro meio para qualificar o casal homossexual, mas igualmente é oposto pela lei que expressamente atribui ao homem e a mulher como par heterossexual habilitado ao casamento (…) O Projeto de Lei 6222/2005, tornava explícita a permissão de adoção por casal homoafetivo exigindo a comprovação da estabilidade da convivência da mesma forma que se exige dos casais heterossexuais em união estável. Entretanto, sofreu emenda que ao ser aprovada (em 20/08/2008) no Plenário da Câmara dos Deputados eliminou o texto com menção à adoção por casais homossexuais. O argumento para retirar a possibilidade de adoção parte de pares homossexuais foi o de que a legislação nacional não reconhece a união civil entre pessoas do mesmo sexo.”
Note-se que qualquer projeto de lei visando a regulamentação da família homoparental falece em seu nascedouro, não obtendo êxito nenhuma legislação que regulamente de forma expressa a família homoparental.
O Projeto de Lei que tipifica crime atitudes homofóbicas foi aprovado recentemente pelo Congresso Nacional, e segue aguardando aprovação do Senado Federal. Se aprovado, atitudes homofóbicas serão penalizadas com reclusão de até 3 (três) anos. Entretanto, em relação ao aspecto familiar, a omissão legislativa prevalece solenemente.
Vale trazer à colação o ensinamento de Vechiatti (2008a, p. 548):
“[…] ante a lacuna da legislação a respeito, é cabível uma interpretação extensiva ou uma analogia para permitir que homossexuais solteiros e casais homoafetivos adotem crianças e adolescentes, por força dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, e dada a absoluta inexistência de prejuízos ocasionados por essa adoção, ao menor, que, muito pelo contrário, passará a receber amor, solidariedade, respeito, confiança, e todos os valores que configuram uma vida digna, em atendimento ao seu direito subjetivo de ser adotado.”
Seguindo este raciocínio, ante a omissão legal permissiva ou proibitória, deve seguir a analogia e os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, para que haja a adoção por homossexual.
Reprisando que a opção sexual não deve servir de parâmetro para o indeferimento do pedido postulado por pessoa de orientação sexual diversa da moralmente aceitável pela sociedade, que, ressalte-se, é extremamente preconceituosa em relação às diferenças.
5.3.2 Inexistência de prejuízos ao menor
O deferimento da adoção ao homossexual não enseja quaisquer prejuízos ao menor, posto que serão atendidos os seus interesses, consistente na inserção a um lar, bem como o recebimento de amor e afeto, essenciais para o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente.
De modo contrário, o indeferimento trará prejuízos ao menor em situação de risco, por não ter ao lado os pais biológicos, ou por terem decaído do poder familiar, estando colocados em abrigos específicos para crianças em tal situação.
É pertinente trazer à baila o pensamento de Vechiatti (2008a, p. 548-549):
“[…] o princípio da integral proteção ao menor é igualmente afrontado pela negativa de adoção conjunta por pessoas homossexuais solteiras, pois tal negativa não permite a esses menores serem criados por pessoas que se encontram dispostas a lhes ofertar amor, respeito, solidariedade e a possibilitar, assim, o pleno desenvolvimento de suas potencialidades quando nenhuma outra pessoa se dispôs a tanto. Tal negativa, ao contrário, condena-o a uma infância e/ou a uma adolescência infeliz, oriunda da absoluta incapacidade do Estado de lhes garantir uma criação digna, como exige a Constituição. No que tange aos casais homoafetivos, há igualmente uma afronta ao princípio da integral proteção ao menor no indeferimento de seu pedido de adoção conjunta, na medida em que o deferimento apenas a um dos companheiros homoafetivos pode vir a trazer uma série de prejuízos à criança ou ao adolescente em questão.”
Veja-se que o princípio da integral proteção à criança e ao adolescente é infringido com a negativa de adoção por homossexuais, em razão de sua orientação sexual.
A criança e o adolescente necessitam apenas de amor para o pleno desenvolvimento. As entidades estatais e não-governamentais não estão aptas a propiciar o amor desejado, que somente se vislumbra no seio familiar.
A preocupação maior em relação ao sadio desenvolvimento do menor a ser adotado é a justificativa daqueles que negam a adoção homoparental. Os mais conservadores sustentam que a ausência de referencial sexual pode ser extremamente perniciosa ao menor. Há ainda aqueles que vislumbram a possibilidade de a criança ser vítima de chacota no meio em que vive, fato que poderia ensejar perturbações psíquicas (DIAS, 2009).
Entretanto, diversas pesquisas sobre o tema concluíram pela absoluta inexistência de prejuízos ao adotado, indicando os estudos que mais de 90% dos filhos adultos de pais gays são heterossexuais (DIAS, 2009).
Uma pesquisa desenvolvida pela organização americana National Longitudinal Lesbian Family Studies concluiu que filhos de lésbicas tendem a serem mais felizes e saudáveis que as crianças filhas de pais heterossexuais (DIAS, 2009).
Diante deste quadro, não se pode atribuir prejuízos ao menor criado e educado por casal homoafetivo, vez que “não são constatados efeitos danosos no desenvolvimento moral ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio com pais do mesmo sexo”. (DIAS, 2009, p. 220)
No mesmo sentido, é a dicção de (VECCHIATTI, 2008b, p. 14):
“Além de configurar um profundo preconceito preocupar-se com a criação de um menor por um casal homoafetivo traria o pseudo-risco de que dito menor se tornasse homossexual (o que demonstra a não-aceitação da sexualidade como tão normal quanto a heterossexualidade, apesar de a ciência médica mundial já tê-lo afirmado), diversos estudos já demonstraram que o fato de um menor ser criado por um casal homoafetivo não tem nenhuma influência sobre sua orientação sexual. (…) Para sintetizar: inexiste qualquer prejuízo ao menor na sua criação por um casal homoafetivo, que pode lhe dar tanto amor, solidariedade, respeito, confiança e todos os valores que configurem uma vida digna quanto um casal heteroafetivo. Lembre-se, por fim, que o preconceito de terceiros para com a parentalidade homoafetiva jamais poderá ser usado como argumento válido para negar a adoção por um casal homoafetivo, na medida em que o preconceito jamais poderá ser um critério válido de discriminação […]”.
Neste norte, falecem as argumentações dos conservadores, no sentido de que a criação de uma criança por casal homoafetivo poderia contribuir nefastamente para sua orientação sexual. Note-se aqui a existência velada do preconceito odioso, vedado pela Lei Maior.
Outrossim, a alegação de que a criança poderia ser vítima de preconceito na escola, por parte de colegas ou amigos, ou em qualquer outro meio em que viva externa, de forma reiterada, o abominado preconceito, que a Magna Carta abomina, por inadmissível, no Estado Democrático de Direito contemporâneo.
Sendo a modalidade de adoção um meio que o Estado criou para atribuir ao menor em situação de risco a possibilidade de ser amado e criado no seio de uma família, não existem razões plausíveis para negar a tutela com base tão somente na orientação sexual do pretendente à adoção.
5.3.3 Entendimentos Jurisprudenciais
A despeito do imenso vácuo legislativo, juízes e desembargadores de vanguarda, constitucionalistas respeitáveis, estão paulatinamente modificando o direito parental, adequando-o à realidade latente, que clama pelo reconhecimento.
A maior dificuldade encontrada pelos aplicadores do direito consiste no registro plural do adotado em nome dos adotantes que tenham o mesmo sexo. Uma solução encontrada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, especificamente pelo Magistrado Marcos Danúbio Edom Franco, foi a determinação contida na sentença por ele prolatada, de que “no assento de nascimento das crianças conste que são filhas de L.R.M. e Li.M.B.G, sem declinar a condição de pai ou mãe” (VECHIATTI, 2008a, p. 556).
A decisão pioneira acerca do tema foi proferida em 2004, na cidade de Catanduva-SP, pelo Magistrado Júlio César Spoladore Domingos, que acolheu o pedido de dois homens que conviviam em união estável por mais de dez anos, para entrarem na fila de espera de pais adotivos. O fundamento de sua decisão foi a Resolução n° 01/1999, do Conselho Federal de Psicologia, que estabelece normas acerca da não discriminação da homossexualidade (SILVA, 2006).
A segunda decisão apontando para a abertura judicial se deu na cidade de Bagé-RS, pelo juiz Marcos Danilo Edon Franco, que possibilitou a adoção conjunta de duas mulheres para com duas crianças, ambas viviam em união estável há mais de oito anos. A decisão foi objeto de recurso pelo Ministério Público, mediante o argumento, que a adoção por casal convivente somente poderia ocorrer entre homem e mulher, entretanto, a decisão foi mantida à unanimidade, pela Sétima Câmara Cível do vanguardista Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (VECHIATTI, 2008a).
No mesmo norte, o juiz Élio Braz Mendes, do Juizado da Infância e da Juventude de Recife-PE, concedeu a adoção de duas irmãs de cinco e sete anos, a um casal homossexual masculino que vive em Natal-RN, que conforme Santos (2008, p. 9):
“O juiz Élio Braz Mendes, responsável pelo julgamento do caso esclarece que não há lei que proíba a adoção por pessoas do mesmo sexo e que a Constituição veda qualquer discriminação de sexo, cor, raça, religião e outros. Para ele, o importante é que os adotantes sejam capazes de cuidar das crianças, independentemente do gênero e da opção sexual. ‘Minha decisão, nesse caso, surgiu como certeza de que isso era o melhor para as crianças’, diz. ‘Não estou reconhecendo a união civil dessas duas pessoas, estou dizendo que elas constituem uma família afetiva capaz de exercer o poder familiar, dar guarda, sustento e educação’. As meninas foram abandonadas pela família biológica e, atualmente, viviam em um abrigo”.
Vários são os arestos jurisprudenciais no sentido de conceder a adoção a casais homoafetivos, que comprovem os requisitos previstos em lei, tais como, idade mínima, idoneidade, estabilidade familiar dentre outros.
É pertinente trazer à colação alguns julgados nesse sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora de proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de formar família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (TJ/RS, Apelação Cível n° 70013801592, 7ª Câmara Cível, Relator Desembargador Luis Felipe Brasil Santos, julgada em 05/04/2006) (BRASIL, 2006).
ADOÇÃO CUMULADA COM DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ALEGAÇÃO DE SER HOMOSSEXUAL O ADOTANTE. DEFERIMENTO DO PEDIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e estudos sociais), considerando que o adotado, agora com dez anos, sente agora orgulho de te um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, e atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda sociedade. 2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção a ele entregue, fator de formação moral, cultural e espiritual do adotado. 3. A afirmação da homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro, e capaz de formar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Votação: unânime. Resultado: Apelo improvido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Acórdão: Apelação Cível – Processo 1998.001.14332. Relator: Desembargador Jorge Magalhães. Julgamento: 23/03/1999, 9ª Câmara Cível) (BRASIL, 1999).
No dia 27 de abril de 2010, o Superior Tribunal de Justiça inovou, em decisão considerada histórica pelos próprios Ministros do STJ, ao reconhecer por unanimidade, que casais homoafetivos têm o direito de adotar filhos.
A Turma, formada por cinco ministros, analisou o caso de duas mulheres que tiveram o direito de adoção reconhecido pela Justiça do Rio Grande do Sul. O Ministério Público do Estado, porém, recorreu ao STJ, que negou negou o pedido, ao entender que em casos do tipo é a vontade da criança que deve ser respeitada. ‘Esse julgamento é histórico pois dá dignidade ao ser humano, dignidade aos menores e às duas mulheres’, afirmou o relator, Luis Felipe Salomão. ‘Precisamos afirmar que essa decisão é uma orientação para que, em casos do tipo, deve-se atender sempre o interesse do menor, que o de ser adotado’, completou o ministro João Otávio Noronha (SELIGMAN, 2010).
De modo infeliz, as decisões mencionadas não são pacíficas. Os juízes mais conservadores preferem julgar pela impossibilidade jurídica do pedido, escorando-se na omissão perniciosa legislativa.
Em busca no sítio do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, não foi encontrada uma jurisprudência sequer acerca do tema.
6 SILÊNCIO DA LEI EM CONFRONTO COM O AVANÇO JURISPRUDENCIAL
A despeito do silêncio do legislador em relação ao reconhecimento das uniões homoafetivas como sendo instituição familiar, os magistrados não têm se mantido inertes em relação ao tema, julgando procedentes os pedidos deduzidos em juízo, quais são sempre mantidos pelos tribunais pátrios.
Vários são os julgados favoráveis, reconhecendo as uniões homoafetivas como lícitas e constitucionais, mediante fundamentação nos princípios constitucionais maiores, dissertados em linhas volvidas no presente trabalho monográfico, a saber: princípio da igualdade e princípio da dignidade da pessoa humana.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do sul é pioneiro em apreciar as uniões homoafetivas, conforme Nery Júnior e Nery (2005, p. 825):
“União homossexual. Reconhecimento como união estável. Direitos sucessórios garantidos. ‘União estável homoafetiva. Direito sucessório. Analogia. Incontrovertida a convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do mesmo sexo, impositivo que seja reconhecida a existência de uma união estável, assegurando ao companheiro sobrevivente a totalidade do acervo hereditário, afastada a declaração de vcância da herança. A omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos jurídicos às uniões homoafetivas impõe que a Justiça colmate a lacuna legal fazendo uso da analogia. O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe que seja feita analogia com a união estável, que se encontra devidamente regulamentada. Embargos infringentes acolhidos por maioria (Ementa oficial)’. ‘A CF 226 caput é a cláusula geral de inclusão, não sendo lícito excluir qualquer entidade que preencha os requisitos da afetividade, estabilidade e notoriedade, sendo as famílias ali arroladas meramente exemplificativas, embora as mais comuns. As demais comunidades se acham implícitas, pois se cuida de conceito constitucional amplo e indeterminado, a que a experiência de vida há de concretizar, conduzindo à tipicidade aberta, adaptável, dúctil, interpretação que se reforça quando o preceito constitucional usa o termo ‘também’, contido na CF 226 § 4º, que significa ‘da mesma forma’, ‘outrossim’, exprimindo-se uma idéia de inclusão destas unidades, sem afastar-se as outras não previstas” (voto vencedor do Des. José Carlos Teixeira Giorgis)’ (TJRS, 4° Gr. Câms. Cívs., EI 70003967676-Porto Alegre, rel.p/AC. Des. Maria Berenice Dias, rel.orig.Des. Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves, j. 9.5.2003, m.v.).
Através de reiteradas decisões proferidas pelo Tribunal gaúcho, reconhecendo as uniões homoafetivas, como instituição familiar, em analogia com o instituto da união estável, iniciou-se uma progressão do entendimento anterior, onde os juízes julgavam tais feitos extintos sem resolução do mérito, em razão de impossibilidade jurídica do pedido, ou timidamente, reconhecia o liame através do direito obrigacional ou trabalhista.
Atualmente, vários doutrinadores e estudiosos do direito de família seguem a corrente, que apregoa a existência do núcleo familiar formado por pares homoafetivos, que se unem em nome do amor recíproco, convivendo sob o mesmo teto e amealhando patrimônio comum.
Vieira e Araújo (2007, p. 74), transcrevem o teor de uma decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, reconhecendo a pares homoafetivos benefícios previdenciários, verbis:
“[…] 6. A exclusão dos benefícios previdenciários, em razão da orientação sexual, além de discriminatória, retira da proteção estatal, pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam encontrar-se por ela abrangidas. 7. Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém, em função de sua orientação sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal, (na qual, sem sombra de dúvida, se inclui a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana. 8. As noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo contornos e formas de manifestação e institucionalização plurívocos e multifacetados, que num momento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas possibilidades de materialização das torças afetivas e sexuais. 9. A aceitação das uniões homossexuais é um fenômeno mundial – em alguns países de forma mais implícita – com o alargamento da compreensão do conceito de família dentro das regras já existentes; em outros de maneira explícita, com a modificação do ordenamento jurídico feita de modo a abarcar legalmente a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo. 10. O Poder Judiciário não pode se fechar às transformações sociais, que, pela sua própria dinâmica, muitas vezes se antecipam às modificações legislativas. 11. Uma vez reconhecida, numa interpretação dos princípios norteadores da constituição pátria, a união entre homossexuais como possível de ser abarcada dentro do conceito de entidade familiar e afastados quaisquer impedimentos de natureza atuarial, deve a relação da Previdência para com os casais do mesmo sexo dar-se nos mesmos moldes das uniões estáveis entre heterossexuais, devendo ser exigido dos primeiros o mesmo que se exige dos segundos para fins de comprovação do vínculo afetivo e dependência econômica presumida entre os casais […], quando do processamento dos pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão’. (Revista do TRF da 4ª Região, vol. 57/309-348, 310, Relator Desembargador João Batista Pinto Silveira).
Mencionada decisão apresenta-se acertada e em conformidade com os princípios constitucionais maiores. As transformações sociais no mundo contemporâneo são intensas, e não pode o Estado se abster de analisar e deferir benefícios que casais conviventes em união estável têm direito, às uniões formadas por pessoas de mesmo sexo.
Tal discriminação se mostra incondizente e inadmissível no moderno Estado Democrático de Direito, e embora o legislador insista em manter-se silente, os juízes não podem se omitir em apreciar os pedidos a eles deduzidos por este motivo. Surgindo o caso concreto, o magistrado deve valer-se da analogia, dos princípios gerais de direito e dos costumes para proferir decisão acertada e justa.
Sobre o tema, até o Tribunal Superior Eleitoral manifestou-se, decidindo que da regra da inelegibilidade prevista na Constituição Federal alcança os pares afetivos, conforme anotaram.
“Registro de Candidato – Candidata ao cargo de prefeito – Relação estável homossexual com a prefeita reeleita do município – inelegibilidade (CF 14, § 7º). Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra da inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da CF. Recurso a que se dá provimento” (VIEIRA E ARAÚJO, 2007, p. 72).
A evolução jurisprudencial chegou até o Supremo Tribunal Federal, decisão proferida pelo Ministro Celso de Melo, na ADI 3300 MC/DF, por Vieira e Araújo (2007, p. 75-78), verbis:
“[…] o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem se revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais. Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto da cidadania às uniões homoafetivas (…). Cumpre referir, nesse ponto, a notável lição ministrada pela eminente Desembargadora MARIA BERENICE DIAS (‘União Homossexual: O Preconceito & a Justiça’, p. 71/83 e p. 85/99, 3ª ed., 2006, Livraria do Advogado Editora), cujas reflexões sobre o tema merecem especial destaque: ‘A Constituição outorgou especial proteção à família, independentemente da celebração do casamento, bem como às famílias monoparentais. Mas a família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com os seus descendentes. Também o convívio de pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, cabe ser reconhecido como entidade familiar. A prole ou a capacitação procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família as relações homoafetivas. Presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que tenham idênticas características. Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas realidades. Posturas preconceituosas ou discriminatórias geram grandes injustiças. Descabe confundir questões jurídicas como questões de caráter moral ou de conteúdo meramente religioso. Essa responsabilidade de ver o novo assumiu a Justiça ao emprestar juridicidade às uniões extraconjugais. Deve, agora, mostrar igual independência e coragem quanto às uniões de pessoas do mesmo sexo. Ambas são relações afetivas, vínculos em que há comprometimento amoroso. Assim, impositivo reconhecer a existência de um gênero de união estável que comporta mais uma espécie: união estável heteroafetiva e união estável homoafetiva. Ambas merecem ser reconhecidas como entidade familiar. Havendo convivência duradoura, pública e contínua entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituição de família, mister reconhecer a existência de uma união estável. Independente do sexo dos parceiros, fazem jus à mesma proteção. Ao menos até que o legislador regulamente as uniões homoafetivas – como já fez a maioria dos países do mundo civilizado -, incumbe ao Judiciário emprestar-lhes visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas. Essa é a missão fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade’. (…)’
Conforme Vieira e Araújo (2007, p. 72), o Poder Judiciário tem realizado o papel honroso de suprir o silêncio legislativo em regulamentar as uniões homoafetivas. A evolução contínua da jurisprudência reclama atitude urgente dos legisladores para que supram a omissão inconstitucional de reconhecer as uniões de pessoas do mesmo sexo, formada com base no amor e respeito recíprocos, como sendo entidade familiar, garantindo a tais famílias todos os direitos previstos em lei.
Mesmo com a chegada da discussão do tema junto ao Supremo Tribunal Federal, os Projetos de Lei regulando as uniões homoafetivas permanecem emperrados, sem apreciação da Casa de Leis brasileira.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho monográfico que ora se conclui não pretende apresentar soluções definitivas para a união, entre pessoas do mesmo sexo, haja vista o absoluto e imponente silêncio legislativo em relação ao tema.
Os problemas suscitados foram resolvidos durante o estudo bibliográfico do tema delimitado, com enfoque especial na Constituição Federal, entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, eis que não existe lei regulamentadora da união homoafetiva, como instituição familiar.
As hipóteses levantadas para a resolução do problema proposto foram confirmadas através das pesquisas realizadas, eis que a união familiar funda-se precipuamente, em sentimentos nobres, como o amor, a fidelidade, o respeito e a proteção recíproca a seus membros. Ora, neste início do terceiro milênio, com a sociedade plenamente evoluída e em constante mutação, a tarefa de conceituar família tornou-se árdua, haja vista a variedade de instituições familiares existentes. Seguindo este raciocínio, não se pode crer que a união entre pessoas do mesmo sexo, que nutrem um pelo outro intenso amor, deixe de ser considerada como instituição familiar.
Enquanto não existe lei específica que regulamente a união homoafetiva, os juízes, por absoluta imposição legal contida no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, e art. 126 do Código de Processo Civil, deverão julgar as pretensões deduzidas em juízo, relacionadas à homoafetividade, valendo-se da analogia e princípios gerais de direito, e mais importante, de princípios constitucionais de superior importância, minuciosamente detalhados, no presente estudo.
Os objetivos geral e específicos foram alcançados, demonstrando, que as uniões homoafetivas são uma realidade no Brasil, e necessitam da mesma proteção estatal, que as instituições familiares seculares gozam, com fundamento na Carta Magna, que coloca a pessoa humana em privilegiado patamar, resguardando suas garantias fundamentais.
Ademais, não se pode aceitar que o Estado cruze seus imponentes braços, deixando que parceiros sobreviventes não tenham o direito a sucessão de bens de companheiros falecidos, patrimônio que ajudou a amealhar, dentre outros direitos garantidos a companheiros que convivem em união heterossexual estável, acima de tudo, o respeito, à dignidade da pessoa humana, em consonância com o exercício de sua opção sexual.
Ante a ausência de conceito legal de família, deve ser garantido aos conviventes em união homoafetiva, direitos similares aos garantidos às pessoas, que vivem em união estável, inclusive o direito à adoção de filhos.
A metodologia de pesquisa utilizada colaborou para alcançar soluções aos problemas suscitados, vez que os doutrinadores consultados, especialmente Maria Berenice Dias e Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, apresentaram fundamentos sólidos para o reconhecimento constitucional da união homoafetiva, garantindo aos conviventes do mesmo sexo o status de família.
Na conclusão do presente trabalho monográfico, há que se ressaltar que a jurisprudência pátria evoluiu de tal forma, que criou precedente para o conhecimento de pedidos formulados por pares homoafetivos. O juiz não pode e não deixa de proferir despachos ou sentenças alegando a lacuna da lei.
A evolução humana tem se revelado mais célere, que a evolução do direito, necessitando do respaldo das decisões judiciais para acompanhar este processo, eis que o direito não pode se manter isolado do meio em que vigora, deixando de atender as manifestações da vida social e econômica.
A união homoafetiva é uma realidade incontestável, que necessita ser regulamentada e amparada pelo Direito Positivo.
É imperioso excluir do pensamento doutrinário jurídico, o medo de reconhecer as mudanças sociais ocorridas no que diz respeito ao conceito e aos critérios da instituição familiar na sociedade atual.
Depreende-se que as uniões homoafetivas é uma realidade que o Direito Civil deve reconhecer efetivamente para perpetuar o que a Constituição Federal já garante ao indivíduo, no que diz respeito à liberdade de escolha, em suas variantes, fazendo com que o Estado Democrático de Direito se concretize de forma igualitária, digna e justa em sociedade.
Informações Sobre o Autor
Anna Claudia Lucas dos Santos
Advogada especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. Procuradora Jurídica do Município de Montividiu-GO. Foi professora no IESRIVER – Instituto do Ensino Superior de Rio Verde Faculdade Objetivo das disciplinas Direito Constitucional e Direito Administrativo