A evolução histórica do controle judicial de constitucionalidade no direito brasileiro

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Resumo: O presente trabalho procura elucidar como ocorreu o desenvolvimento do controle judicial da constitucionalidade no sistema jurídico brasileiro.

Palavras-chave: Controle de constitucionalidade. História do direito brasileiro. Constituições brasileiras.

Abstract: The present work seeks to elucidate how the development of judicial control of constitutionality in the Brazilian legal system took place.

Keywords: Control of constitutionality. History of Brazilian law. Brazilian Constitutions.

Sumário: Introdução. 1. As Constituições brasileiras. 2. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 . Conclusão.

Introdução

Atualmente, verifica-se, não apenas no ordenamento jurídico brasileiro, mas nos mais diversos ordenamentos jurídicos, uma especial atenção dada ao controle judicial de constitucionalidade, que, nas palavras de Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2016, p. 1108), “tem-se revelado uma das mais eminentes criações do direito constitucional e da ciência política do mundo moderno”.

No Brasil, hoje, o controle judicial de constitucionalidade encontra-se sistematizado tanto na carta constitucional vigente, isto é, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como na própria legislação infraconstitucional – é o caso, por exemplo, da Lei 9.868/99, que cuida da ação direta de inconstitucionalidade, da ação declaratória de constitucionalidade e, desde 2009, da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, e da Lei 9.882/99, que cuida da arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Em que pese o amplo tratamento, não se pode olvidar, contudo, que nem sempre o controle judicial de constitucionalidade teve lugar no ordenamento jurídico brasileiro, afinal, foi somente a partir do período republicano que passou a ganhar espaço.

1 As Constituições brasileiras

Ao analisar a Constituição Política do Império do Brasil de 1824, constata-se a supremacia do Parlamento, porquanto, “a influência francesa ensejou que se outorgasse ao Poder Legislativo a atribuição de ‘fazer leis, interpretá­las, suspendê­las e revogá­las’, bem como ‘velar na guarda da Constituição” (art. 15, n. 8º e 9º)’” (BRANCO; MENDES, 2016, p. 1108).

Assim, o texto constitucional de 1824, pautado na nítida e radical separação dos poderes, afastou, efetivamente, do Poder Judiciário, qualquer possibilidade de controle de constitucionalidade das normas, assegurando-a, durante todo o regime imperial, ao próprio Parlamento.

Portanto, foi, de fato, apenas no regime republicano, que o controle judicial de constitucionalidade passou a compor o ordenamento jurídico, tendo sido a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 a primeira a tratar expressamente do tema.

Diferentemente da Constituição imperial, o texto constitucional de 1891 – que além de instituir a república, instituiu também a federação e o presidencialismo –, foi nitidamente influenciado pelo direito norte-americano, o que para muitos doutrinadores, como Luiz Guilherme Marinoni (SARLET et alii, 2016, p. 912), foi fundamental para a sedimentação do controle judicial de constitucionalidade no texto.

Não se pode ignorar, no entanto, que antes da promulgação da Constituição de 1891, o Decreto 510, de 22.06.1890, denominado por muitos de Constituição Provisória da República (arts. 58, §1o, “a” e “b”, e 59, “a”), e o Decreto 848, de 11.10.1890 (arts. 3o e 9o, parágrafo único,  “a” e “b”), já haviam consagrado o modelo difuso de controle judicial de constitucionalidade. Todavia, tratando-se de texto constitucional, propriamente, a Constituição de 1891 foi, por certo, a primeira a trazê-lo de maneira expressa e a “sistematizá-lo”.

Incorporando dispositivos dos Decretos supracitados, o texto constitucional de 1891 previu, em seu art. 59, §1o, “a” e “b”, a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar, em última instância, os recursos contra as sentenças das Justiças dos Estados, quando se questionasse sobre a validade ou aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal fosse contra ela, ou quando se contestasse a validade de leis ou atos dos governos dos Estados em face da Constituição ou de leis federais, e a decisão do Tribunal considerasse válidos esses atos ou leis impugnados.

Não obstante o dispositivo supramencionado, a Constituição de 1891 previu, ainda, em seu art. 60, “a”, a competência dos juízes e Tribunais Federais para processar e julgar as causas em que alguma das partes fundamentasse a ação – ou a defesa – em dispositivo da Constituição.

É justamente das referidas normas, que se extrai o modelo difuso de controle judicial de constitucionalidade, cuja “fórmula permaneceu substancialmente a mesma ao longo de toda a República” (BARROSO, 2016, p. 85). A respeito dessas normas, Luiz Guilherme Marinoni (SARLET et alii, 2016, p. 914) ensina:

“O texto dessas normas foi suficiente para Rui argumentar que se deu poder aos juízes para apreciar a legitimidade das leis em face da Constituição. Realmente, parece induvidoso que, se o STF pode julgar, mediante recurso, as decisões das Justiças Estaduais que considerem leis válidas em face da Constituição, isto quer dizer que o Judiciário tem o poder de analisar a conformidade das leis com a Constituição. Este fundamento do controle difuso, então admitido em face da Constituição de 1891, nos moldes do controle de constitucionalidade estadunidense”.

Inaugurado o controle de constitucionalidade difuso, constatou-se, ao longo do tempo, a necessidade de aprimorá-lo, e foi justamente o que ocorreu na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, que teve, por sua vez, amparo ideológico na Constituição alemã de 1919 e na Constituição espanhola de 1931.

Para muitos constitucionalistas, a exemplo de Rodrigo Padilha, a Constituição de 1934, em que pese sua curta vida, “foi importantíssima para a ampliação e o amadurecimento do sistema de controle de constitucionalidade pátrio” (PADILHA, 2014).

O novo texto constitucional, o primeiro a ser promulgado na Era Vargas (1930-1945), manteve as regras trazidas na Constituição de 1891, todavia, implementou mudanças significativas a respeito do tema.

Dentre as alterações promovidas pela Constituição de 1934, tem-se a cláusula de reserva de plenário, isto é, a necessidade da maioria absoluta dos membros do Tribunal, para que se pudesse declarar a inconstitucionalidade de uma norma (art. 179). Com a referida regra, “evitava-se a insegurança jurídica decorrente das contínuas flutuações de entendimento nos Tribunais” (BRANCO; MENDES, 2016, p. 1113).

Outra valorosa modificação foi a competência atribuída ao Senado Federal para suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, que fosse declarado inconstitucional, pelo Poder Judiciário (arts. 91, IV, e 96), o que, por sua vez, ajudava a “resolver o problema relativo à falta de eficácia geral das decisões tomadas pelo Supremo em sede de controle de constitucionalidade” (BRANCO; MENDES, 2016, p. 1113).

Dentre todas as mudanças consagradas na Constituição de 1934, contudo, destaca-se, certamente, a “representação interventiva”. Conforme ensina Gilmar Mendes (2016, p. 1113), “cuidava-se de fórmula peculiar de composição judicial dos conflitos federativos, que condicionava a eficácia da lei interventiva, de iniciativa do Senado (art. 41, § 3º), à declaração de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal (art. 12, § 2º)”.

Pode-se afirmar, em síntese, que a referida representação, confiada exclusivamente ao Procurador-Geral da República, buscava, acima de tudo, assegurar que o Senado Federal não ultrapassasse os limites estabelecidos pelo art. 12, VI.

Segundo Luiz Guilherme Marinoni, “é possível dizer que este particular modo de compor conflitos entre União e os Estados deu origem ao controle direto de constitucionalidade no direito brasileiro” (SARLET et alii, 2016, p. 919).

Como exposto, a Constituição de 1934 não vigorou durante muito tempo, uma vez que, três anos após a sua promulgação, Getúlio Vargas implementou o Estado Novo – período comumente designado de ditadura varguista –, que reclamava, por seu turno, um novo texto constitucional, afinal, havia a necessidade de conferir uma aparência de legalidade àquele novo regime. Foi justamente, nesse contexto, que sobreveio a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937.

Segundo Elival da Silva Ramos (2010, p. 198), a Constituição de 1937 – centralizadora e autoritária – é, sem dúvida, “a que menor estima angariou entre os estudiosos do direito constitucional brasileiro”.

Verificava-se, naquele momento político, um nítido enfraquecimento dos Poderes Legislativo e Judiciário, em face do Executivo, que centralizava todo o poder.

No que tange ao controle judicial de constitucionalidade, é bem verdade que a Constituição de 1937 manteve o modelo difuso, conservando, inclusive, a recém consagrada cláusula de reserva de plenário, em seu art. 96. No entanto, ao verificar o parágrafo único deste mesmo dispositivo, constata-se, prontamente, o caráter centralizador do texto.

Referido parágrafo determinava que o Presidente da República, entendendo necessária ao bem estar do povo ou à promoção ou defesa de interesse nacional determinada lei declarada inconstitucional, poderia submetê-la novamente ao Parlamento, que, por sua vez, poderia afastar os efeitos da decisão do Tribunal, por dois terços dos votos em cada uma das Câmaras.

Tratava-se, sem dúvida, de uma norma despropositada, incongruente, ilógica, que, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni (SARLET et alii, 2016, p. 920), supunha “que o juízo do Presidente da República acerca do que é necessário ao ‘bem-estar do povo’ ou revelador do ‘interesse nacional’ pode passar por cima do que é inconstitucional”.

Após quinze anos no poder, dos quais, aproximadamente, oito, a frente de um regime eminentemente ditatorial, eis que, no dia 29 de outubro de 1945, Getúlio Vargas foi derrubado do governo.

Com a deposição do então Presidente da República, algo precisava ser rapidamente feito, afinal, o Brasil necessitava se reestruturar e, acima de tudo, restabelecer a harmonia entre os três Poderes, severamente abalada durante o Estado Novo.

A difícil e árdua missão de reorganizar o país acabou recaindo sobre o General Eurico Gaspar Dutra, eleito, no dia 02 de dezembro daquele mesmo ano, para comandar a nação.

Apenas dois meses após a posse do novo Presidente, uma Assembleia Constituinte foi convocada e, no dia 18 de setembro de 1946, foi promulgado um novo texto constitucional – Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Tratava-se de um grande passo para o restabelecimento do regime democrático.

Conforme ensina Pedro Lenza (2015, p. 294), a Constituição de 1946, “fruto do movimento de redemocratização e reconstitucionalização insaturado no País”, além de por fim à hipertrofia do Executivo, restaurou a tradição do sistema de controle de constitucionalidade.

Em seu art. 101, III, o texto constitucional preservou o modelo difuso de controle de constitucionalidade, prevendo a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou juízes, quando: a) a decisão fosse contrária a dispositivo da Constituição ou a letra de tratado ou lei federal; b) se questionasse sobre a validade de lei federal em face da Constituição e a decisão recorrida negasse aplicação à lei impugnada; ou c) se contestasse a validade de lei ou ato de governo local em face da Constituição ou de lei federal e a decisão recorrida julgasse válida a lei ou o ato.

Somado ao controle difuso, a Constituição de 1946 preservou, ainda, a cláusula de reserva de plenário, em seu art. 200, e a competência do Senado Federal para suspender a execução de norma declarada inconstitucional, em seu art. 64.

Algumas modificações, contudo, ocorreram em relação à “representação interventiva”. Enquanto, na vigência da Constituição de 1934, a intervenção só se efetivava depois que a Corte Suprema tomasse conhecimento da lei que a tivesse decretado e declarasse a sua constitucionalidade, na Constituição de 1946, a intervenção federal passou a ficar subordinada à declaração de inconstitucionalidade do ato pelo Supremo Tribunal Federal (art. 8º, parágrafo único) (BRANCO; MENDES, 2016, p. 1117). “Surgia, assim, espécie de ‘ação declaratória de inconstitucionalidade para intervenção’” (SARLET et alii, 2016, p. 920), cuja legitimidade ativa recaia exclusivamente sobre o Procurador-Geral da República.

Maior mudança, entretanto, somente foi ocorrer em 26.11.1965, com a promulgação da Emenda Constitucional 16, que acabou, por seu turno, inaugurando o controle de constitucionalidade abstrato, no ordenamento jurídico brasileiro.

Referida Emenda alterou a alínea “k”, do art. 101, I, da Constituição de 1946, passando a prever a competência originária do Supremo Tribunal Federal, para processar e julgar representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República.

Não obstante significativa inovação, a Emenda Constitucional 16/1965 inseriu, ainda, o inciso XIII no art. 124, autorizando o legislador a estabelecer processo, de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de Município, em conflito com a Constituição do Estado.

A respeito da Emenda Constitucional 16/1965, Luiz Guilherme Marinoni (SARLET et alii, 2016, p. 921) anota:

“A primeira e verdadeira manifestação de controle abstrato, na história do direito brasileiro, ocorreu mediante a EC 16, de 26.11.1965. Esta emenda constitucional alargou a competência originária do STF – tal como definida pela Constituição de 1946 –, conferindo nova redação à alínea “k” do art. 101, I, e, assim, passando a atribuir ao STF competência para processar e julgar “a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República”. Além do mais, inseriu novo inciso (XIII) no art. 124, dando ao legislador o poder de “estabelecer processo, de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de Município, em conflito com a Constituição do Estado”.

Importante destacar, contudo, que pouco antes da promulgação da Emenda Constitucional 16/1965, os militares haviam destituído o então Presidente João Goulart e assumido o governo – movimento este denominado, por muitos historiadores, de golpe de 1964 –, dando início ao regime militar, que acabou perdurando pelo período de vinte e um anos.

Ademais, apenas dois anos após a promulgação da Emenda Constitucional 16/1965, sobreveio um novo texto constitucional – igualmente, fruto do golpe de 1964 – que acabou, inclusive, afetando algumas das mudanças recém consagradas pela referida Emenda. Trata-se da Constituição da República Federativa do Brasil de 1967.

Conforme leciona Luís Roberto Barroso (2016, p. 87), “a Constituição de 1967 não trouxe modificações importantes ao sistema de controle de constitucionalidade”, porquanto manteve o modelo difuso, tal como estabelecido na Constituição de 1946, e preservou a “representação de inconstitucionalidade” ou ação direta de inconstitucionalidade (art. 114, I, “l”), tal como estabelecida pela Emenda Constitucional 16/1965.

Por outro lado, ainda no que tange à Emenda 16/1965, o novo texto constitucional acabou suprimindo a possibilidade de o legislador estabelecer processo, de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de Município, em conflito com a Constituição do Estado – há pouco consagrada no ordenamento jurídico.

Maiores modificações no sistema de controle de constitucionalidade, somente vieram a ocorrer posteriormente, por meio de Emendas Constitucionais promulgadas nos anos seguintes, tais como: Emenda 1/1969 – apontada, por muitos constitucionalistas, como a Constituição de 1969 – e Emenda 7/1977.

Em relação à Emenda Constitucional 1/1969, tem-se, como maior inovação, a inclusão do “controle de constitucionalidade de leis municipais, em face da Constituição estadual, para fins de intervenção no Município (art. 15, § 3º, d)” (BRANCO; MENDES, 2016, p. 1120). Desse modo, apesar de o texto original da Constituição de 1967 ter suprimido a ação genérica estadual prevista na Emenda 16/1965, acabou-se inserindo, posteriormente, a ação direta em âmbito estadual, todavia, limitada à hipótese de intervenção do Estado no Município (BARROSO, 2016, p. 87).

Quanto à Emenda Constitucional 7/1977, esta acabou não só introduzindo a representação para fins de interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 119, I, “l”) – igualmente, confiada ao Procurador-Geral da República e de competência originária do Supremo Tribunal Federal –, como também, acabou pondo fim a um longo debate acerca do cabimento de liminar em sede de representação de inconstitucionalidade, ao prever, expressamente, a possibilidade de o Procurador-Geral da República elaborar pedido de medida cautelar nas representações oferecidas (art. 119, I, “p”).

2 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Após cinco governos militares – vinte e um anos de governança –, no dia 15 de janeiro de 1985, com a eleição (indireta) de Tancredo Neves à presidência da república, o regime militar, finalmente, chegava ao fim.

Certo é, que aquele governo que se iniciava – comandado por José Sarney, em virtude do falecimento de Tancredo Neves, antes mesmo de assumir a presidência – não poderia conviver com o texto constitucional vigente, porquanto incompatível com um regime democrático.

Sendo assim, no dia 27 de novembro de 1985, foi aprovada a Emenda Constitucional 26, convocando uma nova Assembleia Constituinte, que acabou, por seu turno, promulgando o texto constitucional atual.

Promulgada no dia 05 de outubro, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ou, simplesmente, Carta Cidadã, em contraste com a então Constituição Federal de 1967 e com a Emenda Constitucional 1/1969, colocou-se verdadeiramente preocupada em assegurar direitos e garantias fundamentais ao cidadão brasileiro.

No que diz respeito ao controle judicial de constitucionalidade, especificamente, manteve-se o controle difuso – “com a reserva do recurso extraordinário às questões constitucionais” (SARLET et alii, 2016, p. 928) –, que acabou, contudo, tendo reduzido o seu significado, em virtude de mudanças promovidas no controle abstrato.

Conforme ensinam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2009, p. 713), a Constituição de 1988 valorizou sensivelmente o controle de constitucionalidade abstrato, ampliando e reforçando a via de ação direta.

Dentre as modificações que fortificaram o controle abstrato, destaca-se, indubitavelmente, a ampliação do rol dos legitimados ativos, isso porque, enquanto os textos constitucionais anteriores confiavam a ação direta de inconstitucionalidade unicamente ao Procurador-Geral da República, a Constituição de 1988 atribuiu legitimidade ao Procurador-Geral da República e, também, ao Presidente da República, à Mesa do Senado Federal, à Mesa da Câmara dos Deputados, às Mesas das Assembleias Legislativa e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, ao Governadores de Estado e do Distrito Federal, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, às confederações sindicais e às entidades de classe de âmbito nacional (art. 103, I a IX).

Evitava-se, com isso, situações como a vivida pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em 1970, quando solicitou ao Procurador-Geral da República a instauração do controle abstrato de normas em face de um decreto-lei que legitimava a censura prévia de livros, jornais e periódicos, e teve sua solicitação rejeitada pelo Procurador-Geral da República, que se negou a submeter a questão ao Supremo Tribunal Federal (BRANCO; MENDES, 2016, p. 1121).

Não obstante referida mudança, a Constituição de 1988 inovou, ainda, ao introduzir a arguição de descumprimento de preceito fundamental, prevista, originalmente, no art. 102, parágrafo único, e ao se preocupar, também, com a omissão inconstitucional, e introduzir, assim, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, prevista no art. 103, § 2º. Ambas as ações acabaram sendo regulamentadas, posteriormente, pela Lei 9.882/99 e Lei 9.868/99, respectivamente.

Com a promulgação do novo texto constitucional, já se somavam, portanto, três diferentes ações de controle de constitucionalidade abstrato. Todavia, no dia 17.03.1993, com a aprovação da Emenda Constitucional 3, foi incluída mais uma ação, tal seja, a ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2º). Importante ressaltar, que o rol dos legitimados ativos, previsto no art. 103, I a IX, acabou se estendendo às quatro ações.

Não fosse suficiente o fortalecimento do controle abstrato em nível federal, a Constituição de 1988 restabeleceu, ainda, o controle abstrato em nível estadual, ao afirmar, em seu art. 125, § 2º, que “cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão”.

A “representação interventiva”, por seu turno, inaugurada no texto constitucional de 1934, foi mantida pela Constituição de 1988, que tratou do assunto em seu art. 36, III.

Somado a tudo isso, tem-se, ainda, o fortalecimento e aperfeiçoamento do mandado de segurança, que passou a ser utilizado – sobretudo, nos dias atuais –, por parlamentares, como instrumento de controle de constitucionalidade preventivo, nos casos de falta de observância ao devido processo legislativo.

Conclusão

Passando por todas as Constituições, fica claro o quanto o controle judicial de constitucionalidade se desenvolveu e evoluiu nos últimos anos, bem como, o significativo papel da Constituição de 1988 nesse processo de amadurecimento, sobretudo no que tange ao controle abstrato, significativamente ampliado.

Nesse ponto, torna-se oportuno destacar, inclusive, a elevação do número de demandas de controle abstrato, nos últimos tempos. A título de exemplo, enquanto, no ano de 2014, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou 51 (cinquenta e uma) ações de controle concentrado, no ano de 2015, julgou 181 (cento e oitenta e uma)[1].

Resta saber, contudo, o que acontecerá nos próximos anos, isto é, se o atual modelo de controle judicial de constitucionalidade manter-se-á tal como estabelecido, ou, quem sabe, até mesmo um novo texto constitucional surgirá, alterando-o de maneira expressiva, de forma a garantir ainda mais os direitos e garantias fundamentais, o que é, indiscutivelmente, uma tendência.

 

Referências
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
PADILHA, Rodrigo. Direito constitucional (eBook). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. ISBN. 978-85-309-5495-6. CDU 342(81).
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.
RAMOS, Elival da Silva. Controle de constitucionalidade no Brasil: perspectivas de evolução. São Paulo: Saraiva, 2010.
SARLET, Ingo Wolfgang et alii. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF registra aumento de 351% no número de ADI, ADC e ADPF julgadas em 2014. Brasília, 2015. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=283422>. Acesso em: 22 janeiro 2017. 23:39.
 
Notas
[1] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF registra aumento de 351% no número de ADI, ADC e ADPF julgadas em 2014. Brasília, 2015. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=283422>. Acesso em: 22 janeiro 2017. 23:39.


Informações Sobre o Autor

Felipe Aires Coelho Araújo Dias

Sócio do escritório Aires Levy Machado Advogados Associados. Membro da Comissão de Assuntos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal. Pós-graduando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília


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