Princípio da isonomia no novo Código Civil brasileiro: A igualdade entre homens e mulheres

Com o novo Código Civil, a afamada assertiva de Maurice Donnay, em As Escoteiras, não mais expressará o contexto fático da sociedade brasileira, sobretudo quando ele preconiza: “Todos os homens batem nas mulheres: os do povo, com os punhos; os burgueses, com as leis.”

Não obstante a Constituição Federal preveja expressamente, desde 1988, uma série de proibitivos aos procedimentos de natureza discriminatória ou preconceituosa, nosso Código Civil somente implementará a inteligência do princípio da igualdade, sobretudo entre homens e mulheres na seara familiar, com o advento do Anteprojeto 634-B/75, presidido pelo Prof. Miguel Reale.

Referendando o dito popular, as modificações vêm “antes tarde do que nunca”. Desde alterações de ordem meramente periférica a transições conceituais de monta, o novo Código enaltece o fim da “guerra dos sexos” fundada em discrímens injustificáveis.

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Nesta concepção familial contemporânea, não mais há amparo para expressões de cunho pejorativo como “pilota de fogão”, ou mesmo para discriminativos mais elaborados, consoante o contido no ensaio A Vaidade, de Montaigne, que diz: “A ciência de ocupação mais útil para uma mulher é o governo de casa”. O novo Código já reconheceu esta mudança.

Até as expressões mais consagradas foram alteradas para delinear, de forma contundente, os contornos dessa igualdade entre homens e mulheres, que não é mais uma igualdade meramente formal, mas sim uma igualdade real que contagia a todos os atores sociais.

Sob a égide do novo Código Civil, não mais se fala, por exemplo, de “pátrio poder”, que deriva do latim patrius, de pater, que exprime a idéia de patriarcado, de tudo que se refere ao pai ou procede do pai, denotando supremacia do poder do homem que, nesse mister, estaria a subjugar o poder da mãe.

O art. 1630 do novo Código, palmilhando essas veredas reclamadas pelo modernismo e, assim, referendando as bases dessa nova realidade social, utiliza a expressão “poder familiar” em substituição ao vetusto “pátrio poder”. Inovação que, em análise primeira, poderá dizer-se comezinha devido a caracterização de uma singela alteração da nomenclatura do poder-dever dos pais com relação a seus filhos. Porém, em reflexão minudente, verificar-se-á a alteração na essência da igualdade entre as pessoas, vez que, desta forma, não mais haveremos de afirmar, tal qual a disposição contida no art. 233 do Código de Beviláqua, que o marido era o chefe da sociedade conjugal, chefia esta que era exercida com a colaboração da mulher, como se estivesse tratando de uma relação entre coisas: o homem a principal, a mulher a acessória.

Aliás, essa dessemelhança de tratamento se depreendia de vários dispositivos. Uma das mais retumbantes expressões dessas disforias é a contida no parágrafo primeiro do art. 178 do Código Civil vigente que asseverava prazo de dez dias, contados do casamento, para que o marido pudesse propor ação de anulação do matrimônio contraído com mulher já deflorada, não havendo reciprocidade se a mulher quisesse valer-se dessa mesma prerrogativa de requerer a anulação, caso a prova de donzelez masculina fosse tão possível quanto o efeito comprobatório da mulher ser virgo intacta.

Essas diferenças no tratamento entre homens e mulheres não foram tão somente privativas das relações casamentárias. As sociedades concubinárias também tiveram suas mazelas. Quando da ruptura dessas sociedades extra-casamentárias, a mulher nada tinha a receber, vez que se considerava que o patrimônio era privativo da parte que era economicamente ativa, desconsiderando-se o apoio moral, a educação dos filhos e a renúncia da mulher em prol da família.

Nessa seara de anomalias, visando harmonizar essas situações, mas lamentavelmente criando disparate ainda maior, instituiu-se uma indenização a ser paga à mulher por ocasião do rompimento do relacionamento. Essa indenização, exteriorizando o teor doentio de seus idealizadores, era chamada pretium carnis, ou seja, uma contraprestação pelos serviços sexuais prestados pela mulher durante o período de vida em comum na relação extra-casamentária. Em outras palavras, criava a potencialidade de que todas as mulheres que viviam em relações concubinárias fossem passíveis de, repentinamente, em razão do término do relacionamento, serem caracterizadas como meretrizes, pois todo o amor e o afeto canalizados aos seus companheiros eram equacionados mediante cálculos baseados em conjeturas sobre freqüência da relação sexual, a fim de estabelecer-se o quantum dessa lastimosa indenização.

Em momento seguinte, embora também concebida com suporte fático deprimente, a natureza dessa indenização mudou. Não mais havia indenização por serviços sexuais prestados, mas sim por serviços domésticos prestados, rebaixando, dessa forma, a mulher que no mais das vezes é o sustentáculo do lar, à condição de mera serviçal, retratando a hierarquia entre o companheiro-patrão e a companheira-empregada, ou seja, denotando a prevalência imotivada do homem sobre a mulher em um contexto que não comporta disputas, vez que a potencialidade de êxito da relação familiar é tão maior quanto for a concórdia disseminada entre os companheiros, que não o são apenas de fato, mas sobretudo de afeto.

O novo Código Civil superou essas mazelas concernentes às dessemelhanças entre homens e mulheres que vivem em relações extra-casamentárias e, nesse mister, trouxe uma disposição assaz positiva por meio da instituição de um pacto assemelhado ao antenupcial, que define, no casamento, o regime de bens entre os nubentes. Assim, o art. 1725, do novo Código, destitui, de vez por todas, o aniquilamento da dignidade feminina que, invariavelmente, restava consumado quando da quebra desses relacionamentos outrora sob o manto da informalidade.

Com o advento do novo Código Civil não mais importa o sentido pelo qual pugnavam os juristas, se pela civilização do direito constitucional ou se pela constitucionalização do direito civil. O avanço para toda a população brasileira é indiscutível, o que, sob essa inspiração, nos traz à lembrança as palavras do Marquês de Maricá, em suas Máximas: “Pode-se graduar a civilização de um povo pela atenção, decência e consideração com que as mulheres são educadas, tratadas e protegidas”… Enfim, iguais perante a lei…

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Glauber Moreno Talavera

 

Especialista em Direito das Relações do Consumo
Mestre em Direito Civil pela PUC/SP
Professor na FMU e Advogado em São Paulo/SP

 


 

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