Discussões legislativas do Código Civil de 1916: Uma revisão historiográfica

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Sumário:  Introdução, 1. Projetos Anteriores- breves considerações, 2. A montagem do projeto, 3.  O largo debate com Rui Barbosa, 4.   Revisão historiográfica: a discussão que retardou o projeto do Código Civil foi realmente uma discussão sobre a linguagem?, 5.  Em busca de outras explicações para a questão do projeto do Código Civil, 6. Alguns aspectos relevantes do Código de Clóvis Bevilaqua, 7. Os direitos reais no Código de Bevilaqua- discussões gerais, Considerações Finais, Bibliografia


Resumo: O Código Civil de Bevilaqua é discsutido pela historiografia dando grande ênfase a discussão sobre a linguagem estabelecida com Rui Barbosa. Porém, essa dimensão enfatizada pela historiografia não é a única, uma vez que existiam motivos políticos e econômicos para a não escolha de Rui Barbosa como redator do projeto,  motivos econômicos internacionais que incentivaram a feitura dessa legislação e motivos econômicos internos que propiciaram o adiamento do sancionamento da lei.


Palavras chave: História do Direito, Código Civil, Rui Barbosa, Clovis Bevilaqua, historiografia, História como instituição imaginária social


Introdução


A busca por uma legislação civil brasileira foi uma luta que começa já no Império e se estende pela República. O regramento da vida social das pessoas, determinando propriedade, herança, direitos de vizinhança, etc.; foi desde o início um desejo do Estado e dos juristas, com pouquíssima participação ou mesmo clamor popular para sua elaboração. A dificuldade de aprovação da lei civil, que passou anos sendo elaborada e reelaborada por diversos juristas e discutida na câmara dos deputados, leva a pensar na importância dessa legislação para um Brasil que se formava.


Apesar da importância dessa legislação civil é difícil encontrar trabalhos historiográficos que unam as discussões do Código Civil e os aspectos políticos, econômicos e sociais daquela sociedade em que foram produzidos. O apagamento da história da discussão sobre a aprovação do Código Civil reduz a compreensão das disputas políticas e das significações do direito que existiam a época. Essa prática de tornar as leis não ligadas com seu momento histórico tem relação com a naturalização das normas, ou seja, objetiva-se tornar as normas como produtos da natureza e não fruto da discussão e das vontades e desejos humanos de uma determinada época.


No caso do Código Civil de 1916 há um peculiar fato na historiografia, que ressalta o aspecto da disputa lingüística sobre a redação do código, realizada entre Rui Barbosa e Clóvis Bevilaqua, e continuada por seus simpatizantes. O aspecto da língua é apontado como principal fato para que uma legislação civil ficasse durante anos parada no legislativo, sem ser sancionada definitivamente. Não há referências ao momento econômico conturbado, na época da elaboração e discussão do Código. Suprime-se toda dimensão funcional e econômica da historia, para construir uma história em que a dimensão do simbólico é super-valorizada. Essa historiografia do direito civil comete males parecido com a história de viés marxista, pois coloca peso em uma dimensão enquanto esvazia a outra. A história marxista foca-se no econômico, dando pouca ênfase ao simbólico, enquanto que a historiografia do direito civil brasileira tem se focado no simbólico. Tentando resgatar a dimensão funcional é que se propõe aqui uma revisão à historiografia sobre o tema em Direito Civil. Para isso, buscou-se retomar questões políticas e econômicas da Primeira República.


1. Os projetos anteriores- breves considerações


O Código Civil que foi promulgado em 1916 teve um processo legislativo longo, mais de 17 anos. Porém, a dificuldade de uma legislação civil não fica reduzida a esses anos, tendo seu marco inicial em 1855, com o início da redação da Consolidação das leis civis de Teixeira de Freitas. A dificuldade na aprovação das primeiras leis civis brasileiras foi tamanha, que o  historiador do direito Milton Segurado traça um paralelo entre os andamentos de uma ópera e os períodos históricos de aprovação do Código Civil.


“Escolheu o grande civilista Teixeira de Freitas que já consolidara o direito civil. É ele quem vai abrir a marcha, (ora solene, ora trágica, ora rápida, ora vagarosa) sobre o Código Civil, em 5 movimentos: 1. “passionato” (Teixeira de Freitas); 2. “affetuoso” (Nabuco de Araújo); 3. “con motu” (Felício dos Santos); 4. “con anima” (Coelho Rodrigues); 5. “agitato con fuoco” (Clovis-Rui)”[1].


Essa visão dos projetos de leis civis como uma ópera, ajuda a entender o processo de elaboração das leis civis como um todo. Assim, os projetos de lei geralmente deixados de lado nos estudos de Direito, que o entendem como normas estatais, passam a ser valorizados.


Em 1855 Teixeira de Freitas aceita a encomenda do Estado para compilar as leis civis até então existentes e válidas no país, retomando muito do direito português. A Consolidação das leis civis fica pronta em 1857. Teixeira de Freitas parte dois anos depois para redação de um projeto de lei civil nacional, que denominou de Esboço do projeto de Código Civil. Esse Esboço teve quase 5 mil artigos e ficou inacabado. Teixeira de Freitas antes de terminar o projeto buscava reescrevê-lo visando um código privado.


Em 1871 surge uma nova tentativa de se estabelecer uma legislação civil, com o projeto de Visconde de Seabra, que também fica incompleto. No ano seguinte Nabuco de Araújo, conselheiro do Império, começa a redação de um novo projeto, porém esse fica incompleto pela morte do autor. Felicio dos Santos escreve seus “Apontamentos” para o projeto de Código Civil em 1881, porém esse não é aceito e depois de reformulado pelo autor, o novo projeto não tem andamento na câmara devido aos acontecimentos que cercaram a proclamação da República. Em 1883 Antonio Coelho Rodrigues apresenta seu projeto de Código Civil, que como o de Teixeira de Freitas também buscava a unificação do direito privado. Esse projeto não é aceito e um reformulado é arquivado. O projeto de Bevilaqua surge em 1899 feito por encomenda governamental em 8 meses, mas só aprovado em 1916, depois de longos anos de discussão e de uma grande alteração do projeto original.


Esses diferentes projetos falam muito de seus autores e também da sociedade dos quais foram criados. O projeto de Teixeira de Freitas feito durante o Império possuía como ideal o homem monárquico, já o projeto de Clóvis Bevilaqua tem como ideal o homem republicano do começo do século. Ressalta-se aqui esse caráter particular do Direito, que é feito pelo legislador olhando ao mesmo tempo para trás e para frente, ou seja, visando o futuro, mas se baseando no passado. O código civil de 1916 tem muito de seu tempo, mas também consegue servir para regular a sociedade em muitos aspectos até o sancionamento do código de 2002. O que se quer ressaltar aqui é o caráter histórico desses documentos, que procuram se fazer de certa forma não-históricos a medida em que em geral buscam se perpetuar no tempo, pelo menos por algumas décadas.


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2. A montagem do projeto


Divisão em fases da discussão do projeto do Código Civil de Bevilaqua: 1-elaboração do projeto por Clóvis Bevilaqua escolhido por Epitácio Pessoa, ministro de Campos Sales; 2-estabelecimento da comissão revisora, recebimento dos pareceres exteriores à câmara, pareceres da câmara e elaboração de um projeto revisto em 1902; 3-envio do projeto ao senado e interferência direta de Rui Barbosa, travando o andamento do projeto até 1912; 4-retomada do projeto no senado em 1913, com sua discussão, emendas e elaboração do texto final em 1915.


A primeira fase do projeto inicia-se em 1898 com Epitácio Pessoa, então ministro da Justiça, escolhendo o futuro autor do projeto, a pedido do presidente Campos Sales. A escolha não foi impensada, nem sem conhecimento, pois Epitácio conhecia de perto Bevilaqua, uma vez que se formaram no mesmo ano na Faculdade de Direito de Recife. Bevilaqua aceita a encomenda governamental e em menos de um ano redige o projeto. Na mensagem do presidente Campos Sales em 1899 estava presente a previsão da rápida feitura e aprovação de um Código Civil. Assim dizia o presidente:


“Parece ser já tempo de entrar em esforços decisivos para dotar a República com seu Código civil. Vem de muito longe esta aspiração nacional. O primeiro passo do poder público, ando-lhe forma concreta, foi o acordo celebrado em 1855 com o eminente jurisconsulto dr. Augusto Teixeira de Freitas para coligir e classificar a legislação brasileira, separar e consolidar as leis civis. Seguiram-se esta tentativa inicial em 1858, 1872, 1881, 1889, 1890, os atos do governo promovendo a organização do projeto de código civil. Bem pouco é, portanto, o que falta para um período completo de meio século de esforços contínuos, consagrados à satisfação de uma necessidade reconhecida e proclamada por todos os órgãos da sociedade brasileira. Mas, se dão de tão numerosas tentativas não pode sair a conclusão da obra ardentemente ambicionada, é certo, entretanto, que delas ficaram consideráveis e valiosos subsídios, que podem ser agora aplicados, com vantagem decisiva, em último e definitivo tentamem. E tal é o pensamento do Governo. Exemplo animador é esse que nos oferece o Império Alemão, onde com metade do tempo já despendido por nós e tendo de vencer resistências, que a organização da República não oferece, conseguiu-se a promulgação do código civil, que veio completar a obra da concentração do poder pela unificação do direito. Em uma confederação de Estados, cada um dos quais na velha posse da legislação separada, compreende-se a pertinácia da resistência à aspiração de um código, que deveria inutilizar e substituir todos os outros, fazendo desaparecer, ao mesmo tempo, o derradeiro atestado de uma soberania tradicional. Fenômeno idêntico é esse que se apresenta, neste momento, na República Helvética. Lá também surgiu a aspiração de um direito nacional. Está já elaborado um projeto de código unificando o direito penal e o Conselho Federal encarregou, em 1892, o grande jurisconsulto Huber de organizar um projeto de código civil suíço. A idéia, porém, permanece estacionaria, não porque ao legislador suíço faltem ricos monumentos de direito para modelar a sua obra, mas porque, como os Estados germânicos, os Cantões da Suíça defendem com obstinada firmeza o direito que possuem há seis séculos de existência nacional. Estabelecida, como foi, a unidade do direito, o legislador brasileiro não tem encontrado diante de si os obstáculos dessa natureza excepcional, que não significam nem significaram, jamais, a dificuldade de condensar num código as cláusulas de direito, mas unicamente a dificuldade de destruir um direito tradicional. Convencido de que é tempo de agir resolutamente, resolvi providenciar no sentido de se elaborar um projeto de código civil, que vos será oportunamente apresentado. O ministro da Justiça acaba de confiar esse importante trabalho ao dr. Clovis Bevilaqua, lente da Faculdade de Direito de Recife[2].”


Em 1900 o projeto começa a ser discutido, pela primeira comissão revisora, que tinha como objetivo rever o projeto: “quer quanto ao conjunto- método, classificação, divisão e sub-divisão das matérias, orientação doutrinária e estrutura geral; quer quanto ao detalhe- conteúdo jurídico, forma e seqüência lógica dos artigos e parágrafos, acréscimos e supressões de dispositivos, propriedade dos termos”[3]. Comissão Revisora teve como presidente o Ministro da Justiça e negócios interiores Epitácio Pessoa e foi composta por: Olegário Herculano de Aquino e Castro, Joaquim da Costa Barradas, Amphilophio Botelho Freire de Carvalho, Francisco de Paula Lacerda de Almeida, João Evangelista Sayão de Bulhões Carvalhos, e secretariada por A.F. Copertino do Amaral[4]. Nessa fase são convidados para participar do trabalho de revisão do projeto: Manuel Antonio Duarte de Azevedo (professor aposentado da Faculdade de Direito de São Paulo), Antonio Coelho Rodriques (autor do projeto anterior, recusou por ter assumido como prefeito do Rio de Janeiro), Lafayette Rodrigues Pereira e Rui Barbosa. 


A comissão realizou duas séries de sessões, no total de 60, sendo que a primeira teve 51  encontros. A segunda série de sessões contou a presença de Bevilaqua. Até aqui o projeto ainda está na esfera do executivo, não tendo sido apreciado pelo legislativo. O trabalho dessa comissão do executivo foi frenético e marcado pela pressa constante. Na mensagem de 1900 ao Congresso o mesmo presidente Campos Sales dava o trabalho do projeto do Código civil quase que concluído, como pode se ver a seguir:


“Na minha anterior mensagem tive ocasião de manifestar-vos o particular emprenho do Governo em satisfazer à necessidade, geralmente reconhecida e urgentemente reclamada, da decretação do Código Civil, acentuada e velha aspiração da sociedade brasileira. É-me grato poder anunciar-vos hoje que o projeto está concluído e foi submetido ao estudo de uma comissão especial de jurisconsultos. Nutro a esperança de sujeitá-lo em breve ao vosso esclarecido exame[5].”


O projeto é então remetido ao Congresso Nacional, em 17 de novembro de 1900, e passaria primeiramente pela câmara dos deputados. A ampla participação foi garantida por uma modificação no regimento da Camara de proposta por uma pequena comissão de deputados, dentre eles Alfredo Varella, permitindo que faculdades de direito, jurisconsultos, tribunais e outros cidadãos enviassem emendas ao projeto para que essas fossem apreciadas. A mudança do regimento da Câmara previu as diversas etapas pela qual passaria o projeto do Código Civil (Lei n.30 de 1900).


 A Câmara recebeu diversos pareceres de órgãos jurídicos, faculdades e jurisconsultos, que depois tiveram respostas de Clóvis Bevilaqua. Todos esses pareceres foram publicados na coletânea que reúne os trabalhos relativos à elaboração do Código Civil Brasileiro. Cita-se os pareceristas: Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, Faculdade Livre de Direito do Estado de Minas Gerais, Superior Tribunal de Justiça do Maranhão, Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Juiz federal do Estado do Ceará, Duarte de Azevedo, Coelho Rodrigues, Oliveira Coelho, Adherbal de Carvalho, Fernando Luiz Vieira Ferreira, Nina Rodrigues, Torres Filho , Lima Drummond (desembargador), Barão de Loreto, Amaro Cavalcanti, Fábio Leal, Solidonio Leite, Sérgio Loreto, Villela dos Santos, Instituto da Ordem dos Advogados.


Há pareceristas que apontam para a imperfeição do projeto, mas que entendem que é necessário não criar embaraços para a sua aprovação frente a necessidade de uma lei civil. A necessidade e a urgência parecem ser um dos principais pontos de vários pareceres, em especial dos emitidos pelos tribunais. O Superior Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão ressalta a necessidade urgente do código, nas seguintes palavras:


“A inadiável necessidade da promulgação do Código Civil, há 77 anos prometido à Nação Brasileira, foi a primeira consideração que pesou no espírito da comissão abaixo assinada ao iniciar o estudo do projeto do Código, submetido à discussão no Congresso Nacional (….) O direito civil atual, cuja base está nas Ordenações do Reino,, compiladas em 1603 para uma nação que já as rejeitou por anacrônicas, e cujos preceitos posteriores são encontrados até em avisos ministeriais, representa um verdadeiro caos, em que às vezes se perdem as mais esforçadas inteligências, e, certamente, não pode honrar a nós mesmos (….) Aludindo à disposição da Constituição Federal, a Comissão quis apenas aduzir mais uma ponderação, que lhe parece valiosa, em favor da urgente codificação do nosso direito, tão ardentemente desejada, quanto extremamente sentida tem sido a sua falta[6].”


Dentre os pareceristas encontra-se os que eram totalmente contra o projeto, visando o seu afastamento, entre eles está a Faculdade livre de Direito do Rio de Janeiro, Torres Filho, que é do Instituto dos Advogados. As críticas desses dois pareceres são muito duras, afastando por completo o projeto de Clovis. Diz o parecer da Faculdade livre de direito do Rio de Janeiro:


“O que vai ser analisado, porém, basta para por em alto relevo os graves defeitos desta última tentativa de codificação. Se ela não tem o estilo lapidar que caracteriza algumas das nossas leis orgânicas, não prima igualmente pela vernaculidade das expressões, nem pela elegância das construções gramaticais (….) Mas vale não ter Código algum do que um defeituoso (….) Por maiores e mais profundas que sejam as emendas formuladas durante o debate legislativo, elas não conseguirão corrigir os defeitos entranhados em todo o corpo do Projeto, e que só poderiam ser sanados com uma revisão total (….) O Projeto é mais uma tentativa a acrescentar às de Teixeira de Freitas, Nabuco, Felício dos Santos, Comissão de 1889 e Coelho Rodrigues. Não será a solução última do problema da Codificação[7].”


Torres Filho apresenta críticas ainda mais ásperas, apontando para a dificuldade de se corrigir um projeto com tantos defeitos, que seria melhor adotar um outro projeto e para isso aponta os antigos projetos de Teixeira de Freitas, Nabuco e Felício[8]. O parecerista também desacredita na possibilidade do projeto de Clóvis vir a ser um lei civil:


“É pesaroso devo dizer que, antes as Ordenações, a despeito dos 3 séculos de existência, do que o Projeto, que apresentado ao governo foi objeto de exame: deficiente, obscuro, com relação gramatical e jurídica detestáveis, sendo cópia sem crítica deste ou daquele código, não haverá exagero em se asseverar que o referido Projeto será tudo menos um Projeto de Código Civil[9].”


Depois de recebidos estes pareceres foi dado o prazo de 10 dias para emenda e o projeto é impresso para iniciar a fase de discussão, conforme as regras do novo regimento da câmara. Em seguida, é nomeada uma comissão para apreciação do projeto. Participam da “comissão dos 21”: Sá Peixoto (amazonas), Arthur Lemos (Pará), Luiz Domingues (Maranhão), Anísio de Abreu (Piauí), Frederico Borges (Ceará), Tavares Lyra (Rio Grande do Norte), Camillo Holanda (Paraíba) Teixeira de Sá (Pernambuco), Araújo Góes (Alagoas), Silvo Romero (Sergipe), J. Seabra (Bahia), José Monjardim (Espírito Santo), Sá Freire (Distrito Federal), Oliveira Figueiredo (Rio de Janeiro), Azevedo Marques (São Paulo), Alfredo Pinto (Minas Gerais), Hermenegildo de Morais (Goiás), Benedito de Souza (Mato Grosso), Alencar Guimarães (Paraná), F. Tolentino (Santa Catarina) e Rivadavia Correa (Rio Grande do Sul). A “comissão dos 21” reuniu-se durante 69 sessões.


Porém, apenas 16 deles emitem pareceres: Azevedo Marques, Frederico Borges, Anísio de Areu, José Monjardim, Luiz Domingues, Arthur Lemos, Benedito de Souza, Rivadavia Correa, Oliveira Figueiredo, Tavares de Lyra, Teixeira de Sá, Araújo Góes, Sá Peixoto, Sá Freire, Alfredo Pinto, Alencar Guimarães. Além desses deputados outras pessoas são convidadas a participar do debate na câmara dentre eles: “o autor do projeto, os membros da comissão revisora, o jusrisconsulto Coelho Rodrigues, os membros do Instituto dos Advogados, as Faculdades Livres de Direito, os jurisconsultos que haviam remetido pareceres e os da capital. Por isso, participaram das reuniões: Clóvis Bevilaqua, Coelho Rodrigues, Andrade Figueira, Manoel F. Correa, Bandeira de Mello, Amaro Cavalcanti, Didio da Veiga, Gabriel Ferreira, Torres Neto, Coelho e Campos, Alencar Araripe, Sérgio Loreto, França Carvalho, Fábio Leal, Vilela dos Santos, Carlos Perdigão, Azevedo Segurado, Salvador Moniz, Solidonio Leite, Torres Câmara, Cunha Vasconcelos, Nestor Meira e outros”[10].


As matérias foram analisadas por esses deputados em diversas sessões, porém diferentemente do que ocorreu com o projeto de Teixeira de Freitas, o projeto foi dividido em partes e cada parte designada a um parecerista, que inquiria depois o autor do projeto, buscando esclarecimentos. Essa divisão foi proposta pelo presidente da  comissão de revisão, Seabra, que visava imitar o mesmo processo estabelecido pelo Instituto dos Advogados, dividindo os artigos em blocos e o indicando a cada membro da comissão[11].


Anízio de Abreu – art.218 até 411- direito de família


Monjardim– art. 415-575- relações de parentesco


Luiz Domingues- art. 576-745 – posse


Arthur Lemos- art. 746-801- propriedade literária


Benedito de Souza- art. 802 -888- direitos reais sobre coisas alheias


Rivadavia Correa- art. 889-1010- direitos reais de garantia


Oliveira Figueiredo- art. 1011 -1227- das obrigações


Tavares de Lyra- art. 1228-1324- dos contratos


Teixeira de Sá- art.1325-1481- da doação


Araujo Goes- art. 1482-1687- depósitos, etc.


Sá Peixoto- art.1688-1828- constituição de rendas, etc


Sá Freire- art. 1829-1897- liquidação das obrigações


Alfredo Pinto- art. 1898-2020- direito das sucessões


Alencar Guimarães – art. 2021-2203- disposições testamentárias em geral


A divisão aponta para a tecno-ciência e o crescimento da tecno-burocracia. As matérias divididas criaram especialistas, e diferente do que acontecera antes nem todos os deputados conseguiam discutir todos o projeto. A cada burocrata cabia uma especialidade, para diminuir o trabalho para cada um e minimizar o tempo a ser despedido na discussão do projeto. Não somente entre os deputados surgiam especialistas, uma vez que pareceres de especialistas são aceitos para o projeto, como o caso de Nina Rodrigues, que trás um parecer somente sobre o alienado, valendo-se de sua condição de professor de medicina legal. 


A interferência dos pareceristas exteriores à Câmara dos deputados e a divisão interna das matérias para os pareceres, aponta para a necessidade de organização dos trabalhos, que tem relação direta com a questão da técnica. Na justificativa para a mudança do regimento da câmara dos deputados, esses alegavam que as antigas regras deveriam ser alteradas para se ter uma apreciação de mais pessoas, dando legitimidade ao projeto e permitir que os trabalhos fossem realizados sob um método:


“Só a irreflexão lograria aconselhá-lo, pois é este um dos pontos da complicada e desenvolvia contextura das sociedades modernas, as quais, dizia abalizado estadista do Império, o visconde de Uruguai, se não podem organizar sem trabalho, sem ordem, sem método, sem estudo, sem persistência, sem tempo”[12].


Nem todos os deputados defendiam a própria existência do Código Civil, fosse ele projeto de Bevilaqua ou mesmo de outro. O que entendiam é que não era necessário um Código e que a sociedade poderia continuar se valendo dos costumes. Essa posição . O maior opositor do projeto que afirmava ser inoportuno um código civil feito às pressas naquele momento é Rui Barbosa. Porém, outros deputados defendiam esse mesmo ponto de vista, como Andrade Figueira, declaradamente monarquista e conservador, que entendia que o código não deveria inovar, mas consolidar o que o Brasil tinha produzido de leis, inclusive as que o costume social buscava já afastar em diversas mudanças sociais. A questão religiosa pautou a discussão entre os dois autores, uma vez que Clóvis defendia a laicaização da legislação e Figueira buscava expressar o catolicismo imperante no Brasil da época. Apesar do grande desentendimento entre Andrada Figueira e Bevilaqua, as considerações daquele ao projeto se tornaram tão duras e conservadoras que levavam muitos deputados presentes ao riso.


Os debates nessa fase tinham duas correntes, uma dos deputados conservadores e outros dos liberais, que compartilhavam as idéias de Clovis Bevilaqua. A essas discussões sucedeu o parecer de Silvio Romero. O projeto depois de discutido e emendado na câmara dos deputados foi aprovado e remetido ao senado, que constituiu uma nova comissão para votação, desta vez sobre a presidência de Rui Barbosa, que se mostrara por diversas vezes contra o projeto de Clovis Bevilaqua, em seus artigos no jornal A imprensa. No senado o projeto já muito modificado de Bevilaqua sofre 186 emendas, fora as alterações lingüísticas sugeridas por Rui Barbosa.


Rui manifesta seu descontentamento com o projeto de Clovis Bevilaqua, em 3 de abril de 1902, com a leitura de uma obra de cerca de 500 páginas destacando os problemas gramaticais e de estilo do projeto. A atuação de Rui gera uma comoção nacional em um projeto que parecia ir para o senado apenas para uma ratificação do que se fizera na câmara dos deputados. Ao parecer de Rui surgem defensores: Candido de Figueiredo (gramático português que escreve Lição aos legisladores); e opositores como Carneiro Ribeiro ( filólogo e antigo professor de Rui no colégio) e o deputado Anísio de Abreu,  que parte para uma defesa do projeto.


Clóvis Bevilaqua irá responder à Rui Barbosa em 1905, com o texto: Em defesa do Projeto do Código Civil. O livro buscava retomar as discussões do projeto no senado, porém não teve o objetivo alcançado. Bevilaqua afirmava que ainda mantinha as esperanças do projeto ser aprovado, mas lamentava-se pela demora na aprovação:


“Pena será que todo esse material acumulado e o mais que se lhe veio e virá juntar não se possa transformar na criação desejada do código civil brasileiro. Por mim ainda não perdi a esperança, mas sei em que longínquo futuro se condensará ela em realidade. E se afinal ainda desta vez nos fugir das mãos, caindo espedaçada pela crítica implacável, a obra custosamente elaborada, resta-nos o consolo de afirmar que em torno de nenhum outro projeto brasileiro tanto se fatigou a mente dos contemporâneos”[13].


Somente em 1908 retoma-se os trabalhos e são nomeados para comissão os seguintes senadores: Gomes de Castro, Francisco Glicério, Feliciano Penna, Oliveira Figueiredo, Martinho Garcez, Meira e Sá, Coelho Lisboa, Antonio Azevedo, Coelho de Campos, Sá Peixoto, Urbano dos Santos, Siqueira Lima (depois substituído por Rui Barbosa), Moniz Freire, Gonçalves Ferreira, Metello, Joaquim de Souza, Joaquim Murtinho.  Essa comissão não revê o projeto uma nova se forma no ano de 1909, faziam parte dessa comissão: Rui Barbosa, Glicério, Feliciano Pena, Meira e Sá, Oliveira Figueiredo, Francisco Salles, Coelho e Campos, Antonio Azevedo, Urbano Santos, Moniz Freire, Metello, Thomz Accioly, João Luiz Alves, Vitorino Monteiro, Severino Vieira, Sigismundo Gonçalves e Alencar Guimarães. Essa comissão teve vários de seus membros substituídos, mas não terminou a revisão.


Em 1911 o senador João Luis Alves pede em um projeto de lei a aprovação do projeto. Porém, somente em 1913 o projeto volta a ser discutido por interferência do então presidente Hermes da Fonseca, que tinha travado e ganho a disputa pela eleição presidencial com o próprio Rui Barbosa. O código civil fazia parte da plataforma de Hermes da Fonseca, que apressou para que se retomassem os debates. É nomeada uma outra comissão especial de análise, na câmara dos deputados, do qual fazia parte: Antonio Nogueira, João Chaves, Cunha Machado, Felix Pacheco substituído por Joaquim Pires, Frederico Borges, Juvenal Lamartine, Maximiano de Figueiredo, Meira de Vasconcellos, Euzébio de Andrade, Felisbello Freire, Pires de Carvalho, Paulo de Mello, Raul Fernandes, Nicanor Nascimento, Melo Franco, Fleury Curado, Mavingnfer, Adolpho Gordo, Lamenha Lins, Celso Bayma e Gumercindo Ribas.  Essa comissão avaliou 1757 emendas e rejeitou 94.


O projeto volta em 22 de julho de 1913 ao senado para nova discussão. É nomeada uma nova comissão especial para analisar o projeto e suas emendas. Fazem parte dessa comissão: Mendes de Almeida, Thomas Accioly, Epitácio Pessoa, Sá Freire, Francisco Glycério, Adolpho Gordo, Alcindo Guanabara, João Luiz Alves e Bueno Paiva. A comissão que tem como presidente Epitácio Pessoa, mantém 24 das 94 emendas afastadas pela câmara dos deputados, fazendo com que o projeto retome mais uma vez à câmara dos deputados.


Na câmara dos deputados é chamada a última comissão, de que fazia parte: Antonio Nogueira, Justiniano Serpa, Luis Domingues, Joaquim Pires, Frederico Borges, José Augusto, Maximiano de Figueiredo, Gonçalves Maia, Euzébio de Andrade, Felisbello Freire, J.J. da Palma, Jeronymo Monteiro, Veríssimo de Mello, Nicanor do Nascimento, Mello Franco, Prudente de Morais, João Perneta, Celso Bayma, Gumercindo Ribas, Hermenegildo de Morais, e Mavignier. Das 24 emendas mantidas pelo senado, a câmara rejeitou 9. Com isso,  encaminhou-se para a redação conjunta do código no ano de 1915.


No fim do ano de 1915 o projeto de código civil  foi aprovado. Nem por isso estava longe das críticas, uma vez que grandes questões ficam de fora, conforme é apontado na mensagem do presidente Wenceslau Brás:


“Entrou em execução no dia 1 de janeiro o Código Civil. O Congresso não votou oportunamente as leis complementares, indispensáveis para serem cumpridas, de modo completo, certas disposições daquele monumento de saber jurídico. Viu-se obrigado o Executivo a elaborar e promulgar, embora em caráter provisório, instruções para o Registro Público (decreto. n. 12.343 de 3 de janeiro último), bem como as que se referem aos registro de obras literárias, artísticas e científicas. Urge que o poder legislativo delibere a respeito, regulando aqueles assuntos de outra maneira, ou ratificando os atos provisórios do Executivo”[14].


A mensagem do presidente Wenceslau Brás deixa clara a pressa e a urgência que o poder executivo buscava aprovar um Código Civil e na atuação direta para que esse entrasse em vigor o quanto antes. Essa urgência pautou as mensagens de todos os presidentes desde Campos Sales até Wenceslau Brás, que comemora muito a aprovação do projeto:


“O acontecimento de relevância maior que teve lugar ultimamente e se relaciona com a pasta da Justiça e Negócios interiores, foi a votação final e conseqüente promulgação do Código Civil Brasileiro. Imprimiu-se especial realce à solenidade da assinatura do grande monumento jurídico, a fim de patentear o interesse que o governo tomava pela realização de antiga aspiração nacional”[15].


É importante salientar que a pressa na aprovação pode ter tido influências internacionais, uma vez que o projeto que ficou parado na câmara desde 1900 é retomado com força em 1914, no mesmo ano da renegociação da dívida externa e do vencimento do pagamento dos empréstimos do funding loan de 1898. Em 1915 o projeto de Código Civil é novamente discutido e já em dezembro é aprovado, ficando com a data de promulgação de 1916.


O projeto seria novamente “r (emendado)” nos anos de 1919 (Lei 3725 de 15 jan.) e 1925, apontando o descontentamento com o Código Civil, que demorou tanto para sair do papel. Porém, as mudanças que Bevilaqua introduziu no código foram suficientes para regrar uma sociedade brasileira que se formava tendo como base o capitalismo, a industrialização crescente e a crescimento populacional nos grandes centros. A essa altura não se colocava mais em dúvida a necessidade de leis civis, uma vez que apenas o costume não era suficiente para regrar uma sociedade com relações complexas na produção, comércio e na rarefação dos vínculos pessoais, que permitiam anteriormente a predominância do costume.


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3.  O largo debate com Rui Barbosa


Rui Barbosa é apontado como um dos principais opositores do projeto do Código Civil, porém tem como o foco de sua discussão a questão da linguagem. Há uma participação de Rui Barbosa no projeto na comissão de revisão do senado e também uma tentativa de escrever um novo projeto de código civil, apontando para uma vontade do deputado de não somente afastar o projeto de Clóvis Bevilaqua, mas de propor um novo projeto.


Os primeiros passos de Rui Barbosa no projeto de Bevilaqua se deram com a sua recusa à participação da comissão para revisão do projeto na câmara. Rui foi convidado a atuar na comissão que teve Epitácio Pessoa como coordenador, na condição de jurisconsulto, mas não comparece.


A grande atuação de Rui se inicia quando o projeto chega ao senado. As primeiras críticas de Rui surgiram inicialmente no jornal “A impensa”, ao qual ele dispensa grandes críticas à Clóvis Bevilaqua e seu projeto.


“Ai está por que, ao nosso ver, a sua escolha (de Bevilaqua) para codificar as nossas leis civis, foi um rasgo do coração, não da cabeça. Com todas as suas prendas de jurisconsulto, lente e expositor, não reúne todos os atributos, entretanto, para essa missão, entre todas melindrosa. Falta-lhe ainda, a madureza de suas qualidades. Falta-lhe a consagração dos anos. Falta-lhe a evidência da autoridade. Falta-lhe um requisito primário, essencial, soberano para tais obras: a ciência da linguagem, a vernaculidade, a casta correção do escrever. Há nos seus livros, um desalinho, uma negligência, um desdém pela boa linguagem que lhe tira a concisão, lhes tolda a clareza, lhes entibia o vigor”[16]


Não é apenas ao autor do projeto do Código Civil que Rui Barbosa disparou suas críticas, pois critica também Campos Sales, no artigo “O busto de Washington”, uma vez que foi esse presidente que escolheu Clóvis Bevilaqua. Rui entende que a pressa de Campos Sales tem como objetivo fazer com esse presidente ficasse ligado à aprovação do Código Civil. As críticas de Rui não são menos duras para a posição do governo, como aparece em seus artigos para a grande imprensa:


“Nesse empreendimento, o mais elevado a que pode mirar a civilização jurídica de uma raça, culmina, em síntese, em substratum, a ciência social. Acometer, portanto, uma criação destas, sem ter disponível, com o mármore e o escopro, o tempo, é renovar o erro de 1890, mas renová-lo com a agravante do desprezo pela experiência, e isso numa tentativa infinitamente mais delicada. Forçosamente sairá tosca, indigesta, aleijada a edificação. Teremos então de melhorá-la, ou piorá-la, pelo jeito do nosso barracão lírico a remendos. Em vez de ser o padrão da cultura de uma época, ficará sendo o da incapacidade e da sua mania de criar embaraços às gerações vindouras”[17].


O grande passo de Rui Barbosa quanto ao projeto do Código Civil, foi em 1902 com a redação de um parecer atacando somente pontos em relação à linguagem do Código, que deu origem a um longo debate literário. Duas obras de Rui Barbosa refletem essa disputa, que teve diversos interlocutores: Parecer sobre a redação do projeto da câmara dos deputados e Réplica.


No Parecer Rui começa apontando que sua discussão será sobre a redação e não propriamente sobre o conteúdo do projeto. O senador abre sua obra com as seguintes palavras:


“Tanto me vieram ter às mãos, em dias do mês passado, os oito volumes da comissão especial do código civil na câmara dos deputados, correndo avidamente ao projeto, que aos votos desta se ia submeter para logo me impressionou a negligência, a que a preocupação dos grandes problemas resolvidos naquele trabalho abandonara a sua forma. A cada passo entre o meu espírito e o do legislador se interpunha ela como um véu, um diversório, ou um tropeço. Em vez do veículo claro, diáfano e exato, onde se destaque a idéia, como na luz as imagens exteriores, dir-se-ia às vezes um tecido espesso, destinado a ocultá-la, atraindo para as obscuridades, os caprichos e as manchas do seu envoltório a atenção dos estudiosos. Quando a frase é simples e pura, através dela penetra diretamente a inteligência ao encontro do pensamento escrito. Mas se ele se desvia da expressão natural e correta, forçosamente se há de transformar a leitura em tedioso esforço de crítica e decifração, a que a redação das leis não deve expô-las, se as quer entendidas e obedecidas”[18].


Rui Barbosa entende que a questão da linguagem ficou prejudicada não somente por causa de Bevilaqua, mas do pouco tempo despedido pela câmara para aprovar o projeto do Código Civil. Rui destaca a questão da pressa, que realmente existia, para desqualificar o trabalho:


“A mesma câmara, de mais a mais, nos acaba de ensinar pelo exemplo, o zelo nas miudezas do apuro literário e da eufonia. Notória é a economia de tempo, com que procedeu aquela assembléia na discussão do projeto. Delegou (não lho censuro) à sua comissão especial poderes arbitrais sobre as emendas formuladas”[19].


No Parecer Rui Barbosa não apenas altera a linguagem, mas chega a alterar também o que Bevilaqua ou mesmo a Câmara dos deputados procurava expressar. Ao analisar artigo por artigo do projeto da câmara, Rui critica e modifica a redação, fazendo uma espécie de novo código. No art. 2 do livro I que trata das pessoas, o projeto da câmara vinha com o seguinte texto: “Todo ser humano é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”, e Rui propunha alterá-lo para “Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”. A alteração proposta é trocar a expressão “ser humano” para a expressão “homem”, e argumentava o senador que a palavra homem expressaria todo ser humano, dizendo: “Haverá ser humano, que não caiba na expressão geral da espécie homem?”[20]. Barbosa cita para reforçar seu argumento alguns códigos civis que se utiliza da expressão homem. Essa alteração de Rui Barbosa foi acatada e o Código Civil foi impresso com a expressão “homem”, para o desgosto de muitas feministas que vêem com muito mais simpatia a expressão “ser humano”, pois ela não esconde a mulher, sob a expressão homem. O projeto do código tinha uma dimensão de valorização do gênero que não estava apenas no artigo 2, mas modificava o status da mulher como inferior, trazendo alguns ganhos em especial no direito de família. Logo pode-se supor que essa expressão no art. 2, não fora colocada a toa. A alteração de Rui parecia para ele gramatical, pois não levava em conta essa necessidade de aclarar o novo status da mulher. As palavras expressam valores, idéias, pontos de vista, status social, poder, daquele que fala e sua alteração não é mera troca por sinônimos, é uma troca de valores. Assim, Rui interfere em um dispositivo e este pequeno ponto, como tantos outros, levarão a mudanças do projeto. Porém, Rui não pensa fazer uma alteração de direito, mas sim apenas gramatical sobre esse assunto, como destaca em seu Parecer Jurídico, escrito logo depois em 1905[21].


Clovis Bevilaqua não deixa de ficar espantado da atitude de Rui Barbosa de crítica veemente ao seu projeto e em atacar a questão da língua e não as questões jurídicas:


O choque violento dessa mole ingente de saber profundo e rude crítica filológica, que das mãos ciclópicas do senador Rui Barbosa, acaba de ruir fragorosamente sobre o Projeto de código civil, deixou-me aturdido. (….)


Na minha ingenuidade, acreditava que somente depois de assentados definitivamente quais os preceitos cuja sistematização deveria constituir o nosso Código civil, é que caberia cuidar da forma gramatical das proposições, do boleio retórico da frase. E, ainda hoje, não atino com a explicação desse desvio da ordem natural das coisas, que faz exigir apuros requintados de estilo para revestir idéias ainda em elaboração.


Que razão justifica o dispêndio de tanto tempo, de tão grande esforço, na escolha das palavras com que se hão de exprimir regras jurídicas que, afinal, podem ser rejeitadas pela discussão? Confesso que não compreendo. Mas como guardar silêncio, nesta emergência, importaria reconhecer a procedência de todas as increpações e a vantagem de todas as emendas sobre os diferentes dispositivos do Projeto, vejo-me coagido ao deixar-me levar pela torrente inversiva das boas boas normas da arte de preparar leis[22].


Clóvis Bevilaqua em outro momento afirma que teve parte na culpa do mal cuidado com a língua, porém não imaginara que este descuido iria gerar tamanha contenda. Nas palavras de Bevilaqua:


Os que se achavam envolvidos na crítica vieram à fala, defendendo-se e mostrando que havia nas acusações e nas emendas do eminente senador, excessos e injustiças, a par de incontestáveis melhoramentos na linguagem do Projeto. As injustiças estão nas frases cáustica e no tom de menosprezo, que, aqui e ali, condimentam o Parecer, e os excessos vem de se terem feito correções excusadas, e algumas até que prejudicam o pensamento dos dispositivos. Tive, como era natural, a minha parte nessa contenda”[23].


Além da questão da língua, há outras questões que dividiam Clovis Bevilaqua e Rui Barbosa. Há entre os dois, diferenças do que deveria ser um código civil, que apontavam para concepções diferentes do papel do código e da atuação do seu idealizador. Bevilaqua entendia que o código era expressão de uma época, enquanto Rui Barbosa defendia que este fazia parte da história e patrimônio do país, devendo ter por isso uma elevada dignidade. Isso pode ser percebido nas falas dos juristas:


Clóvis Bevilaqua – 


Além disso, os códigos não são monumentos megalíticos, talhados na rocha para se perpetuarem com a mesma feição dos primeiros momentos, eretos, imóveis, inerradicáveis, rujam em torno, muito embora, tempestades, esbanrondem-se impérios, sossobrem civilizações.


O próprio Justiniano não pretendia a perpetuidade para sua obra, atributo que diz ele, só à perfeição divina cabe alcançar (cod. 1, 17, 1, 2, § 18).


Os códigos são equiparáveis aos sistemas filosóficos. Cada sistema filosófico concretiza, em forte síntese, uma concepção de mundo, vitoriosa em certos cérebros ou em certo momento histórico, e serve de repouso aos espíritos, satisfazendo as necessidades mentais por algum tempo.


Depois, o cabedal da experiência aumenta, e é forçoso quebrar os moldes que o pensamento fundira, alargar o âmbito da doutrina.


Assim os códigos. Esteriotipam eles a forma do pensamento jurídico em um certo momento da civilização de um povo, e, se forem vazados em moldes seletos, com vantagem proverão, por longo tempo, às necessidades sociais, pois que é seu fito principal traduzi-las e assegurar do melhor modo, a sua satisfação[24].


Rui Barbosa-


Para bem redigir leis, de mais a mais, não basta gramaticar proficientemente. A gramática não é a língua. O alinho gramatical não passa de condição elementar nos exames de primeiras letras. Mas o escrever requer ainda outras qualidades: e, se se trata de leis, naquele que lhes der forma se hão de juntar aos dotes do escritor os do jurista, rara vez aliados na mesma pessoa. São as codificações monumentos destinados à longevidade secular: e só o influxo da arte comunica a durabilidade à escrita humana, só ele marmoriza o papel, e transforma a pena em escopro. Necessário é, portanto, que nessas grandes formações jurídicas, a cristalização legislativa apresente a simplicidade, a limpidez e a transparência das mais puras formas da linguagem, das expressões mais clássicas do pensamento[25].


 


O Parecer de Rui Barbosa gerou a manifestação de lingüistas, políticos, civis que apoiavam a postura de Rui,  e também de críticos, que desafiaram as muitos dos pontos negativos levantados pelo senador. A esses críticos Rui volta a responder, porém ainda ai a questão é a da forma, da língua, como aparece em sua “Réplica”, com cerca de 600 páginas. O trabalho de Rui não era um trabalho simples, demandando tempo para ser feito, o que indica que Rui Barbosa realmente se importava com os rumos que havia tomado o projeto do Código Civil. Rui despende tempo para alterá-lo na sua língua, mas não tem apoio para escrever um outro projeto, pelo menos por parte do executivo.


Rui Barbosa atua diretamente nas primeiras comissões do senado de revisão do projeto do Código civil, porém por diversas vezes pede demissão, como destaca Magne:


“O debate literário preencheu todo o ano de 1902. Na reunião de 21 de maio, Rui Barbosa requeria ao Senado o acréscimo de mais dois membros à comissão especial. Em 21 de julho, toma a palavra para uma explicação pessoal sobre a demora dos trabalhos e conclui demitindo-se da comissão, cujos encargos se não conciliavam com a pressa exigida. Daí por diante, respondeu a críticas e queixas com a própria demissão. Demitiu-se tantas vezes quantas ocupou a tribuna, mas o senado lhe confirmou sempre sua absoluta confiança até 1912, quando a 29 de dezembro foi publicada a Redação final das emendas do Senado. Em 27 de outubro de 1902, Rui promete rebater ponto por ponto as argüições do professor Carneiro Ribeiro. Em 7 de novembro, o Diário do Congresso publicava um documento em que a comissão da Câmara respondia ao Parecer do Senado. Sentindo que a polêmica degenerava em agressão pessoal, pela segunda vez Rui pede exoneração a 11 de novembro, mas no dia seguinte, o senado é unânime em rejeitar o pedido (…)”[26]


Augusto Magne ao prefaciar a obra de Rui Barbosa destaca que o Parecer foi apresentado à comissão especial do Senado, e esta deu aprovação imediata[27]. Esse não é um fato que deva passar despercebido, pois pode aclarar a força política de Rui no senado, com grande aprovação de seus pares, diferente do que ocorria no âmbito do executivo em que havia sido colocado de lado por Epitácio ou até veladamente Campos Sales, ou ainda no âmbito da câmara dos deputados, que também sofria mais influências do executivo. As demissões de Rui Barbosa e a negativa do senado em aceitá-las aponta também para a existência de um sentimento de confiança por parte do senado em Rui e na vontade em que essa casa legislativa tinha em que o senador continuasse a emendar o projeto do Código Civil. O próprio Rui Barbosa fala de suas demissões e o desconforto que sentia ao continuar na revisão do projeto, em sua Réplica:


“Estas palavras do antigo historiador e modelo da nossa boa linguagem, cujo nome não cairá fora de propósito num debate onde tão solenemente se questiona dos direitos dela na codificação que tem de suceder, para o Brasil, às velhas Ordenações do Reino, exprimiram em toda a simplicidade e sinceridade os sentimentos, com que de vós e do Senado solicitei me fizessem mercê exonerar-me dos cargos de membro e presidente desta comissão, quando vi os escarcéus encapelados em volta de um trabalho, que, obrigado a custear e tanspor tantos escolhos, como já eram os de sua condição natural, demandava, para a segurança e o bom sucesso da viagem, tempo limpo, céu aberto e mar bonança. Nem vós o quisestes, nem o Senado. Por três vezes insisti. Da última implorei. Mas tudo em vão. Houve ele por bem negar-me unaninamente a dispensa requerida”[28].


Assim, há grandes indícios para afirmar que no âmbito da política interna formou-se alianças, que apoiavam ou rejeitavam Rui Barbosa. A política de Rui Barbosa quando era ministro da fazenda, pode ter angariado seguidores entre a alta elite brasileira, que tiveram seu patrimônio imensamente aumentado com a política do Encilhamento. Porém, esse apoio que Rui Barbosa recebia pela elite brasileira que estava grandemente representada no senado, não tinha ecos no executivo, o que ocasionou uma disputa por poder, em torno do projeto do Código Civil que durou mais de 10 anos.


A posição de Rui durante o tempo que permaneceu como presidente da comissão de revisão do projeto do Código Civil estava longe de ser tranqüila, pois sofreu de duras críticas por dificultar a conclusão da legislação. Rui expressa essa situação incômoda que viveu, pois suas críticas duras e pessoais não ficaram sem a resposta de seus ofendidos, em sua Réplica:


“Ao mesmo tempo faziam assoalhar que o revisor baiano do projeto {Carneiro}, convidado a escachar-me, tinha na frágua, a grandes baterias de merinete, uma resposta de Titão agastado. Como se não bastasse, para me reduzirem a pó, constava também de outra desforra mais setentrional e não menos desmesurada à minha pequenez e ao meu abandono, ameaçados assim, além de toda aquela tormenta, com os raios do ilustre professor de Recife, o primeiro autor do projeto. O Dr. Clóvis Bevilaqua e a Comissão dos Vinte e Um, que haviam curvado amos as cabeças à férula do Dr. Carneiro, implorada pela comissão parlamentar e nem sequer murmurada pelo emérito lente pernambucano, davam-se as mãos contra mim, tendo-me a mal o que a ele agradeciam. Já era pavorosa a minha situação”[29].


Rui não consegue sair do impasse sobre o projeto do Código Civil e na sua “Réplica” desfere os golpes que julga ser fatais aos seus inimigos, indicando-os individualmente: o gramático, o parlamentar, o jurista, o crítico e o agressor. Rui Barbosa se afasta da comissão de revisão por diversos períodos: 1905 candidata-se e logo em seguida retira sua candidatura para apoiar Afonso Pena; em 1906 ocupa a vice-presidência do Senado, não podendo comparecer as sessões da comissão;  em 1907 vai a Conferência de Haia, em 1910 inicia a “campanha civilista” e no mesmo ano perde a disputa presidencial para Hermes da Fonseca. Um dos pontos da campanha de Hermes era a elaboração de um Código Civil.


Nesse meio tempo também Rui Barbosa busca elaborar um “Parecer sobre a parte geral do Código Civil” em 1905, que denomina de Parecer jurídico, que foi lido pelo senador para a comissão revisora no Senado. Este parecer de Rui ao contrário dos outros não foi publicado por ele, e o manuscrito encontra-se incompleto, indicando um trabalho por fazer, como aponta San Tiago Dantas, que foi seu biógrafo e estabeleceu esse texto[30]. Por esse Parecer, que trata apenas dos 20 artigos da Parte geral, Dantas propõe uma nova interpretação da atuação de Rui Barbosa frente ao projeto de Bevilaqua, pois entende o historiador que Rui buscou em algum momento ir além da disputa tida como literária e compor um projeto de Código Civil aos seus moldes[31]. Isso segundo Dantas autoriza dizer que Rui não quis somente demolir o edifício jurídico alheio, mas sim construir um seu[32]. Porém, o que chama atenção nesse fato é que Rui não teve força política o suficiente para aprovar um novo projeto.A força de Rui foi decrescendo com o passar dos anos, e no ano de 1912 esta força já era fraca. A partir de então Rui não consegue mais retardar o andar da comissão de revisão, mas não consegue emplacar sua idéia de autor de um novo projeto de código civil. Antes de Hermes da Fonseca ganhar as eleições presidenciais e trabalhar para que o projeto de Bevilaqua fosse aprovado, o ministro da Justiça Rivadavia Correia, do então presidente   Nilo Peçanha, convidara Inglez de Souza, também opositor do projeto de Bevilaqua, para escrever um outro projeto, dessa vez um projeto de unificação do direito privado[33]. Este era o golpe fatal para Rui Barbosa, que se retirou de uma vez dos trabalhos do projeto do Código. Ficara claro que apesar de seu prestígio como jurista o executivo não apostava em Rui Barbosa como um autor para o projeto do Código Civil.


4.  Revisão historiográfica: a discussão que retardou o projeto do Código Civil foi realmente uma discussão sobre a linguagem?


A discussão para o projeto de Código Civil de Clóvis Bevilaqua é apontada por diversos historiadores como uma questão de linguagem, que não tinha muita relação com o conteúdo do código. A ênfase dos historiadores recai na oposição feita por Rui Barbosa à maneira de escrever e na capacidade de bem utilizar o português de Clóvis Bevilaqua. Este capítulo pretende apontar como os historiadores e juristas registraram para a história essa disputa entre Clóvis e Rui, para no próximo capítulo buscar outras explicações. Isso porque entende-se que somente o aspecto da linguagem não explica todos os problemas gerados na aprovação do código civil.


Pontes de Miranda entende que a oposição de Rui Barbosa não era pautada no conteúdo do Projeto do Código Civil, mas sim na qualificação do jurista escolhido para redigir o código, colocando em dúvida o seu bem escrever. Assim diz Pontes de Miranda:


A preocupação dos juristas-políticos, desde o Esboço de Teixeira de Freitas, fora evitar que a estranhos coubesse a glória da elaboração do Código. Antes de Clovis Bevilaqua apresentar o seu projeto, já Ruy Barbosa, em artigo de 15 de março de 1899, no jornal A Imprensa, que dirigia, prognosticou o fracasso da incumbência, dizendo que a escolha do Governo “fora rasgo de coração, não de cabeça” e que ao indicado faltava “um requisito primário, essencial, soberano para tais obras: a ciência de sua língua, a vernaculidade, a casta correção do escrever. E o teor de um Código há de ser irrepreensível. Qualquer falha na sua estrutura idiomática, assume proporções de deformidade.


Ruy Barbosa elaborou, sozinho, o parecer e atacou rijamente o projeto, mas somente quanto à forma. Estabeleceu-se, então, uma das mais renhidas batalhas literárias da língua portuguesa, entre Ruy Barbosa, contra Clóvis Bevilaqua, e o gramático Carneiro Ribeiro a favor de Clovis Bevilaqua e contra Ruy Barbosa. São hoje trabalhos indispensáveis a quem procura estudar a língua portuguesa, mas sem nenhum interesse jurídico. Preocupados com a forma, esqueceram-se do fundo[34].


Se, com a revisão de Ruy Barbosa, ganhou, em forma literária, o Código Civil, perdeu, às vezes, em fundo. O orador brasileiro, ciceroniano, plástico, como todos espírito de visual, tinha as palavras, em seus discursos, como elementos de decoração, como tijolos ou tocos de puzzle, de que a sua facúndia tirava efeitos maravilhosos, ou bem os tratava, nas suas campanhas advocatícias e políticas, como simples grampos vistosos para segurar os raciocínios demagógicos da mais pujante capacidade sofística, na raça latina, dos últimos cinqüenta anos. Por isto, na revisão do Código, aparece insensível ao que dizem, dentro, os artigos, só os vê por fora. Espanta que um homem que viveu da profissão e da oratória parlamentar, em lutas de questões jurídicas, pudesse chegar a este extremo de insensibilidade às idéias, às regras, qual o de ler e reler o Projeto de um Código Civil, como relator do Senado, e de escrever o Parecer e a Réplica, dois repositórios preciosos da boa linguagem portuguesa, sem se preocupar com o conteúdo dos dispositivos da futura lei Civil. Daí a sua flagrante responsabilidade em errados entendimentos de artigos, como se, por absurda cisão, àquele estilista onduloso e opulento, só a forma fosse sensível, e como se as palavras fossem, para ele, fins puros e não meios.”[35]


O ponto de vista de Pontes de Miranda é repetido por outros historiadores e também por juristas, como, por exemplo, Silvio Venosa, que parece tomar para si não só a idéia, mas as próprias palavras de Pontes de Miranda:


“Rui Barbosa é o relator da comissão e redige em três dias seu parecer, que se prende mais ao ponto de vista da forma do que de fundo. Seguiu-se enérgica discussão sobre a matéria, ficando famosa a Réplica de Rui, na porfia com o Professor Carneiro Ribeiro, que redige erudita Tréplica. Carneiro tinha sido antigo professor do Rui no Liceu Baiano”[36]


Milton Segurado chega a ser mais duro com a postura de Rui Barbosa no ataque ao projeto de Clóvis Bevilaqua. Depois de analisar diversas das incorreções de Rui ao tratar da questão da linguagem, diz Segurado:


O trabalho do grande escritor devia ter tido uma elevação de pensamento, mais compatível com o seu mérito, com o seu grande saber. Em vez das futriquinhas pedantescas, que fariam a delícia de um gramático, futriquinhas que multiplicou de página em página, valeria mais que empregasse o seu inestimável valor como homem de pena e de palavra para conseguir a extinção de algumas grandes iniqüidades do Código. Bastaria para lhe compensar o desgosto de não ter sido o primeiro redator, ter sido o último- mas poder por, como fez, diante do artigo infame, que lança ao opróbrio os filhos espúrios, a simples palavra, que sua pena escreveu: “Supresso”.


Essas, sim, são as grandes correções que o código merece: a reivindicação dos direitos da mulher e do filho espúrio. O mais pode ser um sucesso de hilaridade; não será de justiça, não honrará ninguém.”[37] 


Walladão em seu livro História do Direito, também expressa seu descontentamento com a postura de Rui Barbosa, que entende que auxiliou no processo de aprovação de uma lei civil que se fazia urgente. Para Walladão a questão de Rui quanto ao projeto de Bevilaqua girava em torno de uma questão meramente lingüística, que não elevava o crítico do Código, mas o desmerecia:


“No Senado, Ruy Barbosa deu um longo e exaustivo parecer sobre a linguagem do Código, vol.1 dos Trab. Com. Especial do Senado, de 561 páginas, seguido da célebre Réplica às defesas à Redação do Projeto, dando origem a infindáveis discussões gramaticais. Esses debates, inoportunos sem o prévio conhecimento das emendas de fundo, substituindo totalmente o direito pela literatura, levando ao assunto quase ao ridículo, enterraram o Projeto que dormiu no Senado por 10 anos, sendo afinal aprovado o Projeto e a redação final, só em dezembro de 1912 com numerosas emendas, quase todas de redação”[38].


Spencer Vampre em seu livro O que é o Código Civil também não poupa críticas à postura de Rui Barbosa, apontando-o como um invejoso e ressaltando que a crítica lingüística não tem propósito em um texto em que a principal discussão não é essa. Assim diz Vampre:


“É veso dizer-se hoje que foi Ruy Barbosa, o incomparável conhecedor de nossa língua, quem pós o Código em português. Não há de negar que a redação de Ruy Barbosa aprimorou o Código, e lhe deu a segurança e o brilho forte, a solenidade aristocrática do dizer, a compreensão fecunda e ampla, a exatidão quase matemática das acepções, a elegância varonil que lhe notamos. Mas, daí a pretender-se, o que pretendeu a inveja, que a Clovis Bevilaqua faltam predicados literários, só o poderia, quem não conhece a esteira luminosa de obras, que o notável autor do Código Civil tem no seu passado. De resto, nem a redação é o primeiro cuidado num código, nem os projetos anteriores foram extremes dos mesmos defeitos. Como quer que seja, devemos nos gloriar de que o nosso Código Civil tivesse encontrado o espírito jurídico que lhe lançou os grandes moldes, e o manejador emérito da língua que tão bem revelou o direito nas perfeições do seu expressar”[39].


SanTiago Dantas busca em seu artigo “Rui Barbosa e o Código civil” desvendar o mistério que ao seu ver surge em torno da posição de Rui Barbosa a respeito da codificação. Dantas começa enumerando os motivos mais divulgados entre os historiadores: a) rivalidade pessoal – Rui entendia ser Clovis ainda pouco conhecedor do direito para poder escrever um código e pouco culto para saber bem escrever o português; b) restrição da discussão à mera questão da forma- Rui se restringe a discutir a linguagem do Código. O argumento de Dantas é que Rui Barbosa não se restringiu apenas à discussão sobre a linguagem, mas que esta foi um instrumento de Rui para impedir o andamento do projeto do Código Civil, que considerava apressado. Dantas fundamenta seu argumento no contexto histórico em que foi formulado o projeto do Código, com uma imensa profusão da literatura.


Uma crítica aos fundamentos jurídicos, ao plano da obra ou a seus dispositivos principais, não teria a força de comover o prestígio do Projeto, a não ser perante um número limitado de entendidos. A matéria jurídica, por sua natureza, ou é de acesso difícil a quem lhe não possua a chave gramatical, ou é de tal maneira opinativa, que uma opinião vale a outra, aos olhos de quem não tenha, sobre o ponto em exame, uma experiência pessoal.


Lavrar sobre o Projeto um parecer jurídico seria, muito provavelmente, naquele fim de governo, o mesmo que lavrar um voto vencido. Ora, não a sua responsabilidade científica, era o interesse do país, naquilo que podia ser mais caro, que Rui Barbosa propunha acautelar. Daí, o Parecer literário.


Era a época, não o esqueçamos, em que as letras brasileiras atravessavam aquele intenso período de criação intelectual e de refinamento literário a que, linhas acima, aludi. Numa sociedade economicamente deprimida, sem iniciativas privadas em perspectiva ou em desenvolvimento, sem tarefas administrativas possíveis diante da austeridade forçada pela míngua orçamentária, eram as letras o ponto alto, e nelas se concentrava o labor da elite, tanto quanto a atenção das classes intermediárias.(…)


Não era a economia brasileira, estacionária e incaracterística, que reclamava o Código Civil; não era tampouco uma transformação estrutural da sociedade, como a que precedera o Código de Napoleão; nem era mesmo a necessidade de unificar a ordem jurídica, como sucedera na Alemanha, era a inteligentsia que reclamava uma suma ciência social, em substituição à congerie de leis e regulamentos acumulados sobre o fundo de normas quinhentistas, que nos servia de lei civil.


Para esse inteligência o Parecer do Senado, em 1902, constituiu precisamente o sinal de alarme que ela estava mais apta a ouvir. A massa das corrigendas, a autoridade do corretor, e essa indefinida sensação de indecência que se desprende da evidenciação dos erros de linguagem, puderam o que a opinião política não poderia: derrotar o governo na última trincheira que teria de atravessar o Código Civil.


Essa, a meu ver, a decifração do enigma da prioridade concedida à forma sobre o fundo, no exame do Projeto pelo Senador Rui Barbosa”[40].


Para Dantas, Rui buscou com a questão da linguagem, impedir que um código apressado fosse aprovado, para que juristas futuros elaborassem outro código. Dantas acredita que era o próprio Rui que queria elaborar esse código civil e a razão disso é a existência de um esboço de um código, que não chega a ser terminado: Parecer Jurídico[41]. Segundo Dantas, esse parecer é mais do que apenas um parecer, pois é nele que Rui redige a Parte geral do Código civil. Assim, a atitude de Rui Barbosa em atacar o Código de Bevilaqua e não propor um substituto imediato, atacando a língua e não o conteúdo, foi apenas a primeira resposta, mas não a definitiva. Para Dantas, Rui buscou redigir um código com sua marca, porém a política o afastou dessa tarefa já no ano de 1906[42].


Tais são, em seus rasgos característicos, as emendas que Rui Barbosa chegou a formular ao fundo jurídico do Projeto de Código Civil.


Por elas não é possível prever a extensão, a magnitude do trabalho que ele teria realizado no Senado, se os grandes lances da sua vida pública e os pequenos incidentes da existência partidária o não houvessem afastado da tarefa que ele tanto exaltou, e tão ardorosamente defendeu a qualquer tratamento leviano.


Por elas é possível, entretanto, não só medir o sentido prático e progressista com que ele modelaria mais de uma disposição do futuro Código, como afirmar a colaboração em verdade complementar, que ele daria à obra do nosso maior civilista.


A lenda da oposição irredutível de Rui Barbosa ao Projeto de Clóvis Bevilaqua não resiste à leitura do Parecer Jurídico. O que este revela, para nossa satisfação moral, mas também para nosso desapontamento, é que se Rui Barbosa o houvesse concluído, teríamos tido um Código mais moderno em algumas soluções, mais rico de pensamento, e mais próximo da pureza do Projeto primitivo, que a Câmara abandonou, sem vantagens, tantas vezes[43].


 As opiniões entre os juristas parece ser mais ou menos semelhantes, apontando para a questão da linguagem como principal aspecto de não aprovação do projeto de Clóvis Bevilaqua. Alguns juristas perplexos ainda destacam que o fato da discussão sobre a língua ter sido mais importante do que a discussão do conteúdo, “constitui um mistério para o historiador”[44].


A discussão sobre a língua, ou melhor, sobre o bem escrever, parece ter encerrado o debate sobre o código civil, durante diversos anos da tramitação no senado e sua influência para a história do projeto do Código Civil de 1916 é um ponto destacado como central por diversos juristas.  Não se pode negar que a significação imaginária da civilidade era uma significação chave na sociedade da época, caso contrário essa questão não teria tanta repercussão. Porém, não era a única significação existente que teve influência na questão do Código Civil.


A civilidade é uma significação imaginária da sociedade do final do século XX no Brasil, que abrange não somente a questão do bem falar, mas também da busca por valores considerados elevados, ou seja, que se aproximassem da cultura européia, tida como o paradigma social a ser seguido. Essa busca dos valores europeus se dava no aprendizado de línguas, na leitura de livros europeus, na imitação das roupas e costumes sociais, e inclusive na legislação. A necessidade de um código de leis civis não era o principal clamor popular, mas era um desejo de uma elite brasileira que buscava se tornar mais próxima dos valores europeus. Não bastava falar francês, ler romances franceses ou ter um chapéu à moda de Paris, era preciso ter um código civil “a la Napoleão”.


O bacharelismo foi outro movimento que incentivou e também fez parte da busca pela civilidade. Sérgio Adorno analisa sobre o prisma da sociologia o bacharel em seu livro “Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira”. Pedro Paulo Filho também analisa a questão dos bacharéis em “O bacharelismo brasileiro: da colônia à república”.


5. Em busca de outras explicações para a questão do projeto do Código Civil


Além da querela em relação à linguagem, há outros fatores que contribuíram para a demora na aprovação do projeto de Clóvis Bevilaqua, que precisam ser abordados para o entendimento da história do Código Civil. Fatores políticos e econômicos que giravam em torno da própria montagem do capitalismo no Brasil não podem ser desconsiderados quando se analisa a questão do projeto do Código Civil de Bevilaqua. Esses aspectos políticos e econômicos remontam não só ao período de elaboração do projeto, mas de períodos anteriores, e envolvem questões internas e externas. Direito e economia sempre estiveram no capitalismo ligados e não é diferente a situação que ocorreu para a formação da codificação legislativa brasileira.


Parte-se aqui da hipótese que a economia foi um dos principais fatores para a elaboração do projeto do Código Civil de Clóvis Bevilaqua. Se os projetos anteriores de Código Civil estavam ligados à civilidade, os principais motivos para a elaboração, discussão e votação do projeto de Clóvis está todo ligado à aproximação do Brasil com o capitalismo, especialmente à uma economia externa, ligados aos bancos e às indústrias. Essa hipótese não está presente nos historiadores e juristas pesquisados, e funda-se nas análises da situação econômica do período, realizadas por historiadores da economia. Estes historiadores não fazem a ligação do Direito Civil com a questão econômica, porém a análise e dos dados do contexto econômico no período tiveram como base os trabalhos de: William Vela Nozaki em “Finanças internacionais e bancos nacionais no desenvolvimento econômico brasileiro (1890-1914)”, Michel Luiz dos Santos em “Leopoldo Bulhões: um financista da República”, Tamás Szmrecsányi em “Origens e conseqüências do funding loan de 1898” . Há muitos trabalhos de economia e política que tratam sobre o período que precisam ser avaliados para a verificação da hipótese aqui levantada, porém há indícios fortes de que há uma ligação direta entre a economia do período e o projeto do Código Civil de 1916.


A hipótese da influência da economia na elaboração da codificação civil surgiu pela necessidade de explicar: a pressa repentina do governo de Campos Sales na elaboração das leis civis; o grande apoio governamental para aprovação de um projeto; a não participação de Rui Barbosa na elaboração do projeto, uma vez que esse seria um dos juristas mais renomados da época; a escolha de um jurista ligado ao evolucionismo e ao positivismo, de cunho liberal e que entendia que o direito era reflexo da sociedade.


A hipótese acima não exclui as outras explicações, como a de San Tiago Dantas que entende que a questão gerou em torno na língua e do que esta representava para o período, e a de Fagner dos Santos no seu trabalho: “Bastidores da lei republicana: grupos, posições e divergências nas discussões da Comissão especial do congresso acerca do Código Civil (1900-9-1902), que entende que mudanças na política interna foi fator determinante para apressar o feitio e discussão do projeto para o código civil. Estas construções parecem ser assessórias e não essenciais à questão da urgência na elaboração de um Código civil.


A pressa repentina do governo, em especial do Executivo, para elaborar e aprovar o Código Civil, que teve antes diversas tentativas fracassadas, leva a hipótese defendida nesse artigo, que o projeto de Clovis Bevilaqua fazia parte da política de Campos Sales orientada por banqueiros do exterior, parte da política de redução de riscos.


A escolha de outro jurista que não Rui Barbosa para a elaboração do projeto do Código Civil, também parece fazer parte dessa política de Campos Sales com orientação do capital estrangeiro. Rui Barbosa era figura iminente, reconhecido pelos pares como um grande juristas, com experiência em Direito Civil, parecia ser a pessoa mais provável para elaborar o projeto. Essa estranheza é apontada por dois biógrafos de Bevilaqua:


“A indicação provocara certa estranheza nos meios jurídicos. Quem era o homem, a quem se conferia tão alta missão? Modesto, confinado na província, seu nome ainda não se projetara em âmbito maior, a despeito das obras publicadas. Sabia-se que era um jovem professor da Faculdade de Pernambuco, e não foram poucas as restrições que se lhe opuseram. Tiveram a maior repercussão, pelo sua autoridade, as críticas de Inglez de Sousa e Rui Barbosa”[45].


 Porém, Rui não foi o convidado por Epitácio Pessoa, então Ministro da Justiça, para elaborar o Código. A pergunta que fica é por que? Por que chamar um jurista com pouca experiência prática, que era um professor de filosofia do Direito e legislação comparada, tendo de lidar com o desgostoso Rui que passou a atacar constantemente o projeto, colocando esse inclusive em risco de aprovação? Por que assumir o custo desse desconforto se as questões jurídicas defendidas por Clóvis Bevilaqua e Rui Barbosa não pareciam ser tão diferentes? A resposta se não está no âmbito do Direito, pode estar fora, ou seja, na atuação anterior de Rui Barbosa como político e de uma nova política que buscava afastar o que ele defendia.


Campos Sales assumiu a presidência do Brasil com uma grande problema a sanear, que era o endividamento causado pela política de Encilhamento que fora adotado anteriormente. Sales tem de organizar as finanças do país, visando o pagamento das dívidas anteriores e a obtenção de mais empréstimos. Para isso, Sales tem de se adequar às imposições dos bancos estrangeiros, em especial dos ingleses.


Parece existir alguma relação muito forte entre os banqueiros ingleses e a participação de Rui Barbosa no Código Civil, isso porque os políticos brasileiros à época não fizeram oposição da participação de Rui, alterando partes do projeto como um jurista de renome, mas não foi sequer foi cogitada a sua participação. Rui Barbosa à época que fora ministro da Fazenda no primeiro governo da República adorara uma política emissionista de moedas e buscou não contar com empréstimos externos, como fez seu antecessor o Visconde de Ouro Preto, alvo de muitas críticas de Rui. A política de Rui Barbosa de emissão de papel contava com um panorama mundial que não se realizou e acabou por piorar a situação econômica do país, como afirma Botelho Júnior:


“A partir do contexto de escassez de meio circulante característico nos últimos anos do Império é possível entender a Reforma de Rui Barbosa. Ao afrouxar o crédito, fê-lo em excesso. É certo também que a atmosfera especulativa que se iniciara no Império em muito contribuiu para o fracasso da proposta. Como  conseqüência das medidas equivocadas de Rui Barbosa, assistiu-se ao fortalecimento do processo especulativo, que viria a se consolidar no ano de sua demissão. Verificou-se a entrada de recursos externos cessou no período. Era clara a insatisfação dos credores com os rumos que a economia vinha tomando. A desvalorização cambial, ainda tímida em 1890, acentuou-se nos anos seguintes”[46].


Rui optara por uma política de crédito à lavoura, que acabou sendo utilizada por pequenos comerciantes, industriais e principalmente por especuladores. Ao defender a recusa ao crédito externo, Rui tornara-se uma “persona non grata” frente aos banqueiros. São esses mesmos banqueiros que buscam apressar Campos Sales para uma organização financeira do país e que colocam como garantia do pagamento da dívida a hipoteca sobre receitas em moeda forte da alfândega do Rio de Janeiro[47]. Antes do acordo final o governo tinha apresentado como hipótese de garantia a hipoteca sobre a estrada de ferro da Central do Brasil, não por espanto esse novo tipo de garantia passa a fazer parte do Código civil no título III, cap.XI.


 Porém, não era apenas a hipoteca que não estava regulada de acordo com as leis civis, aumentando os riscos do empréstimo, mas precisava ser estruturada toda uma lei civil, não mais com base nas Ordenações do Reino, mas com garantias voltadas à economia capitalista. Foi isso que Campos Sales buscou fazer com a estruturação de um novo código civil às pressas. A atuação dos banqueiros internacionais para concessão e empréstimos pode ter alcançado as leis civis, pois colocavam diversas condições para os empréstimos


“A desordem monetária, a inflação, o aumento da dívida e a depreciação cambial geravam dificuldades crescentes de acomodação junto aos Rothschild, então a principal casa financeira internacional que, de 1855 a 1906, monopolizou a emissão de títulos para o governo brasileiro (…) Em 1895, os Rothschild concedem outro empréstimo ao Brasil para prover recursos para o serviço da dívida externa e evitar maiores pressões sobre a taxa de câmbio, envolvendo cláusulas de condicionalidade, alienação de receitas e demanda por um governo conservador. Nenhuma melhora na situação cambial se observaria ao longo de 1896 e 1897, sendo o empréstimo de 1895 consumido rapidamente e tendo o governo brasileiro contraído novos empréstimos de curto prazo para evitar pressões adicionais sobre o mercado de câmbio. Os banqueiros insistiam que a única forma de o governo brasileiro obter fundos seria através de uma proposta de arrendamento da Cia. Estrada de Ferro Central do Brasil. As crises cambiais (uma em 1891/92 e outra em 1898) agravaram ainda mais o déficit orçamentário, pois o governo era forçado a tomar mais empréstimos para pagar a dívida externa, que se tornava mais onerosa com a depreciação da moeda e para evitar que esta se depreciasse ainda mais. Finalmente, o governo brasileiro declarou moratória em 1898/1900 e um plano de refinanciamento (“funding loan”) foi acertado após os banqueiros internacionais terem recebido a proposta de moratória. Os termos do acordo eram rolar o serviço da dívida pública externa e algumas garantias de juros, em troca de medidas de saneamento fiscal e monetário”[48].


Chamar Rui Barbosa para confeccionar o projeto do Código civil parece ser a alternativa mais provável no âmbito da política externa, mas ele seria exatamente a figura que os banqueiros, que forçavam a reestruturação do país e diminuição do risco do não pagamento da dívida, viam como a mais inadequada, visto que foi Rui Barbosa com sua política de encilhamento o responsável por uma das grandes crises econômicas brasileiras. O começo da República foi marcado com um cancelamento de um grande empréstimo ao Brasil, muito devido à não confiança dos banqueiros internacionais no governo e Rui como ministro da Fazenda não buscou reestabelecer essa confiança, preferindo uma política emissionista de papel moeda, visando resolver o problema econômico voltado para a política interna. Essa política de Rui não levou em consideração a inserção do Brasil no âmbito do capitalismo financeiro internacional e das relações que tinham de ser travadas com esses banqueiros. A política estabelecida por Rui foi substituída pelos ministros posteriores e nos governos subseqüentes buscou-se uma reaproximação com os banqueiros internacionais, que tem como auge o governo de Campos Sales, que foi diretamente conversar com os banqueiros Rotschild (do London & River Plate Bank)  mesmo antes de assumir a presidência[49].


Campos Sales já no governo de Prudente de Morais havia estabelecido uma conversa com os banqueiros ingleses, para adiamento do pagamento da dívida que vencia e para conseguir novos empréstimos. Bernardino de Campos, ministro da presidência de Prudente de Morais, buscava em uma das cartas que manteve com os banqueiros apontar as estruturações que já foram feitas no país, que levava em conta também uma estruturação nas leis que regravam os impostos, a propriedade, a indústria, como se pode ver no texto abaixo:


“Preocupado com a necessidade do equilíbrio orçamentário, recorreu por um lado à prática da mais rigorosa economia, dispensando serviços e obras, reduzindo o exército à 16.000 homens, suprimindo estabelecimentos e a isenção de imposto de alfândega para os Estados e sociedades, não continuando a reorganização da marinha, diminuindo vencimentos, e por outro lado aumentou a receita pública, elevando as taxas do correio, telégrafos, consumo de água, estradas de ferro, desenvolvendo os impostos do selo, do consumo de fumo e bebidas, de transito, de docas e faróis, regularizando os de industrias e profissões e de transmissão de propriedade, criando os de consumo do fósforo e sal”[50].


Os termos do funding loan de 1898 foram publicados pelos Rotchilds no jornal The Times em 20 de junho daquele ano, causando grande espanto para o governo. Os termos publicados davam garantia aos Rotchilds, porém tornavam públicos as concessões e ingerências a que se prestou Campos Sales. Entre elas o Brasil estava proibido de contrair novos empréstimos até junho de 1901, deveria incinerar parte do papel moeda em circulação, visando um programa de deflação, garantir o pagamento com as rendas da Alfândega do Rio de janeiro, etc[51].


Murtinho e Bulhões, dois dos ministros da Fazenda durante o período da presidência de Campos Sales, estabeleceram políticas muito diferentes das de Rui Barbosa, ao qual Bulhões era grande crítico[52], o que aponta para um afastamento da figura de Rui como parte integrante da política do governo. O próprio Rui parece ter entendido essa sua nova posição e passa a partir de então a buscar cargos políticos, concorrendo diversas vezes para a presidência do país, sem nunca conseguir.


6. Alguns aspectos relevantes do Código de Clóvis Bevilaqua


Bevilaqua dividiu seu projeto inicial de código em duas partes, parte geral e parte especial, adotando a inovação introduzida por Teixeira de Freitas em seu Esboço. O projeto começava com uma Lei de introdução, tratando das disposições gerais, seguida de disposições relativas ao Direito internacional privado. Seguia-se a parte geral, dividida em três livros: Livro 1: das pessoas, Livro 2: dos bens, Livro 3: do nascimento e extinção de direitos e dos atos jurídicos. A parte especial continha quatro livros: Livro I- Direito de família, Livro 2- Direito das coisas, Livro 3- Direito das obrigações, Livro 4- Direito das sucessões.


O projeto revisto alterou em especial a parte preliminar do projeto primitivo de Clóvis Bevilaqua, retirando as disposições de direito internacional. O projeto revisto divide-se em: Titulo preliminar, Parte geral com 3 livros: título único-das dispoição geral, Livro 1- das pessoas, Livro 2- Das coisas, Livro 3- Da aquisição, conservação e extinção de direitos, atos jurídicos, e Parte especial: Livro 1- Direito de família, Livro2- Direito das coisas, Livro 3- Direito das obrigações, Livro 4- Direito das sucessões e Disposição final.


Alguns pontos foram levantados pelos deputados que buscavam a alteração do projeto de Bevilaqua, entre eles destacam-se: direito de família e as implicações no direito sucessório (em especial do status de filho), direito dos estrangeiros igualado aos dos nacionais, e a hipoteca e posse. Nem todos os pareceristas fazem críticas ao próprio projeto de Código Civil de Clóvis, mas criticam as alterações inseridas pelo projeto revisto pela câmara dos deputados, com é o caso do parecer de Duarte Azevedo. Há um elogio dos pareceristas em especial de Oliveira Coelho e de Adherbal de Carvalho quanto a melhora dos status da mulher no novo projeto de Bevilaqua, apontando para uma preocupação com os direitos da mulher. Excetuando o caso da hipoteca, os outros pontos principais discutidos entre os deputados giravam em torno de direitos e introduzindo novos sujeitos de direito como: mulher, filhos tidos como ilegítimos e o estrangeiro. Discute-se ainda se os operários poderiam ser incluídos como sujeitos de direitos, e entre o projeto original de Clóvis Bevilaqua que os incluía e as revisões, o projeto não contemplou esse sujeito, como um trabalhador do sistema capitalista.


Essas discussões são sobre temas fundamentais de quase todas as sociedades, porque está se discutindo o que é família, o que é trabalho, o que é ser cidadão de um país. As discussões sobre a propriedade também apontam a importância desta em uma sociedade que adentrava em um capitalismo industrial e que tinha o valor não mais na terra, mas na produção, no trabalho, nas máquinas. Clóvis percebe e introduz esses novos valores da sociedade em formação, porém eles só se estabilizam anos depois. As discussões na câmara têm ligação direta com esses valores, uma vez que existiam deputados que se pautavam pelos valores anteriores, do que era família, trabalho, propriedade e cidadania. Ao longo dos vários anos em discussão do projeto, a situação de impasse se resolve, uma vez que alguns dos valores apresentados no projeto de Bevilaqua se consolidam e outros que ainda não adquiriram o status de consenso entre os deputados ficam fora do projeto revisto.


Ao determinar os principais pontos de seu novo projeto, Bevilaqua faz um breve resumo de seus enunciados:


a- No grupo das relações jurídicas da família, a idéia predominante é a da pessoa, como um Direito das coisas a idéia predominante é a da propriedade em seus diferentes aspectos, no Direito das obrigações é a de crédito, e no das Sucessões é a da transmissão hereditária dos bens, que o homem acumula, para aumento de sua força de expansão vital. Ora, se bem que a idéia de homem seja mais extensa do que a pessoa, é certo que para o Direito Privado, em sua pureza, todo homem é pessoa, portanto, a consideração social e a própria lógica aprovam o argumento que o bom senso e o critério jurídico haviam fornecido ao exímio Gaio e que as institutas de Justiniano reproduzem (1,2, § II): Prius de presonis videamus… quanrum causa jus continium est. É o homem, a pessoa, o sujeito do direito que primeiro se deve destacar encabeçado a série dos grandes grupos das relações civis.


b- Adotado o critério classificador da generalização decrescente, depois da parte geral, na qual se incluem sob uma feição abstrata, os princípios aplicáveis a todos momentos, situação e formas do Direito Privado, devemos enfrentar os institutos jurídicos do Direito de Família, que são partes integrantes dos fundamentos de toda a sociedade civil, interessam, como diz Menger, a base natural da sociedade e tem, portanto, maior generalidade do que as instituições jurídicas da propriedade.


c- Se o homem socialmente considerado tem primazia sobre o homem como indivíduo, se os interesses altruístas preferem aos egoístas, se como reconhece Savigny, os bens são uma extensão do poder do indivíduo, um atributo de sua personalidade cabe a precedência por amor da sociologia e da lógica, aos institutos da família, círculo de organização social sobre os institutos econômicos, meios de assegurar a conservação e o desenvolvimento da vida social.


d- Savigny, cuja exposição de matérias da parte especial do direito começa pelo Direito das Coisas, reconhece que a ordem natural, seguindo à qual nos aparecem os institutos, seria partir do Direito de Família puro, passar em seguida ao Direito das Coisas, ao das Obrigações, volver ao da família aplicado e terminar nas sucessões. Mas, para não cindir o Direito da Família, em duas porções, resolve transportar o que ele denomina Direito de Família puro para lugar onde se deve achar aplicado. Acho preferível considerar as relações de família em sua integridade, no ponto em que elas se apresentam; porque, se a idéia ai se encontra, os seus naturais desenvolvimentos deve ser por ela atraídos, mas não deslocá-la.


e- É certo que ao descerramos a influência das relações de família sobre os bens, iremos encontrar as noções da propriedade e de obrigações. Porém, esse inconveniente, que não será facilmente ilidido, é maior ainda se iniciarmos a série dos grandes institutos civis pelas obrigações, porque estas implicam forçosamente, a noção de propriedade, desde que transponham o círculo restritíssimo das prestações de serviços recíprocos, e oferecem, no seu conjunto, um conceito mais complexo e menos geral do que o da propriedade. Nem seremos melhor aventurados se assentarmos como pronto de partida de nossa exposição o Direito das Coisas, pois basta recordarmos as limitações impostas ao domínio, pelas relações de vizinhança, pela indivisão e pelos ônus reais, para evidenciar-se quanto a teoria das obrigações interessa ao conhecimento dos diferentes institutos que formam o grupo do Direito das Coisas. Conclui-se dessa observação que há manifesta interdependência de conceitos e de normas, em toda a matéria do Direito Civil, que os institutos, como órgãos pertencentes a um aparelho mais dilatado, apresentam, em sua estrutura, empréstimos recíprocos e contatos freqüentes. E, portanto, essa circunstância, que se reproduz em todas as seções do Direito Civil, não pode ser objeção contra a precedência concedida a uma delas[53].


Clóvis Bevilaqua assumiu a paternidade do Código Civil, porém antes de ser um


código que espelhasse a cara do autor, a legislação aprovada tinha um pouco da cara de vários pais. Um desse país não deixa de ser Rui Barbosa, que com suas emendas, quase todas aceitas, imprimiu uma nova redação ao código, mas não alterou seu conteúdo. Outros tantos pareceristas alteraram substancialmente o conteúdo proposto no projeto inicial por Bevilaqua. Ocorreram alterações sobre alterações e em muitas delas Bevilaqua não pode opinar. A primeira palavra sobre o projeto foi sua, mas não se pode dizer que teve a última. Assim, Bevilaqua assumiu a paternidade de um filho gerado em conjunto por vários juristas ao longo de muitos anos. Assumiu a paternidade de um filho que continha muitas coisas que não concordava. Bevilaqua acolheu como seu esse filho meio ilegítimo como seu, seguindo seus ensinamentos no direito de família. Diferente dos outros juristas que o antecederam nos projetos, Bevilaqua não se importou do filho não ter exatamente sua cara, nem que esse tomasse vida própria.


Essa postura foi possível pelo próprio entendimento de Bevilaqua do que era um código, ou seja, a lei, e do papel de seu autor. Bevilaqua chega a adotar o conceito de Jhering, sobre o que é direito[54], mas não abandona a concepção evolucionista do direito, entendendo que o direito é reflexo da concepção do mundo[55]. Se o direito é reflexo da sociedade, ele não pode ser obra do legislador, mas deve espelhar os desejos e valores sociais. Sobre esse entender de Bevilaqua diz  San Tiago Dantas:


“Bevilaqua não via nas normas jurídicas o produto da inventividade de um estudioso, mas uma realidade formada sob a ação de fatores sociais, que o legislador tinha antes a missão de identificar e recolher do que a liberdade de modificar arbitrariamente”[56].


Entendendo a elaboração do Código civil como obra social e não criação sua, Bevilaqua provavelmente pode se manter são ao longo do longo processo de alteração por diversas emendas de conteúdo e de forma que sofreram seu projeto inicial Bevilaqua não se viu atacado diante de tantas reformulações, pois não atacavam suas idéias, mas sim o que ele havia expressado pela sociedade. Não que o projeto de Bevilaqua fosse somente um recolhimento do direito anterior, expressando um direito tradicional, pois seu código era uma mistura de tradição e inovação.


7. Os direitos reais no Código de Bevilaqua- discussões gerais


Os direitos reais têm íntima ligação com o capitalismo e com sua estruturação, quando da modernidade, pois tem como base a propriedade. As discussões em torno do projeto do Código Civil não se deram somente em torno dos direitos reais, mas pode-se afirmar que estes direitos eram preocupação constante da câmara dos deputados em suas revisões e também no senado. Clóvis Bevilaqua promoveu uma grande mudança na teoria até então adotada a respeito da posse, que significou uma mudança não apenas de rumo acadêmico, mas visava tornar a propriedade mais segura, em um país que há muito sofria com as indecisões sobre a propriedade.


O código civil estruturado por Bevilaqua prevê os direitos reais em especial no livro II, que trata do direito das coisas, que está dividido em: posse, direito autoral, direitos reais de garantias, do registro predial. Um dos pontos mais inovadores do projeto de Bevilaqua foi a modificação que fez nos dispositivos que tratavam da posse, isso porque a mudança vai interferir em todos os direitos reais. A teoria da posse no Código Civil de Bevilaqua teve grande alteração frente ao que vinha sendo adotado no Brasil nos outros projetos de código. Isso porque Bevilaqua preferiu adotar a teoria da posse de Jhering e não de Savigny, como o qual diverge não só quanto à posse, mas quanto ao que é direito e na necessidade de positivação.


 O projeto com essa alteração se mostrava diferente do que se adotava na própria Alemanha, que em sua legislação civil (BGB), trazia artigos que afirmavam a prevalência da teoria da posse de Jhering, mas não deixava de lado alguns aspectos da teoria de Savingy[57]. Segundo Clovis Bevilaqua a teoria de Jhering era a estava sendo adotada por diversos dos códigos civis modernos e já fazia parte do projeto de Coelho Rodrigues[58].


Paulo Lacerda ao comentar as inovações do projeto de Clóvis Bevilaqua ainda no ano de 1916, aponta para a inovação na teoria da posse:


“No título I, que se ocupa da posse, o Código rejeita ambos os elementos da teoria de Savigny, o corpus e o animus, adotando inteiramente, a de Jhering, no que ultrapassa o próprio Código Civil alemão e o recentíssimo Código Civil suiço, que abandonaram apenas o animus, exigindo, porém o corpus”[59].


Essa teoria da posse era aplicada para coisas e também para direitos[60], e com isso aplica a teoria da posse para todos os direitos reais, excetuando para a hipoteca. Isso porque, segundo Bevilaqua, “ela não se aplica de modo continuado sobre a coisa, pois ela não importa a detenção do bem vinculado à garantia do pagamento”[61].


 A diferença entre as teorias trás enormes conseqüências, pois partem de valores diferentes, como aponta Bevilaqua:


“(…) o ponto de vista de Savigny é individual, e o de Jhering é social; o primeiro atende à vontade e ao poder do individuo; o segundo atende à utilização econômica, que só tem razão de ser na vida socialmente organizada; um vê na posse a visibilidade, a aparência do domínio, o outro, a possibilidade da atuação física sobre a coisa e da defesa contra a ação dos outros”[62].


A posse era conceituada diferentemente para Savigny e para Jhering. Savigny defende que a posse é um fato e um direito, enquanto Jhering entende que a posse é um direito[63]. Porém, Bevilaqua não se resume em adotar a teoria de Jhering, uma vez que pare o jurista brasileiro, a posse não é apenas um direito, mas um direito especial, ou melhor, que é a manifestação de um direito real[64]. A posse seria entendida a partir dessa teoria como a exteriorização da propriedade, não importando o animus domini, a vontade de se portar como dono da coisa, como era necessário antes.


Paulo Lacerda um dos primeiros comentadores do Código Civil ainda aponta como  inovações dentro do direito das coisas:


No título II, há novidades e alterações do direito anterior. A propriedade não se poderá de maneira alguma aplicar o conceito draconiado do jus utendi et abutendi, pois que o abuso é cerceado pelo direito de terceiros e pelo interesse público, assegurando o Código ao proprietário, precisamente, “o direito de usar e gozar os seus bens, dispor deles, e reavê-los de quem injustamente os possua”; a inscrição do registro predial é modo de adquirir e de transmitir a propriedade inter vivos, e formalidade estendida aos julgados que, nas ações divisórias, põem fim à indivisão, as sentenças que, nos inventários e partilhas, adjudicam bens de raiz para o pagamento das dívidas da herança, a arrematação em hasta pública e às adjudicações na usucapião trintenária, presumem-se o justo título e a boa fé em prol do possuidor, estão suficientemente regulados o condomínio, e a propriedade literária, científica e artística.


No título III, que trata dos direitos reais sobre coisas alheias, há a novidade de mais um instituto dessa categoria, a renda sobre imóvel, assim como a criação do penhor legal e a hipoteca das estradas de ferro. O direito de retenção não é contemplado na enumeração dos direitos reais; está pois, resolvida a questão, que existia, pela aceitação da doutrina que tem por pessoal. O penhor agrícola é mantido com o seu característico exótico de recair sobre objetos que não ficam em mãos do credor, e de poder gravar certos imóveis, que tais são os frutos pendentes ou em via de formação, e a madeira das matas preparadas para o corte; é declarado nulo o penhor agrícola constituído sem anuência do credor hipotecário, dada no próprio instrumento de penhor; fica regulada a caução de títulos de crédito; estabelece-se o vencimento da hipoteca posterior pelo fato do vencimento anterior, mas exige-se para a excussão, que o credor anterior seja notificado; a notificação do credor hipotecário inscrito no registro é necessária sempre para a validade da venda judicial do imóvel; dá-se ao credor hipotecário posterior a faculdade de remir a hipoteca anterior, há casos novos de hipoteca legal, disciplina-se melhor a formalidade da inscrição hipotecária e de outros direitos reais”[65].


É possível que os pontos relativos aos direitos reais e aos contratos tenham sido os mais conturbados nas discussões para aprovação do projeto de Código Civil. Outras questões relevantes como: reconhecimento do filho ilegítimo, o status da mulher e do estrangeiro e os direitos dos operários, não deixam de ter íntima ligação com a questão da propriedade. Porém, em um cenário de grande perturbação social, com uma enorme dívida externa, dificuldades na economia interna, que ainda estava baseada no café, questões de propriedade se tornavam fundamentais, pois ela ancorava a economia. Sobre esses direitos reais começou a crescer a estipulação legislativa, mesmo antes de ser aprovado o código civil. Foram criadas ao longo do século XIX leis que buscavam estabilizar problemas gerados pela questão da propriedade como: Lei de Terras de 1850, Lei dos Direitos autorais e a Lei Hipotecária de 1864. Muitas dessas leis não tiveram sua máxima eficácia social na regulação, mas funcionaram como paliativos enquanto não se aprovava um Código Civil.


Clóvis Bevilaqua ao ser chamado a fazer o projeto de Código Civil sabia que teria de reformular grandes aspectos da vida civil, e de reformular os direitos reais, uma vez que havia uma demanda do executivo por regulamentar o crédito e a economia interna. À proposta de projeto de Clóvis Bevilaqua foram feitas diversas reformulações, inclusive em relação aos direitos reais. Muitas dessas propostas tornavam mais duras as políticas de crédito e de garantia, podendo não ter muita aceitação entre os fazendeiros e empresários, grande parte deles com problemas em suas finanças. Levanta-se aqui a hipótese de que foram esses empresários e fazendeiros, com grande influência no senado, que atuaram no sentido de adiar a aprovação do Código Civil, a despeito da pressa do executivo. Essa hipótese requer uma verificação mais aprofundada em fontes, que não tem espaço nesse trabalho. Porém, há fortes indícios de que a força de Rui Barbosa e a questão da linguagem não foram o único motivo para a demora na aprovação do projeto. Sabe-se da existência do endividamento da elite brasileira no período da primeira república, que levou a muitos fazendeiros e industriais a hipotecar suas propriedades, na falta de conseguir fazer novos empréstimos[66].


A lei hipotecária de 1864 era menos rígida para a questão de crédito, o que corrobora para a hipótese que esses empresários e fazendeiros podem ter ajudado a procrastinar a aprovação da lei civil, que somente foi feita quando a economia interna teve uma melhora com o estabelecimento da industrialização nos grandes centros a partir de 1910. Essa mudança também é facilitada pela transformação dos valores de riqueza, uma vez que com a industrialização não é mais a terra o grande valor para geração de riqueza, mas sim o trabalho do operário. Bevilaqua restringe à matéria das hipotecas, reduzindo todas as hipotecas à classe das hipotecas convencionais e das legais[67]. Para essa parte do código Bevilaqua diz ter se baseado no projeto de Código civil de Coelho Rodrigues[68].


O Código de Bevilaqua foi uma das principais leis da República, tendo alterado as regras da vida social brasileira e perpetuado essas regras por quase um século de sua existência. A regulamentação dos direitos reais que lidavam com a questão da propriedade, essencial no capitalismo, passou a ter uma legislação que assegurava esses direitos e propiciava a intervenção estatal, no caso de litígios.


Considerações Finais


O Código Civil foi aprovado em 1916 ficando conhecido como o Código de Bevilaqua, pois este foi o primeiro que elaborou o projeto. Porém, diversas foram as interferências que o projeto primitivo sofreu, podendo-se falar em uma obra coletiva, resultado da mistura de diversas opiniões e valores. Apesar dessa variedade é possível traçar um perfil desse código civil, que foi o primeiro projeto sob o signo da república em que se buscou espelhar na lei a nova sociedade brasileira que surgia, incluindo a regulação de mudanças sociais no âmbito da família, dos negócios e das indústrias, na propriedade, no status da mulher e do estrangeiro, etc. Há mudanças presentes à época do código que não foram consolidadas, como a proteção dos direitos dos operários, mas não se fala mais em escravos ou trabalhos à semelhança da condição de escravo, como propunham os projetos anteriores ao tratar do serviço doméstico.


Apesar das discussões para a aprovação do Código Civil terem sido acaloradas na câmara e no senado, foi um projeto com pouca participação popular, como foram os anteriores. A discussão para aprovação teve pela primeira vez, participação de algumas pessoas e entidades que não faziam parte do Congresso Nacional, como especialistas e juristas, órgãos públicos e faculdades de direito. O baixo envolvimento popular foi constante durante todo o processo de revisão e apreciação do projeto. Esse baixo envolvimento ocorreu também porque o código civil não foi demanda popular, mas sim uma encomenda vinda do presidente do Brasil que na época era Campos Sales. O povo não participa do projeto nem é representado nele, porque não vota, não sabe ler e este pouco lhe tem a dizer, pois grande parte das relações reguladas no código não são para o povo, especialmente os pobres. Problemas e demandas existiam, porém essas não chegavam a Justiça civil, que era majoritariamente, território dos que podiam pagar por ela.


O Código Civil foi pautado por Bevilaqua como um código que tinha como conceito de Direito primordial o assim definido por Jhering, que entende que o direito é um instrumento para a paz social e que a busca através do controle social por meio da sanção. Esse caráter sancionador estará presente neste e em quase todos os códigos modernos, em que a lei não é criada para promover a sociedade, mas sim para tornar controlável uma parte da sociedade por outra.


Esse trabalho levanta duas hipóteses novas frente à historiografia tradicional. A primeira é que é muito provável que o projeto do Código Civil tivesse uma influência externa, tendo sido parte de uma reestruturação interna econômica, “sugerida” por banqueiros internacionais quando do acordo do funding loan em 1898; e que por essa influência o governo não optou por dar a Rui Barbosa a criação do projeto, mas sim a um liberal, comteano, crente no evolucionismo, republicano, aberto à influência da economia externa e não socialista, como Clóvis Bevilaqua. Essa hipótese busca uma explicação na economia da época, nas afastando, mas minimizando a influência da explicação da mera inveja entre os juristas acima citados ou mesmo uma questão da linguagem. A segunda hipótese é de que o projeto de código civil não teve seu processo adiado apenas pela questão literária da linguagem, nem somente pela influência de Rui Barbosa, mas sim por senadores que representando uma elite brasileira, viam grandes perdas com um sistema legal agora mais rígido, em especial para os empresários e fazendeiros. Essas hipóteses devem ser ainda verificadas em trabalho futuro.


A hipótese da influência de questões econômicas no projeto do Código Civil, parte do pressuposto de que esse é o primeiro código em que o capitalismo está presente, alterando diversas dimensões sociais. Essa é mais uma das explicações que vem a se somar com outras, que apontam significações sociais importantes durante o período da República Velha como: a civilidade e a linguagem, que introduz a dimensão simbólica;  e as disputas internas de poder entre a elite brasileira.


 


Bibliografia

a)Fontes primárias

Mensagens presidenciais ao Congresso Nacional:

Campos Sales 1899, 1900, 1901

Rodrigues Alves 1906

Nilo Peçanha 1910

Wenceslau Braz 1915, 1916, 1917, 1918

b) Fontes secundárias

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VAMPRE, Spencer. O que é o Código Civil. São Paulo: Pedro de S. Magalhães Filho e Irmãos, sd.

 

Notas:

[1] SEGURADO, Milton. O Direito no Brasil. p, 385

[2] SALLES, Campos. Mensagem apresentada ao Congresso Nacional. 1899. P, 16-17

[3]  LACERDA, Paulo. Síntese histórica e crítica. In: Código Civil Brasileiro. p,  XV e XVI

[4] BEVILAQUA, Clovis. Atas dos trabalhos da comissão revisora do projeto do Código Civil brasileiro. p, 3

[5] SALLES, Campos. Mensagem apresentada ao Congresso Nacional. 1900. P, 20-21

[6] SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO. Parecer ao projeto do Código Civil. In: Código Civil brasileiro: trabalhos relativos à sua elaboração. vol. 2. p, 98-100, Rio de Janeiro: Imprensa nacional, 1918

[7] FACULDADE LIVRE DE DIREITO DO RIO DE JANEIRO. Parecer ao projeto de Código Civil. In: Código civil brasileiro: trabalhos relativos à sua elaboração. vol. 2. p, 59-61Rio de Janeiro: Imprensa nacional, 1918

[8] TORRES FILHO. Parecer ao projeto de Código Civil. In: Código civil brasileiro: trabalhos relativos à sua elaboração. vol. 2. p, 346  Rio de Janeiro: Imprensa nacional, 1918

[9] TORRES FILHO. Parecer ao projeto de Código Civil. In: Código civil brasileiro: trabalhos relativos à sua elaboração. vol. 2. p, 311  Rio de Janeiro: Imprensa nacional, 1918 

[10] LACERDA, Paulo de. Código Civil Brasileiro. p, XXI

[11] CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO v.2, p, 728.

[12] CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. v. 2, p, 21

[13] BEVILAQUA, Clovis. Prólogo. In: Em defesa do Projeto do Código Civil. p, VIII

[14] WENCESLAU BRÁS. Mensagem ao Congresso Nacional 1917. p, 31

[15] WENCESLAU BRÁS. Mensagem ao Congresso Nacional 1916. p, 35

[16] BARBOSA, RUI. A imprensa de 14 e 15 de março de 1898. Apud. MENESES E ARRUDA. Clovis Bevilaqua. p, 245.

[17] BARBOSA, Rui. Apud DANTAS, San Tiago. Prefácio. Obras completas de Rui Barbosa- Parecer jurídico. p, XVII-XVIII

[18] BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa- Parecer. p,1

[19] BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa- Parecer. p,9

[20] BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa- Parecer. p,32

[21] BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa- Parecer Jurídico. p, 41

[22] BEVILAQUA, Clovis. A redação do projeto de código civil no senado. In: Em defesa do Projeto do Código Civil. p, 373 -374

[23] BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil comentado. p, 45

[24] BEVILAQUA, Clovis. Em defesa do Projeto do Código Civil. p, 15

[25] BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa- Parecer. p, 3-4

[26] MAGNE, Augusto. Prefácio. In: Obras completas de Rui Barbosa: Parecer sobre a redação do Código Civil, tomoI-  p, XIV

[27] MAGNE, Augusto. Prefácio. In: Obras completas de Rui Barbosa- Réplica. p, XIII

[28] BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa- Réplica. p, 9

[29] BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa- Réplica. p, 15-16

[30] DANTAS, San Tiago. Prefácio. In: Obras completas de Rui Barbosa- Parecer jurídico. p, IX

[31] DANTAS, San Tiago. Prefácio. In: Obras completas de Rui Barbosa- Parecer jurídico. p, XIV

[32] DANTAS, San Tiago. Prefácio. In: Obras completas de Rui Barbosa- Parecer jurídico. p, XV 

[33] BEVILAQUA, Clovis. Código civil comentado. p, 48

[34] PONTES DE MIRANDA. Fontes e evolução do Direito Civil. p, 110.

[35] PONTES DE MIRANDA. Fontes e evolução do Direito Civil. p, 118-119.

[36] VENOSA, Silvio de Salvo. O novo código civil- texto comparado 2002-1916. p, 28

[37] SEGURADO, Milton. O Direito no Brasil. p, 403

[38] WALLADÃO, Haroldo. História do Direito- especialmente do direito brasileiro. parte II. p, 93

[39] VAMPRE, Spencer. O que é o Código civil. p, 21

[40] DANTAS, San Tiago. Rui Barbosa e o Código Civil. In: Figuras do direito  p, 54-55.

[41] DANTAS, San Tiago. Rui Barbosa e o Código Civil. In: Figuras do direito  p, 56

[42] DANTAS, San Tiago. Rui Barbosa e o Código Civil. In: Figuras do direito  p, 56

[43] DANTAS, San Tiago. Rui Barbosa e o Código Civil. In: Figuras do direito  p, 78

[44] MAGNE, Augusto. Prefácio. In: Obras completas de Rui Barbosa: Parecer sobre a redação do Código Civil. p, XIII

[45] MENEZES E AZEVEDO  . Clovis Bevilaqua. p, 244.

[46] BOTELHO JÚNIOR, Cid de Oliva. A crise cambial do encilhamento: algumas observações sobre a interpretação de Celso Furtado. p, 22

[47] FILOMENO, Felipe Amin. A política econômica brasileira dos governos Campos Sales (1898-1902) e Fernando Henrique Cardoso (1995-1999) em perspectiva histórico-comparativa: uma análise à luz do conceito de ciclos sistêmicos de acumulação. P, 13

[48] FILOMENO, Felipe Amin. A política econômica brasileira dos governos Campos Sales (1898-1902) e Fernando Henrique Cardoso (1995-1999) em perspectiva histórico-comparativa: uma análise à luz do conceito de ciclos sistêmicos de acumulação. P, 12 e 13

[49] A viagem de Campos Sales à Europa em 1898 é contada por seu companheiro de viagem,  Tobias Monteiro, denominado “O Sr. Campos Sales na Europa: notas de um jornalista”.Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1900. Nesse livro Tobias Monteiro conta em tom epistolar algumas idéias formuladas pelo presidente e as visitas que este fez, em especial à bancos, como o “Credit Lyonnays” na França, e os Rothshild em Londres. Este é o principal objetivo da viagem (p.187). Segundo o autor a reunião dos Rothshilds com Campos Sales durou 4 horas e nela os banqueiros buscaram conhecer em detalhes a situação do país (p.69). Durante quase toda sua estada em Londres Campos Sales mantém contato com os Rothshilds em almoços e jantares, apontando para um vínculo. Os termos do acordo do funding  loan foram publicados em francês no The Times de 20 de junho de 1898.

[50] MORAIS, Prudente. O funding loan: o acordo do Brasil com os credores externos realizado pelo governo de Prudente de Morais em 15 de junho de 1898. São Paulo: Duprat, 1908, p, 16

[51] FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. p, 147

[52]  SANTOS, Miguel Luiz dos. Leopoldo de  Bulhões: um financista na Primeira República.

[53] BEVILAQUA, Clovis. Em defesa do Projeto de Código civil. p, 50-51 e igualmente em MENESES E ARRUDA. Clovis Bevilaqua. p, 264-266

[54] BEVILAQUA, Clovis. Obra filosófica de Clóvis Bevilaqua II-Filosofia social e jurídica. p, 51

[55] BEVILAQUA, Clovis. Obra filosófica de Clóvis Bevilaqua II-Filosofia social e jurídica. p, 66

[56] DANTAS, San Tiago. Introdução. In:Obra filosófica de Clóvis Bevilaqua II-Filosofia social e jurídica. p, 9

[57] BEVILAQUA, Clovis. Em defesa do projeto de código civil. p, 109.

[58] BEVILAQUA, Clovis. Em defesa do projeto de código civil. p, 110.

[59] LACERDA, Paulo de. Código Civil Brasileiro. p, XLI.

[60] BEVILAQUA, Clovis. Em defesa do projeto de código civil. p, 111.

[61] BEVILAQUA, Clovis. Em defesa do projeto de código civil. p, 112.

[62] BEVILAQUA, Clovis. A teoria da posse segundo o projeto de código civil. In: Em defesa do projeto de código civil. p, 529.

[63] BEVILAQUA, Clovis. Em defesa do projeto de código civil. p, 113

[64] BEVILAQUA, Clovis. Em defesa do projeto de código civil. p, 114.

[65] LACERDA, Paulo de. Código Civil Brasileiro. p, XLII-XLIII

[66] FAORO, Raymundo. Os donos do poder v.2. p, 134

[67] BEVILAQUA, Clovis. Em defesa do projeto de código civil. p, 124

[68] BEVILAQUA, Clovis. Em defesa do projeto de código civil. p, 124.


Informações Sobre o Autor

Gisele Mascarelli Salgado

Pós Doutora em Direito pela FD-USP Doutora e Mestre em Direito pela PUC-SP bacharel em História Direito e Filosofia
http://lattes.cnpq.br/7694043009061056


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