Hermenêutica Jurídica: Pensando O Policial Militar Como Um Intérprete Do Direito

Filipe dos Santos Bezerra[1]

Resumo: Esse artigo examina a compreensão que a polícia recebe para promover uma abordagem baseada na contenção da ordem pública. Esse prossegue explorando como as ações policiais são reduzidas a um conjunto de técnicas que, em regra, esvaziam a comunidade policial de uma atividade reflexiva. Essa pesquisa é caracterizada como uma revisão bibliográfica que foi realizada mediante um estudo exploratório em que os dados foram obtidos a partir da utilização de escritores. Depois de selecionados, esses foram examinados de forma qualitativa e a estruturação da pesquisa ocorreu como decorrência do método dedutivo. Essa pesquisa se faz relevante, visto que, é fundamental o policial ser percebido como uma categoria que percebe o problema de ler o direito em termos da história do direito, da constituição linguística do direito e das implicações políticas da maneira como o direito é lido e entendido e, assim, definir a interpretação jurídica diretamente dentro da tradição humanista.

Palavras-chave: Policia militar. Atividade de interpretação. Aplicação normativa.

                 

Abstract: This article examines the understanding that the police provide to promote an approach based on the containment of public order. It goes on to explore how police actions are reduced to a set of techniques that, as a rule, empty the police community of reflexive activity. This research is characterized as a literature review that was carried out through an exploratory study in which data were obtained from the use of descriptors. After being selected, these were examined in a qualitative way and the structuring of the research occurred as a result of the deductive method. This research is relevant, since it is fundamental for the police to be perceived as a category that perceives the problem of reading law in terms of the history of law, the linguistic constitution of law and the policies of the way in which law is read and understood is to define interpretation directly within the humanist tradition.

Keywords: Military police. Interpretation activity. Normative application.

 

Sumário: Introdução. 1. Referencial Teórico 1.1 Aplicação Da Técnica Policial. 1.2 Compreensão Da Natureza Interpretativa Da Norma Jurídica. 2. Resultados E Discussões. 2.1 Pensando O Policial Militar Como Um Operadora Da Hermenêutica Jurídica. Considerações finais. Referências.

 

INTRODUÇÃO

As práticas policiais contemporâneas são marcadas por características cada vez mais de cima para baixo, racializadas, militarizadas e pseudocientíficas. A hermenêutica jurídica tem desempenhado um papel central na criação desta situação política: os defensores das ciências sociais da “lei e ordem”, longe de fornecerem uma descrição de valor neutro da realidade social, parecem ter contribuído para a criação de uma forma peculiarmente moderna de potência.

O senso comum tende a rotular as forças policiais como aplicadoras da Lei de Direitos a partir dos ditames da Constituição Federal da República Brasileira de 1988 (CFRB/88) sem um processo de interpretação. Fato que é inteiramente compreensível, dado o papel constitucional da segurança pública de determinar com autoridade o escopo da lei.

De forma geral, o que se sugere nesse artigo é um olhar um pouco mais além do domínio clássico da administração pública, existindo possibilidades das comunidades policiais de interpretação e aplicações normativas a partir de entendimentos dos direitos humanos dignos de exame por produto da hermenêutica.

O artigo examina a compreensão que a polícia recebe para promover uma abordagem baseada na contenção da ordem pública. Esse prossegue explorando como as ações policiais são reduzidas a um conjunto de técnicas que, em regra, esvaziam a comunidade policial de uma atividade reflexiva.

Essa pesquisa é caracterizada como uma revisão bibliográfica que foi realizada mediante um estudo exploratório em que os dados foram obtidos a partir da utilização de escritores. Depois de selecionados, esses foram examinados de forma qualitativa e a estruturação da pesquisa ocorreu como decorrência do método dedutivo.

Essa pesquisa se faz relevante, visto que é fundamental o policial ser reconhecido como uma categoria que percebe o problema de ler o direito em termos da história do direito, da constituição linguística do direito e das implicações políticas, bem como da maneira como o direito é lido e entendido, e definir a interpretação jurídica diretamente dentro da tradição humanista. Em vez de tratar o direito como uma disciplina separada das ciências humanas, em razão de seu idioma especializado e ethos profissional, o direito é entendido aqui como outra voz na conversa da comunidade mais ampla sobre como promover uma política mais justa e humana.

 

1 REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 Aplicação Da Técnica Policial

A Constituição Federal da República Brasileira de 1988 (CFRB/88), em seu art. 5º, estabeleceu que a segurança pública é uma garantia fundamental que deve ser concretizada pelo poder estatal. Assim, compreende-se que a integridade física e psíquica, bem como o direito à propriedade privada são direitos fundamentais e que, portanto, devem ser criadas políticas públicas com vistas a garantir a incolumidade desses bens que são fundamentais para o desenvolvimento das relações sociais

Nesse contexto, a polícia foi criada pelo Estado, de maneira a atuar na promoção do bem comum, de forma coercitiva, limitando a realização de atividades individuais e garantindo o bem geral, no que concerne à segurança pública. A atividade da segurança pública é inicialmente preventiva, sendo de responsabilidade das autoridades e dos seus agentes evitar a ocorrência de fatos lesivos para a ordem pública (BOTINO JÚNIOR, 2012).

A prevenção de determinados fatos antissociais, acontece por meio da atuação do poder de polícia, o qual, de acordo com Santin (2007), pode ser exercido nas fases de investigação, de ação penal e de execução da pena, para que se possa garantir a realização do direito estatal de investigar, punir e de executar sanções. No mesmo sentido, Carlin (2005) afirma que:

 

A palavra polícia evoca, amplamente, a organização política do Estado, encarregada da ordem e da segurança, donde o agente policial representar a encarnação familiar da segurança. Sob esses aspectos, o termo polícia denota a ideia constante de ordem pública. Para assegurar essa ordem, a polícia recorre a seu poder de supervisão, indo até a injunção e a repressão. Em sua atividade, a polícia deve buscar o equilíbrio real entre a autoridade do Estado e as liberdades individuais. (CARLIN, 2005, p. 224).

 

Polícia pode ser definida como sendo um conjunto de serviços organizados e oferecidos pela administração pública para assegurar a garantia da ordem pública e da integridade física e moral dos indivíduos, diante de limitações impostas pela vida pessoal (SÃO PAULO, 2002).

Assim, a polícia de segurança pública subdivide-se, de forma doutrinária, em polícias preventiva e ostensiva ou polícia judiciária. A distinção se dá por meio de suas esferas de atribuições, características, finalidades, que apesar de se entrelaçarem, na prática apresentam diferenças (BOTINO JÚNIOR, 2012). Ademais, de acordo com Santim (2007),

 

A função de polícia de segurança pública compreende as atividades policiais de prevenção, repressão, investigação, vigilância de fronteiras e polícia judiciária, com objetivo de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144, da Constituição Federal). Polícia de segurança pública é gênero; polícia de prevenção, repressão, investigação, vigilância de fronteiras e polícia judiciária são suas espécies (SANTIM, 2007, p. 57).

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A polícia judiciária pode ser definida como sendo uma instituição do Estado com a função de promover diligências investigatórias destinadas a reunir provas relativas à autoria e à materialidade de um crime ou de uma contravenção penal, de maneira que possa fornecer um substrato de prova sólido suficiente para o início de uma ação penal, por parte do Ministério Público ou pelo ofendido, bem como para formar de uma melhor maneira a convicção do magistrado acerca da verdade real dos fatos apurados, durante o julgamento do processo criminal (PACHECO, 2018).

Assim, de acordo com Lenza (2018), podemos dividir a atividade policial em duas áreas distintas, a administrativa e judiciária. A polícia administrativa (preventiva ou ostensiva) atua na prevenção, na área do ilícito administrativo. Já a polícia judiciária (investigativa) atua de maneira repressiva, depois de ter ocorrido o ilícito penal. Ainda de acordo com Botino Júnior (2012, p. 48),

 

Como podemos notar, a Constituição Federal consagrou a Polícia de Segurança como sendo a responsável por buscar a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sendo esta, para tanto, subdividida em Polícia Preventiva ou Polícia Ostensiva, como é o caso da Polícia Rodoviária, da Polícia Militar e dos Corpos de Bombeiros Militares, e em Polícia Judiciária, também chamada de Polícia de Investigação, a qual, por meio da Polícia Federal e das Polícias Civis dos Estados, restou incumbida a tarefa de investigar as infrações penais não prevenidas pela Administração Pública, para o fim de colher provas de sua autoria e materialidade, bem como de auxiliar o Poder Judiciário e o Ministério Público nos trabalhos investigatórios e no transcurso da ação penal, seja através do empreendimento de diligências complementares, do cumprimento de mandados expedidos pelo órgão jurisdicional ou, ainda, para a execução de atividades tipicamente policiais.

 

Logo, é possível observar que a segurança pública não se forma apenas por ações relativas à prevenção ou investigação de crimes ou de contravenções penais, mas, na realidade, envolve toda e qualquer atividade estatal que visa permitir e garantir aos cidadãos a possibilidade de se exercer todas as formas de direitos (ZACCARIOTTO, 2005).

No âmbito da divisão da distribuição de competências, a CFRB/88, em seu art. 144, estabeleceu que:

 

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. VI – polícias penais federal, estaduais e distrital. (BRASIL, 1988).

 

A Polícia Militar é o principal órgão garantidor dos direitos humanos. Os princípios da proibição da arbitrariedade, da necessidade e da legalidade são fundamentais ao serviço desse agente. Os procedimentos adotados em uma detenção ou condução da pessoa suspeita de cometimento de um crime devem seguir à risca todos os requisitos estabelecidos pelos princípios dos direitos humanos.

Bayley (2001) afirma que os policiais militares são soldados e mantenedores da paz. Para o autor, isso significa que seu trabalho envolve muito mais deveres e responsabilidades – e é muito mais complicado – do que o de seus colegas civis. Trata-se, acima de tudo, de um dever de contribuição para o processo de pacificação social.

Para executar suas ações, cada academia possui um programa de preparação militar. Ainda que no Brasil as bases do programa possuam uma unificação, cada ente federado possui autonomia para disciplinar modalidades específicas de preparação técnicas e teóricas para preparar seu corpo de policiais militares. A lembrar que, desde o advento da CFRB/88, o ingresso na carreira militar (policial) dá-se por meio de concurso público.

Dentre as diversas técnicas que são estudadas pelo profissional ao longo de sua formação, a abordagem é uma das mais importantes. Para Pinic (2007) esse é um momento em que há um desenvolvimento de relação cotidiana entre a polícia e o público, a abordagem policial é um dos momentos mais comuns da interface entre esses atores.

Conforme Minas Gerais (1981), trata-se de uma técnica policial cujo objetivo é aproximar-se de uma pessoa, ou a pessoas, a pé, montadas ou motorizadas, e que emanam indícios de suspeição; que tenham praticado ou estejam na iminência de praticar ilícitos penais; outros. Para o autor, essa técnica tem o intuito de: investigar, orientar, advertir, prender, assistir etc.

Todavia, uma grande problemática gera-se no momento da aplicação da proporcionalidade da utilização da força quando da intervenção policial. Ainda que durante a sua formação, o agente de segurança pública seja exaustivamente treinado para lidar com situações de conflito e estresse, cada caso concreto vai exigir uma ação específica e tão somente a análise do cenário pode delimitar quais os melhores instrumentos para conter a situação e reconduzir o cenário para a ordem social.

Conforme o Minas Gerais (2002, p.78), o policial pode utilizar uma gradação quando da sua atuação da seguinte forma:

 

É a situação rotineira do patrulhamento em que não há a necessidade de intervenção da força policial. b) Cooperativo O suspeito é positivo e submisso as determinações dos policiais. Não oferece resistência e pode ser abordado, revistado e algemado facilmente, caso seja necessário prendê-lo. c) Resistente passivo. Em algumas intervenções, o indivíduo pode oferecer um nível preliminar de insubmissão. A resistência do sujeito é primordialmente passiva, com ele não oferecendo resistência física aos procedimentos dos policiais, contudo não acatando as determinações, ficando simplesmente parado. Ele resiste, mas sem reagir, sem agredir. d) Resistente ativo A resistência do indivíduo tornou-se mais ativa, tanto âmbito quanto em intensidade. A indiferença ao controle aumentou a um nível de forte desafio físico. Como exemplo, podemos citar o suspeito que tenta fugir empurrando o policial ou vítimas. e) Agressão não letal A tentativa do policial de obter uma submissão à lei chocou-se com a resistência ativa e hostil, culminando com um ataque físico do suspeito ao policial ou a pessoas envolvidas na intervenção. f) Agressão letal representa a menos encontrada, porém mais séria ameaça à vida do público e do policial. O policial pode razoavelmente concluir que uma vida está em perigo ou existe a probabilidade de grande dano físico as pessoas envolvidas na intervenção, como resultado da agressão.

 

Como já mencionado, a Constituição Federal de 1988, no já citado art. 5, estabelece o direito à integridade física. Quando do exercício da sua atividade profissional, cabe ao policial zelar pelo respeito a essa garantia sempre que possível. Ademais, no âmbito do ordenamento jurídico infraconstitucional, o Código de Processo Penal de 1941 (CPP/41), dentre outros dispositivos, em seu art. 281 dispõe que não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.

Por sua vez, o Código de Processo Penal Militar de 1969, em seu art. 234, versa que:

 

O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e seus auxiliares, inclusive a prisão do defensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas. (BRASIL, 1969).

 

Para Pinic (2007) a interpretação dos documentos normativos nacionais e dos demais tratados internacionais que o país ratificou ao longo dos anos estabelece vários deveres funcionais aos agentes de segurança pública quanto a ponderação dos usos das forças. Ainda para a autora, os encarregados da aplicação da lei podem usar a força apenas quando estritamente necessário e na medida exigida pelo desempenho de suas funções.

Conforme Minas Gerais (1981), a regra diz que o uso da força será feito quando estritamente necessário, ou seja, quando for a última opção, entenda-se, em casos excepcionais.  No entanto, conforme o Manual, isso dependerá de dois aspectos básicos: a) as circunstâncias em que o evento ocorre; e, b) do critério do policial que executa o procedimento.

Cumpre ressaltar que o termo “uso da força” é o macro, já que dentro deste grande título, está o “uso da arma de fogo”, já que este último ato é a expressão máxima do uso da força. É fácil entender, portanto, que se um policial usa arma de fogo, está usando a expressão máxima da força.

Pinic (2007) leciona que uma distinção deve ser feita entre força e violência. Para essa, força (polícia) é uma ação desenvolvida por um policial com o objetivo de atingir um objetivo legítimo, dentro de um marco legal, que observe a forma de agir em determinada situação. Essa ainda entende como o meio pelo qual o policial consegue controlar uma situação que ameace a segurança, a ordem pública, a integridade e a vida das pessoas no âmbito da lei.

Para a autora supracitada, consequentemente, “força” deve ser entendida como qualquer meio físico usado contra uma pessoa para fins de aplicação da lei, em particular para fazer cumprir uma ordem. Nesse sentido, o termo força deve ser concebido em um sentido amplo, desde o mero ato de tocar uma pessoa até o uso de arma de fogo, incluindo também o uso de meios de contenção.

A força, assim definida, deve ser aplicada por meio de ato discricionário, jurídico, legítimo e profissional. Ademais, todo uso excessivo da força” se transforma em violência e é visto como um ato ilegal, ilegítimo e não profissional. Tal ação está passível a processos administrativos e de ética para averiguação da conduta do profissional.

Por fim, destaca-se que o uso indiscriminado da força pode, neste sentido, constituir violação do art. 4º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do art. I da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Logo, o policial não deve temer o uso da força, na medida em que seu objetivo é sempre garantir a vida e a integridade física das pessoas (próprias, da vítima ou de terceiros), mas não pode abusar da utilização dessa qualidade.

 

1.2 Compreensão Da Natureza Interpretativa Da Norma Jurídica

A questão de como melhor determinar o significado de um dado texto (jurídico ou não) sempre foi a principal preocupação do campo geral de investigação, conhecido como hermenêutica. A hermenêutica jurídica está enraizada na hermenêutica filosófica e tem como objeto a natureza do significado jurídico.

Conforme Ramos (2010), a hermenêutica se refere à teoria e prática da interpretação, onde a interpretação envolve um entendimento que pode ser justificado. Essa descreve um corpo de metodologias historicamente diversificadas para interpretar textos, objetos e conceitos e uma teoria da compreensão.  Streck (2011) trata-se da arte ou ciência da interpretação e como tal tende a tornar o ininteligível inteligível e comunicável.

Conceitualmente, Schleiermacher (1999) aponta que essa se coloca como a arte da interpretação ou, em palavras ainda mais gerais, a arte da compreensão. Ainda como o autor, sua etimologia provavelmente remonta ao deus-mensageiro grego Hermes, de pés alados. Hermes trouxe mensagens dos deuses aos seres humanos, e essas mensagens deveriam ser transmutadas em uma forma que a inteligência humana pudesse compreender.

Schleiermacher (1999) aponta que quando da descoberta da linguagem e da escrita – as ferramentas que a compreensão humana emprega para compreender o significado e transmiti-lo aos outros, essa habilidade de traduzir a linguagem dos deuses para a linguagem dos humanos também foi atribuída pelos gregos a videntes que tentavam prever o futuro, interpretando vários tipos de sinais encontrados na natureza. Além disso, o autor aponta que a palavra grega hermeios referia-se ao padre que ajudava o oráculo de Delfos, interpretando suas respostas às perguntas feitas por visitantes em busca de conselhos.

A interpretação não era, portanto, uma atividade confinada à leitura de textos, mas era essencial à condição humana como tal. Não poderia haver encontro com um objeto (ou outro sujeito) fora de uma estrutura interpretativa. Esse pré-entendimento não foi criado por sujeitos individuais por meio de intenção consciente. Em vez disso, era o horizonte dentro do qual toda ação e compreensão aconteciam.

De fato, lembra Montoro (2011) que a questão da interpretação não surgia se dois assuntos se movessem no mesmo horizonte de inteligibilidade. Entender-se era então uma questão natural, como nas interações cotidianas com pessoas e textos (como jornais ou extratos bancários). A interpretação torna-se problemática apenas quando o horizonte ou a inteligibilidade do falante (ou autor) e do ouvinte (ou leitor) divergem.

Descreve Stein (1994) que a história da hermenêutica se estende por épocas, métodos e todas as disciplinas das humanidades, ciências sociais e até mesmo das ciências naturais. Em última análise, a hermenêutica é concebida como uma teoria da comunicação da troca de informações desenvolvida a partir de antigas teorias da verdade até as teorias de ontologia e compreensão do século XX.

A hermenêutica é, portanto, uma disciplina que se propõe a especificar e justificar uma metodologia de interpretação, originalmente de textos, mas por extensão de muitas outras interpretada. Também foi chamada de ciência ou arte da interpretação. Nesse sentido, Schleiermacher (1999) aponta que tem sido uma prática comum distinguir entre:

 

[…] uma hermenêutica geral que cobre todas as disciplinas de interpretação e (2) várias subespécies de hermenêutica de domínio ou disciplina específica, incluindo, particularmente, hermenêutica sacra, isto é, hermenêutica da Bíblia, e hermeneutica iuris, isto é, hermenêutica legal e também arqueológica histórica, literária, história da arte e hermenêutica musical (SCHLEIERMACHER , 1999, p. 75 ).

 

Schleiermacher (1999) aponta que enquanto a hermenêutica geral tem sido tradicionalmente concebida como uma disciplina filosófica, comumente como parte da lógica em um sentido amplo (incluindo metodologia e partes do que hoje é chamado de epistemologia), os diferentes tipos de hermenêutica especial geralmente têm sido atribuídos às suas respectivas disciplinas (Bíblia hermenêutica à teologia, hermenêutica literária aos estudos literários e assim por diante), embora alguns filósofos preferissem considerar as artes de interpretação de domínio específico como meras aplicações da hermenêutica geral a um objeto especial.

Maxilimano (1996) explica a aproximação dessa área do conhecimento ao direito, visto que a interpretação é um meio de compreensão, a hermenêutica tem dois conceitos principais, compreensão e interpretação, e deve, portanto, consistir em duas partes principais: (1) uma teoria, ou pelo menos uma concepção, de compreensão e (2) uma metodologia de interpretação.

Atualmente, afirma que o termo hermenêutico, na maioria das vezes, se refere a um ideal metodológico encontrado nas humanidades em contraste com os métodos das ciências naturais. Nas humanidades, os pesquisadores lidam com textos, que precisam ser interpretados e compreendidos, ao invés de explicados por leis da natureza. Para o autor. um texto quer dizer algo e tem um significado embutido que se dirige a nós; os fenômenos que as ciências naturais investigam, como quarks, moléculas, doenças ou furacões, não têm esse significado.

No entanto, essa compreensão moderna da hermenêutica como método é, se não errada, pelo menos incompleta: a hermenêutica precisa ser considerada como uma filosofia da compreensão humana em geral, a fim de revelar sua relevância nos campos das diferentes ciências. Além disso, a hermenêutica, quando entendida de maneira adequada e completa, tem implicações não apenas para os métodos das ciências (humanas), mas também para a nossa compreensão das diferentes práticas humanas (por exemplo, várias profissões) e questões éticas.

Schleiermacher (1999) aponta que com o desejo dos filósofos do Iluminismo de proceder em todos os lugares a partir de certos princípios e sistematizar todo o conhecimento humano, a hermenêutica tornou-se um instrumento jurídico. Para esse, seguindo o exemplo de Aristóteles, os jurisfilósofos do Iluminismo viam a hermenêutica e seus problemas como pertencentes ao domínio da lógica.

Ainda no percurso histórico, o autor afirma que nos séculos XIX e XX, sob as várias influências do Romantismo, do secularismo, do materialismo, do vitalismo e da fenomenologia, os estudos hermenêuticos orientaram-se para os aspectos psicológicos, históricos e subjetivos de interpretação. Para Schleiermacher (1999) embora o tratamento da hermenêutica difira de autor para autor, pode ser diferenciado da semântica por ser:

 

[…] orientado mais para o significado holístico dos textos, ao invés do significado individual de unidades linguísticas menores, como frases ou palavras focada em explicações históricas e humanistas de interpretação, em vez de relatos científicos e objetivos, funcionais de verdade mais intimamente conectado com as abordagens tradicionais da linguagem – retórica, gramática, exegese bíblica e genealogia da linguagem – do que semântica direcionado para o lado interno, em vez de externo “do nosso uso de signos” – para como os signos são compreendidos, em vez de, inversamente, como os conceitos podem ser significados interessado em características semânticas disruptivas do significado – ambigüidade, paradoxo e contradição não são características a serem “explicadas”, mas sim características intrínsecas de uma explicação do significado (SCHLEIERMACHER, 1999, p. 98).

 

Continuando o percurso histórico, o autor afirma que os juristas do século XX que trabalham na tradição hermenêutica também apontaram para uma relação estrutural necessária entre a compreensão holística e a interpretação atomística, representada pelo ‘círculo hermenêutico’.

Quando desse modelo de interpretação, Schleiermacher (1999) aponta que é caracterizado por descrever um padrão de aprendizagem circular virtuoso, em vez de vicioso, em relação a um texto, discurso ou tradição – à medida que as partes individuais são interpretadas, a compreensão do todo se torna mais clara; e como o texto como um todo é mais bem compreendido, novas partes podem ser melhor interpretadas. Lembra-se que um dos principais expoentes dessa escola é o alemão Heiddeger.

Para Schleiermacher (1999) ainda é possível verificar um outro método interpretativo que é o ontológico. Contudo, para o autor, sua aplicabilidade tem uma função de complementaridade com o discutido anteriormente entre duas abordagens para alinhar ontologias. Assim, o método ontológico teria uma correspondência de ontologias – tradução de conceitos atômicos encontrados dentro deles – e avaliando a comensurabilidade – comparando holisticamente os esquemas conceituais subjacentes a esses

Da mesma forma, onde a interpretação atômica funciona a partir das características explícitas das próprias ontologias, o desenvolvimento de uma compreensão holística também envolve as suposições e compromissos implícitos assumidos por aqueles que os projetam e usam.

Para Para Schleiermacher (1999), embora tipicamente direcionada a textos históricos, literários ou filosóficos, então, a hermenêutica faz várias distinções e afirmações que não podem ser menos aplicadas à interpretação de ontologias. e outros sistemas de informação – como textos de um tipo diferente. Considerando que a ambiguidade em textos poéticos é, muitas vezes, intencional, sendo um efeito colateral inútil de suposições tácitas no caso de ontologias – e uma orientação hermenêutica ‘ampla’, que busca examinar textos contra o pano de fundo de condições históricas e contextuais, pode ser útil para tornar essas suposições explícitas.

Na filosofia do direito convencional, a hermenêutica jurídica está mais alinhada com o interpretativismo jurídico. O interpretivismo jurídico está conceitualmente posicionado entre os dois subcampos principais da filosofia do direito: o positivismo jurídico e a teoria do direito natural. Embora a corrente principal da filosofia, o direito tenha muitas faces e inclua, entre outras teorias, realismo jurídico, formalismo jurídico, pragmatismo jurídico, e a teoria do processo legal, o positivismo jurídico e a teoria da lei natural formam os pólos teóricos entre os quais cada uma das teorias dominantes pode ser compreendida como estando. O positivismo jurídico é a visão, em linhas gerais, de que não há conexão necessária entre o direito e a moralidade e que o direito não deve sua legitimidade nem sua autoridade a considerações morais (Feinberg e Coleman 2008; Patterson 2003). A validade da lei, para o positivista jurídico, é determinada não por seu conteúdo moral, mas por certos fatos sociais (Hart 1958, 1961; Dickson 2001; Coleman 2001; Gardner 2001). A teoria da lei natural é baseada no trabalho de dois pensadores principais: John Finnis e Lon Fuller. Para Finnis, uma lei injusta não tem autoridade (Finnis 1969; 1980; 1991), e para Fuller, uma lei imoral não é lei de forma alguma (Fuller 1958). Teoria da lei natural, de um modo geral, então,

Os métodos interpretativos do direito internacional se enquadram em quatro categorias: textual, sistemático (ou contextual), proposital (ou teleológico) e histórico. Eles são congruentes com os quatro métodos de interpretação legal identificados por Friedrich Karl von Savigny.

Savigny (1994) descreve o elemento ‘sistemático’ (contextual) como o ‘vínculo interno que conecta todos os institutos jurídicos e normas jurídicas de modo a formar um todo unitário’. Nesse contexto, segundo esse, limita-se aos atos jurídicos e às instituições. Não inclui elementos como o meio sociocultural em que ocorre a interpretação. O entendimento desse sobre o contexto pressupõe que a lei é um todo unitário e coerente (‘sistemático’), e não um agregado de atos jurídicos que podem ser interpretados isoladamente.

Montoro (2011) afirma que a interpretação sistemática é um método interpretativo comum em todas as jurisdições que adotaram os quatro métodos de Savigny (1994) e é usado em países de direito consuetudinário.   Parsa o autor, vários motivos justificam olhar para o contexto da lei. Em primeiro lugar, se ler o texto da lei é, intuitivamente, o primeiro passo interpretativo, prestar atenção ao seu contexto é o segundo.

Uma disposição legal é parte de um esquema regulatório mais amplo. Mesmo as leis não escritas não existem no vácuo. Esses pertencem a um padrão de direitos e deveres. Em segundo lugar, os funcionários devem cumprir a lei. Se os juízes interpretarem um ato jurídico isoladamente, eles podem violar outras normas legais. Tais interpretações também podem impor obrigações contraditórias aos súditos da lei.

Para a Montoro (2011) interpretação sistemática não vem sem uma série de críticas. Primeiro, pode exigir que os juízes ultrapassem seus poderes institucionais. Se a legislatura adota duas leis contraditórias (como costuma fazer, deliberadamente ou não), não cabe aos juízes intervir. No entanto, essa objeção pode ser invertida dizendo que um bom raciocínio judicial exige previsibilidade, clareza e, o que é importante, consistência.

Savigny (1994) definiu o objetivo da lei como ‘o efeito que a lei se destina a obter’. Esse considerou que a interpretação intencional deve ser conduzida excepcionalmente e apenas ‘com grande cautela’. Montoro (2011) lembra que atualmente, em jurisdições de direito civil como no Brasil, a interpretação proposital está no mesmo nível de outros métodos interpretativos. Também é usado em jurisdições de direito consuetudinário.  Alguns juízes domésticos até endossam teorias interpretativas intencionais.

Savigny (1994) define a interpretação histórica como a confiança nas circunstâncias prevalecentes quando uma determinada lei entrou em vigor. Com base na obra de Savigny, alguns sistemas jurídicos continentais, como o suíço ou o alemão, distinguem entre interpretação histórica objetiva e subjetiva.

Às vezes chamado de terceira via, principal teoria do direito, interpretivismo jurídico, desenvolvido por Dworkin (2019), é a visão de que o direito é essencialmente interpretativo por natureza e que ganha autoridade e legitimidade a partir de princípios jurídicos.

De fato, Dworkin entende que esses princípios não são nem regras básicas nem princípios morais, mas um conjunto de diretrizes para a interpretação que são geradas a partir da prática jurídica. Streck (2011) descreve interpretivismo jurídico como um híbrido entre positivismo jurídico e teoria do direito natural pela razão de que os princípios de Dworkin (2011) parecem se qualificar tanto como regras quanto por ter um tipo de qualidade normativa que é semelhante aos princípios morais.

Embora a lei seja de natureza interpretativa, nessa visão, o processo interpretativo para no ponto em que um julgamento deve ser feito sobre o que a lei significa, de preferência por alguém bem versado na tradição jurídica relevante. Uma vez feito esse julgamento, temos nossa resposta. O significado foi determinado.

 

  1. RESULTADOS E DISCUSSÕES

2.1 Pensando O Policial Militar Como Um Operadora Da Hermenêutica Jurídica

Conforme Ramos (2015), o estado de direito não é incompatível com o exercício da autoridade. No entanto, é inconsistente com o exercício da autoridade de maneira arbitrária. Na verdade, a autoridade governamental é essencial para um sistema de governo por lei.

Para o autor, a administração da justiça é uma função central do governo, desenvolvida precisamente para prevenir a violência ou o exercício de qualquer forma de coerção por parte dos fortes, poderosos ou ricos contra outros, menos poderosos ou menos abastados ou menos organizados. O exercício adequado da autoridade governamental é, repito, um aspecto essencial do Estado de Direito.

No entanto, não basta preocupar-se apenas com a aplicação sistemática e consistente de um corpo de regras gerais. Isso é apenas o estado de direito, não o estado de direito. O primeiro é um pré-requisito do último, mas não é um substituto para ele, muito menos seu equivalente.

Segundo Vega (2002), uma injustiça hermenêutica ocorre quando há um déficit em nossas ferramentas compartilhadas de interpretação social (o recurso hermenêutico coletivo), de modo que grupos sociais marginalizados ficam em desvantagem para dar sentido às suas experiências distintas e importantes.

Por sua vez, Streck (2002) afirma que o relato do autor supracitado ignora ou impede um fenômeno que chamo de dissidência hermenêutica, em que grupos marginalizados produziram suas próprias ferramentas interpretativas para dar sentido a essas experiências. Esclareço a natureza da injustiça hermenêutica para dar lugar à dissidência hermenêutica, desobstruindo a estrutura do recurso hermenêutico coletivo e o dano fundamental da injustiça hermenêutica. Em seguida, forneço um relato mais matizado dos recursos hermenêuticos em jogo em casos de injustiça hermenêutica, permitindo que seis espécies de injustiça sejam distinguidas.

Lembra Vega (1985) que não existe um conteúdo universalmente aceito do Estado de Direito, por consequência na atividade policial. Na jurisprudência de alguns, o conceito abrange formas de governo, sistemas econômicos e direitos humanos. O rótulo se torna progressivamente menos útil à medida que seu escopo se estende. Uma flexibilidade ou indeterminação semelhante surge na ideia equivalente em outras línguas, por exemplo, Rechtsstaat, État de droit, Stato di diritto, Estado di derecho (VEGA, 1985).

Quando do exercício da força polícia, Pinic (2007) lembra que a primeira diz respeito à polícia entre cidadão e cidadão e a segunda diz respeito à relação entre cidadão e Estado. Essas foram descritas, respectivamente, como as funções horizontal e vertical do Estado de Direito.

Para o autor, a função horizontal atende a objetivos sociais e econômicos significativos, garantindo que pessoas e grupos possam interagir uns com os outros com confiança. A função vertical também tem significado social e econômico, mas seus objetivos primários são constitucionais e, portanto, tem implicações políticas. A função vertical se preocupa em garantir que aqueles que detêm o poder, especialmente governos, operem dentro e estejam sujeitos a uma estrutura legal abrangente e, portanto, passível de interpretação.

Da perspectiva do policial e do cidadão, o conteúdo mínimo do estado de direito é que os direitos e deveres das pessoas na comunidade e as consequências da violação de tais direitos e deveres sejam passíveis de determinação objetiva. Só se for esse o caso é que as pessoas e os grupos da sociedade podem interagir uns com os outros com confiança e, assim, promover a coesão social e o progresso económico.

Ainda para Pinic (2007) todas as formas de interação social, incluindo a interação econômica, são impedidas por um sistema em que os direitos pessoais e de propriedade estão sujeitos a incursões imprevisíveis e arbitrárias, de modo que as pessoas vivem com medo ou agem com base na suspeita, e não com base em que outros agirão de maneira previsível. É a previsibilidade que estabelece a necessária sensação de segurança e confiança para agir.

Para Streck (2011), O estado de direito não é simplesmente um sistema que contém regras que devem ser obedecidas. A lei é um sistema a ser usado pelos cidadãos para sua própria proteção e seu próprio avanço nas relações com o Estado e com outros cidadãos. Assim, deve-se pensar nesse modelo incluindo o componente em um momento exige que uma série de características estejam presentes em um grau razoavelmente alto na operação prática do sistema jurídico. Nenhuma das proposições a seguir deve ser entendida como absoluta.

Lembra Ramos (2015) que toda autoridade, incluindo todos os aspectos da autoridade governamental, deve encontrar uma fonte final na lei. É este princípio que garante que o Estado de Direito difere do exercício arbitrário do poder. Toda autoridade está sujeita e limitada pela lei. Consequentemente, ninguém acusado de violar a lei pode defender a acusação com base em que a violação ocorreu por ordem de um superior.

Logo, esse considera que a proposição básica de que funcionários do governo e outras figuras poderosas da sociedade não estão isentos da aplicação da lei é parte do conteúdo central do Estado de Direito. A menos que estejam tão sujeitos, o exercício do poder torna-se um puro exercício de vontade. Este aspecto do estado de direito é frequentemente considerado em termos de direito constitucional.

Diante disso, Ramos (2015) considera que os cidadãos só podem ser punidos – sujeitos a constrangimentos ou lesões pessoais ou materiais – por violação da lei e de acordo com a lei. Outros cidadãos, empresas, grupos ou qualquer braço do governo não podem impor tal efeito, a não ser de acordo com a lei.

Ademais esse considera conceito de Estado de Direito, deve-se pensar na a preservação das liberdades políticas e civis e a proteção dos direitos humanos. Esses são assuntos que têm seus próprios discursos separados. No entanto, o autor execepcionaa ideia de que certas consequências não podem ocorrer aos cidadãos sem a aplicação da lei exige necessariamente um espaço residual de liberdade de caráter negativo. O discurso da liberdade e dos direitos humanos aborda as mesmas questões de forma positiva. É a primeira abordagem negativa que considero um componente do Estado de direito.

Lembra Streck (2011) que um estado não pode alegar estar operando sob o império da lei, a menos que as leis sejam administradas de maneira justa, racional, previsível, consistente e imparcial. Influências externas inadequadas, incluindo incentivos e pressões, são inconsistentes com cada um desses objetivos. A justiça requer um processo razoável de consideração dos direitos e deveres afirmados. A racionalidade requer uma relação razoável entre os direitos e deveres e o resultado. A previsibilidade requer um processo pelo qual o resultado está relacionado aos direitos e deveres originais. A consistência requer que casos semelhantes levem a resultados semelhantes. A imparcialidade exige que o tomador de decisão seja indiferente ao resultado. A influência inadequada distorce todos esses objetivos. O mesmo ocorre com a incompetência e a ineficiência.

Ramos (2015) ressalta que as instituições jurídicas são interdependentes. Na área da justiça criminal, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário têm uma relação simbiótica na qual o desempenho e as funções de cada um dependem em grau substancial da capacidade e integridade de cada um dos outros. O mesmo tipo de relacionamento existe em outras áreas do direito, envolvendo uma ampla gama de autoridades regulatórias e órgãos de adjudicação, incluindo tribunais. Se os poderes dados a qualquer participante desse processo forem abusados por serem exercidos indevidamente, por exemplo, para servir aos interesses daqueles que detêm o poder, todo o sistema é distorcido – na verdade, pervertido.

Machado (1996) aponta que a longa experiência ao longo de muitas gerações e em muitas sociedades diferentes estabeleceu certos requisitos de desenho institucional do judiciário para um sistema de Estado de Direito. Esses requisitos são os mesmos, quer o Estado de direito seja abordado na perspectiva do cidadão e cidadão, quer na perspectiva do cidadão e do Estado. Os mais significativos desses requisitos são geralmente referidos em termos da necessidade de independência judicial.

Ademais, de particular, esse considera a importância de uma gama de questões que surgem na interface inevitável entre o judiciário e o braço executivo do governo. O judiciário e a polícia são um braço do governo e não pode ser totalmente isolado de outros braços do governo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existem muitas opções no desenho institucional do sistema de segurança pública com relação a essas questões. Na medida em que a sociedade deseja ser conhecida como uma sociedade em que o estado de direito opera, é essencial que os guardiões finais do estado de direito tenham o nível de integridade e o status que permite que os tribunais atuem como uma restrição efetiva sobre o exercício do poder e como fonte de orientação social.

Ademais, com o desenvolvimento do objeto desse estudo, percebeu-se que uma compilação útil dos princípios relevantes do desenho institucional, expressos de modo a serem aplicados a uma gama significativa de diferentes sistemas jurídicos e estruturas constitucionais.

Um estado não pode alegar estar operando sob o império da lei, a menos que as leis sejam administradas de maneira justa, racional, previsível, consistente e imparcial. Influências externas inadequadas, incluindo incentivos e pressões, são inconsistentes com cada um desses objetivos. A justiça requer um processo razoável de consideração dos direitos e deveres afirmados.

Ainda que na atividade policial ostensiva, a racionalidade requer uma relação razoável entre os direitos e deveres e o resultado. A previsibilidade requer um processo pelo qual o resultado está relacionado aos direitos e deveres originais. A consistência requer que casos semelhantes levem a resultados semelhantes. A imparcialidade exige que o tomador de decisão seja indiferente ao resultado. A influência inadequada distorce todos esses objetivos.

 

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[1] Pós Graduando em Direito Público pela Universidade Legale  ([email protected])

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