Sumário: 1. Conceituação. 1.1. Direito Patrimonial e Direito Moral. 2. Histórico do Ramo. 3. Mitigação ao conceito de tutela irrestrita. 4. Duração da Proteção ao Direito Autoral
5. Normas que tutelam o Direito Autoral no Brasil. Referências bibliográficas.
1. Conceituação
Por ser considerado um ramo do direito de natureza híbrida, especificar a natureza jurídica dos direitos autorais não é tarefa muito fácil, notadamente porque envolve diversos elementos do direito público e do direito privado.
Pela teoria dualista os direitos autorais se bipartem em duas categorias: o de caráter patrimonial, envolvendo direitos econômicos, de natureza real, ligado ao direito privado (GANDELMAN, 1997:34,35); o de caráter moral, envolvendo a imagem do autor e a ligação deste a sua obra; este direito moral é pessoal e sua tutela está positivada no direito privado, mas embasado em princípios constitucionais, originados do direito público. Os direitos de paternidade e de integridade da obra são inalienáveis, conforme a Convenção de Berna, em seu art. 6bis; a Convenção de Berna foi o primeiro instrumento jurídico que tutelou os direitos autorais mundialmente, hoje com mais de 156 países signatários, de forma mais abrangente que os países não signatários, como os de tradição consuetudinária (E.U.A., Inglaterra, verbi gratia), que não tutelam de forma firme os direitos morais.
A força deste direito moral, dentro da tradição positivada pela Convenção de Berna atinge inclusive os direitos conexos, indo além do próprio autor, sendo imprescritível, uma vez que se transmite aos ascendentes e descendentes, mormente quando o sobrenome se perpetua. A Convenção de Berna foi introduzida em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto Legislativo nº 94, de 04 de dezembro de 1974, e promulgado pelo Decreto nº 75.699, de 06 de maio de 1975; foi, indiscutivelmente, a diretriz maior para a formulação da antiga lei de direito autoral, a Lei n° 5988/73 e a atual Lei de Direito Autoral, n° 9610/96, que enfatiza claramente a existência e a tutela dos direitos morais.
A teoria monista por sua vez, funde os dois conceitos em um só, como indivisíveis, pois são considerados um único direito, até mesmo para a caracterização do direito subjetivo. Considera a denominação Direitos Autorais como a mais abrangente, pois compreende não somente o autor como titular do direito, mas também os derivados, como os titulares dos direitos conexos (GANDELMAN, 1997:35).
A teoria dualista, adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, é mais abrangente e mais detalhada, pois o direito do autor envolve hoje questões mais complexas e divisíveis e a cada dia, sua abrangência aumenta, principalmente com as novas tecnologias e a proteção dada aos autores derivados, protegidos hoje pelo chamado direitos conexos. Portanto, caracterizá-lo como direito sui generis, é negar a própria conceituação temporal da matéria. Por ser um ramo do direito em constante modificação conceitual – já fora um direito muito mais patrimonial do que moral – hoje a imaterialidade é muito mais forte (vide a internet e seus produtos) e a questão da moral do autor torna-se mais vulnerável a ataques devido as fragilidades da falta de suporte material da obra no meio digital. Mais justo é considerar os direitos autorais como de natureza híbrida, que tutela o autor e sua obra, levando-se em conta os aspectos morais e patrimoniais que envolvem a produção artística em geral e a sua fruição no espaço temporal.
Assim, como ramo que se insere no Direito de Propriedade Intelectual, os Direitos Autorais podem ser conceituados como o ramo do Direito Civil (embora alguns autores considerem como ramo do Direito Comercial, visto os dispositivos atuais do Acordo TRIPS), que tutela a criação humana que é exteriorizada através de obras de arte, músicas, obras literárias e científicas. Juntamente com o Direito de Autor, temos o Direito Conexo, que nada mais é do que um direito derivado daquele, pois visa proteger os intérpretes, executantes, produtores, músicos etc. A tutela do direito conexo insere-se na própria Lei n° 9.610/96.
1.1. Direito Patrimonial e Direito Moral
Por conter natureza jurídica dúplice, ou seja, elementos do direito patrimonial e do direito moral, a obra, o autor e o titular do direito conexo passam a gozar de dois direitos completamente distintos, embora possam ter em comum a imaterialidade. O direito patrimonial é tudo aquilo que refere-se ao aproveitamento econômico da obra, pelo autor original ou derivado, primordialmente. Por ser um direito real, pode ser negociado e transferido. Na Lei de direitos autorais brasileira são enumerados como direito do autor (com as devidas exceções da própria lei): o direito de autorizar a reprodução; a distribuição; a comunicação ao público; a inclusão em outros meios de comunicação etc. O direito moral diz respeito à ligação permanente entre o criador e sua criação; por isso é inalienável e imprescritível, por estar ligado a moral, ao íntimo de quem cria a obra. Alguns autores consideram-no também possuir direito personalíssimo (CARLOS FERNANDO, 2003:36), o que na verdade, não ocorre, por ser um direito que pode ser herdado; portanto é um direito pessoal, mudança conceitual oriunda do caráter patrimonial advindo dos incisos V e X do art. 5° da Constituição Federal, que promove direitos pecuniários em caso de violação a princípios morais individuais (PLACIDO E SILVA, 2004:1036). A LDA positiva os direitos: direito de autoria aposto na obra; direito de reivindicar a autoria, caso não seja cumprido o direito à paternidade (conforme Convenção de Berna); direito de manter a obra sem alterações; direito de manter inédita a obra; o direito de retirar a obra de circulação, entre outros.
2. Histórico do Ramo
O direito autoral, como matéria de importância no mundo jurídico passou a ter destaque após a impressão em escala, propiciada pela invenção dos tipos móveis, por Johan Gutemberg, por volta de 1450. Com a possibilidade da impressão de livros em grandes quantidades, tornou-se necessário disciplinar a conduta a ser adotada em relação ao autor e ao produtor. Daí nasceu o copyright, conceito ainda adotado pelos países que baseiam o ordenamento jurídico nos costumes. A base conceitual deste direito imaterial surgiu no Direito Romano, quando já se previa sanção moral pela cópia de obras de artes. O termo plagiarius surgiu no séc. II A.C., com a lei Lex Fabra de Plarigriis (MANSO, 1987:8-9).
O sistema jurídico brasileiro vem tutelando os direitos autorais desde o século XIX, ainda em pleno Império luso-brasileiro, e desde este período vem modernizando sua legislação sobre o assunto, devido aos acordos firmados internacionalmente, através dos tratados e convenções ratificados e pelo próprio dinamismo da matéria, uma vez que os direitos autorais com o advento da internet ganhou importância capital, levando a edição da lei no. 9.610/98, que hoje já é considerada incompleta, especialmente nos assuntos ligados ao comércio eletrônico, que envolvem direitos autorais e aos novos suportes à informação como a internet, aparelhos móveis, que se desdobram em outras formas e gradações de proteção autoral.
Historicamente, o primeiro dispositivo legal brasileiro sobre a matéria veio com a lei de 11 de agosto de 1827, que tratou sobre a instituição dos cursos jurídicos no Brasil, em detrimento à criação de escolas de alfabetização no país, o que veio a ocorrer quase um século depois. Somente os professores das faculdades de direito de Olinda e de São Paulo gozavam do direito sobre a reprodução da obra por dez anos. Os demais autores brasileiros não tinham este direito, configurando um verdadeiro privilégio.
“Cria dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na Cidade de São Paulo e outro na de Olinda. Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou, e nós que remos a Lei seguinte:
“Art. 1.º – Criar-se-ão dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na Cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, e neles no espaço de cinco anos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes:
1.º ANO – 1ª cadeira – Direito Natural, Público, Análise da Constituição do Império, Direito das Gentes, e Diplomacia. (…)
Art. 2.º – Para a regência destas cadeiras o Governo nomeará nove lentes proprietários, e cinco substitutos.
Art. 3.º – Os Lentes proprietários vencerão o ordenamento que tiverem os Desembargadores das Relações, e gozarão das mesmas honras. Poderão jubilar-se com o ordenado por inteiro, findo vinte anos de serviço. (…)
Art. 7.º – Os Lentes farão a escolha dos compêndios da sua profissão, ou os arranjarão, não existindo já feitos, contanto que as doutrinas estejam de acordo com o sistema jurado pela Nação. Estes compêndios, depois de aprovados pela Congregação, servirão interinamente; submetendo-se porém à aprovação da Assembléia Geral, e o Governo os fará imprimir e fornecer às escolas, competindo aos seus autores o privilégio exclusivo da obra, por dez anos.(gn)
Art. 8.º – Os estudantes, que se quiserem matricular nos Cursos Jurídicos, devem apresentar as certidões de idade, porque mostrem ter a quinze anos completos, e de aprovação da Língua Francesa, Gramática Latina, Retórica, Filosofia Racional e Moral, e Geometria.
Art. 9.º – Os que freqüentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bacharéis formados. Haverá também o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem som os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e só os que o obtiverem, poderão ser escolhidos por Lentes. (…)
Mandamos portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente, como nela se contém. O Secretário de Estado dos Negócios do Império a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos 11 dias do mês de agosto de 1827, 6.º da Independência e do Império.
IMPERADOR com rubrica e guarda. (L.S.)
Visconde de S. Leopoldo
Carta de Lei pela qual Vossa Majestade Imperial manda executar o Decreto da Assembléia Geral Legislativa que houve por bem sancionar, sobre a criação de dois cursos jurídicos, um na Cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, como acima se declara.
Para Vossa Majestade Imperial ver.
Albino dos Santos Pereira a fez.
Registrada à fl. 175 do livro 4.º do Registro de Cartas, Leis e Alvarás. – Secretaria de Estado dos Negócios do Império em 17 de agosto de 1827. – Epifanio José Pedrozo.
Pedro Machado de Miranda Malheiro.
Foi publicada esta Carta de Lei nesta Chancelaria-mor do Império do Brasil. – Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. – Francisco Xavier Raposo de Albuquerque.
Registrada na Chancelaria-mor do Império do Brasil à fl. 83 do livro 1.º de Cartas, Leis, e Alvarás. – Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. – Demétrio José da Cruz.”
Já em 1830, com o advento do Código Criminal, surgiu a capitulação à respeito da proibição da contratação em seu artigo 231. Entretanto, ainda não existiam regras civis sobre a matéria no país, o que veio a acontecer somente em 1891, com a primeira Constituição Republicana, que positivou no artigo 72, § 26 os direitos autorais, mas vinculando em parte a tutela com a adoção de lei complementar futura. A lei no. 496/1896 surgiu cinco anos após, e foi denominada Lei Medeiros, em homenagem ao seu relator, o dep. Medeiros e Albuquerque. A lei continha já elementos dos direitos conexos, embora fosse considerada retrógrada em relação à legislação européia da época.
Com a adoção do Código Civil em 1917, a Lei Medeiros foi ab-rogada e os direitos autorais passaram a ser tutelados no capítulo VI – Da Propriedade Literária, Científica e Artística, que conceituava os direitos autorais somente como propriedade.
Somente em 1973, com o advento da Lei n°. 5.988, surgiu uma nova legislação ordinária que tratava especificamente sobre os direitos autorais. Houve um lapso de quase cem anos para o tratamento autônomo da matéria desde a Lei Medeiros, o que acabou por atrasar o desenvolvimento jurisprudencial da matéria (MANSO, 1980:18).
Com a pressão sobre os direitos patrimoniais exercidos pelos E.U.A. relativa ao comércio cada vez maior de direitos autorais, o Brasil se viu obrigado a assinar o Acordo TRIPS, uma vez que as transações comerciais de intangíveis já estavam em torno de 30% do PIB americano na década de 90 do século passado.
O Acordo sobre aspectos dos direitos de Propriedade Intelectual relacionada ao comércio(TRIPS), foi ratificado pelo Brasil em Genebra, em 21 de dezembro de 1999 e passou a integrar o ordenamento jurídico através do Decreto no. 1355, de em 30/12/1999. A partir daí, o Brasil teve que se adequar às regras que passou a adotar, dentre elas a vinculação a um tribunal internacional, na OMC, para resolução dos conflitos econômicos, entre os membros do antigo GATT.
Em vista disso, o Brasil alterou sua lei de Direitos Autorais, derrogando a anterior, criando-se a lei no. 9610/98, que contém regras mais específicas quanto ao comércio das criações intelectuais. Felizmente, o Brasil soube adotar regras de interesse nacional, oriundas do Acordo de Berna, ratificado anteriormente pelo país, que garante exceções ao aspecto patrimonial através do triplo teste, e nos casos de interesse pelo desenvolvimento social do país. Lamentável que o Brasil só tenha exercido este direito somente no caso das patentes. Deveria utilizá-lo nos produtos culturais e educacionais, para que a nação tivesse um desenvolvimento mais igualitário e justo, sem distorções sociais tão profundas.
3. Mitigação ao conceito de tutela irrestrita
Ainda que ratificado o Acordo TRIPS pelo Brasil, de aproveitamento comercial da inteligência humana, em detrimento da rápida difusão pela humanidade da cultura, das descobertas científicas publicadas em artigos e livros, a lei de direito autoral nacional, apoiada em preceito legal internacional que ratificou – a Convenção de Berna confere exceções ao aspecto meramente patrimonial. Os arts. 10, 10.2, 10bis, e 2bis.2 positivam as exceções a proteção e o mais importante, através do art. 9.2, chamado triplo teste, dá o direito ao país signatário de compor suas exceções baseadas no desenvolvimento da nação, na proteção mínima ao autor, e na exploração regular da obra, sem prejuízos. Daí nasce a licença compulsória, que também pode ser adotada nas matérias ligadas aos direitos autorais, com vem sendo feito no caso das patentes. Como exemplos de mitigação da tutela autoral nas produções intelectuais, podemos citar, a não proteção: nos procedimentos normativos, como petições de advogados, embora exista corrente doutrinária que defende o contrário (DEBORAH SZTAJNBERG, 2005), pareceres técnicos; os projetos de engenheiros e matemáticos (a obra do arquiteto é protegida como de direito autoral, conforme art. 17 da Lei no. 5.194/66); os formulários; os textos de tratados, leis, convenções, decretos, decisões judiciais e afins; calendários, agendas e legendas; os nomes e títulos isolados.
4. Duração da Proteção ao Direito Autoral
A duração da proteção às obras artísticas, literárias e científicas permanece por toda a vida do autor e é transmissível a seus herdeiros, contando-se 70 anos como prazo de tutela aos herdeiros, a partir de 1° de janeiro do ano subseqüente a morte do autor. Em relação às obras fotográficas e audiovisuais, aos fonogramas e às emissões das obras por empresas de radiodifusão e as interpretações, a contagem dos 70 anos passa a valer a partir da publicação das obras, e não da morte do autor, ou seja, é contado a partir de 1° de janeiro do ano seguinte ao da publicação da fotografia ou da obra audiovisual. Passando este período, a obra cai em domínio público, podendo ser utilizada sem autorização, desde que não fira os direitos morais do autor.
São obras protegidas pelos Direitos Autorais: obra literária, obra audiovisual, obra de artes plásticas, obra fotográfica, obra musical, obra dramática e obra arquitetônica.
5. Normas que tutelam o Direito Autoral no Brasil
Temos como principais legislações que tutelam os direitos autorais no Brasil:
– ACORDO TRIPS – RODADA URUGUAI – RATIFICADO PELO BRASIL, ATRAVÉS DO DECRETO N° 1.355/94
– CONVENÇÃO DE BERNA – RATIFICADO PELO BRASIL EM 1975, ATRAVÉS DO DECRETO n° 75.699/75
– CUDA – ELABORADO PELA OMPI – RATIFICADO PELO BRASIL EM 1975, pelo Decreto n° 76.905/75
– CONVENÇÃO DE ROMA, RATIFICADO PELO BRASIL EM 1965, pelo Decreto 57.125/65, que trata dos direitos conexos.
-Constituição Federal (art. 5º incisos XXVII e XXVII)
-Lei de Direito Autoral (Lei nº 9.610/98)
– Lei 9.609/98 (Lei do Software), que dispõe sobre a proteção do programa de computador;
Referências bibliográficas:
BITTAR, CARLOS ALBERTO Curso de direito autoral. Rio de Janeiro: Forense, 1988.
DANNEMANN SIEMSEN; BIGLER IPANEMA MOREIRA. Propriedade intelectual no brasil. Rio de Janeiro: PVDI, 2000.
DE PLACIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 24a. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet: Direitos autorais na era digital. 1ªed. São Paulo: Record. 1997.
GUEIROS JÚNIOR, Nehemias. O direito autoral no show business. A música. Rio de Janeiro: Gryfhus, 1999.
MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é Direito Autoral. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
MATTIA, Fábio Maria de. O Autor e o editor na obra gráfica: direitos e deveres. 3ª ed. São Paulo: Saraiva. 1999.
SOUZA, CARLOS FERNANDO MATHIAS de, Direito autoral: legislação básica. Brasília: Brasília jurídica. 1998
SZTAJNBERG , DEBORAH in www.tribunadoadvogado.com.br/ content.asp? cc=12&codedicao=7. Acesso em 14 ago. 2006.
Informações Sobre o Autor
Osvaldo Alves Silva Junior
Advogado