Resumo: O instituto da desconsideração da personalidade jurídica surge com a importante finalidade de coibir o uso indevido da pessoa jurídica por parte de seus sócios e administradores, de modo a corrigir os atos ilícitos praticados. Não obstante a importância efetiva do instituto em questão, apresenta ele problemas no momento e na forma de sua aplicação no decorrer do trâmite processual, haja vista a falta de regulamentação específica e uniformidade jurisprudencial. Diante das controvérsias sobre a aplicação do instituto, parte da doutrina manifesta esperança no sentido de solucionar os problemas atualmente vividos com a possível aprovação do projeto do novo Código de Processo Civil. Todavia, o projeto também sofre críticas, visto que este trará a solução para alguns problemas, surgindo outros novos. Portanto, o projeto do novo Código de Processo Civil é bem vindo, mas sabe-se que tal regramento não será suficiente para solucionar todos os problemas jurídicos enfrentados no momento da aplicação do instituto.[1]
Palavras-chave: Pessoa Jurídica; Autonomia Patrimonial; Fraude à Credores; Desconsideração da Personalidade Jurídica; Problemas na aplicação prática do instituto.
Abstract: The institute of the "disregard of the legal entity" comes with the important purpose of preventing the misuse of legal entities by their members and administrators, avoiding illegal acts. otwithstanding the effective importance of the institute in question, it presents problems regarding the time and the way of its application during the procedural action, due to the lack of specific regulations and uniformity of jurisprudence. Considering the controversy concerning the application of the institute, part of the doctrine expresses hope in order to solve the problems currently experienced with the possible approval of the draft of the new Code of Civil Procedure. However, the project also suffers critical, as it will bring the solution to some problems, new ones will emerge. Therefore, the design of the new Code of Civil Procedure is welcome, but it is known that such regramento not be enough to solve all legal problems faced when applying the institute.
Keywords: Legal Entity; Patrimonial Autonomy; Fraud to Creditors; Disregard of Legal Personality; Problems in the practical application of the institute.
Sumário: 1. Introdução. 2. A pessoa jurídica e o princípio da autonomia patrimonial. 2.1. Sociedade e Pessoa Jurídica: Consequências da personificação. 2.2. O princípio da autonomia patrimonial: importância de sua aplicação para minimização do risco empresarial. 2.3. Tipos societários com sócios de responsabilidade limitada e autonomia patrimonial como forma de fraudar credores. 3. Da desconsideração da personalidade jurídica. 3.1. Origem e diferentes teorias para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. 3.2. Os problemas com a aplicação prática do instituto. 4. O projeto de novo código de processo civil: solução para os problemas de aplicação do instituto? 5. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa apresentar de forma clara e objetiva a importância do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, bem como apontar os problemas encontrados na aplicação prática do instituto em virtude da carência de regulamentação e uniformização jurisprudencial.
A desconsideração da personalidade jurídica é abundantemente debatida na doutrina e jurisprudência, por ser um instituto de grande importância para o ordenamento jurídico, visto que possibilita a inibição de fraudes e contribui para o aprimoramento do uso da pessoa jurídica. Ainda, se mostra de grande relevância porque embora permita a superação da autonomia patrimonial, não busca a anulação da pessoa jurídica em toda sua extensão, mantendo a continuidade da sociedade.
Apesar de o tema ter sido bastante debatido pelo Poder Judiciário ao longo dos anos, não se encontra uniforme, sendo a regulamentação do instituto uma possível solução para minimizar os problemas enfrentados na aplicação da desconsideração.
No primeiro capítulo será abordada a importância da pessoa jurídica e da sociedade no ordenamento jurídico, identificando as consequências de sua personificação. Será apresentada a importância do princípio da autonomia patrimonial como grande estimulador da exploração de atividades econômicas. Ainda, será delineada a característica da limitação da responsabilidade dos sócios, própria de alguns tipos societários e, como esta característica, aliada a autonomia patrimonial pode ser utilizada como forma de fraudar credores.
Já, no segundo capítulo, tratar-se-á da origem do instituto da desconsideração da personalidade jurídica e as diferentes teorias que buscam delimitar a sua aplicação. Serão apontados os principais problemas encontrados na aplicação prática do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, em virtude da carência de regulamentação.
Por fim, será analisado se o regramento do projeto do novo Código de Processo Civil, que destina um capítulo à regulamentação do instituto, poderá minimizar os problemas hoje enfrentados na prática.
Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro consagra o instituto da desconsideração da personalidade jurídica em diversos diplomas legislativos especiais, como o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Antitruste, assim como na lei geral civil. Entretanto, não há na legislação processual civil nenhuma referência ao procedimento que se poderia adotar para a correta aplicação do instituto. Assim, carente de regulamentação procedimental, surgem algumas controvérsias acerca da aplicação do instituto, decorrente principalmente de uma falta de uniformização sobre o tema nos Tribunais, causando grandes incertezas sobre o tema; uma insegurança jurídica indesejável.
Uma das controvérsias encontrada na aplicação do instituto está relacionada ao pedido de desconsideração poder ser de ofício ou somente a requerimento da parte. Outra grande discussão sobre o tema versa sobre o direito à ampla defesa e ao contraditório, antes da declaração da desconsideração, em atendimento aos princípios constitucionais. Ainda, outro ponto também muito discutido, diz respeito ao procedimento para a aplicação, se existe a necessidade de ação autônoma ou pode se dar por simples incidente processual.
Portanto, é muito controvertida a temática sobre a desconsideração da personalidade jurídica, principalmente, naquilo que diz respeito aos aspectos processuais do instituto, sendo este o problema central enfrentado neste breve trabalho.
2. A PESSOA JURÍDICA E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL
2.1 SOCIEDADE E PESSOA JURÍDICA: CONSEQUÊNCIAS DA PERSONIFICAÇÃO
A atribuição de personalidade jurídica própria a um ente coletivo, como por exemplo, a uma sociedade, tendo em vista seus efeitos, leva, muitas vezes, a prática de determinados abusos por parte dos sócios que ferem direitos de credores e de terceiros. Para estes casos, tem-se admitido a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica que permite a superação da personalidade jurídica com o fim exclusivo de atingir o patrimônio dos sócios da sociedade para saldar obrigações que, em regra, são desta. (NEGRÃO, 2011, p. 267)
O instituto da desconsideração atua como grande ferramenta inibidora de fraudes contra credores. Contudo, atualmente, tal instituto apresenta algumas incertezas no momento de sua aplicação prática, que serão apresentadas ao longo do presente estudo. Para isso, se faz necessário tratar, ainda que brevemente sobre a própria pessoa jurídica e o princípio da autonomia patrimonial.
Desde os tempos primórdios, o homem sempre demonstrou uma natureza sociável, vivendo agrupado naquela que pode ser considerada a forma originária de sociedade: a família. Neste período, já era possível perceber as inúmeras vantagens dos indivíduos em se associarem, em desenvolver atividades em grupos, pois unidos aumentavam as possibilidades de obter sucesso nas suas atividades. (ALMEIDA, 2001, p.1)
A associação de pessoas com o propósito de somar esforços em torno de um fim comum é tão antiga quanto o próprio homem. Esse entendimento permanece, apenas tomando contornos mais sofisticados em função da vida moderna. Foram esses agrupamentos de pessoas que originaram entes abstratos, reconhecidos como sujeitos de direito e denominados de pessoa jurídica. (CANTALI, 2011, p. 446)
De início, essas sociedades não passavam dos restritos limites da união de esforços, constituindo-se em simples consenso que, quando muito, poderia gerar uma relação jurídica obrigacional. (ALMEIDA, 2001, p. 5)
Faltava, portanto, a necessária personalização que transformaria esses grupos de pessoas em entes jurídicos com capacidade de exercer direito e contrair obrigações, passando a participar do comércio jurídico com individualidade, o que só aconteceria com a consagração da pessoa jurídica. (NEGRÃO, 2011, p.263)
Tal necessidade surgiu porque havia interesses e tarefas que não poderiam ser realizadas apenas pelo indivíduo, por uma única pessoa ou por um grupo de pessoas porque ultrapassavam as forças do próprio indivíduo. Para a realização desses interesses, atribuiu-se capacidade a um grupo de pessoas, para que eles, superando a efemeridade da vida humana e aos limites das possibilidades da pessoa natural, pudessem atingir determinados objetivos. (ALMEIDA, 2001, p. 7)
No âmbito do Direito, essa percepção evoluiu para a criação de um artifício jurídico, o reconhecimento das coletividades organizadas como pessoas jurídicas, atribuindo-lhes personalidade distinta da personalidade de seus membros. (MAMEDE, 2010, p. 36)
Assim, com o intuito de simplificar a disciplina de determinadas relações entre os homens em sociedade é que foi criado o instituto denominado de pessoa jurídica cuja personalidade é distinta da de seus sócios, ou seja, são pessoas inconfundíveis, independentes entre si. (COELHO, 2011, p.138)
Com inequívoca propriedade, ensina Washington de Barros Monteiro (2001, apud, ALMEIDA, p. 177) que:
“a personalidade jurídica não é uma ficção, mas uma forma, uma investidura, um atributo que o Estado defere a certos entes, havidos como merecedores dessa situação. A pessoa jurídica tem, assim, realidade, não a realidade física (peculiar às ciências naturais), mas a realidade jurídica, ideal à realidade das instituições jurídicas. No âmbito do direito, portanto, as pessoas jurídicas são dotadas do mesmo subjetivismo outorgado às pessoas físicas”.
Pessoa jurídica é, portanto, um ente abstrato com direitos e obrigações próprias, que resulta da união de esforços para fins comuns, não se confundindo com a pessoa de seus membros. (TOMAZETTE, 2001, p. 76)
Tal instituto decorre de atributo conferido pelo Estado, pelo qual o ordenamento jurídico visa incentivar o desenvolvimento de atividades econômicas e, consequentemente aumentar a arrecadação de tributos e ofertas de emprego, incrementando o desenvolvimento econômico e social das comunidades. (TOMAZETTE, 2001, p.1)
No direito brasileiro, as pessoas jurídicas são compreendidas em dois grandes grupos: as pessoas jurídicas de direito público[2] e, as pessoas jurídicas de direito privado[3]. Dentre as pessoas jurídicas de direito privado, situam-se as sociedades, as quais são pertinentes a presente pesquisa.
As sociedades são as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Essa definição vem inclusive consagrada na legislação civil brasileira no artigo 981[4].
Sua pertinência está justamente no fato de que somente as sociedades, possuem como característica a finalidade lucrativa. E essa é a espécie de pessoa jurídica que se diferencia das demais[5] por facilitar a prática de atos ilícitos, vez que, dependendo do tipo societário, se prevê uma limitação entre obrigações da sociedade e o patrimônio dos sócios. (RAMOS, 2011, p. 211)
Merece ressalva ainda a recente inclusão de nova espécie de pessoa jurídica: a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Trata-se de uma pessoa física que poderá exercer a atividade empresarial individualmente, mas com limitação de responsabilidade. A EIRELI permite ao empresário, titular da totalidade do capital devidamente integralizado, constituir uma pessoa jurídica sem a participação de outro sócio.[6]
Há quem considere esta nova pessoa jurídica, incluída no inciso VI do art. 44 do CCB, uma espécie de sociedade limitada. Independentemente da consideração como uma sociedade unipessoal ou uma nova espécie de pessoa jurídica, o que ainda é controverso, fato é que com a limitação de responsabilidade, a EIRELI também pode ser alvo de desconsideração da personalidade jurídica[7]. (COELHO, 2012, p.409)
Importante também tratar dos diferentes gêneros de sociedades. Elas se apresentam em dois distintos gêneros[8]: sociedades simples e empresárias.
Ambas exercem atividade econômica e tem finalidade lucrativa. Porém, as sociedades empresárias exercem atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços; se exerce a empresa. Enquanto que nas sociedades simples não há a organização como meio de produção ordenada de riqueza, pelo contrário, há trabalho não organizado, quase autônomo, desempenhado por cada sócio sem ligação maior com a atuação dos demais. Nesta sociedade, se exerce atividade econômica civil. (MAMEDE, 2010, p. 38)
Independentemente disso, para que a sociedade passe a desfrutar de personalidade jurídica é preciso registrar seus atos constitutivos[9]. As sociedades empresárias perante a Junta Comercial, através do contrato ou do estatuto social; e a sociedade simples, com o arquivamento do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas[10]. É a partir do registro que começa a existência legal da sociedade como pessoa jurídica de direito privado[11]. (CAMPINHO, 2008, p. 67)
O registro junto aos órgãos competentes garante a publicidade dos atos ali inseridos, dando a qualquer pessoa o direito de consultar os assentamentos e obter as certidões que desejar, independentemente de prova de interesse, conforme leciona o art. 29 da Lei nº 8.934/94[12]. (NEGRÃO, 2011, p. 200)
Assim, consagrada a pessoa jurídica, com a atribuição de personalidade jurídica, estas poderão praticar todo e qualquer ato ou negócio jurídico que não seja expressamente proibido. Portanto, a personalização das sociedades gera, precisamente, uma série de direitos e prerrogativas na formação regular da pessoa jurídica, quais sejam: titularidade negocial, titularidade processual e, principalmente, a responsabilidade patrimonial. (COELHO, 2011, p. 140)
A titularidade negocial no sentido de que é a sociedade que passará a adquirir bens, contratar e realizar negócios, muito embora os faça mediante representação de uma pessoa física, neste caso, o sócio ou sócios administradores. A pessoa jurídica não possui membros que lhe permitam expressar sua vontade, por isso, se obriga por atos de seus administradores, nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo. (NEGRÃO, 2011, p. 265)
A titularidade processual significa que, após a inscrição de seus atos constitutivos, a sociedade assume capacidade legal para adquirir direitos e contrair obrigações, podendo, inclusive, figurar nas ações processuais, tanto no polo ativo como no passivo, para a defesa de seus interesses. (NEGRÃO, 2011, p. 265)
Conforme se observa no julgado abaixo:
“APELAÇÃO CIVEL. CONSÓRCIO DE BEM MÓVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. 1. Preliminar recursal rejeitada. Empresas pertencem ao mesmo grupo econômico. Legitimidade passiva reconhecida. Precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. 2. Ilegitimidade ativa do demandante Gilberto que não tem relação jurídica com os demandados para postular direito da empresa em nome próprio. A sociedade limitada (espécie de sociedade personificada) possui personalidade distinta das pessoas dos seus sócios. Precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. 3. Danos morais da pessoa jurídica. A pessoa jurídica pode sofrer dano extrapatrimonial (Súmula 227 do STJ).(…)Observância do caráter compensatório e pedagógico na fixação do valor da indenização. Quantum indenizatório majorado. PRELIMINAR RECURSAL REJEITADA. RECURSO DOS DEMANDADOS IMPROVIDO. RECURSO DOS DEMANDANTES PARCIALMENTE PROVIDO”. (Apelação Cível Nº 70049128762, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy, Julgado em 13/09/2012)(grifo nosso).
Para além disso, com a personalização, a sociedade terá uma das mais importantes consequências jurídicas que é a formação de um patrimônio próprio, sendo inconfundível e incomunicável com o patrimônio individual de cada um de seus sócios, respondendo a sociedade com o seu patrimônio pelas obrigações que assumir. Trata-se da autonomia patrimonial da pessoa jurídica em relação ao patrimônio das pessoas que a compõem. (COELHO, 2011, p. 140)
O patrimônio da sociedade tem formação inicial resultante da contribuição dos sócios, assim, o capital social representa o núcleo inicial do patrimônio da sociedade. (CAMPINHO, 2008, p. 68)
Esse patrimônio, devido à personificação, pertencerá à sociedade e não aos sócios e, é justamente a totalidade deste patrimônio que vai responder, perante terceiros, pelas obrigações assumidas pela sociedade. Assim, qualquer tipo de sociedade responde ilimitadamente, ou seja, com todo o seus ativos, ai compreendidos os bens e direitos, pelas obrigações contraídas. Os sócios, por sua vez, é que, de acordo com o tipo societário, podem limitar suas responsabilidades perante terceiros. (MARTINS, 2011, p. 162)
A ideia do patrimônio do devedor ser a garantia dos credores está consagrada desde o advento da Lex Poetelia Papiria[13] (521 a.c). Foi a partir de tal advento, que a responsabilidade da obrigação passou da pessoa do devedor para os seus bens, com a sujeição patrimonial. Assim, o patrimônio da pessoa jurídica passou a responder pelas obrigações que a própria pessoa jurídica adquirisse, afastando a carga da pessoa do devedor que respondia por suas dívidas, naquela época, com seu próprio corpo, até mesmo com a vida. (MONTEIRO, 2001, p. indeterminada).
Essa autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a responsabilidade dela pelas obrigações que contrair vem consagrada na legislação brasileira. Dispõe o art. 391 do Código Civil Brasileiro: “pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”. Neste mesmo sentido, o art. 591 do Código de Processo Civil: “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
Contudo, existem ainda as sociedades que, por motivos dos mais diversos, não se constituem por contrato escrito, ou, se o fazem, não levam a arquivamento no respectivo registro[14]. Tais sociedades, por isso mesmo, não se constituem em pessoas jurídicas, sendo denominadas, pela legislação, de sociedade em comum[15]. Tratam-se das sociedades corriqueiramente conhecidas como irregulares ou de fato, conforme julgado abaixo.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PRETENSÃO AO RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE IRREGULAR DESTINADA A ATINGIR O PATRIMÔNIO DOS INTEGRANTES E RETIRANTES SOCIETÁRIOS.(…). "A sociedade está, pois, regularmente constituída, adquirindo personalidade jurídica com a inscrição de seu contrato ou estatuto no Registro de Comércio – as Juntas Comerciais. Sociedades que por motivos dos mais diversos não se constituem por escrito, ou, se o fazem, não levam o contrato a registro nas respectivas Juntas Comerciais. Tais sociedades, por isso mesmo, não consistem em pessoas jurídicas, sendo denominadas sociedades irregulares ou de fato, exatamente porque seus atos constitutivos não se completaram" (ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais. 15. ed. São Paulo: Saraiva, p. 2005. p. 50” (TJSC, AI n. 1999.022584-4, de Joinville, Rel. Des. Trindade dos Santos, j. em 8-3-01, destaque no original). (Agravo de Instrumento n. 2008.045201-4, de Itajaí, rel. Des. Ricardo Fontes)(grifo nosso)
Assim, inexistindo personalidade jurídica, inexistirá, separação patrimonial, constituindo-se uma universalidade única de bens negociais e particulares dos sócios, resultando para estes uma responsabilidade ilimitada pelos débitos societários. (ALMEIDA, 2001, p. 9)
Portanto, em se tratando de sociedade que não tem personalidade própria, não há que se falar em autonomia patrimonial, muito menos de desconsideração da personalidade jurídica.
A personalidade jurídica própria deixa de existir quando a pessoa jurídica é extinta. Assim, a dissolução da sociedade empresária se dará pela expiração do prazo de duração, pela falência da sociedade, pelo consentimento mútuo dos sócios, pela morte de um dos sócios, salvo convenção em contrário a respeito dos sócios sobreviventes e pela vontade de um dos sócios na sociedade constituída por prazo indeterminado. (VERÇOSA, 2006, p. 217)
A dissolução é o desfazimento de todos os vínculos acordados. Significa o fim da conjugação paralela de intenções em torno do objeto social. A liquidação compreende a realização do ativo, o pagamento do passivo e a distribuição social do lucro ou prejuízo residual. Com o arquivamento do ato dissolutório no registro de empresas, desaparecendo a pessoa jurídica. (JÚNIOR, 2008, p. 45)
Assim, é com a dissolução que termina a empresa, já que o empresário deixa de exercer a empresa – a atividade; a liquidação elimina a vinculação societária; e a baixa registral, a pessoa jurídica. (JÚNIOR, 2008, p. 45)
2.2 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL: IMPORTÂNCIA DE SUA APLICAÇÃO PARA MINIMIZAÇÃO DO RISCO EMPRESARIAL
A separação patrimonial é, historicamente, um dos pilares do conceito de pessoa jurídica como já afirmado.
Por isso, o princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, consagrado no art. 1.024[16] do Código Civil, revela-se como importante instrumento jurídico de incentivo ao empreendedorismo, vez que separa o patrimônio societário do patrimônio dos investidores, atuando como importante redutor do risco empresarial. (RAMOS, 2011, p. 401)
Aos longos dos anos se debateu o papel fundamental a ser preenchido pelas empresas, cuja conotação disciplina uma função social constitucionalmente prevista[17], a tal ponto de se delimitar a ação do Estado, dos agentes no momento de crise, visando assim sujeitar as leis para que disponham de aparato suficiente à salvaguarda do negócio empresarial. (MARTINS, 2011, p. 383)
Assim, em consequência da atribuição de personalidade jurídica, as sociedades passaram a ter autonomia patrimonial, ou seja, os bens da sociedade não se confundem com os bens particulares de seus respectivos sócios e, tampouco, em regra, respondem os sócios pelas obrigações sociais, fazendo com que aumentasse em muito o número de pessoas que passaram a explorar a atividade econômica. (ALMEIDA, 2001, p. 180)
A ideia é de que o princípio da autonomia patrimonial seja preservado ao máximo, pois tal instituto se mostra de grande relevância por possibilitar a minimização do risco empresarial, vez que diferencia o patrimônio societário do patrimônio dos sócios e, em virtude disso, permite que os particulares se encorajem a investir nas atividades econômicas.
Destarte, quando a pessoa jurídica participa de determinada relação obrigacional, o faz em seu nome, sendo que os efeitos decorrentes deste vínculo atingem, a princípio, apenas a própria pessoa jurídica. Caso não existisse o princípio da autonomia patrimonial, a personalidade jurídica não teria qualquer relevância e, consequentemente, não poderíamos falar na pessoa jurídica enquanto sujeito distinto dos próprios sócios. (NEGRI, 2008, p. 167)
Tamanho é a importância do princípio da autonomia patrimonial que, recentemente, o legislador brasileiro criou, como já mencionado, a figura da empresa individual de responsabilidade limitada, por meio da Lei 12.441/2011[18]. O objetivo da criação dessa nova figura jurídica está em permitir que um determinado empreendedor, individualmente, exercesse atividade empresarial limitando sua responsabilidade. (RAMOS, 2011, p. 40)
Antes deste advento havia apenas a figura do empresário individual[19] que, da mesma forma que as sociedades empresárias, exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. No entanto, os empresários individuais assumem o risco de forma pessoal e ilimitada, inexistindo autonomia patrimonial, fazendo com que os bens pessoais do sócio, bem como os da atividade empresarial respondam por dívidas contraídas independentemente da origem e natureza. (SILVA, 2011, p. indeterminada)
O empresário individual não goza de autonomia patrimonial, já que não há a constituição de uma pessoa jurídica. Isso se reflete na jurisprudência pátria, conforme se verifica no julgado abaixo:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. GRATUIDADE JUDICIÁRIA. PESSOA JURÍDICA. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. PERMISSIVO EXCEPCIONAL QUE EXIGE SEMPRE A COMPROVAÇÃO DA INCAPACIDADE FINANCEIRA ALEGADA. DESATENDIMENTO DE ORDEM JUDICIAL PARA JUNTADA DE DOCUMENTOS. INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS A AUTORIZAR A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DECISÃO DENEGATÓRIA MANTIDA. 1. O debate sobre a possibilidade de extensão do benefício da gratuidade às pessoas jurídicas há muito se encontra superado pela jurisprudência. 2. Contudo, por se tratar de permissivo excepcional, é sempre exigida a comprovação da incapacidade financeira alegada. 3. O empresário individual não possui autonomia patrimonial. Confunde-se o patrimônio de seu sócio com o da pessoa jurídica[20], constituindo-se patrimônio comum (…). 4. No caso dos autos, não foi juntado documento contábil que demonstrasse a movimentação financeira da empresa, balancete ou declaração prestada ao fisco federal referente ao último exercício. O desatendimento do comando judicial de demonstração da renda faz cair por terra a presunção de veracidade da declaração prestada, inclusive por ofensa ao dever de lealdade processual. (…) NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO”. (Agravo de Instrumento Nº 70050406719, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 10/08/2012)(grifo nosso).
Assim, o empresário individual nunca pôde gozar da separação patrimonial, respondendo com todos os seus bens, inclusive os pessoais, pelo risco do empreendimento, tendo uma responsabilidade direta, enquanto que em uma sociedade empresária, dotada de autonomia patrimonial, os sócios irão responder pelas obrigações sociais, se isso for possível, apenas de forma subsidiária. A responsabilidade dos sócios, se existente, é subsidiária. (RAMOS, 2011, p. 39)
E, é por isso, que os empresários individuais, em regra, se dedicam apenas a pequenos empreendimentos, cabendo as sociedades empresárias os empreendimentos de médio e grande porte. Essa é, também, a razão pela qual a presença das sociedades empresárias seja maior que a dos empresários individuais, pois os empreendedores buscam minimizar o risco empresarial e a melhor forma é através da constituição de uma sociedade, visto que haverá a separação patrimonial. (RAMOS, 2011, p. 211)
Desta maneira, atendendo aos anseios dos empresários brasileiros que desejavam um tipo societário que permitisse que o empresário, titular da totalidade do capital social, constituísse uma pessoa jurídica sem a necessidade de participação de outro sócio, criou-se a empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI. (GOMES, 2006, p. 40)
Possibilitou, assim, que o empresário individual passe a desfrutar das vantagens atinentes ao princípio da autonomia patrimonial, tendo agora seu patrimônio resguardado diante das dívidas empresariais.
Assim, o princípio da autonomia patrimonial, consagrado com a personalização, permite que os sócios não respondam, em regra, pelas obrigações da sociedade, dando-lhes maior segurança no momento de um investimento. Tal princípio representa, portanto, um importante elemento para o desenvolvimento da economia. (COELHO, 2011, p. 142)
A existência do empresário individual com a limitação de sua responsabilidade veio para reduzir os riscos pessoais e familiares, incentivar a formalização dos empreendimentos e o desenvolvimento das atividades econômicas, demonstrando a relevância do princípio da autonomia patrimonial para incentivar os particulares. (SILVA, 2000, p. indeterminada)
A possibilidade de os empreendedores reunirem-se em sociedade separando seu patrimônio pessoal do patrimônio social e limitando sua responsabilidade ao capital investido, para a exploração da atividade empresarial tem, como já dito, fundamental importância para o desenvolvimento das atividades econômicas, tendo em vista que funciona como um importante redutor do risco empresarial que acaba estimulando o empreendedorismo, o que, numa sociedade capitalista em que o exercício da atividade econômica é direcionado à iniciativa privada, torna-se algo de extrema valia. (RAMOS, 2011, p 218)
Portanto, a autonomia patrimonial é uma das mais importantes consequências do reconhecimento da personalidade jurídica no ordenamento jurídico, por possibilitar o desenvolvimento da economia, vez que estimula investimentos e minimiza as perdas nas atividades econômicas de elevado risco (NEGRI, 2008, p. 170)
2.3 TIPOS SOCIETÁRIOS COM SÓCIOS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA E AUTONOMIA PATRIMONIAL COMO FORMA DE FRAUDAR CREDORES
A sociedade regular, pessoa jurídica, como já se observou, tem vida distinta da dos seus sócios e, por isso, possui, igualmente, patrimônio próprio e distinto.
O patrimônio, constituído inicialmente com a contribuição dos sócios – capital inicial –[21] pertence à sociedade e não aos sócios e, é justamente a totalidade desse patrimônio que vai responder, perante terceiros, pelas obrigações assumidas pela sociedade. Assim, qualquer tipo de sociedade responde ilimitadamente com todo o seu patrimônio pelas obrigações assumidas, enquanto que a responsabilidade patrimonial em relação aos sócios varia de acordo com o tipo societário. (ALMEIDA, 2001, p. 44)
São cinco os tipos de sociedades empresárias: nome coletivo[22], comandita simples[23], comandita por ações[24], anônima e limitada.
Uma das principais distinções existentes entre os cinco tipos societários é o sistema de responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, sendo possível encontrar sócios de responsabilidade ilimitada (sociedade em nome coletivo), de responsabilidade limitada (sociedade anônima e a sociedade limitada) ou de responsabilidade mista (sociedade em comandita simples e em comandita por ações). (RAMOS, 2011, p. 221)
Contudo, apenas as limitadas e as anônimas possuem limitação de responsabilidade dos sócios. (COELHO, 2007, p. 23)
Nas sociedades de responsabilidade ilimitada, os sócios respondem com seu patrimônio particular de forma ilimitada pelas dívidas da sociedade. Respeitando, apenas, a regra da subsidiariedade, onde o credor da sociedade necessita esgotar primeiramente o patrimônio daquela antes de poder voltar-se contra o patrimônio particular dos sócios. (VERÇOSA, 2006, p. 61)
Os sócios entre si são solidariamente responsáveis, adquirindo aquele que pagou a totalidade da obrigação perante terceiro o direito de regresso contra os demais sócios. (VERÇOSA, 2006, p. 62)
Já o sistema de responsabilidade mista se dá quando uma parte dos sócios tem responsabilidade ilimitada e outra parte tem responsabilidade limitada. É o caso das comanditas que tem duas categorias de sócios, justamente em função desta distinção. (COELHO, 2011, p. 144)
Nas sociedades de responsabilidade limitada, somente a sociedade responde pelas obrigações que contrair, não respondendo os sócios com seu patrimônio pessoal, pelas obrigações daquela. O limite da responsabilidade é o capital investido. (COELHO, 2011, p. 142). Esse regramento se reflete na jurisprudência:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE BEM DE SÓCIA DA EMPRESA. DESCABIMENTO NO CASO CONCRETO. Em se tratando de firma individual, a pessoa física titular da mesma responde com seu patrimônio pelas dívidas da sociedade. Por outro lado, se a sociedade for limitada, inexiste, via de regra, a responsabilização dos sócios por dívidas daquela. Inexistência de prova quanto à natureza da empresa demandada, o que impossibilita, nesse momento, a eventual penhora de créditos decorrentes de locação de imóvel pertencente à sócia daquela. RECURSO IMPROVIDO”. (Agravo de Instrumento Nº 70042123349, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy, Julgado em 30/06/2011)(grifo nosso).
Na sociedade limitada, se cada sócio integralizar a parte que subscreveu no capital social, se cada um deles ingressar com o valor prometido no contrato, nada mais podem exigir os credores. Entretanto, se um, alguns ou todos deixarem de entrar com os fundos que prometeram, haverá solidariedade entre elas pelo total da importância faltante, perante a sociedade e terceiros. (NEGRÃO, 2011, p. 386)
Deste modo, se o contrato social estabelece que o capital está totalmente integralizado, os sócios não têm nenhuma responsabilidade pelas obrigações sociais, ficando o seu patrimônio pessoal totalmente protegido. Falindo a sociedade, e sendo insuficiente o patrimônio social para liquidação do passivo, a perda será suportada pelos credores. (COELHO, 2011, p. 184)
A sociedade limitada é o tipo societário de maior presença na economia brasileira desde sua introdução no ordenamento jurídico, em 1919. Representa hoje mais de 90% das sociedades empresárias registradas nas Juntas Comerciais[25]. Deve-se o sucesso justamente pela possibilidade dos empreendedores poderem limitar a responsabilidade dos sócios, protegendo seu patrimônio pessoal. (COELHO, 2011, p. 180)
Em outras palavras, as sociedades limitadas são aquelas formadas por duas ou mais pessoas, cuja responsabilidade é identificada pelo valor de suas quotas, porém todos se obrigam solidariamente em razão da integralização do capital social[26]. Assim, uma vez integralizado o capital da empresa, não ficam mais os sócios sujeitos a complementos em virtude de fatos de insucesso da sociedade, salvo em caso de intenção dolosa, dirigida a infração da lei ou do contrato. (MARTINS, 2011, p. 214)
Dentre os tipos societários, apenas as sociedades limitadas e as sociedades anônimas possuem limitação de responsabilidade dos sócios, as demais, em que todos ou parte dos sócios responde de forma ilimitada, após o esgotamento do patrimônio social, estão cada vez mais em desuso. (COELHO, 2007, p. 23)
Mas o simples fato de a sociedade limitada ter como característica a limitação de responsabilidade dos seus sócios não explica, por si só, a sua extrema aceitabilidade entre os pequenos e médios empreendedores, uma vez que a sociedade anônima também é um tipo societário que se caracteriza pela responsabilidade limitada de seus sócios. (RAMOS, 2011, p. 248)
A contratualidade é a outra característica que faz com que a sociedade limitada seja o tipo societário mais utilizado no Brasil, visto que confere aos sócios maior liberdade na hora de firmar o vínculo societário entre eles, coisa que não acontece na sociedade anônima, por exemplo, onde o vínculo é estatutário e submetido a um regime delimitado por lei. (RAMOS, 2011, P. 250)
Na sociedade anônima[27], a responsabilidade também é limitada, cada sócio responde apenas pelo preço de emissão das ações que titulariza. Pago integralmente o preço de emissão das ações subscritas, o patrimônio pessoal dos sócios resta resguardado em face do insucesso da atividade empresarial. O limite da responsabilidade é o preço de emissão das ações[28].
A sociedade anônima é uma sociedade de capital, tendo os títulos representativos da participação societária livres para negociação. Nenhum dos acionistas pode impedir o ingresso de quem quer que seja no quadro societário. (COELHO, 2011, p. 215)
Esse tipo societário é utilizado no desenvolvimento de atividades empresariais de grande porte e possui uma responsabilidade ainda mais limitada que na sociedade limitada. Isso porque os quotistas de uma sociedade limitada além de responderem pela integralização das quotas que subscreveram, são solidariamente responsáveis pela integralização total do capital social. Já na sociedade anônima, os acionistas respondem somente pela integralização do preço de emissão de suas ações, não havendo, a responsabilidade solidária entre eles. (RAMOS, 2011, p. 282)
Assim, é com a união da regra da autonomia patrimonial da pessoa jurídica com a regra da limitação de responsabilidade dos sócios que o ordenamento jurídico incentiva os particulares a desempenharem atividades econômicas. E, portanto, a pessoa jurídica, sob qualquer das formas admitidas em lei, mormente quando o sistema for de responsabilidade limitada, deverá ser usada para alcançar os fins sociais necessariamente lícitos. (RAMOS, 2011, p. 401)
A autonomia patrimonial da pessoa jurídica é um meio legítimo de destaque patrimonial, limitando os riscos da atividade empresarial e facilitando o desenvolvimento da economia de mercado. (TOMAZETTE, 2001, p. 76)
Todavia, pessoas movidas por um intuito ilegítimo podem utilizar a autonomia patrimonial e a limitação de responsabilidade para se ocultar e fugir do cumprimento de suas obrigações. (TOMAZETTE, 2001, p. 77)
De tal modo que alguns perceberam que poderiam utilizar a personalidade jurídica de sociedades para a prática de atos ilícitos ou fraudulentos, lesando terceiros em benefício próprio. A tentação de fazê-lo é ainda maior nas sociedades em que se prevê uma limitação entre as obrigações da sociedade e o patrimônio dos sócios, dando ensejo ao mau uso da pessoa jurídica. (MAMEDE, 2010, p. 235)
A história das relações econômicas demonstrou que o uso das pessoas jurídicas com sócios de responsabilidade limitada aliadas à consagração do princípio da autonomia patrimonial pode dar ensejo a abusos. Empresários maliciosos utilizavam-se das mais variadas artimanhas para fraudar seus credores, usando a personalidade jurídica e beneficiando-se da separação patrimonial como um verdadeiro escudo protetor contra os ataques ao seu patrimônio pessoal. (RAMOS, 2011, p. 402)
E assim, as sociedades em determinadas situações são utilizadas como instrumento para a prática de atos fraudulentos contra credores, vez que são elas que responderão por suas obrigações, e não os sócios, resultando assim, diversas vezes, na frustração dos interesses dos credores. (COELHO, 2007, p. 32)
O instituto da pessoa jurídica, criado para encorajar condutas socialmente desejadas, em muito é utilizado para alcançar fins contrários ao Direito e alheios aos interesses da coletividade, tendo em vista que por trás do manto da personalidade, escondem-se bens, pessoas e as mais variadas fraudes e abusos. (NEGRI, 2008, p. 171)
São várias as modalidades de fraude pelo uso da aparência jurídica.
Há casos, por exemplo, de obtenção da personalidade jurídica para a aquisição de bens para uso exclusivo dos sócios, evidenciando a existência formal da sociedade, apenas para resguardar o patrimônio pessoal. Existe também casos de fraude no encerramento, dissolução e liquidação irregular da sociedade. (NEGRÃO, 2011, p. 301)
Nestes casos, a jurisprudência admite o ingresso no patrimônio dos sócios, conforme se observa da ementa transcrita:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TEMPESTIVIDADE. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO CONTRA SÓCIOS. AUSÊNCIA DE LEGITIMAÇÃO RECURSAL QUANTO À EMPRESA EXECUTADA. Verificando-se a tempestividade do recurso, cujo respectivo prazo teve início após publicação da decisão que rejeitou a exceção a exceção de pré-executividade, é de ser conhecido o agravo de instrumento. (…). Fundado o redirecionamento em infração à lei, não tendo sido imputado aos agravantes a prática de atos com excesso de poderes, falece legitimação passiva ao ex-sócio-quotista que, a par de não ter exercido gerência ou administração, foi afastado da sociedade em data anterior à suposta dissolução irregular. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO CONTRA SÓCIO GERENTE. CABIMENTO. SÚMULA 435, STJ. Havendo indícios de que houve a dissolução irregular da empresa, e assim se enquadra o encerramento das atividades sem a devida baixa perante a Junta Comercial, cabível o redirecionamento da demanda executiva contra sócio gerente, por infração à lei, artigo 135, III, CTN, na esteira do enunciado da Súmula 435, STJ”. (Agravo de Instrumento Nº 70048273932, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 20/06/2012)(grifo nosso).
Existem, ainda, as fraudes aplicadas em questões relativas ao direito de família, onde se percebe que um dos cônjuges desvia bens pessoais para o patrimônio de uma pessoa jurídica com a finalidade clara de afastá-los da partilha ou frustrar a execução de alimentos, consoante julgado abaixo. (RAMOS, 2011, p. 411)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PENHORA ON-LINE DE DINHEIRO DA EMPRESA DO EXECUTADO. CABIMENTO. EXCESSO DE EXECUÇÃO NÃO PROVADO. Evidenciado que o executado tenta frustrar o pagamento dos alimentos em execução, correta a decisão que determinou a penhora de dinheiro em conta de empresa do executado. Desnecessária expressa referência à aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica. A alegação de excesso de execução deve vir acompanhada, imediatamente, do valor que o executado entende devido, sob pena de pronta rejeição. Caso em que deve ser mantida a penhora de dinheiro em conta bancária do executado. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.” (Agravo de Instrumento Nº 70042813105, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 18/08/2011).
Tais atitudes, aliadas ao princípio da autonomia patrimonial, muitas vezes é direcionada para enganar terceiros ou para a realização de atos fraudulentos, afastando completamente a legítima função da criação do instituto da pessoa jurídica. Nestes casos, aquela proteção não mais se justifica. (NEGRI, 2008, p. 172)
Importante dizer que existem ocasiões em que os sócios visam apenas a proteção patrimonial sem que isso caracterize uma ação fraudulenta, como é o caso da constituição de sociedades holdings[29]. O que diferencia tais atitudes é a intenção dos sócios, se está efetivamente em administrar e proteger o patrimônio próprio ou frustrar propositalmente os interesses dos credores.
Contudo, quando a realidade demonstrava que a pessoa jurídica estava sendo utilizada de forma abusiva o remédio contra isso era alcançar as pessoas e os bens daqueles que se utilizavam da autonomia patrimonial para finalidades ilícitas. (NEGRI, 2008, p. 181)
Como dito, muitas vezes, a personificação societária aliada à limitação de responsabilidade acaba servindo de instrumento à prática de atos fraudulentos por sócios que, valendo-se da máscara societária, contraem obrigações excessivas em nome da sociedade, com o posterior desvio, para o seu patrimônio pessoa ou para patrimônio de terceiros estranhos à sociedade, de bens originários de operações efetuadas por meio da pessoa jurídica. (GOMES, 2003, p. 78)
Assim, a utilização do instituto da pessoa jurídica de modo contrário à função e aos princípios que regem o ordenamento jurídico teve por consequência a proteção do próprio instituto através da desconsideração da personalidade jurídica que, sem negar sua existência, supera a pessoa jurídica, atingindo em casos particulares o patrimônio particular das pessoas dos sócios. Surge o instituto da desconsideração com o intuito de preservar o instituto da pessoa jurídica, estando o problema no uso inadequado que se faz dele. (SILVA, 2004, p. 432)
A importância do instituto da desconsideração da personalidade é inequívoca. No entanto, os operadores do direito sentem certa dificuldade no que toca a aplicação do instituto, por deficiências na legislação processual, ou mesmo por falta de uma aplicação de forma mais pacificada pelos tribunais pátrios.
3. DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
3.1 ORIGEM E DIFERENTES TEORIAS SOBRE A APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica sempre foi visto com bons olhos pela sociedade por oferecer uma solução para os casos, cada vez mais frequentes, de utilização da personalidade jurídica de modo contrário à sua função e aos princípios que regem o ordenamento jurídico. (KOURY, 1998, p. 09)
Sabe-se que a pessoa jurídica é um artifício jurídico, criado ao longo da evolução jurídica humana, com a finalidade de estimular e facilitar a concretização de determinadas empreitadas úteis à comunidade em geral. (MAMEDE, 2010, p. 234)
Assim, a pessoa jurídica, sob qualquer das formas admitidas em lei, foi criada para alcançar fins necessariamente lícitos, conforme estabelece a Constituição Federal em seu art. 5º, XVII[30], vedando os interesses que afrontem a ordem jurídica e os bons costumes. (ALMEIDA, 2006, p. 181)
Ainda, dispõe a Lei dos Registros Públicos[31] que não é permitido o registro de pessoas jurídicas quando suas atividades não visarem atos lícitos, ou quando suas atividades ensejarem perigo à segurança da coletividade. (ALMEIDA, 2006, p. 182)
Contudo, como já dito, a consagração da personalidade jurídica, na qual traz um dos mais importantes efeitos jurídicos que é a autonomia patrimonial, pode ser usada para a prática de atos fraudulentos. (COELHO, 2007, p. 14)
É exatamente em função da separação patrimonial aliada a limitação da responsabilidade dos sócios nas sociedades limitadas e anônimas é que surge a oportunidade das sociedades serem utilizadas como instrumento para prática de atos fraudulentos contra credores, vez que são elas que responderão por suas obrigações, e não os sócios, resultando, assim, diversas vezes, na frustração dos interesses dos credores. (COELHO, 2007, p. 32)
Desse modo, como pressuposto da repressão de certos ilícitos justifica-se a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, cuja finalidade é de salvaguardar o princípio da autonomia patrimonial, devendo ser aplicado quando se constatar o uso abusivo da personalidade jurídica em detrimento de seus credores. (RAMOS, 2011, p. 402)
Destarte, foi diante da possibilidade de se desvirtuar a função da personalidade jurídica que surgiu o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, permitindo a superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para chamar à responsabilidade dos sócios. Entretanto, a importância do princípio da autonomia patrimonial leva a aplicação do instituto com cautela, apenas em casos excepcionais, pois a regra é que prevaleça o princípio, já que importante para o incentivo ao exercício da atividade empresarial. (TOMAZZETE, 2001, p. indeterminada)
Não basta haver uma obrigação não satisfeita pela sociedade para que se possa exigir que o sócio beneficiado pelo limite de responsabilidade ou o administrador responda por ela. A desconsideração está diretamente ligada ao mau uso da personalidade jurídica pelo sócio ou pelo administrador, não prescindindo do aferimento de dolo, abuso de direito, fraude, dissolução irregular da empresa, confusão patrimonial ou desvio de finalidade. (MAMEDE, 2010, p. 236)
Tem-se como desvio de finalidade a prática dos sócios em utilizarem a sociedade para fins diversos daqueles almejados pelo legislador, isto é, fora do objetivo societário. Já a confusão patrimonial caracteriza-se quando os negócios pessoais dos sócios se confundem com os da sociedade. (FARIA, [s.d], p. indeterminada)
Neste sentido, leciona Waldo Fazzio Júnior (2008, p. 34):
“Não basta a impotência patrimonial da sociedade; reclama-se seja derivada de fraude. A desconsideração visa corrigir o mau uso da pessoa jurídica, não sua singela inadimplência. Com certeza, o mecanismo da desconsideração há de ser aplicado com cautela, evitando-se o risco de destruir o instituto da pessoa jurídica e lesionar os direitos da pessoa física.”
A desconsideração da personalidade jurídica é fruto de construção jurisprudencial, que implica na suspensão da eficácia dos efeitos da pessoa jurídica no caso concreto quando verificado a fraude à credores e o abuso de direito. Recebeu o nome de “desconsideração” como tradução da expressão norte-americana “disregard of legal entity”. (ALBERTON, 1993, p. 7)
A maioria da doutrina aponta como sendo o caso pioneiro acerca do instituto da desconsideração da personalidade jurídica o ocorrido na Inglaterra, em 1897: Salomon versus Salomon & Co. Ltda. (RAMOS, 2011, p. 402)
Aeron Salomon, comerciante de couros e calçados, fundou uma sociedade com sua mulher e seus cinco filhos. Para integralizar suas ações, o comerciante transferiu para a sociedade o seu estabelecimento, que era superior ao valor das ações subscritas, assim, uma garantia real em seu nome. Ocorre que a sociedade entrou em insolvência e, quando de sua dissolução, o comerciante começou um litígio com a sociedade para obter seu crédito, pois em razão da diferença, Salomon era sócio e ao mesmo tempo credor da sociedade que havia criado. (NEGRI, 2008, p. 175)
Neste caso, a sentença de primeiro grau entendeu pela possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da Salomon & Co. Ltd., após reconhecer que Mr. Salomon tinha, na verdade, o total controle societário sobre a sociedade, não se justificando a separação patrimonial entre ele e a pessoa jurídica. Essa decisão é considerada a grande precursora do instituto da desconsideração, não obstante tenha sido posteriormente reformada pela Casa dos Lords[32], a qual entendeu pela impossibilidade de desconsideração, fazendo prevalecer à separação entre os patrimônios de Mr. Salomon e de sua sociedade e, consequentemente, a sua irresponsabilidade pessoal pelas dívidas sociais. (RAMOS, 2011, p. 402)
Apesar desta decisão, a disregard doctrine teve grande aceitação no direito norte-americano, atribuindo-lhe um caráter excepcional. Todavia, apesar da cautela na aplicação da disregard doctrine, a sua utilização pelo direito norte-americano sempre ocorreu à margem de pressupostos técnicos que, no caso concreto, autorizassem a sua aplicação. (NEGRI, 2008, p. 176)
O principal precursor da disregard doctrine foi Rolf Serick, em tese de doutorado defendida em 1953, na Universidade de Tubigen, onde construiu as bases da teoria da desconsideração a partir da jurisprudência americana, estabelecendo seus princípios fundamentais. (ALBERTON, 1993, p. 7)
Ao final de seu estudo, Serick chega a conclusão que somente o abuso da pessoa jurídica justificaria a aplicação do instituto, ou seja, quando o indivíduo, por meio da sociedade, contornasse uma lei, violasse um contrato ou enganasse fraudulentamente terceiros. Afirmando a necessidade de investigar quanto à intenção do agente, pois não poderia o juiz se ater apenas a questões objetivas para superar a personalidade. (GARCIA, 2008, p. 178)
No Brasil, pode-se dizer que Rubens Requião, em artigo publicado em 1969, foi o primeiro jurista brasileiro a sistematizar o instituto da desconsideração, destacando-o como um instrumento para impedir a fraude e o abuso de direito por meio do uso da pessoa jurídica, de forma a alcançar as pessoas que a compõem, e seus respectivos bens. (GARCIA, 2006, p. indeterminada)
Importante ressaltar que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica não cuida de extinção ou dissolução da pessoa jurídica, nem se confunde com a anulação ou declaração de nulidade da personalidade jurídica[33]. Esta é apenas desconsiderada no caso concreto, deixando de produzir certos efeitos, como forma de se evitar seu uso abusivo. A ineficácia fica restrita ao ato em questão, permanecendo a autonomia da pessoa jurídica para os demais aspectos, sem atingir sua constituição, estrutura e existência, e sem implicar a extinção da entidade. (GARCIA, 2006, p. indeterminada)
Assim, Rodrigo Mazzei (2012, p. 11), conceitua o instituto:
“Desconsiderar a personalidade jurídica importa em ignorar os efeitos de sua personificação em um determinado caso concreto, isto é, mitigar a existência de obstáculo à responsabilidade dos sócios e administradores de determinada sociedade. Com outras palavras, significa a suspensão dos efeitos da personificação nos limites de uma relação jurídica contraída pela sociedade, desde que a situação examinada e decidida se enquadre nos moldes do gabarito previsto na legislação para tal.” (MAZZEI, 2012, p.11)
Essa ideia de desconsideração da personalidade jurídica só deve ser decretada quando houver a caracterização do abuso de personalidade jurídica é, pois, a noção que representa o ideal originário da disregard doctrine. Assim, somente em casos de abuso de personalidade jurídica deve ser admitida a desconsideração. (RAMOS, 2011, p. 402)
Existem no direito brasileiro, duas principais teorias jurídicas para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica: a teoria maior e a teoria menor.
A primeira, ligada à origem do instituto, condiciona o afastamento da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva de direito, buscando preservar ao máximo o princípio da autonomia patrimonial. Já a segunda, aceita a desconsideração em qualquer hipótese de execução do patrimônio do sócio, condicionando o afastamento do princípio da autonomia à simples insatisfação de crédito. (ULHOA, 2007, p. 36)
Para a teoria maior, exige-se prova da fraude como elemento imprescindível à sua aplicação, ou seja, é preciso a demonstração inequívoca de prejuízo dos credores, conforme disciplina o art. 50 do Código Civil Brasileiro. (RAMOS, 2011, p. 403)
“Art. 50, CCB. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
Pela teoria maior não basta a simples insolvência, para a desconsideração é necessária a ocorrência de situação específica como o abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial, como pode ser observado no julgado abaixo:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCABIMENTO. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. O Código Civil Brasileiro, em seu art. 50, adotou a chamada Teoria Maior da Desconsideração, exigindo, para que se possa desconsiderar a personalidade jurídica, não só a insolvência da pessoa jurídica, como, também, a prova de requisitos legais específicos. Dessa forma, tem-se que o fato de a pessoa jurídica não ter sido encontrada no endereço designado nos autos não se apresenta, de per si, como causa suficiente para que se possa desconsiderar a personalidade jurídica. Necessário, ainda, que se comprove que a insolvência e que este estado econômico tenha decorrido de desvio de finalidade (desrespeito ao objetivo social da empresa) ou confusão patrimonial, requisitos específicos esses não demonstrados na hipótese. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO POR DECISÃO DO RELATOR.” (Agravo de Instrumento Nº 70049478217, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 15/06/2012)(grifo nosso).
A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica possui duas formulações: a objetiva e a subjetiva. Na concepção subjetiva a fraude ou abuso de direito precisa ser intencional, ou seja, é preciso a prova da intenção dos sócios em prejudicar os credores. Já a formulação objetiva, basta provar qualquer fato ocorrido que gerou prejuízo aos credores, como por exemplo, o desvio de finalidade e confusão patrimonial. Aqui não é necessária prova da intenção. (Assis, [s.d], p. indeterminada)
De regra, o abuso de personalidade jurídica que admite a sua desconsideração só se caracterizava quando houvesse a prova efetiva da fraude, ou seja, da atuação dolosa, desonesta e maliciosa dos sócios em prejuízo dos credores da sociedade. Assim, adotava-se a concepção subjetivista da disregard doctrine, que exigia a prova da fraude como elemento imprescindível à sua aplicação, era preciso prova inequívoca de uma intenção de prejudicar credores, conforme defendia Rolf Serick. (RAMOS, 2011, p. 403)
Todavia, tem-se tentado estabelecer critérios mais seguros para a aplicação do instituto da desconsideração, sem que seja necessária a prova de fraude, ou seja, sem que seja preciso demonstrar a intenção de usar a pessoa jurídica de forma fraudulenta. Adota-se, pois uma concepção objetivista da disregard doctrine, onde a caracterização de abuso de personalidade se verifica por meio do desvio de finalidade e confusão patrimonial. Basta a prova da ocorrência fática destas situações especificas. (RAMOS, 2011, p. 404)
Paralelamente a teoria maior, há também a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Para os adeptos desta basta a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para a aplicação da desconsideração e atingimento do patrimônio pessoal dos sócios, independentemente da existência de qualquer ato fraudulento como o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. (ANDRIGHI, 2003, p. 247)
A teoria menor tem incidência nas matérias que versam sobre relações de consumo, conforme se pode verificar na ementa do julgado elucidativo:
“APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO EMBARGANTE (…) DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.(…). A TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. APLICA-SE ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO E TEM FUNDAMENTO NO § 3º DO ART. 28 DO CDC. TEM INCIDÊNCIA COM A SIMPLES PROVA DA INSOLVÊNCIA DA PESSOA JURÍDICA PARA O PAGAMENTO DE SUAS OBRIGAÇÕES, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE DESVIO DE FINALIDADE OU DE CONFUSÃO PATRIMONIAL. (…)” (Apelação Cível Nº 70031625155, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flores de Camargo, Julgado em 02/12/2009)(grifo nosso).
Para além das relações de consumo, essa teoria também é bastante aplicada na Justiça do Trabalho, como se observa no julgado abaixo:
“COOPERATIVA DE TRABALHADORES. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E MEMBROS DA DIRETORIA. A insolvência da reclamada, que se encontra em liquidação, com a absoluta ausência de bens para fazer frente aos créditos executados é suficiente para a desconsideração de sua personalidade jurídica e o redirecionamento da execução contra o Conselho de Administração, a quem foi dado poderes diretivos sobre todo e qualquer assunto de ordem econômica ou social. Agravo parcialmente provido.” (Agravo de Petição nº 0138700-59.2009.5.04.0662, 2ª Vara do Trabalho de Passo Fundo, Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Redator Ana Luiza Heineck Kruse, julgado em 01/02/2012)(grifo nosso).
A legislação trabalhista adota a doutrina da desconsideração, conforme as hipóteses previstas no art. 2º, parágrafo 2º[34] da CLT, bem como nas hipóteses de fraudes e abusos previstas nos artigos 9º[35], 10[36] e 448[37] da CLT. Embora a legislação seja omissa quanto à responsabilidade dos sócios pelos débitos trabalhistas, a CLT permite a aplicação da legislação comum, como o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil Brasileiro, possibilitando que a responsabilidade converta-se contra o patrimônio dos sócios. (CALVO, 2002, p. indeterminada)
Assim, o instituto da desconsideração da pessoa jurídica tem sido aplicado pelos juízes de forma mais ampla, tanto nas hipóteses de abuso de direito, como em caso de violação de lei ou de contrato e, até mesmo na hipótese de insuficiência de bens da sociedade empresária. Neste caso, adota-se, por consequência, a regra do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor[38], que fundamenta a aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, conforme demonstra o julgado colacionado. (ALMEIDA, 2001, p. 189)
“MASSA FALIDA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO NA PESSOA DOS SÓCIOS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO JUÍZO UNIVERSAL. A desconsideração da personalidade jurídica da massa falida, e consequente penhora dos bens do sócios, não atinge os bens afetados ao Juízo Universal, razão pela qual não há falar em ofensa ao princípio da isonomia por privilégio indevido do exequente, ou conflito de competência entre Juízo Falimentar e Juízo Trabalhista. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MENOR. No Processo Trabalhista a desconsideração da personalidade jurídica encontra respaldo no art. 28, §5º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, à luz da Teoria do Diálogo de Fontes, razão pela qual a insuficiência patrimonial da empresa é elemento bastante à responsabilização direta dos sócios. (…)” (4ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo; Rel. BEATRIZ RENCK, j. 03/07/2012.)(grifo nosso).
Pela teoria menor, o risco empresarial decorrente das atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas sim pelos seus sócios, ainda que não exista conduta culposa ou dolosa. (ANDRIGHI, 2004, p. 230)
Em vista disso, a teoria recebe forte crítica por prever a desconsideração da pessoa jurídica quando há o mero prejuízo do credor em decorrência da simples insolvência da pessoa jurídica, relativizando progressivamente a autoridade do princípio da autonomia patrimonial. Porém, há autores que defendem a regra por acreditarem que o risco empresarial não deve ser suportado por todos os credores da pessoa jurídica, mas apenas pelos chamados credores negociais. (RAMOS, 2011, p. 407)
São os credores negociais aqueles que negociam seus créditos em iguais condições, como por exemplo, os bancos, fornecedores, ou, de modo geral, outros empresários. Nesta situação, os sócios da sociedade devedora não são normalmente responsabilizados pelas obrigações sociais, tendo plena eficácia o princípio da separação patrimonial. Quando, no entanto, os credores não negociam seus créditos em igualdade de condições, como por exemplo, os trabalhadores e os consumidores, aplica-se a desconsideração diante do mero inadimplemento da pessoa jurídica, desprestigiando o princípio da autonomia patrimonial. (COELHO, 2007, p. 20)
Além destas duas teorias, encontramos na doutrina a teoria inversa da desconsideração da personalidade jurídica, na qual se pode aplicar o instituto em sua modalidade inversa, ou seja, em obrigação do sócio através da superação da sua pessoa, permitindo-se alcançar os bens da sociedade. (GARCIA, 2006, p.11)
Essa teoria não foi adotada de forma explícita pelo legislador, porém foi suprida pelo desenvolvimento jurisprudencial que passou a aplicar essa forma de desconsideração de forma praticamente unânime. Atualmente já existe o Enunciado 283 do CJF[39], que trata da matéria de forma expressa admitindo essa prática, principalmente em casos como a situação em que o devedor de alimentos tenta se esquivar de sua obrigação escondendo bens particulares sob o manto da pessoa jurídica. (WESENDONCK, 2012, p. 353)
Assim, a desconsideração inversa tem sido muito aplicada em questões relativas ao direito de família, em processos nos quais se percebe que um dos cônjuges desvia bens pessoais para o patrimônio de uma pessoa jurídica com a finalidade clara de afastá-los da partilha ou frustrar a execução de alimentos. (RAMOS, 2011, p. 411)
Incontroverso é, portanto, que para aplicar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, necessário que o ordenamento jurídico tenha reconhecido personalidade jurídica ao ente, sem a qual tal aplicação não faria sentido. Além disso, também se mostra imprescindível que o tipo societário seja de responsabilidade limitada. (KOURY, 1998, p. 13)
Conforme se observa no julgado abaixo, o Poder Judiciário dispensou a aplicação do instituto da desconsideração justamente por tratar-se de sociedade em comum (despersonificada), onde a responsabilidade dos sócios é ilimitada, tornando desnecessário o instituto em análise, pois não apresenta os dois requisitos acima mencionados:
“APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS AGRÁRIOS. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEGITIMIDADE ATIVA. PARCERIA AGRÍCOLA. PESSOA JURÍDICA. SOCIEDADE EM COMUM. PENHORA QUE RECAIU SOBRE BEM PARTICULAR DO SÓCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.(…). 4. A personificação das sociedades se dá com o registro de seus atos constitutivos no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, se sociedade não empresária, ou na Junta Comercial, se empresária. Ausente tal registro, tratar-se-á a sociedade conforme o que disposto nos arts. 986-990 do CC, que diz com as sociedades em comum. 5. No caso, o contrato de parceria foi registrado apenas no Registro de Títulos e Documentos, de modo que, pelos elementos existentes nos autos, trata-se, a sociedade executada, de pessoa jurídicas não registrada nem civil nem empresarialmente. Aplicação do art. 990 do CC. Havendo responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios pelas obrigações sociais, excluído o benefício de ordem, nada há de irregular na penhora que recaiu sobre o bem imóvel do ora embargante. E não é caso de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, havendo, in casu, aplicação direta da legislação referente às sociedades em comum e não da exceção do disregard doctrine. 6. (…). APELO DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO EM PARTE. UNÂNIME.” (Apelação Cível Nº 70028244119, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 11/03/2009)(grifo nosso).
Registra-se que a aplicação das teorias maior e menor não significam necessariamente a adoção de pontos de vistas contraditórios. A última – menor – está focada nas relações consumeristas e quaisquer outras que o legislador eleger de forma específica, a primeira – maior – restringe-se às relações reguladas ordinariamente pelo Código Civil, em que não se mostre necessária a utilização de instrumentos que propiciem a equidade das partes, visto que inexiste uma parte hipossuficiente. (MAZZEI, 2012, p. 16)
Percebe-se que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica representa um exemplo de como elementos éticos e morais se mostram atuantes em relação ao Direito, funcionando, por conseguinte, como importantes instrumentos de adequação dos institutos jurídicos à realidade. (NEGRI, 2008, p. 173)
3.2. OS PROBLEMAS COM A APLICAÇÃO PRÁTICA DO INSTITUTO
O principal objetivo do instituto da desconsideração da personalidade jurídica é coibir a fraude e o abuso praticados sob a proteção da pessoa jurídica, autorizando o juiz a ignorar episodicamente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica face às pessoas que a integram.
Não obstante, a desconsideração já ser aplicada no Brasil há bastante tempo pelos tribunais nos casos onde ocorria o desvio de finalidade das sociedades, o procedimento para a aplicação do instituto não é encontrado no ordenamento jurídico. (RAMOS, 2011, p. 404)
Como ainda não existem dispositivos processuais específicos que regulamente o instituto nessa seara, cada juiz age conforme seu entendimento no momento de decretar a desconsideração da personalidade jurídica. Isso acarreta uma desarmonia no procedimento a ser adotado pelos operadores do direito, dando margem a arbitrariedade. (FARIAS, [s.d.], p. indeterminada)
A primeira regulamentação legal no Brasil que apresentou as hipóteses para a desconsideração aconteceu na edição do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, o qual trouxe em seu artigo 28, o seguinte texto:
“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”
No entanto, na tentativa de disciplinar o instituto, foi reunida uma série de hipóteses (falência, insolvência e encerramento ou inatividade da pessoa jurídica por motivo de má administração) que excluiu a ideia de abuso, não guardando qualquer relação com a origem da desconsideração. (NEGRI, 2008, p. 179)
Tal dispositivo sofreu diversas críticas dos doutrinadores brasileiros por não considerarem a prática de atos ilícitos e infração dos estatutos ou contrato social caso de desconsideração de personalidade jurídica, mas sim situações em que o comportamento do sócio dá ensejo a sua responsabilidade direta em razão de normas específicas[40]. (GLOGER, 2005, p. indeterminada)
Mesmo assim, há doutrinadores que defendem que o CDC trouxe fortes inovações em termos teóricos e pragmáticos quanto à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Tal inovação ocorreu por intermédio da ampliação do leque de situações que permitem a suspensão dos efeitos da personalidade das sociedades empresárias. Essa ampliação propicia uma proteção mais efetiva dos consumidores frente à disparidade das relações com os fornecedores, muitas vezes excessivamente desiguais. (MAZZEI, 2012, p. 12)
Após a previsão do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, o instituto foi disciplinado pelo artigo 18 da Lei 8.884/1994[41], que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações à ordem econômica e pelo artigo 4º da Lei 9.605/1998[42], que regula os crimes ambientais. Tais dispositivos também receberam duras críticas da doutrina por não se enquadrarem com as formulações doutrinárias que deram origem a disregard doctrine, prevendo aplicação em casos onde já existe previsão legal no ordenamento jurídico. (RAMOS, 2011, p. 404)
O Código Civil de 2002 trouxe, entre várias concepções, em seu artigo 50, a previsão normativa genérica da desconsideração, sendo, em muito, superior às propostas que a antecederam, visto que reflete os ideais originais da disregard doctrine. (XAVIER, 2002, p. 69).
A regra estabeleceu que:
“Art. 50, do CCB. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
Esse artigo contém a regra geral acerca do instituto no ordenamento jurídico, estabelecendo as hipóteses em que o juiz pode decretar a desconsideração da personalidade jurídica. Reproduz a formulação da teoria maior. Todavia, não é fixado o procedimento adequado para essa decretação. (RAMOS, 2011, p. 412)
Muito embora não exista ainda no ordenamento jurídico brasileiro norma que discipline a aplicação correta do instituto, a simples leitura do artigo 50 do Código Civil aponta um importante aspecto processual, como, a vedação da aplicação da desconsideração de ofício, visto que na leitura do dispositivo resta claro que a aplicação depende de requerimento da parte ou do Ministério Público. (RAMOS, 2001, p. 412/413).
Logo, nota-se que para a desconsideração prevista no Código Civil, o juiz não pode agir de ofício, o que não acontece na desconsideração prevista no Código de Defesa do Consumidor, onde o juiz pode agir, sim, de ofício. (RUSSAR, [ s.d.], p. indeterminada)
Já para André Luiz Santa Cruz Ramos (2011, p. 412), mesmo em se tratando de relação de consumo, questão ambiental ou relativa à ordem econômica, não se deve permitir a decretação da desconsideração de ofício. Isso porque a norma do art. 50 do Código Civil tem aplicação geral neste aspecto, enquanto que as outras leis tem de específico apenas a previsão de hipóteses especiais de aplicação do instituto.
Contudo, as inúmeras discussões relacionadas à aplicação prática do instituto não se resumem apenas a este ponto. Debate-se bastante a necessidade do instituto da desconsideração obedecer aos dois princípios constitucionais do direito processual para sua efetivação: o contraditório, ampla defesa e o devido processo legal. (SANTOS, 2000, p. 80)
Assim, a validade da aplicação da pena de desconsideração da personalidade jurídica, de fato, encontra-se ligada a um vetor que deve orientar todas as fases das relações postas em juízo e necessária para o regular desenvolvimento do processo, a prévia presença do contraditório e da ampla defesa, princípio a ser priorizado quando se forma o polo passivo da demanda cognitiva. (MAZZEI, 2012, p. 18)
Entende-se por ampla defesa o asseguramento que é dado ao réu de condições que possibilitem trazer ao processo elementos que esclareçam a verdade, ou até mesmo, calar-se, se entender necessário. Já o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito de defesa para o réu. (MORAES, 2006, p. 94/95)
No devido processo legal, assegurado às partes pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LIV, está inserido um contexto mais amplo das garantias constitucionais do processo, trazendo a ideia da existência de normas processuais justas. Assim, é um aspecto processual muito importante para a aplicação da desconsideração, por isso, em qualquer processo no qual for requerida a desconsideração da personalidade jurídica deverá o juiz determinar a oitiva das partes interessadas. (RAMOS, 2011, p. 413).
Em suma, efetivar os princípios constitucionais significa dar ciência de todos os atos processuais as partes envolvidas, além de lhes assegurar oportunidades isonômicas para se manifestarem, principalmente quando de alguma forma necessitam agir contra aos que lhe causem prejuízos. (MAZZEI, 2012, p. 18)
E é quanto à formação do polo passivo da demanda que o contraditório exercerá grande influência no que se refere à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, visto que acirrada é a discussão doutrinária acerca da necessária citação dos sócios e/ou administradores da sociedade a ser desconsiderada. (GARCIA, 2006, p. 344)
Recentemente foi julgado um Recurso Especial cujo entendimento foi pela desnecessidade de citação do sócio para compor o polo passivo, bastando a sua intimação, onde será oportunizada a sua defesa:
“A Turma, por maioria, entendeu pela desnecessidade da citação do sócio para compor o polo passivo da relação processual, na qual o autor/recorrido pediu a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, haja vista o uso abusivo da sua personalidade e a ausência de bens para serem penhorados. In casu, o recorrido entabulou contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel com a construtora recorrente, porém, apesar de cumprir a sua parte no contrato, não recebeu a contraprestação. No entendimento da douta maioria, é suficiente a intimação do sócio da empresa, ocasião em que será oportunizada a sua defesa, ainda mais quando o processo encontra-se na fase de cumprimento de sentença, onde o recorrente fará jus à ampla defesa e ao contraditório, pois, poderá impugnar o pedido ou oferecer exceção de pré-executividade. REsp 1.096.604-DF, Rel. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/8/2012” (grifo nosso).
Há entendimento também no sentido de que a regular citação dos sócios e administradores já na fase de conhecimento, juntamente com a sociedade a ser desconsiderada, da qual fazem parte, torna-se medida salutar e viável, permitindo a formação desde logo, se acolhido o pedido do autor. (MAZZEI, 2012, p. 19)
Ainda, sobre os problemas vivenciados na aplicação do instituto em função da escassa normatização sobre o tema, discute-se a necessidade ou não de uma ação autônoma para a aplicação da desconsideração.
Se para a teoria maior o pressuposto da desconsideração é o uso fraudulento ou abusivo da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, não haveria como o juiz desconsiderar a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios senão por meio de ação própria. Assim, se a sociedade já não é mais o sujeito passivo da ação, se o autor pretende a responsabilização dos sócios e não mais da sociedade, ela se torna parte ilegítima. (COELHO, 2007, p. 55/56)
A falta de citação dos sócios e administradores na fase de conhecimento, com a formação do título executivo judicial em desfavor da sociedade empresária, certamente requererá na fase de execução, mediante a qual será instalada “nova ação judicial” tratada como incidente processual. Essa ação incidental deverá importar na paralisação da execução até que seja resolvido o incidente. E aqui discutisse o limite do contraditório, vez que não poderia desconstituir o título executivo judicial mediante rediscussão da dívida por meio do exercício do direito de defesa. (MAZZEI, 2012, p. 21)
Por outro lado, os juízes que adotam a teoria menor da desconsideração, posição em que a condição para desconsiderar a pessoa jurídica depende apenas da insolvabilidade desta, afirmam que a discussão acerca dos aspectos processuais é mais simplista. Entendem que cabe a determinação da penhora de bens de sócios através de despacho no processo de execução, resguardando-lhes defesa por meio de embargos de terceiro. (COELHO, 2007, p. 57).
Inegável é que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem sido, há muito tempo, amplamente discutido e aplicado pelos Tribunais pátrios, causando diversas incertezas no procedimento adequado para a sua aplicação.
Todavia, tramita no Congresso Nacional o projeto do novo Código de Processo Civil, originário de uma comissão de juristas presidida pelo ministro Luiz Fux. No projeto do novo Código foi destinado um capítulo inteiro para disciplinar o incidente da desconsideração da personalidade jurídica. (JUNIOR, [ s.d.], p. indeterminada)
Tal projeto tem a pretensão de acabar com as dúvidas constantemente enfrentadas diante da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Entretanto, pairam as dúvidas se realmente os dispositivos trazidos neste projeto serão suficientes para solucionar os inúmeros questionamentos.
3.3 O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: SOLUÇÃO PARA OS PROBLEMAS DE APLICAÇÃO DO INSTITUTO?
O projeto do novo Código de Processo Civil (PL 8.046/2010) traz um capítulo específico tratando sobre o procedimento para a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
A proposta foi apresentada ao Senado em junho de 2010. A partir daí, foram exibidas emendas pelos senadores, sugestões populares de professores, entre outros. Em 15 de dezembro de 2010 foi proposto o seguinte texto em relação ao instituto sob análise: (CUNHA, 2011, p. indeterminada)
“Art. 77. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.
Parágrafo único: O incidente da desconsideração da personalidade jurídica:
I – pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio;
II – é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial.
Art. 78. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão intimados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis.
Art. 79. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento.”
Tal projeto determina expressamente que a desconsideração da personalidade jurídica se processe como incidente processual[43] e, assim, encerra um dos grandes debates acerca do adequado processamento legal do instituto. Ainda, define, isto é, encerra também a discussão quanto à decisão que ordena a desconsideração poder ser em qualquer procedimento ou processo, excluindo o entendimento daqueles que limitavam a decisão à fase de conhecimento ou à fase de execução. (MAZZEI, 2012, p. 23)
Em que pese o capítulo trazer algumas certezas, ao mesmo tempo, gera algumas dúvidas, como se observa na redação do inciso I, do art. 77 que limita como causa para a aplicação do instituto apenas o abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei. Contudo, existem outras hipóteses que podem dar ensejo a desconsideração que não o abuso de personalidade, conforme prevê o parágrafo 5º do artigo 28 do Código do Consumidor, já comentado. Esta proposta se mostra de forma invertida, pois não trata do ponto processual, mas sim, material. (GARCIA, [s.d], p. 312)
Por outro lado, a redação do mesmo art. 77 do projeto cessa de uma vez por todas, a tese de que para desconsiderar a personalidade jurídica se faz necessária ação autônoma como pressuposto para sua aplicação, confirmando a possibilidade de fazê-lo por incidente processual. (PEIXOTO, 2011, p.74)
O STJ já aceita essa possibilidade, consoante julgado colacionado.
“AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. FALÊNCIA. FRAUDE E CONFUSÃO PATRIMONIAL ENTRE A EMPRESA FALIDA E A AGRAVANTE VERIFICADAS PELAS INSTÂNCIAS ORIGINÁRIAS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: DESNECESSIDADE DE PROCEDIMENTO AUTÔNOMO PARA SUA DECRETAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.” (AgRg nos EREsp 418.385/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/03/2012, DJe 16/03/2012)(grifo nosso).
Assim, a criação de um incidente processual de desconsideração da personalidade jurídica segue a tendência que vem sendo adotada, majoritariamente, pela jurisprudência, com o propósito de positivar, a prática consagrada nos Tribunais, conforme se vê: (MAZZEI, 2012, p. 23)
“Apelação cível. Embargos do devedor. Discussão envolvendo a desconsideração da pessoa jurídica e o redirecionamento da ação de execução de título extrajudicial contra as sócias da sociedade por cotas nada tem a ver com a classe processual denominada "dissolução e liquidação de sociedade", sendo mero incidente processual no processo executivo, enquadrando-se na classe "direito privado não especificado". Portaria n° 03/2008. Competência declinada.” (Apelação Cível Nº 70035329572, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 29/04/2010) (grifo nosso).
Em contrapartida, muito embora ainda não tenha sido aprovada, a redação do capítulo já recebeu algumas críticas, como acontece no caso da aplicação do instituto ser de forma incidental, com a intimação e não mais citação do sujeito. Surge, assim, a seguinte questão: é possível incidente com sujeitos que não são partes no processo principal? (CUNHA, 2011, p. indeterminada)
Segundo Marinoni (2008, p. 157), somente pode demandar um incidente processual as partes já constantes da relação processual instaurada, conforme art. 5º[44] do Código de Processo Civil. Portanto, não podem figurar como réus na demanda incidente sujeitos que não participavam da relação processual original.
Outra questão envolvendo a aplicação do instituto por meio de incidente processual tem relação ao fato de se quando instaurado o incidente, as ações, ordinária ou de execução, prosseguem ou são suspensas?
Segundo Rodrigo Mazzei (2012, p. 25), a compreensão de que se trata a ação incidental não cria grande complicador, visto que importa todas as regras da tutela de urgência, de modo que liminarmente poderá ser determinado o efeito da desconsideração da personalidade jurídica.
Em relação ao direito de defesa dos sócios, o artigo 79 do projeto de novo Código de Processo Civil adota a previsão do art. 50, do Código Civil, cuja desconsideração deverá ser declarada incidentalmente, cabendo defesa aos sócios por meio de recurso de agravo de instrumento, atendendo à garantia constitucional da ampla defesa. (CUNHA, 2011, p. indeterminada)
O direito de defesa, em especial, o princípio do contraditório, existe para conceder ao réu oportunidade de participar do processo e influir sobre o convencimento do juiz, mediante razões de fato e de direito. A norma constitucional demonstra a necessidade do diálogo como meio de solucionar litígios, ou seja, a contraposição de opiniões, pois se deve ter, sempre que possível, para resolver a lide, a participação da parte contrária, respeitando o contraditório. (PEIXOTO, [s.d], p. indeterminada)
Quanto a isso, a redação do projeto de nova legislação processual civil assegura no texto do artigo 78 aos sócios ou administradores da pessoa jurídica o prévio exercício do contraditório, concedendo prazo para se manifestação e apresentação das provas cabíveis. (CUNHA, 2011, p. indeterminada)
Assim, o projeto não olvidou da polêmica do contraditório, vez que está previsto que, requerida a desconsideração, haverá a oitiva prévia dos sócios ou do terceiro e da pessoa jurídica, permitindo a produção de provas, no prazo de quinze dias. (MAZZEI, 2012, p. 23)
No entanto, o dispositivo se mostra confuso porque determina a “intimação”, o que pressupõe que já ocorreu a prévia existência de citação de todas as pessoas indicadas no artigo, porém há casos em que apenas a pessoa jurídica figura no polo passivo da ação, de modo que a responsabilidade dos sócios passa a ser discutida a posteriori, depois de levantada a questão da desconsideração. Sendo assim, não há que se falar em intimação do sócio ou terceiro, pois em relação a estes a demanda sequer foi instaurada. (MAZZEI, 2012, p. 27)
Na jurisprudência há o entendimento da necessidade de citação dos sócios, conforme se depreende da ementa de julgado:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. MONITÓRIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. DESCONSIDERAÇÃODA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA CONSTRIÇÃO DE BEM PARTICULAR DE SÓCIO, NÃO CITADO NA CONDIÇÃO DE PESSOA FÍSICA. Evidente a impossibilidade de bloquear valores de sócio que não foi citado, na condição de pessoa física, no cumprimento de sentença de demanda monitória, mesmo que tendo havido a determinação de desconsideração da personalidade jurídica. A citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender (art. 213, CPC), e AA intimação da penhora do bem particular do sócio não supre a falta da citação, que deve ser feita pessoalmente, na condição de pessoa física. Não tendo sido regularmente citado, o sócio que teve seu bem particular penhorado por dívida da empresa não é parte na ação de execução. Manutenção da decisão que acolheu a impugnação ao pedido de cumprimento de sentença. Negaram provimento ao agravo.” (Agravo de Instrumento Nº 70044588366, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 12/04/2012) (grifo nosso).
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça entendeu, recentemente, desnecessária a citação do sócio para integrar no polo passivo da ação, conforme julgado abaixo, já citado no tópico anterior.
“A Turma, por maioria, entendeu pela desnecessidade da citação do sócio para compor o polo passivo da relação processual, na qual o autor/recorrido pediu a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, haja vista o uso abusivo da sua personalidade e a ausência de bens para serem penhorados. In casu, o recorrido entabulou contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel com a construtora recorrente, porém, apesar de cumprir a sua parte no contrato, não recebeu a contraprestação. No entendimento da douta maioria, é suficiente a intimação do sócio da empresa, ocasião em que será oportunizada a sua defesa, ainda mais quando o processo encontra-se na fase de cumprimento de sentença, onde o recorrente fará jus à ampla defesa e ao contraditório, pois, poderá impugnar o pedido ou oferecer exceção de pré-executividade. REsp 1.096.604-DF, Rel. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/8/2012” (grifo nosso)
Não é surpresa que a falta de uniformidade quanto ao procedimento da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica gera inúmeras dúvidas, tendo sido apontado aqui apenas algumas delas.
Provavelmente, em razão de tantas controvérsias apresentadas pela doutrina e jurisprudência, o legislador passou a se preocupar em regrar, de forma segura, o procedimento para aplicação do instituto, encerrando polêmicas que se arrastam há anos no Judiciário. (NETO, 2011, p. 391)
Incontestável, que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, se moderado e corretamente aplicado, servirá para o aprimoramento da pessoa jurídica, coibindo os abusos praticados pelas pessoas que a constituem, encobertos pelo princípio da autonomia patrimonial e da separação de personalidades. Em contrapartida, se aplicada de forma descriteriosa, ensejará o desvirtuamento do ente personificado e comprometerá a função institucional que lhe confere gerando, por conseguinte, graves prejuízos de ordem econômica e social do país. (CEOLIN, 2002, p. 174)
Portanto, a regulamentação processual do instituto da desconsideração da personalidade jurídica é de suma importância para padronizar a forma pela qual será aplicado o instituto, pois em que pese a matéria seja bastante debatida pelo Poder Judiciário, não se encontra uniforme, fato que implica em uma indesejável insegurança jurídica.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A desconsideração da personalidade jurídica se apresenta no ordenamento jurídico como um instituto de extrema importância, visto que visa coibir abusos praticados pelos sócios que utilizam a pessoa jurídica para atos fraudulentos prejudicando credores e enganando terceiros.
Tal instituto funciona como uma ferramenta de proteção à pessoa jurídica, já que, ao ser aplicado pelo Poder Judiciário em determinada demanda, atingindo apenas determinado episódio; aquele controvertido na lide, sem atingir a validade do ato constitutivo da sociedade, mantendo-se a empresa.
Portanto, o instituto tem por objetivo apenas a desconsideração da personalidade jurídica própria para um evento específico e não despersonificação da pessoa jurídica, uma vez que não visa alcançar a anulação desta em toda sua extensão, mas sim e apenas a superação da autonomia patrimonial em relação a determinado ato.
Em que pese seja reconhecida a sua importância no ordenamento jurídico brasileiro, inegável é que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem despertado inúmeros debates quanto ao cabimento, requisitos e pertinência de sua aplicação. Por isso, existe a necessidade de solucionar ou no mínimo minimizar os problemas enfrentados devido a sua própria importância, já que mesmo sendo a matéria constantemente debatida pelo Poder Judiciário, não se encontra uniforme.
Conforme ressaltado ao longo da presente pesquisa, o ordenamento jurídico brasileiro aponta apenas as hipóteses em que será possível decretar a desconsideração da personalidade jurídica. Entretanto, a maior problemática encontrada atualmente reside justamente no fato de não haver um procedimento pré-determinado a ser adotado para a sua aplicação. Este é o ponto de maior fragilidade do instituto, já que sem um procedimento a seguir e sem uniformização de jurisprudência quanto à aplicação do instituto acaba se gerando muita insegurança jurídica.
Assim, a regulamentação da desconsideração é medida pertinente para determinar a forma pela qual deverá ser aplicado o instituto, podendo solucionar parte das incertezas encontradas atualmente.
Embora exista o projeto de lei para um novo Código de Processo Civil o qual possui um capítulo destinado somente à regulação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, há doutrinadores que entendem que o texto legal não será suficiente para eliminar as controvérsias vividas atualmente sobre o tema. De tal modo que se aprovado solucionará alguns problemas, mas trará outros.
Pode-se dizer, então, que é possível que os problemas com a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica nunca se esgotem, considerando que a lei não será capaz de sanar todos os problemas de um instituto deste porte.
De qualquer sorte, a aprovação do Anteprojeto pelo Congresso Nacional não deixará de ser uma evolução no ordenamento jurídico, pois elucidará, em muito, as dúvidas constantemente enfrentadas diante da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. É possível que alguns questionamentos não sejam solucionados e, assim, depende-se cada vez mais da atividade criativa e interpretativa da doutrina especializada e da jurisprudência, as quais, diga-se de passagem, também são fontes de direito.
O que se espera, pelo menos, é certa unificação de tratamento sobre a aplicação do instituto para que os operadores do direito e os destinatários da jurisdição possam ter um pouco de segurança jurídica em relação ao tema.
Portanto, pode-se considerar positiva a iniciativa do legislador ao instituir um procedimento específico para a aplicação de um importantíssimo instituto jurídico, ficando a esperança de que, uma vez em vigor o novo Código de Processo Civil, alguns dos problemas enfrentados atualmente sejam superados, de modo a possibilitar um pouco mais de estabilidade e segurança jurídica no que toca os conflitos entre empresários e empresas que exploram.
Informações Sobre o Autor
Kamila Goulart Rodrigues
Acadêmica de Direito da Universidade IPA-METODISTA