O processo da usucapião extrajudicial: legislação, natureza jurídica e procedimentos

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Autor: Eurimar Nogueira Garcia – Mestre em História pela UFG e graduando em Direito pela Faculdade de Inhumas (FACMAIS)

Orientador: Professor Ms. Marco Antônio do Carmo

Resumo: Neste artigo será tratado, partindo do método bibliográfico (análise de legislação e doutrina) os aspectos processuais da usucapião extrajudicial, quais sejam, a legislação, natureza jurídica do processo de usucapião extrajudicial e os procedimentos indispensáveis para se processar e julgar os pedidos de reconhecimento da prescrição aquisitiva.

Palavras-chave: usucapião extrajudicial-aspectos processuais- natureza jurídica

 

Abstract: In this article, starting from the bibliographic method (analysis of legislation and doctine), the procedural aspects of extrajudicial usucapion, namely, the legislation, legal nature of teh extrajudicial usucapion process and the indispensable procedures for processing and judging requests for recognition of acquisitive prescription.

Keywords: extrajudicial usucapion- procedural aspects-legal nature.

 

Sumário: Introdução; 1 Legislação processual 2 Natureza Jurídica; 3 Procedimentos; 3.1 Competência Administrativa; 3.2 Requerimento, autuação e juízo de admissibilidade; 3.3 Notificação dos interessados certos; 3.4 Intimação dos entes públicos; 3.5 Publicação de edital 3.6 Impugnação;3.7 Decisão fundamentada; 3.8 Registro ou Recurso de Dúvida;  Conclusão; Referências.

 

Introdução

Inspirado no preceito da desjudicialização, o Código de Processo de 2015 (Lei nº 13.105/2015), trouxe muitas novidades. Além da valorização dos métodos alternativos de resolução de conflitos (mediação, conciliação e arbitragem), também trouxe um novo instituto para o nosso ordenamento jurídico. Trata-se da usucapião extrajudicial, trazido pelo art. 1071 do novo diploma processual.

Este artigo, partindo do método bibliográfico (análise da legislação e da doutrina) busca apresentar a legislação processual, a natureza jurídica e os procedimentos para processamento e julgamento das pretensões aquisitivas que se processarem pela usucapião extrajudicial.

 

1 Legislação Processual

As normas de direito processual que regulamentam o instituto da usucapião extrajudicial estão estampadas no Código de Processo Civil (Lei Nº 13105/2015), na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6015/1973), no Provimento 65/2017 do CNJ e na Lei nº 13.465/2107.

Em seu artigo 1071, o CPC/2015 ordenou a inserção do artigo 216-A na Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), in verbis: “Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado (…).”

 

O provimento 65/17 do CNJ veio para melhor disciplinar a organização do processo administrativo da usucapião extrajudicial. Do conteúdo da petição inicial até o (in) deferimento do pedido.

Mello (2018) destaca que a Lei n. 13.465/2017 trouxe dois grandes avanços para o processo administrativo da usucapião extrajudicial. O primeiro foi alterar a presunção de discordância para concordância, nos casos em que os interessados notificados se silenciarem; a segunda foi autorizar a citação por edital dos interessados certos não encontrados ou que estejam em local incerto ou não sabido. Mais razoabilidade e dinâmica ao processo.

 

2 Natureza Jurídica

Tendo a natureza jurídica de um processo administrativo[1], a usucapião extrajudicial é marcada por um conjunto de atos jurídicos (procedimentos) que são indispensáveis ao resultado final (deferimento ou indeferimento do pedido de reconhecimento da prescrição aquisitiva da propriedade ou de outro direito real ou o encaminhamento do feito para a esfera judicial, caso haja impugnação que configure o litígio).

A natureza jurídica de processo administrativo da usucapião extrajudicial alcança todas as fases do processo, passando pela instrução, julgamento e procedimento de dúvida.  Essa natureza jurídica é afirmada por Mello (2018), para quem a usucapião extrajudicial constitui processo administrativo tendente ao registro da propriedade imobiliária (2008, p. 153)

A natureza administrativa do processamento da usucapião extrajudicial também é defendida por Brandelli (2016) e por Nobre (2018). Nas palavras deste último: “o registrador não pratica atos judiciários. Não é guarnecido das garantias próprias da magistratura, nem de seus deveres específicos. Sua decisão tem natureza de ato administrativo, sendo desprovida das características constitucionalmente asseguradas à coisa julgada.” (NOBRE, 2018, p.71).

Como foi dito, o processo da usucapião extrajudicial num todo é eminentemente administrativo. Do requerimento até a apelação contra sentença prolatada em sede de procedimento de dúvida. O art. 204 da LRP declara a natureza administrativa do procedimento de dúvida, verbis: “art. 204 – A decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente.” A jurisprudência e a doutrina também entendem assim.

Em abril de 2019, o Superior Tribunal de Justiça negou conhecimento ao Recurso Especial Nº 1.628.982 – GO (2016/0255584-1), sob o fundamento de que, mesmo que o procedimento de dúvida registral tenha sido julgado por órgão do Poder Judiciário ele ainda mantém sua natureza administrativa. Quando o juiz corregedor ou Tribunal julga esses procedimentos estão atuando em função atípica. Segue ementa da decisão:

Recurso Especial – Procedimento de dúvida registral – Natureza administrativa – Causa – Ausência – Não cabimento de recurso especial – 1. De acordo com o entendimento desta Corte Superior, o procedimento de dúvida registral possui natureza administrativa (art. 204 da Lei de Registros Públicos), não qualificando prestação jurisdicional – 2. Não cabe recurso especial contra decisão proferida em procedimento administrativo, afigurando-se irrelevantes a existência de litigiosidade ou o fato de o julgamento emanar de órgão do Poder Judiciário, em função atípica. Precedente da Segunda Seção – Recurso especial não conhecido. (Nota da Redação INR: ementa oficial). Dados do processo: STJ – REsp nº 1.628.982 – Goiás – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi Fonte: DJ/SP de 03.05.2019- (Grifos meus)

 

Castanheira (2012), apresenta a didática definição: “a natureza da decisão proferida no procedimento (de dúvida) é, pois, administrativa, não fazendo coisa julgada material, como pacificado na doutrina e na jurisprudência, de sorte que não se sujeita aos efeitos da imutabilidade” (2012, p. 08)

 

Sendo o processo de usucapião extrajudicial de natureza administrativa, do começo ao fim, os efeitos mencionados por Castanheira (2012) para o procedimento de dúvida se aplicam a todas as decisões dadas no processo usucapião extrajudicial. Elas não fazem coisa julgada material, não obtendo assim a tendência da imutabilidade que é típica das decisões jurisdicionais propriamente ditas.  Esse importante efeito é destacado por Mello (2018) quando afirma “o que mais diferencia a jurisdição administrativa da usucapião da atividade jurisdicional propriamente dita, afeta ao Poder Judiciário, é o caráter de definitividade da sentença declaratória transitada em julgado, a sua imutabilidade.” (2018, p.258)

 

Destacada a natureza jurídica de processo administrativo da usucapião extrajudicial, passamos a uma sucinta abordagem dos procedimentos desse processo administrativo.

 

3 Procedimentos

Trataremos neste tópico das etapas/procedimentos essenciais do processo de usucapião extrajudicial, exigidos tanto pelo art. 216-A da LRP quanto pelo Provimento 65/2017 do CNJ. As etapas são: 1- Definição da Competência; 2 Requerimento, autuação e juízo de admissibilidade; 3 Notificação dos interessados certos; 4 Intimação dos entes públicos; 5 Publicação de edital; 6 Impugnação; 7 Decisão fundamentada (deferimento/indeferimento); 8 Registro ou Recurso de Dúvida.

 

3.1 Competência administrativa[2]

Aqui urge voltar-se tanto para o problema da constitucionalidade da competência dos serviços registrais quanto para a definição da competência territorial para o processamento e julgamento da usucapião extrajudicial.

Em sua obra, Mello (2018) diz que a o instituto da usucapião extraordinária é uma ferramenta para garantia do acesso a uma ordem jurídica justa, estando portanto a serviço de um princípio constitucional fundamental. Mas por outro lado, não estaria agredindo um outro princípio umbilicalmente ligado a esse, qual seja, o da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV)? Não.

Não porque a via jurisdicional é uma concorrente, sempre disponível ao interessado direto (requerente) ou indireto (titulares de direitos reais sobre o imóvel usucapiendo ou sobre os imóveis confinantes, além dos possuidores confinantes com possibilidade de aquisição prescritiva). O requerente tem a liberdade de optar por qual órgão recorrer, o juízo ou a serventia de registro de imóveis.

Essa concorrência de competência está no caput do art. 216-A da LRP, que também é reproduzida no caput do art. 2º do Provimento 65/2017 do CNJ. Verbis: “Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião (…)”. Não bastasse a clareza do caput do art. 2º do citado provimento, o §2º desse mesmo artigo volta a destacar a concorrência das competências. Verbis: “será facultada aos interessados a opção pela via judicial ou pela extrajudicial”(…).

Além disso, havendo impugnação fundamentada contra o pedido do requerente, o oficial de registro de imóveis deverá encerrar o processo na via administrativa, sem resolver o mérito, e encaminhá-lo ao juízo competente, conforme ordenança do § 10 do art. 216-A da LRP.

Expandindo as possibilidades da usucapião extrajudicial, a segunda parte do § 2º do art. 216-A da LRP autoriza que o interessado peça a suspensão do procedimento na via judicial, pelo prazo de 30 (trinta) dias, ou a própria desistência da via judicial, e busque pela extrajudicial quando não houver litigio.

Homenageando a economia processual e incentivando a desjudicialização, o § 3º do art. 2º do Provimento 65/2017 do CNJ diz que, homologada a desistência da via judicial, as provas nela produzidas poderão ser utilizadas na via extrajudicial.

As portas do juízo nunca se fecham, do início ao fim do procedimento extrajudicial. Mesmo quando o pedido for rejeitado/indeferido na esfera extrajudicial poderá o requerente demandar frente ao juízo competente.  O § 9º do art. 216-A da Lei 6015/1973 diz que “a rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião”.  A mesma possibilidade é admitida no § 3º do art. 17 do Provimento 65/2017 do CNJ.

Resta cristalino, portanto, que a concorrência de competência entre a jurisdição do juízo e a administrativa é ampla. A primeira está sempre disponível, restando assim respeitado o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CF).

Voltando-se para a questão da competência territorial, o caput do art. 216-A da Lei 6015/1973 diz que o pedido de reconhecimento da usucapião extrajudicial deve ser (…) “processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo.”  O art. 2º do Provimento 65/2017 reforça essa competência e acrescenta que, em caso de imóvel situado em mais de uma circunscrição, o pedido deverá ser processado e julgado onde estiver localizado a maior parte desse imóvel.

Suponhamos que o requerente pretenda usucapir uma fazenda de 500 (quinhentos) hectares na modalidade extraordinária. Desse total, 300 (trezentos) hectares estão localizados na comarca de Goiânia-Go, e outros 200 (duzentos) na comarca de Goianira-Go. Claro está então que o requerimento deverá ser feito ao oficial de registros de imóveis da comarca de Goiânia-Go, por lá estar localizado a maior parte da fazenda, na respectiva serventia competente para fixar o registro.

Tratando de organização de procedimentos para o processo de usucapião extrajudicial, é curial se atentar para as regras de competência, pois como nos lembra Mello (2018, p. 272), o cumprimento delas é condição primária para a validade do ato administrativo, pois tem natureza absoluta.

 

3.2 Requerimento, autuação e juízo de admissibilidade

De acordo com o art. 3º do Provimento 65/2017 do CNJ, o requerimento extrajudicial da usucapião deverá atender, no que couber, os requisitos estabelecidos no art. 319 do Código de Processo Civil e deverá indicar a modalidade de usucapião requerida; sua base legal ou constitucional; a origem e as características da posse, a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo, com a referência às respectivas datas de ocorrência; o nome e estado civil de todos os possuidores anteriores cujo tempo de posse foi somado ao do requerente para completar o período aquisitivo; e o número da matrícula ou transcrição da área onde se encontra inserido o imóvel usucapiendo ou a informação de que não se encontra matriculado ou transcrito.

Esse requerimento apresentado para protocolo no Cartório de Registro de Imóveis deve, conforme prescreve o art. 4º do Provimento 65/2017 do CNJ, estar assinado por advogado ou defensor público constituído pelo requerente e instruído com a documentação exigida pelo Provimento[3].

Toda essa documentação anexada ao requerimento é protocolada no Cartório de Registros Públicos. O oficial de registros recebe os documentos, realiza a prenotação no livro 01 (de protocolo) e abre os autos de um novo processo (autuação), com numeração própria. A numeração da prenotação[4] é muito importante pois, conforme destaca Couto (2019), confere prioridade e preferência ao direito real a ser inscrito.

Depois de prenotado e autuado o pedido, toda nova documentação apresentada pelo autor ou por outros interessados deverá ser anexada aos autos, que podem ser consultados por qualquer interessado no balcão da serventia.

Com a documentação em mãos, o oficial registral, faz uma análise formal para verificar se toda documentação exigida pelo art. 4º do Provimento 65/2017 do CNJ está presente. Na ótica de Couto (2019), faltando documentos, o advogado do requerente deverá ser intimado para suprir as ausências (aplicação subsidiária do art. 321 do CPC). Não sendo suprida a documentação indispensável, o pedido deverá ser rejeitado e o processo finalizado.  Estando a documentação em ordem é proferida decisão de conteúdo positivo de admissibilidade e se avança para a etapa de cientificação dos interessados certos e incertos.

 

3.3 Notificação dos interessados certos

Estando a documentação em ordem e admitido o pedido para o processamento da usucapião extrajudicial pelo oficial registral, deve-se observar se os titulares registrais do imóvel usucapiendo, dos imóveis confinantes, e dos ocupantes confrontantes anuíram com a pretensão do autor, assinando na planta e memorial descritivo ou documento autônomo. Se essas anuências ainda não tiverem sido obtidas, em nome do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, deve-se proceder conforme recomenda o art. 10 do Provimento 65/2017 do CNJ, verbis: “Art. 10. Se a planta mencionada no inciso II do caput do art. 4º deste provimento não estiver assinada pelos titulares dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes ou ocupantes a qualquer título e não for apresentado documento autônomo de anuência expressa, eles serão notificados pelo oficial de registro de imóveis ou por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos para que manifestem consentimento no prazo de quinze dias, considerando-se sua inércia como concordância.”

Essa notificação poderá ser feita pessoalmente ou por meio de carta com aviso de recebimento, sempre acompanhada de toda documentação que instruiu o processo, conforme estabelece o § 3º do supramencionado art. 10. Os outros parágrafos desse artigo disciplinam esse procedimento de notificação.

Havendo perfeita identidade entre a descrição tabular[5] e a área objeto do requerimento da usucapião extrajudicial, fica dispensada a notificação dos confrontantes do imóvel, conforme estatui o § 10º do art. 10 do Provimento 65/2017 do CNJ.

Outra possibilidade de dispensa de notificação consta no art. 13 do mencionado Provimento. O consentimento do titular registral é dispensado quando o requerente apresente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão cível recente (não anterior a 30 dias do requerimento) que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente envolvendo o imóvel usucapiendo.

 

3.4 Intimação dos entes públicos

O § 3º do art. 216-A exige a intimação dos entes públicos com o seguinte texto: “Art. 216-A, § 3º- O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido.”

Ainda que não haja esse pedido no requerimento, deve o oficial de registros executar essa intimação de ofício, sob pena de nulidade do procedimento extrajudicial. Esse entendimento é uníssono na doutrina de Couto (2019), Mello (2018) e Brandelli (2016).

O principal objetivo deste procedimento é verificar a certeza de que o imóvel usucapiendo não é bem público, conforme bem destacou Marquesi (2018).

 

3.5 Publicação de edital

No entendimento de Couto (2019), na ausência de comando legal que estabeleça de forma distinta, como forma de imprimir maior celeridade ao trâmite e diante de requerimento do interessado, o edital pode ser publicado simultaneamente à expedição das intimações para os entes públicos, descrito na etapa anterior.

Duas situações exigem a publicação de edital. A primeira é circunstancial. Trata-se de citação ficta do interessado certo (titulares registrais do imóvel usucapiendo e/ou imóvel confrontante) não encontrado ou que esteja em local incerto, não sabido ou inacessível. De acordo com o § 13 do art. 216-A da LRP e o caput do art. 11 do Provimento 65/2017 do CNJ, nessas circunstâncias o edital deverá ser publicado por duas vezes, em jornal local de grande circulação, num prazo máximo de 15 dias cada uma, interpretado o silêncio do notificando como concordância.

A segunda situação para publicação é imperativa. Deve ocorrer em todos os casos concretos. Está prevista no caput do art. 16 do Provimento e no § 4º do art. 216-A da LRP. Visa dar ciência a terceiros eventualmente interessados na pretensão do requerente. Aqui a exigência é de apenas uma publicação. Tanto na primeira situação como nessa, os requisitos formais do edital em si, são os mesmos. Constam no § 1º do art. 16 do Provimento.

Esses editais, conforme prevê o § 4º do art. 16 do Provimento, poderão ser publicados em meio eletrônico, desde que o procedimento esteja regulamentado pelo órgão jurisdicional. Vários estados já regulamentaram e possibilitaram essa publicação eletrônica, como Paraíba e Minas Gerais, outros ainda não, é o caso de Goiás.

Diante do exposto, verifica-se que poderão haver situações em que se exigirá a publicação de edital para interessados certos não encontrados ou que estejam em locais incertos, não sabidos ou inacessíveis e também para interessados incertos (todos os casos). Pensando em economia processual e financeira para o requerente, não poderia se ajustar o texto do edital para que as publicações, nesses casos particulares, fossem unificadas? No entendimento de Couto (2019), a resposta é positiva, com o cuidado de se publicar esse edital por duas vezes, em razão da regra específica do § 13 do art. 216-A da LRP (citação ficta de titulares certos).

 

3.6 Impugnação

O procedimento da impugnação está previsto no § 10 do art. 216-A da LRP e melhor disciplinado no art. 18 e seus parágrafos do Provimento 65/2017 do CNJ. Os interessados certos (titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, e entes públicos) ou incertos (terceiros interessados), que discordarem da pretensão aquisitiva apresentada no requerimento protocolado poderão impugnar essa pretensão.

O prazo para impugnar, com a devida representação por advogado, é de 15 (quinze) dias corridos da ciência da pretensão do requerente. Havendo impugnação, o oficial, na busca de solução consensual de conflitos, buscará promover a conciliação ou mediação entre as partes. Sendo infrutífera a tentativa, e sendo a impugnação bem fundamentada, o oficial lavrará relatório circunstanciado de todo o processamento da usucapião e remeterá os autos ao juízo competente para processar o pedido.

Isso ocorrido, o requente poderá emendar a inicial adequando-a ao procedimento judicial e apresenta-la ao juízo competente.

O prazo de quinze dias para impugnação, estabelecido pelo provimento, não é absoluto. Significa que, findo sem impugnação, presume-se a anuência dos interessados certos e incertos. Todavia, doutrina majoritária, incluindo o entendimento de Brandelli (2016), Mello (2018), Couto (2019) e Nobre (2018), entende não haver preclusão para impugnação. Nas palavras desse último: “Presente qualquer manifestação de litigiosidade, (…), de pronto estará inviabilizada a usucapião extrajudicial.” (2018, p. 83).

Tanto para Nobre (2018) quanto para Mello (2018), só tem validade jurídica a impugnação fundamentada e pertinente. Para esse último, “é desaconselhável a remessa dos autos a juízo, em todo e qualquer tipo de impugnação. A não ser assim, então, poderá qualquer terceiro, por mero espírito emulatório, impugnar pedidos, em troca de vantagens indevidas.” (2018, p. 340).

E se o impugnante tem sua impugnação indeferida, o que fazer? O § 7º do art. 216-A da LRP prevê a possibilidade do procedimento de dúvida para o juízo competente em qualquer caso, inclusive nesse. Mas qual o momento? Logo após a decisão que indefere ou só após decisão terminativa de mérito? Essa é a questão central deste trabalho e será trabalhada no Capítulo 03 desta obra.

 

3.7 Decisão fundamentada

Vários tipos de decisões extinguem o processo, resolvendo ou não o mérito. Todas delas devem ser devidamente fundamentadas, conforme prescreve o inciso IX do art. 93 da Constituição Federal.

No tópico 2.4.2 (Requerimento, autuação e juízo de admissibilidade) vimos que o processo pode se encerrar antes mesmo das notificações. Quando o requerente não atende determinadas exigências diligenciais do oficial, sendo desidioso, o processo será encerrado sem resolução de mérito.

De acordo com Mello (2018), outra possibilidade de encerramento do processo sem resolução de mérito ocorre quando o oficial recebe impugnação fundamentada e, frente ao litígio, encaminha o feito para o juízo competente, encerrando o processo na via administrativa. Além dessas, a decisão que homologa a desistência do pedido também é terminativa sem resolver o mérito.

Percorrido todo o roteiro aqui traçado com sucesso (oficial competente; requerimento fundamentado autuado e admitido; notificação de interessados certos e incertos; e ausência de impugnação fundamentada) e preenchidos os requisitos de direito material discriminados na lei, o oficial proferirá nota fundamentada deferindo o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião, conforme estabelece o § 6º do art. 216-A da LRP e art. 22 do Provimento 65/2017 do CNJ.

Todavia, o § 2º do art. 17 do Provimento 65/2017 do CNJ dita que, mesmo ao final das diligências, se ainda persistirem dúvidas, imprecisões ou incertezas, ou insuficiência de documentos, o oficial de registro de imóveis deverá rejeitar o pedido mediante nota de devolução fundamentada.

 

3.8 Registro ou Recurso de Dúvida

A nota fundamentada que reconhece a prescrição aquisitiva da propriedade é título que irá fundamentar o devido registro do direito adquirido. Conforme dito no tópico anterior, a inteligência do § 6º do art. 216-A da LRP e do art. 22 do Provimento 65/2017 do CNJ esclarecem que, estando a documentação em ordem e não havendo impugnação, o oficial de registro irá emitir nota fundamentada de deferimento e efetuará o registro.

Contudo a decisão final de mérito, dada em nota fundamentada, pode deferir ou indeferir a pretensão do requerente. Em qualquer dos dois casos, haverá a possiblidade de recurso administrativo, via procedimento de dúvida, conforme previsão do § 7º do art. 216-A da LRP e do art. 23 do Provimento, que diz, verbis, “Em qualquer caso, o legítimo interessado poderá suscitar o procedimento de dúvida, observado o disposto nos art. 198 e seguintes da LRP.”

 

Conclusão

Tendo a natureza jurídica de processo administrativo, o processo judicial de usucapião extrajudicial está bem disciplinado por nossa legislação (art. 216-A da LRP e Provimento 65/2017 do CNJ). Do requerimento inicial ao procedimento de dúvida todos os procedimentos estão bem prescritos em nosso ordenamento, de modo a garantir o devido processo administrativo e a segurança jurídica, contribuindo decisivamente com o espírito da desjudicialização pretendido com o lançamento no instituto no CPC de 2015.

 

Referências

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Mello, Henrique Ferraz Corrêa de. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL: FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS PARA A DESJUDICIALIZAÇÃO E O DIREITO COMPARADO; Revista de Direito Imobiliário, vol. 82, p. 107 – 153, Jan-Jun/2017. EM https://anotacoesdeprocessocivil.blogspot.com/2017/10/usucapiao-extrajudicial-fundamentos.html     consulta feita em 27 de março de 2020.

 

Melo, Marcelo Augusto. O PROCEDIMENTO DO ART. 216-A DA LEI 6015/73 NÃO CONFIGURA UMA USUCAPIÃO. Em https://www.irib.org.br/files/obra/procedimento-lei-6015-marcelo-melo.pdf. Consulta feita em 27 de março de 2020.

 

NOBRE, Francisco José Barbosa. Manual de usucapião extrajudicial: de acordo com a Lei nº 13465/2017, incluindo comentários ao Provimento nº 65/2017 do CNJ. 1. ed. Ananindeua: Itacaiúnas, 2018.

 

PAIVA, João Pedro Lamana. Usucapião Extrajudicial de acordo com o Provimento nº 65/2017. Registrador de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre. Disponível em: http://www.colegioregistralrs.org.br/_upload/uh_152206883003.pdf. Acesso em: 04 mar. 2020.

 

PASQUALINI, Alexandre. SOBRE A INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO DIREITO.  Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, v. 7, n. 4,1995.

 

SARMENTO, Eduardo Sócrates Castanheira Filho. A Dúvida Registraria. 1ª Edição. São Paulo: IRIB, 2012.

 

 

 

[1] Nas palavras de Mello (2009), “processo administrativo é uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final conclusivo. Isto significa que para existir o procedimento ou processo cumpre que haja uma sequência de atos conectados entre si, isto é, armados em uma ordenada sucessão visando a um ato derradeiro, em vista do qual se compôs esta cadeia. (2009, p. 480).

[2] O conceito de competência administrativa que trazemos é de Barbosa (2020): “É o poder decorrente da lei conferido ao agente administrativo para o desempenho regular de suas atribuições. Somente a lei pode determinar a competência dos agentes na exata medida necessária para alcançar os fins desejados. “

[3] 1-ata notarial com a qualificação do requerente e do titular da matrícula constando a descrição do imóvel, o tempo e características da posse do requerente e de seus antecessores, a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte requerente, o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva, e o valor do imóvel.  2-planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado e com prova da Anotação da Responsabilidade Técnica (ART) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RTT) no respectivo conselho de fiscalização profissional e pelos titulares dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes ou pelos ocupantes a qualquer título. A descrição do imóvel deve ser georreferenciada, sobretudo em se tratando de imóvel rural. 3-justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a cadeia possessória e o tempo de posse. 4-certidões negativas dos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal do local da situação do imóvel usucapiendo expedidas nos últimos 30 dias, demonstrando a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel em nome do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver; do proprietário do imóvel usucapiendo e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver; e de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges ou companheiros, se houver, em caso de sucessão de posse, que é somada à do requerente para completar o período aquisitivo da usucapião. 5- instrumento de mandato, público ou particular, com poderes especiais e com firma reconhecida, por semelhança ou autenticidade, outorgado ao advogado pelo requerente e por seu cônjuge ou companheiro; ou declaração outorgando poderes para o defensor público quando for o caso. 6- certidão de órgãos municipais e/ou federais demonstrando a natureza urbana ou rural do imóvel usucapiendo, expedida até trinta dias antes do requerimento.

[4] Na página oficia do Cartório de Porto Belo-SC (https://www.riportobelo.com.br/registro-de-imoveis/ri-solicitar-certidao/) é apresentada uma didática definição de prenotação: Prenotação é a anotação prévia e provisória do título apresentado a registro no livro do protocolo oficial. Todo título protocolado está automaticamente prenotado, passando a gozar de prioridade nos direitos reais em relação àquele protocolado posteriormente (art. 186 da Lei no. 6015/1973).

[5] Demarcação das áreas limítrofes do imóvel constantes na respectiva matrícula desse imóvel.

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