Os efeitos do inadimplemento das obrigações

Resumo: O presente artigo procura acentuar a importância do estudo sobre o inadimplemento nas relações obrigacionais. Busca-se, dessa forma, indicar as espécies de inadimplemento apontadas no Código Civil brasileiro, bem como apresentar os efeitos de cada tipo de descumprimento da obrigação.


Palavras-chave: Inadimplemento – obrigações – efeitos.


Sumário: 1. Introdução – 2. Espécies de Inadimplemento – 3. Do Inadimplemento Involuntário – 4. Distinção da culpa nos contratos onerosos e benéficos – 5. Algumas considerações sobre os efeitos gerados pelo inadimplemento – 6. Considerações finais – Referências.


1. INTRODUÇÃO


O estudo analisa o inadimplemento das obrigações, permeando temas importantes e atuais dentro do Direito Obrigacional, como o descumprimento da obrigação, que pressupõe uma série de questões, entre elas, as espécies de inadimplemento, as hipóteses de  caso fortuito e de força maior, a culpa em sentido amplo e os efeitos jurídicos do inadimplemento.


Como espécies de inadimplemento voluntário, identificamos o inadimplemento absoluto e o relativo, onde o primeiro se resume à impossibilidade de prestação da obrigação em momento posterior ao tempo convencionado e o segundo se refere à viabilidade de cumprimento da obrigação, ainda que tardiamente.


Ademais, numa relação jurídica obrigacional, existem hipóteses de inadimplemento que pressupõem a culpa. Por outro lado, existem casos em que o descumprimento da obrigação se dá involuntariamente, como as hipóteses de caso fortuito e de força maior.


Nesse passo, a culpa, em sentido amplo – que divide-se em culpa stricto sensu e dolo –, constitui elemento importante na análise do inadimplemento, embora não seja o fator decisivo no momento da apuração do quantum devido ao credor nos casos de descumprimento da obrigação. Como será explicado no presente trabalho, a indenização é mensurada de acordo com a extensão do dano causado pelo inadimplemento.


Ainda, acerca dos efeitos jurídicos gerados pelo inadimplemento, abordaremos, neste artigo, a mora, a cláusula penal, as perdas e danos, os juros e as arras. Além disso, breves comentários serão delineados quanto aos temas indenização pedagógica e indenização pela perda de uma chance.


2. ESPÉCIES DE INADIMPLEMENTO


Inicialmente, cumpre estabelecer breve conceito de inadimplemento, buscando apoio no Código Civil (CC) de 2002, a saber: “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado” (artigo 389).


As obrigações, em regra, são criadas para serem pontualmente cumpridas. Temos que as prestações são ajustadas para que o devedor cumpra o acordado, na forma, no lugar e no tempo estabelecido. 


Preleciona Orlando Gomes (2004, p. 15), que a “obrigação é um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito de outra”. Washington de Barros (apud Caio Mário da Silva Pereira, 2004, p. 6), por sua vez, conceitua a obrigação como “a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor, e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio”.


O inadimplemento nada mais é, neste prisma, do que o descumprimento da obrigação, seja pelo credor ou pelo devedor. É importante trazer a lume a hipótese de inadimplemento involuntário, no qual devedor é inadimplente devido a fatores externos à sua vontade, quando o descumprimento obrigacional se dá em razão de caso fortuito ou força maior – o devedor fica impossibilitado de cumprir devidamente a obrigação.  


Feitas tais considerações, podemos estabelecer a diferenciação entre as espécies de inadimplemento identificadas nas relações obrigacionais, com respaldo no diploma legal civil. As espécies são o inadimplemento absoluto e relativo. 


O inadimplemento absoluto se caracteriza por criar uma impossibilidade ao credor de receber a prestação devida, convertendo-se a obrigação principal em obrigação de indenizar. A partir do descumprimento da obrigação, a prestação se torna inútil para o credor, de modo que, se prestada, não mais satisfará as necessidades do mesmo.


A questão da reparação ao credor é ressaltada por Maria Helena Diniz (2004, p. 398) nos seguintes termos:


“Pelos prejuízos sujeitar-se-ão o inadimplente e o contratante moroso ao dever de reparar as perdas e danos sofridos pelo credor, inserindo o dano como pressuposto da responsabilidade civil contratual […] A responsabilidade civil consiste na obrigação de indenizar, e só haverá indenização quando existir prejuízo a reparar.”


Podemos citar como exemplo um contrato de prestação de serviços, em que o objeto da referida obrigação seja a gestão e o preparo de um evento. Neste mesmo caso, se o objeto da obrigação incluir a preparação do local, as acomodações para os convidados e a alimentação e, na data convencionada, os contratantes não comparecerem ao local, teremos um caso de inadimplemento absoluto, em razão da impossibilidade da prestação do serviço em outra data que não a aprazada pelos sujeitos.


Já o inadimplemento relativo consiste no descumprimento da obrigação que, após descumprida, ainda interessa ao credor. A obrigação, neste caso, ainda pode ser cumprida mesmo após a data acordada para o seu adimplemento, por possuir, ainda, utilidade. Neste caso, o efeito do inadimplemento é a mora, ou seja, o retardamento da prestação. Acerca deste tema, segue julgado:


“Apelação cível. Ação indenização. Reconvenção. Distribuição comercial. Contrato de distribuição comercial é considerado um contrato atípico, pois utiliza várias espécies contratuais, sem nenhuma definição específica. Desta forma, para a análise da rescisão contratual, deve-se aplicar as normas gerais que regulam os contratos, conjugado às cláusulas contratuais estipuladas pela partes. Inadimplemento relativo (mora). Parte autora comprava os produtos para revendê-los, porém deixava de proceder o respectivo pagamento das duplicadas emitidas. Descabida qualquer indenização à autora por danos emergentes, lucros cessantes e danos morais, considerando que, se houve alguma culpa pelo rompimento da relação contratual, esta deve ser atribuída unicamente à parte demandante, que deixou de pagar as mercadorias adquiridas na época do vencimento. Constituição em mora. Desnecessidade porque se trata de mora ex re, ou seja, que decorre da própria natureza da obrigação. Restituição de ICMS. Pedido afastado. Responsabilidade do recolhimento é da ré por substituição tributária, mas, em verdade, é a autora quem suporta o efetivo encargo financeiro do tributo. Revisão contratual. Impossibilidade, considerando que já houve a resilição contratual. Negaram provimento à primeira apelação, da autora/reconvinda, e deram-no à segunda, da ré/reconvinte. Unânime”. (TJ/RS. Apelação cível nº 70024111924. Rel. Des. Ergio Roque Menine. Julgado em: 28 ago. 2008). (Grifos nossos).


A partir da ementa citada, visualizamos um caso típico de inadimplemento relativo, ao passo que a autora descumpriu a obrigação de dar (entregar dinheiro) quando deixou de pagar as duplicatas. Neste caso, o pagamento em dinheiro ainda é útil ao credor, de modo que o mero retardamento na prestação não a inutiliza. O credor tem ainda interessante em receber o pagamento acrescido de eventuais juros, perdas e danos, cláusula penal, etc.


Orlando Gomes (2004, p. 197) ao dissertar acerca do inadimplemento relativo, utilizando nomenclatura diversa, afirma que:


“[…] cogita-se, na teoria do inadimplemento, da impossibilidade transitória. Não raro, a obrigação pode ser cumprida, e, não obstante, o devedor deixa de cumpri-la no vencimento. Embora viável, a prestação não é satisfeita pontualmente. Há, enfim, retardamento, culposo ou não, a que a ordem jurídica não fica indiferente.”


Assim, no inadimplemento relativo, tem-se a possibilidade de prestação da tutela específica, já que o objeto da obrigação será prestado da forma exata como convencionada pelos sujeitos da relação jurídica contratual.  


Muitos doutrinadores optam pela nomenclatura mora para tratar de inadimplemento relativo, já que o retardamento na prestação configura o inadimplemento. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 357), “diz-se que há mora quando a obrigação não foi cumprida no tempo, lugar e forma convencionados ou estabelecidos pela lei, mas ainda poderá sê-lo, com proveito para o credor”.


Nesse sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 390) advertem sobre as espécies de inadimplemento: 


“[…] ambos referem-se ao descumprimento da prestação principal: dar, fazer ou não fazer. Enquanto o inadimplemento absoluto, porém, resulta da completa impossibilidade de cumprimento da obrigação, a mora é a sanção pelo descumprimento de uma obrigação que ainda é possível, pois, apesar de ainda não realizada, há viabilidade de adimplemento posterior.”


Vale ressaltar que a separação do inadimplemento em duas espécies, o absoluto e o relativo, encontra suporte no Código Civil brasileiro. Na medida em que tal diploma legal pontua os efeitos do inadimplemento – entre eles a mora e as perdas e danos –, podemos inferir quando o descumprimento da obrigação torna seu objeto inútil em momento posterior ou quando o mero retardamento da prestação não é suficiente para inutilizá-la. 


O primeiro caso, do inadimplemento absoluto, culmina nas perdas e danos, pois o objeto da obrigação se converterá, necessariamente, na indenização cabível. Em contrapartida, no segundo caso, a mora significa apenas o retardamento da prestação convencionada, de modo que o devedor ainda poderá realizá-la satisfatoriamente em outro momento, sem prejuízo da indenização necessária, caso haja algum dano advindo da demora. 


O Código Civil de 2002, dessa maneira, delineia as hipóteses de inadimplemento, oferecendo suporte para sua diferenciação entre absoluto e relativo, ao passo que as perdas e danos, a cláusula penal, os juros legais e a mora representam efeitos do inadimplemento quando, no primeiro caso, este gera um dano advindo da ausência da prestação ou mesmo de seu retardamento, e, nos outros, quando a prestação é passível de ser adimplida satisfatoriamente ainda que fora do prazo.


3. DO INADIMPLEMENTO INVOLUNTÁRIO


Entende-se por inadimplemento involuntário aquele ocorrido sem intenção das partes. Trata-se de um descumprimento da obrigação indesejado, mas que apresenta alguns efeitos na ordem patrimonial.


 A doutrina portuguesa prefere chamar o inadimplemento involuntário de retardamento casual. Explica Inocêncio Galvão Telles (1997, p. 323) que “dá-se o retardamento casual quando o devedor é impedido de realizar temporariamente a prestação por caso fortuito ou de força maior”.


Grande parte da doutrina brasileira aponta como requisitos deste tipo de inadimplemento: 1) inevitabilidade do acontecimento (artigo 393, parágrafo único); 2) ausência de culpa para ocorrência do evento; 3) superveniência de fato irresistível.


Após a comprovação dos supramencionado requisitos, o inadimplemento involuntário apresenta efeitos próprios e de ordem negativa, qual seja: o devedor não responde pelo não cumprimento da obrigação.


Em termos gerais, o artigo 393, parágrafo único dispõe sobre as excludentes de caso fortuito e força maior. O termo excludente é aqui enfatizado no sentido de excluir a regra da responsabilidade civil para os casos de descumprimento do prometido na relação obrigacional.


  Temos que o caso fortuito advém de causa desconhecida e pode ser ocasionado por fato de terceiro, como é o caso da falha numa rede elétrica provocada por culpa exclusiva de um terceiro que nada tem a ver com a prestação de serviços da contratada para realizar a atividade.


A força maior decorre de fato da natureza. Citamos como exemplo: enchente que provoca a destruição completa de uma casa que acabou de ser reformada, não tendo o empreiteiro qualquer culpa pelo evento.


Parte da doutrina não diferencia os conceitos de caso fortuito e força maior, pois entende que os termos devem ser tratados como sinônimos em decorrência da identidade dos efeitos que apresentam: são eventos imprevisíveis, inesperados. Concordamos com tal posicionamento, pois foi esta a lógica adotada pelo Código Civil (artigo 393). “O que é indiscutível é que tanto um como outro estão fora dos limites da culpa” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 65).


Nos casos práticos, alertamos para a comprovação da imprevisibilidade e/ou inevitabilidade, sob pena de caracterizar a responsabilização civil. Vejamos os julgados a seguir:


“Trata-se de ação regressiva de indenização, postulando o recebimento do valor em razão do roubo, com emprego de arma de fogo, de veículo segurado, quando este estava sob a posse e guarda do preposto (manobrista) da recorrida. A Turma entendeu que, na ausência de pactuação em contrário, tratando-se de roubo comprovado, constitui evento inevitável, cuja ocorrência não está na dependência de qualquer precaução que pudesse a recorrida adotar, notadamente por se tratar de empresa que tem como atividade principal a alimentação e não a segurança.” (STJ. REsp 258.707-SP. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo. Julgado em: 22 ago. 2000).


“O motorista, preposto da permissionária de transporte público, autorizou o passageiro a adentrar no coletivo pela porta da frente, carregando um pacote, já que não passava pela roleta. Dentro do embrulho havia material explosivo, que foi detonado acidentalmente, incendiando o interior do ônibus, causando lesões e a morte de alguns passageiros. A Turma entendeu não se tratar de caso fortuito, restando configurado o ato ilícito da empresa permissionária, que não cuidou de transportar com segurança seus passageiros (art. 22 do CDC), devendo responder pelo ato de seu preposto (art. 1.521 do CC). A responsabilidade do transportador não se origina exclusivamente dos eventos comumente verificados no exercício de sua atividade, mas de todos aqueles que se possa esperar como possíveis ou previsíveis de acontecer, dentro de um leque amplo de variáveis inerentes ao meio, interno e externo, em que trafega o coletivo.” (STJ. REsp 168.985-RJ. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. Julgado em: 23 mai. 2000).


Pablo Stolze (2009, p. 270-271) e Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 66) entendem que há diferença entre os conceitos, pois a imprevisibilidade caracteriza o caso fortuito, já a inevitabilidade está relacionada à força maior (para os ingleses é chamado de act of God).


Ademais, cabe aqui analisar a distinção feita pela doutrina e pela jurisprudência quanto ao caso fortuito interno e externo. Sérgio Cavalieri (2009, p. 302) considera “fortuito interno o fato imprevisível, e, por isso, inevitável, que se liga à organização da empresa, que se relaciona com os riscos da atividade desenvolvida”. Por outro lado, o fortuito externo refere-se ao evento que não guarda relação alguma com o negócio desenvolvido por certo produtor e/ou fornecedor de bens ou serviços.


Os exemplos que mais encontramos na doutrina[1] relacionados ao fortuito interno são: o problema no motor de um ônibus ou o motorista que apresenta problemas de saúde ao dirigir o transporte coletivo, por isso que, não obstante acontecimentos imprevisíveis, tais casos estão ligados à exploração de certa atividade empresarial.


De outro modo, o ordenamento jurídico admite exceções às excludentes de responsabilidade indicadas no artigo 393, a saber: 1) se as partes convencionarem expressamente que o devedor responderá pelo cumprimento da relação obrigacional; 2) se o devedor estiver em mora – artigo 399; 3) se for o caso de obrigação de dar coisa incerta, antes da escolha do objeto (artigo 246).


A cláusula convencional, que se apresenta como a excludente em que há a concordância expressa dispondo sobre a ausência de ressarcimento, encontra forte divergência na doutrina quanto à sua validade. Essa forma de afastamento da responsabilidade se apresenta somente nos contratos paritários.


A primeira corrente doutrinária entende que tal cláusula é inválida, pois estimula a  prática de atos contrários à boa-fé objetiva. Já a segunda corrente, defende a sua livre negociação, pois deve prevalecer a autonomia da vontade. Há ainda uma terceira corrente que entende ser livre a estipulação de tal cláusula, todavia, a mesma poderá ser relativizada, considerando a possibilidade de intervenção estatal nos contratos (dirigismo contratual), de forma a não haver violação do interesse público.


Ressaltamos que algumas relações contratuais não comportam a alegação do caso fortuito, sob a forma de culpa de terceiro, como é o caso do contrato de transporte (artigo 735) e contrato de seguro. Neste sentido, já se manifestou o STJ sobre o tema: 


“A recorrida firmou contrato de seguro específico para o caso de roubo das cargas por ela transportadas. Contudo, deu-se o roubo e a recorrida ressarciu o prejuízo sofrido por seu cliente. Por sua vez, a seguradora, ora recorrente, negou-se a pagar a indenização securitária à alegação de que a recorrida não estaria obrigada a reparar o prejuízo de seus clientes nos casos de roubo, tido por caso fortuito ou força maior. Diante disso, é patente que a seguradora que coloca no mercado de consumo apólice que cobre tal risco não pode negar-se a pagar a indenização a que se comprometeu, ao alegar o fundamento acima descrito, o que beira a má-fé, pois, se não havia risco a ser coberto, para que o contrato de seguro? Anote-se, também, que o simples atraso do pagamento da parcela do prêmio, sem previamente notificar o segurado da constituição em mora, não autoriza a suspensão da cobertura contratual e o indeferimento do pedido de pagamento da indenização.” (STJ. REsp 860.562-PR. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. Julgado em: 4 dez. 2007).  (Grifos nossos).  


4. DISTINÇÃO DA CULPA NOS CONTRATOS ONEROSOS E BENÉFICOS


Relativamente à culpa nas relações jurídicas obrigacionais, cabe aqui traçar a diferenciação de sua ocorrência nos contratos onerosos e benéficos.  


Nos contratos onerosos, ou seja, nas relações jurídicas obrigacionais em que os sujeitos são credores e devedores mutuamente, ambos têm direitos e deveres recíprocos. No caso de inadimplemento em tais relações contratuais, a parte que descumprir a prestação responderá tanto por culpa quanto por dolo, como aduz Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 353): “Nos contratos onerosos, em que ambos obtêm proveito, ao qual corresponde um sacrifício, respondem os contratantes tanto por dolo quanto por culpa, em igualdade de condições”. 


Significa dizer que, por exemplo, num contrato de compra e venda, caso uma das partes seja inadimplente, apenas responderá se houver agido culposamente – afora as hipóteses de caso fortuito e força maior.  Para identificar a culpa, deverá ser feita uma análise da intenção ou não do agente.


Já nos contratos benéficos ou gratuitos, isto é, aqueles em que a relação contratual favorece a apenas uma das partes, o contratante a quem o contrato beneficie responderá por simples culpa em caso de descumprimento – inadimplemento culposo –, enquanto o contratante a quem o contrato não favoreça responderá por dolo, ou seja, apenas se agiu intencionalmente para provocar um prejuízo na esfera patrimonial do outro sujeito. 


Nesse sentido, aduz Gonçalves (2007, p. 353) que “mesmo não auferindo benefícios do contrato, responde pelos danos causados dolosamente ao outro contratante, porque não se permite a ninguém, deliberadamente, descumprir obrigação livremente contraída”. 


Podemos citar como exemplo o contrato de comodato. Sabemos que o comodante, no referido contrato, figura como a parte a quem o contrato não beneficia, já que é o comodatário que recebe a coisa em empréstimo. Assim, se o comodante descumprir a obrigação responderá pelo inadimplemento somente se agir com dolo, enquanto o comodatário, não cumprindo com os seus deveres, responderá por simples culpa.


5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS EFEITOS GERADOS PELO INADIMPLEMENTO


A responsabilidade civil tem a seguinte premissa: quem infringe um dever jurídico lato sensu, provocando um dano a outrem, será obrigado a indenizar pelo prejuízo causado (GOMES, 2004, p. 179).


Infringir um dever jurídico representa cometer certa infração a deveres previstos numa relação contratual ou numa norma. Dessa forma, a responsabilidade civil será classificada de acordo com a natureza da infração, podendo ser chamada de responsabilidade contratual, quando violado um dever previsto em contrato, ou responsabilidade extracontratual, quando violado um dever fora de um contrato.


Marcos Catalan[2] esclarece que a gênese da reparação civil comporta alguns pressupostos como “a presença de uma ação ou omissão” praticada por um sujeito, “qualificada por um fator de imputabilidade eleito pelo legislador (culpa, dolo, equidade, boa-fé objetiva, etc)”, um “dano”, seja este material ou moral e, ainda, “um liame imaterial, denominado nexo de causalidade, ligando o efeito à causa”.


O Código Civil aponta como efeitos do inadimplemento culposo da obrigação: mora, perdas e danos, juros, cláusula penal e arras. Nota-se que o legislador civil aplica tais efeitos para o não cumprimento de qualquer obrigação seja esta contratual ou extracontratual.


Passamos então a explicar sucintamente todos os efeitos supramencionados. A mora é o retardamento culposo da obrigação, sendo provocada pelo devedor ou pelo credor. A primeira é chamada de mora solvendi (de pagar), já a segunda é denominada de mora accipiendi (de receber).


Constitui-se premissa para a constituição da mora, segundo o artigo 396 do CC, a culpa do devedor. Assim, se o devedor não teve culpa pelo retardamento da obrigação não há mora.


O dano, por sua vez, consiste na diferença entre o estado atual do patrimônio que o sofre e o que teria se o fato danoso não se tivesse produzido. Perdas e danos é o equivalente ao prejuízo do dano ou ao dano suportado pelo credor, em virtude do devedor não ter cumprido, total ou parcialmente a obrigação, expressando-se numa soma de dinheiro correspondente ao desequilíbrio sofrido pelo prejudicado.


Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 338) explica que “indenizar significa reparar o dano causado à vítima, integralmente”. Tem-se, assim, que o objetivo de uma indenização será restaurar, quando possível, a situação ao statu quo ante, ou seja, devolvendo-a ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito. Como, em regra, não é possível recompor o estado originário, busca-se uma compensação sob a forma de indenização.


O dano é compreendido como material e moral. O primeiro está ligado ao prejuízo de cunho patrimonial suportado pela parte prejudicada. O segundo diz respeito ao dano efetivo que, “embora não patrimonial, atingindo valores internos e anímicos da pessoa” (STOCO, 1997, p. 523).


Segue um julgado que exemplifica a indenização por dano material:


“Responsabilidade civil – Construção – Ação de obrigação de fazer com pedido de convolação em perdas e danos – Procedimento proposto por condomínio em face da construtora – Vícios na edificação dos prédios que acarretaram diversos reparos, não assumidos pela requerida – Comprovação – Conversão em indenização que deve abranger todas as obras necessárias para o retorno do imóvel ao seu estado normal de uso – Adoção de montante intermediário entre o indicado jurisperito e pelo assistente técnico do autor – Aplicação dos elementos mais adequados daqueles trabalhos à hipótese – Recurso da ré parcialmente provido” (Comarca de São Paulo – 29ª Câmara de Direito Privado. Apelação Cível com Revisão n. 960.691-0/5. Rel.: Francisco Thomaz. Julgado em: 19 dez. 2006).  


Ensina Sérgio Cavalieri Filho (2008. p. 101) que o “dano moral existe in re ipsa”, sendo proveniente do próprio fato ofensivo, portanto, provada a ofensa está evidenciado o dano moral “à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum”.


Para a caracterização do abalo moral, já resta pacífico que basta a consciência de que determinado procedimento ofende a tranquilidade psíquica do indivíduo. O principal objetivo da fixação do valor indenizatório por danos morais é desestimular a reiteração dessas práticas.


Já os juros representam o rendimento do capital, os frutos civis produzidos pelo dinheiro (são os acessórios da obrigação – artigo 92). Tais acréscimos podem ser classificados em juros moratórios e juros compensatórios.


Os juros moratórios constituem uma indenização pelo prejuízo resultante do retardamento culposo, sendo assim uma espécie de penalidade pela demora no adimplemento da prestação devida, visa a remuneração pela utilização do dinheiro do credor. Os juros compensatórios remuneram o credor porque este ficará privado do uso de seu capital, devendo o devedor pagar pela utilização do capital de outrem.


A cláusula penal é o fenômeno jurídico em que as partes fixam pena pecuniária ou multa, contra quem desrespeitou o acordado, fixando, junto com a formação da obrigação ou posteriormente, o valor das perdas e danos e garantindo o cumprimento da obrigação principal.


Para que seja aplicada a cláusula penal, segundo o artigo 408 do CC, deverá ser comprovada a culpa do inadimplente. Isso porque se ocorrer caso fortuito ou força maior não há aplicação da penalização. Assim, uma vez que a cláusula se propõe a liquidar danos, o devedor só terá de pagar a soma preestabelecida caso seja responsável, o que não acontecerá provando ele a sua falta de culpa.


Por fim, as arras são formadas por meio de um pacto acessório real, em que uma das partes entrega à outra, dinheiro ou outro bem móvel, por ocasião da celebração do contrato principal, com a finalidade de provar a seriedade do propósito negocial e a garantia de seu cumprimento, ou ainda, para servir de antecipação da indenização para a hipótese de desistência ou arrependimento do acordo.


Quanto ao tema efeitos do inadimplemento, cabe, por fim, enfatizarmos algumas abordagens atuais, a saber: a indenização em caráter pedagógico e a indenização pela perda de uma chance.


A indenização em caráter pedagógico busca evitar que a conduta ilícita seja novamente praticada, além disso, procura aplicar ao infrator uma medida punitiva no sentido de que este sinta uma perda significativa em seu patrimônio.


Por meio desta diminuição patrimonial, objetiva-se, portanto, evitar que a mesma conduta reprovável pela sociedade ocorra reiteradamente, demonstrando, com isso, a intolerância do Estado face a tais comportamentos.


Entendemos que a indenização em caráter pedagógico possui natureza preventiva, à medida que tem por escopo evitar que outros repitam o ato considerado indigno pelos padrões da sociedade. Analisemos o julgado abaixo:


“Promoção de assistência dentária. Publicação jornalística. Propaganda enganosa. Dano moral. Descabimento de danos materiais. Indenizatória. Danos materiais e morais. Promoção de assistência dentária em jornal de grande circulação. Propaganda enganosa. Dano moral “in re ipsa”. Inexistência de danos materiais. Pretensão à devolução dos valores despendidos com a aquisição dos jornais para a participação de promoção e com os gastos para o tratamento dentário do autor/apelante, e a indenização por danos morais. Legitimidade “ad causam” do menor, a despeito da assinatura do contrato por sua representante legal. Inexistência de “animus contrahendi” de parte desta. Elementos dos autos, que demonstram ser o apelante o beneficiário do plano de assistência odontológica. Relação de consumo. Responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados em razão de defeitos nos produtos ou serviços fornecidos, ou por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Artigos 12 e 14 do CDC. Cláusulas do regulamento da promoção veiculada em jornal de grande circulação que trazem informações insuficientes, deixando de especificar as características do objeto da promoção oferecida. Conduta que criou legítimas expectativas nos consumidores. Solidariedade dos responsáveis pela propaganda enganosa perpetrada, ainda que por omissão. Violação ao art. 37, par. 2., do CDC. Dano moral “in re ipsa”. Fixação do “quantum” conforme o princípio da proporcionalidade, o caráter punitivo-pedagógico da compensação almejada, a vedação ao enriquecimento sem causa, e os parâmetros jurisprudenciais deste órgão julgador. Descabimento da pretensão à devolução dos valores despendidos com a aquisição dos jornais para a participação da promoção, eis que os jornais foram efetivamente entregues. Ressarcimento dos gastos para o tratamento dentário, independentemente de ter sido realizado por profissional não credenciado pelo plano, uma vez que os serviços não teriam cobertura do plano. Provimento parcial do recurso.” (Comarca do Rio de Janeiro. 22ª Câmara Cível Apelação Cível 2007.001.14210. Rel.: Des. Ismenio Pereira de Castro. Julgado em: 31 jul. 2007).


A indenização pela perda de uma chance, por sua vez, se assemelha aos lucros cessantes, que consistem na probabilidade de um lucro que o credor teria, certamente, auferido, caso o dano não houvesse sido causado pelo inadimplemento obrigacional.


Por exemplo, se um marceneiro é atropelado e em razão do atropelamento precisa repousar em casa por trinta dias, fará jus à indenização pela responsabilidade extracontratual advinda de ato ilícito (artigo 186), incluindo na indenização os danos emergentes (aqueles efetivamente suportados pelo credor) e os lucros cessantes (aquilo que o indivíduo deixou de lucrar nos dias que ficou impossibilitado de exercer sua atividade laborativa).


Entretanto, diferentemente do lucro cessante, em que há uma estimativa do valor a ser indenizado de acordo com a média de lucro do credor, na teoria da perda de uma chance, esse ganho futuro é incerto, porém, a possibilidade de lucro é única e foi perdida em virtude do descumprimento da obrigação.


Assevera Cavalieri Filho (2008, p. 75) que


“[…] caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego […] Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.”


É necessário esclarecer que os danos a serem indenizados não são hipotéticos, tendo em vista que o credor muito provavelmente teria auferido o lucro caso não houvesse o dano causado pelo devedor. Sendo assim, o que se pune não é a perda do lucro que seria auferido, mas a perda de uma única chance.


Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenveld (2008, p. 443) afirmam que


“A indenização não será calculada sobre o valor do benefício esperado – como nos lucros cessantes –, mas com base na perda de uma chance em si, conforme percentuais maiores ou menores de probabilidade, de acordo com regras e estatísticas que alcancem um dano, independente do valor que o lesado teria, se o fato se consumasse.”


A indenização, no exemplo do atleta, será baseada no grau de probabilidade do ganho futuro e incerto, como, por exemplo, um atleta tido por favorito que não consegue chegar ao local onde se daria a final de sua competição internacional, em razão do cancelamento de seu vôo. Existiria, nesse caso, uma grande chance de que o atleta vencesse a competição, contudo, sua chance se perdeu em decorrência do descumprimento obrigacional.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS


O artigo delineou, em toda a sua análise, as espécies de inadimplemento no campo do Direito das Obrigações. A fim de melhor explicar o tema, procuramos ponderar as situações que geram os inadimplementos voluntário e involuntário, para só assim apresentar uma abordagem mais específica do inadimplemento voluntário sob o prisma relativo ou absoluto.


Nesta linha de raciocínio, verificamos que ao se perscrutar o não cumprimento de um acordo outra consideração precisa ser feita: descortinar se o contrato é oneroso ou benéfico, isso porque a culpa apresenta contornos diferenciados em tais espécies contratuais, conforme assevera o artigo 393 do CC. 


Por fim, indicamos também os efeitos gerados pelo inadimplemento. Neste ponto, entendemos que a obrigação deve indicar informações precisas sobre a mora, as perdas e danos, os juros, a cláusula penal e as arras. Tais efeitos do não cumprimento do acordo podem gerar acréscimos econômicos consideráveis numa relação obrigacional, sendo importante, assim, que as partes delimitem previamente os seus índices, as suas consequências e as suas hipóteses de incidência de forma categórica, clara e sem nenhum tipo de obscuridade.


 


Referências

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Notas:
[1] “O estouro de um pneu do ônibus, o incêndio do veículo, o mal súbito do motorista etc. são exemplos do fortuito interno, por isso que, não obstante acontecimentos imprevisíveis, estão ligados à organização do negócio explorado pelo transportador. A imprensa noticiou, faz algum tempo, que o comandante de um Boeing, em pleno vôo, sofreu um enfarte fulminante e morreu. Felizmente, o co-piloto assumiu o comando e conseguiu levar o avião são e salvo ao seu destino. Eis, aí, um típico caso de fortuito interno. Pois bem, tão forte é a presunção de responsabilidade do transportador, que nem mesmo o fortuito interno o exonera do dever de indenizar; só o fortuito externo, isto é, o fato estranho à empresa, sem ligação alguma com a organização do negócio” (CAVALIERI, 2008, p. 302).

[2] CATALAN, Marcos. Dos pressupostos do dever de indenização e o enunciado 159 do Conselho da Justiça Federal. Disponível: «http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/CatalanDever.doc». Acesso 19 jan. 2009.


Informações Sobre os Autores

Bruna Lyra Duque

Doutora e Mestre do programa de pós-graduação stricto sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Especialista em Direito Empresarial (FDV). Professora de Direito Civil da graduação e pós-graduação lato sensu da FDV. Advogada e sócia fundadora do escritório Lyra Duque Advogados

Julia Silva Carone

Acadêmica de Direito na FDV. Monitora da Disciplina Direito das Obrigações. Pesquisadora.


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