Resumo: A eventual inércia dos poderes constituídos em dar cumprimento aos desígnios da Constituição é um acontecimento relevante. Desta forma, os diferentes ordenamentos jurídicos instituem instrumentos que objetivam combater as lacunas normativas geradas pela omissão do Poder Público. O intuito do presente trabalho é discorrer sobre o instrumento criado para o controle concentrado da inconstitucionalidade por omissão em Portugal, analisando tópicos como finalidade, legitimidade, competência para julgamento e objeto da demanda. Também será estudado o histórico jurisprudencial do Tribunal Constitucional português de forma a compreender quais os efeitos produzidos pelas decisões da referida Corte.
Palavras-chaves: Inconstitucionalidade. Omissão. Portugal.
Abstract: The eventuality of an inactivity of the powers constituted in the fulfilling of the Constitution’s purposes is a relevant event. In this way, the differents legal systems institute instruments that aim to combat the regulatory gaps created by the omission of the State. The purpose of this research is to present the instruments created for concentrated control of the unconstitutionality by omission in Portugal, analyzing topics such as purpose, legitimacy, competence for judgment and object of demand. It will be also studyed the jurisprudential historic of the Portuguese Constitutional Court in this area, in order to understand the effects produced by its decisions.
Key-words: Unconstitutionality. Omission. Portugal.
Sumário: Introdução. 1. O modelo português de controle de inconstitucionalidade por omissão. 1.1 O Tribunal Constitucional. 1.2 O processo de apreciação da omissão legislativa inconstitucional. 2. A sistemática para a determinação da inconstitucionalidade por omissão. 3. Precedentes jurisprudenciais do Tribunal Constitucional português. 3.1 Decisões de não verificação da inconstitucionalidade por omissão. 3.2 Decisões de verificação da inconstitucionalidade por omissão. Conclusão.
Introdução
Podemos dizer que a Constituição é uma obra inacabada (FERRAZ, 1986, p. 51) na medida em que seu conteúdo fundamental possui caráter genérico. É inevitável que o constituinte deixe um espaço a preencher por meio da atuação dos poderes constituídos. A norma constitucional estabelece metas, objetivos a alcançar através da atuação das autoridades competentes.
A inércia consciente de um Poder ou órgão em relação às suas atribuições constitucionais consiste em verdadeira irresponsabilidade perante os cidadãos. A omissão por parte dos poderes constituídos viola a Constituição da mesma forma que os atos que contrariam comissivamente a Carta Magna. Tais omissões podem acarretar consequências de profunda gravidade, como menciona o magistério de BARROSO (2012, p. 162):
“A experiência constitucional brasileira, da Independência até o início da vigência da Constituição de 1988, é uma crônica da distância entre intenção e gesto, do desencontro entre norma e realidade. A marca da falta de efetividade, impulsionada pela insinceridade normativa, acompanhou o constitucionalismo brasileiro pelas décadas afora, desde a promessa de igualdade de todos na lei, feita pela Carta imperial de 1824 — a do regime escravocrata —, até a garantia a todos os trabalhadores do direito a colônia de férias e clínicas de repouso, constante da Carta de 1969 — a do regime militar. Destituídas de normatividade, as Constituições desempenhavam o papel menor, mistificador, de proclamar o que não era verdade e de prometer o que não seria cumprido. Boa parte da responsabilidade por essa disfunção pode ser creditada à omissão dos Poderes Públicos em dar cumprimento às normas constitucionais”.
Pelo exposto acima se torna possível compreender a relevância do controle da inconstitucionalidade por omissão. Trata-se de mecanismo garantidor da ordem constitucional, que impede que a Lei Maior seja reduzida a mera letra morta. A inexecução dos ditames constitucionais levará à provocação do Poder Judiciário, que então analisará a atuação do Legislativo ou do Executivo, conforme o caso.
De fato, no controle, pelo Poder Judiciário, da omissão inconstitucional dos Poderes Executivo e Legislativo temos um momento de marcante conflito entre uma jurisdição constitucional ativa e o conteúdo do princípio da separação de poderes. A questão discutida, portanto, tem importantes implicações jurídicas, políticas e sociais, uma vez que abrange a garantia de acesso pleno aos direitos fundamentais e a relação entre os três poderes.
Desta forma, visamos expor uma visão geral das disposições tomadas em Portugal em relação à matéria em comento. Serão trabalhadas normas, jurisprudência e textos jurídicos de autores atuais. Terá destaque a análise do conteúdo dos textos legais, sem descuidar, porém, do estudo e confrontação das teses doutrinárias correspondentes. Desempenhará um papel fundamental a pesquisa da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, obtida por meio das ferramentas de pesquisa do sítio eletrônico desta instituição, o que trará a tona os detalhes da realidade prática da aplicação do direito.
1. O modelo português de controle concentrado de constitucionalidade por omissão
1.1 O Tribunal Constitucional
Dentro do sistema jurídico português, o Tribunal Constitucional é o órgão que se destaca pelo exercício da função de fiscalização da conformidade de normas jurídicas em geral – e das leis e dos decretos-leis em particular – com a Constituição da República Portuguesa. Trata-se, portanto, do garantidor maior da Constituição, instituído por ela própria e disciplinado pela Lei n.º 28/82, conhecida pela abreviatura “LTC”, que trata sobre a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Como determina o artigo 222º da Constituição lusitana, o Tribunal Constitucional é formado por treze magistrados. Dez juízes devem ser eleitos pela Assembleia da República e os outros três são convidados pelos dez juízes eleitos, após votação por maioria qualificada, na forma do art. 19º da LTC. Do total de treze magistrados, pelo menos seis devem ser colhidos entre juízes dos demais tribunais, e os demais entre juristas, ou seja, indivíduos com formação acadêmica em Direito, nos termos do art. 222º, n.º 2 da Constituição, e do artigo 13º da LTC. Os juízes constitucionais cumprem um mandato não-renovável de nove anos (artigo 21º da LTC).
A atribuição do Tribunal Constitucional de investigar e analisar a inconstitucionalidade das omissões legislativas está definida no supracitado art. 283º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, conforme se passa a detalhar a seguir.
1.2 O processo de apreciação da omissão legislativa inconstitucional.
O exercício da fiscalização das omissões legislativas pelo Tribunal Constitucional é praticado mediante o requerimento de alguma das entidades ali indicadas – a saber, o Provedor de Justiça, o Presidente da República ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autônomas, os presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autônomas – visando a apreciação pela Corte do eventual descumprimento da Constituição por omissão da tomada das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais.
É possível notar que o elenco processual é reduzido. Como aponta ALMEIDA FILHO (2001, p. 129), a seleção dos legitimados baseou-se em critérios políticos objetivos, firmados com a meta de melhor afiançar o funcionamento do regime democrático aberto pela ordem constitucional de 1976.
A legitimidade concedida ao Presidente da República para tomar a iniciativa do processo de controle de inconstitucionalidade por omissão encontra a sua razão de ser no art. 120 da Constituição portuguesa, que confere ao chefe de Estado o dever de garantir “o regular funcionamento das instituições democráticas”. Portanto, a possibilidade de atuação do Presidente no controle de omissões legislativas inconstitucionais se deve à sua atribuição de garantidor do equilíbrio e da harmonia do Estado português. Na prática, porém, o caráter essencialmente político do relacionamento entre a Presidência da República e a Assembleia da República dificulta o processo de fiscalização do primeiro ente sobre a eventual ausência de atividade do segundo. De fato, o Presidente jamais exerceu tal faculdade.
Também são titulares em potencial os presidentes das assembleias das regiões autônomas, quando a eventual omissão acarretar a inobservância do estatuto político-administrativo garantido a tais divisões administrativas pela Constituição. Uma das manifestações da autonomia conferida a estas regiões é a possibilidade de controle sobre as ações ou omissões da Assembleia da República. Tal prerrogativa, assim como no caso do parágrafo anterior, não teve ainda aplicação prática.
O mais destacado legitimado para a fiscalização, em razão de sua relevância prática, é o Provedor de Justiça. Trata-se, na forma do art. 23 da Lei Maior lusitana, do órgão ao qual os cidadãos podem se dirigir para apresentar queixas referentes a ações ou omissões do Poder Público, uma espécie de ombudsman. Pelo exposto, se nota que uma das atribuições típicas do Provedor é justamente inspecionar a atuação do Estado, seja de forma comissiva ou omissiva. Todos os pedidos de apreciação de inconstitucionalidade por falta de medidas legislativas para dar exequibilidade à Carta Magna foram formulados pelo Provedor de Justiça.
No tocante ao rito do processo de apreciação e verificação da inconstitucionalidade por omissão quanto à produção de medidas legislativas, prevê a Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional em seu art. 67º que aplica-se a disciplina prevista em seus arts. 62º a 65º para os processos de fiscalização abstrata, salvo quanto aos efeitos.
Desta forma, o pedido de apreciação da inconstitucionalidade por omissão pode ser apresentado a qualquer momento, na forma do art. 62º, 1 da LTC. O prazo para processamento pela secretaria é de até 5 dias, seguindo-se sua apresentação ao presidente do Tribunal Constitucional. Este último, por sua vez, deve decidir sobre a admissibilidade do pedido em 10 dias. Uma vez admitido o pedido e juntada a resposta do órgão competente para elaborar a norma faltante, ou passado o prazo fixado sem que o mesmo se manifeste, uma cópia dos autos é distribuída para cada um dos juízes, acompanhada por um memorando que contém as questões prévias e de mérito formuladas pelo presidente do Tribunal e que devem ser respondidas pela Corte, como determina o art. 63º, 1 da LTC.
Após transcorridos 15 dias, pelo menos, da entrega do memorando, o conteúdo do mesmo será submetido a debate a fim de fixar a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver. Então o processo será distribuído a um relator designado por sorteio ou, se o Tribunal assim o entender, pelo presidente (art. 63.º, 2). Conclusos os autos ao relator, incia-se um período de 40 dias para a elaboração de um projeto de acórdão baseado na orientação do Tribunal (art. 65º, 1). Tal projeto de acórdão é apresentado a todos os magistrados, sendo concluso o processo ao presidente para a realização de sua inscrição para sessão do Tribunal a se realizar decorridos pelo menos 15 dias após a distribuição das cópias.
A respeito das consequências acarretadas pela eventual decisão proferida pelo Tribunal Constitucional reconhecendo a inconstitucionalidade por omissão, a única disposição consta do artigo 68º da LTC, que determina que o julgado que constatar a ocorrência de tal fenômeno tem o efeito previsto no art. 283º, 2 da Constituição da República Portuguesa. Tal dispositivo, por sua vez, limita-se a estabelecer que ao verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão o Tribunal Constitucional deverá cientificar o órgão legislativo competente. Nem a LTC nem qualquer outro diploma legal tratam de modo explícito os meios práticos de extinção do vácuo normativo gerado pela omissão inconstitucional.
A percepção geral em relação à fiscalização da inconstitucionalidade por omissão é de um instituto com poucos efeitos práticos no campo legislativo. A respeito deste tópico, o parecer de NOVAIS (2001, p. 191) sobre o panorama português é bem representativo:
“A natureza de direitos a prestações própria dos direitos sociais poderia sugerir, numa primeira impressão, que a convocação do Tribunal Constitucional para tutela deste tipo de direitos tenderia a desenvolver-se, sobretudo, no domínio da inconstitucionalidade por omissão, ou seja, naquelas situações em que há normas constitucionais que impõem a realização dos direitos sociais, mas que não encontram efectiva realização prática. Não tem sido assim. Em grande medida devido ao carácter relativamente inócuo do sistema de fiscalização adoptado a propósito pela Constituição de 1976, o recurso ao instituto da inconstitucionalidade por omissão tem sido praticamente irrelevante”.
A apreciação dos precedentes judiciais, porém, demonstrará que a hodierna fisionomia do instituto do controle de inconstitucionalidade por omissão possui um papel predominantemente político, no sentido de funcionar como instrumento de denúncia, perante a opinião pública, da ocasional inércia do Poder Legislativo.
2. A sistemática para a determinação da inconstitucionalidade por omissão.
Quanto aos critérios utilizados na ponderação de uma omissão legislativa, o ponto nevrálgico da matéria passa pela definição do conteúdo da diretriz constitucional em análise, especialmente no que se refere a determinação da existência ou inexistência, no bojo da norma constitucional analisada, de imperativo de atividade legiferante. Assim será possível justificar a sondagem do descumprimento da Constituição, possibilitando o efetivo direcionamento do esforço metodológico empregado para a compreensão das medidas legislativas consideradas omitidas.
No campo da metodologia, a Corte atribuiu aos tradicionais elementos de interpretação pesos distintos. Quanto ao elemento interpretativo gramatical, por exemplo, é possível destacar que o Tribunal Constitucional não tem concedido peso decisivo ao avaliar as omissões legiferantes de caráter reprovável. Nesse sentido, o Acórdão n.º 182/89, de relatoria do Conselheiro Mário de Brito, aponta que uma simples remissão literal para “os termos da lei” não é suficiente para caracterizar a existência de uma omissão legislativa inconstitucional. Ademais, os termos do julgado colacionado permitem concluir que o fator determinante para que se conclua que a norma constitucional traça uma a imposição legiferante será a teleologia da mesma, compreendida como atenção a sua razão determinante. Ou seja, deverá ser analisada a intencionalidade manifestada pelo preceito analisado da Lei Maior e averiguada a necessidade de medidas que a ponham em prática.
Ainda quanto ao método, outro elemento merecedor de destaque é que, ao revés do que acontece na seara das demais modalidades de casos decididos pelo Tribunal Constitucional, não é usual ver nas decisões proferidas na seara da inconstitucionalidade por omissão alusões ao direito comparado ou a casos analisados em instâncias internacionais.
3. Precedentes jurisprudenciais do Tribunal Constitucional português.
É muito reduzido o volume de processos de apreciação de inconstitucionalidade por omissão. Até o presente momento, em somente sete ocasiões o Tribunal Constitucional proferiu decisões em processos desta natureza. A primeira se deu no dia 1º de fevereiro de 1989 e a última ocorreu no dia 19 de novembro de 2002. Será feita uma análise geral deste histórico de julgamentos levando em conta os apontamentos do Relatório Português para o XIVº Congresso da Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus.
3.1 Decisões de não verificação da inconstitucionalidade por omissão.
Ao tratar dos casos em que a Corte entendeu pela inexistência de inconstitucionalidade por omissão, importa primeiramente ponderar as situações nas quais veio a ser promulgado e publicado ato normativo supridor da omissão enquanto ainda se encontrava pendente o processo. Foi o que se verificou por ocasião da análise dos Acórdãos de n.º 276/89, 638/95 e 424/01.
Nestes três casos referidos o Tribunal proferiu unanimemente decisão de mérito declarando a inexistência da inconstitucionalidade por omissão em decorrência da publicação dos atos legislativos pertinentes. Assim sendo, tais hipóteses não constituem casos de recusa de conhecimento da inconstitucionalidade por omissão, mas sim casos em que, conhecendo mérito, o Tribunal verificou a não ocorrência de inconstitucionalidade por omissão. Portanto, não há que se falar em não conhecimento do pedido nem em extinção da lide. Também é interessante referir que nesses casos o Tribunal se preocupa em verificar se as medidas normativas desenvolvidas atendem ou não ao objetivo constitucional.
No Acórdão n.º 638/95, por exemplo, foi esmiuçado o pedido do Provedor de Justiça para verificação do descumprimento da Constituição por inexistência das medidas legislativas necessárias para tornar executável a norma do artigo 52º, nº 3, consagradora do direito de ação popular. O Tribunal deu por não verificada a inconstitucionalidade por omissão pois foi promulgada, após o pedido, a Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, que trouxe, no entender do Tribunal, “uma disciplina global, integrada e tanto quanto possível completa do ‘direito de acção popular’ consagrado no artigo 52º, nº 3, da Constituição”.
Caso semelhante se deu em relação ao Acórdão n.º 36/90, relativo ao descumprimento do artigo 241º, nº 3, da Constituição por parte da Assembleia da República. Trata o referido dispositivo sobre a possibilidade de realização pelos órgãos autárquicos locais de consultas diretas aos cidadãos eleitores nos casos, termos e com a eficácia que a lei estabelecer. Embora ainda não houvesse acontecido, na época da data da decisão, a publicação em órgão oficial de ato normativo, já havia sido aprovado pelo Parlamento um projeto de lei relativo à matéria objeto do pedido. Tal contexto foi considerado pelo Tribunal Constitucional suficiente para não ter por verificada a inconstitucionalidade por omissão.
Também no supracitado Acórdão n.º 359/91, relatado pelo Conselheiro Monteiro Diniz, dizia respeito a possibilidade de transmissão do direito da qualidade de locatário para fins de habitação nos casos de fim de união estável com filhos menores de idade. Também neste caso não houve recusa de apreciação da inconstitucionalidade por omissão, mas uma decisão de mérito.
O Tribunal Constitucional não verificou a ocorrência de inconstitucionalidade por omissão. Nesse julgado, a Corte declarou a inconstitucionalidade de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça por violação do princípio da não discriminação dos filhos consagrado no artigo 36º, nº 4, da Constituição portuguesa, uma vez que a referida decisão considerou que não se aplicavam aos filhos nascidos em união estável certos direitos garantidos pelo Código Civil aos filhos nascidos na constância do matrimônio.
O Tribunal, entretanto, não reconheceu a existência a inconstitucionalidade por omissão por entender que o referido dispositivo constitucional não continha uma imposição concreta e específica dirigida ao Poder Legislativo de forma a obrigá-lo constitucionalmente, sob pena de omissão legislativa, a emitir uma norma do tipo daquela que vem definida pelo requerente, a saber, determinando expressamente que certas disposições do Código Civil referentes a filhos menores se aplicam.
3.2 Decisões de verificação da inconstitucionalidade por omissão.
Ao descobrir a inexistência de medidas legislativas indispensáveis para exequibilidade de uma norma constitucional, o Tribunal Constitucional deve limitar-se a atestar o descumprimento da Constituição em razão da omissão quanto a tais medidas, sem tomar nenhuma providência suplementar, mesmo em se tratando de omissão relativa à tutela de direitos fundamentais.
Os efeitos de tal reconhecimento se exaurem no dever da Corte de notificar o órgão legiferante competente a respeito da omissão para que este possa suprir da lacuna. Isto se aplicará quando a competência para sanar displicência normativa atacada seja da Assembleia da República ou das Assembleias Legislativas das regiões autônomas. Desta forma, a decisão que constata a existência de um caso de inconstitucionalidade por omissão não possui eficácia jurídica concreta e é incapaz de gerar por si mesma qualquer tipo de alteração na ordem jurídica.
Tal limitação, que se fundamenta no princípio da separação de poderes entre os órgãos de soberania, nos leva a conclusão de que a competência desempenhada pelo Tribunal Constitucional na seara em comento tem natureza, quanto a sua possibilidade de alcance, puramente declarativa. Não obstante a falta de caráter vinculativo dos pronunciamentos do Tribunal Constitucional nessa seara, eles constituem relevantes apelos à iniciativa do órgão competente para conferir exequibilidade à Constituição. O impacto de tal apelo pode ser medido pela forma como o legislador ordinário reagiu nas duas únicas situações em que o Tribunal Constitucional verificou a existência de uma inconstitucionalidade por omissão.
O primeiro caso se refere ao Acórdão n.º 189/92. Tratava-se de disposição feita pelo art. 35º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, que determina o cabimento de lei ordinária para definir o conceito de dados pessoais. Tal definição, por sua vez, era necessária para tornar exequível a garantia do art. 35º, nº 4, que proíbe o acesso de terceiros a arquivos eletrônicos com dados pessoais, salvo em casos excepcionais previstos na lei. Este Acórdão foi publicado pela imprensa oficial em 3 de março de 1989, data a partir da qual se seguiram no Parlamento diversas iniciativas objetivando regulamentar a defesa dos cidadãos contra o tratamento informático de dados pessoais. O processo legislativo na Assembleia da República foi coroado em 19 de Fevereiro de 1991, com a promulgação da Lei 10/91, referente à proteção de dados pessoais face à informática.
Mais conturbadas foram as circunstâncias em relação ao segundo pronunciamento da Corte no âmbito da verificação da existência de uma inconstitucionalidade por omissão. Por meio do Acórdão n.º 474/2002 o Tribunal Constitucional declarou o descumprimento da Lei Maior por omissão das medidas legislativas necessárias para dar efetividade ao direito dos funcionários públicos ao gozo do benefício do subsídio social de desemprego, na forma do art. 59º, nº 1, “e” da Lei Maior lusitana.
Considerou o Tribunal que o direito à assistência material previsto no supracitado dispositivo impôs ao Poder Legislativo o estabelecimento de uma prestação social para aqueles servidores públicos que se encontrassem em situação de desemprego involuntário. Este Acórdão foi publicado pela imprensa oficial de 18 de dezembro de 2002. Entretanto, em razão do impacto associado à matéria em comento sobre a despesa pública, foi obstaculizado o consenso parlamentar a respeito, prolongando a subsistência da lacuna legislativa denunciada pelo Tribunal Constitucional.
Após o fracasso de outros projetos anteriormente apreciados, foi apresentada em 02 de novembro de 2007 a Proposta de Lei 163/X, de autoria do governo em exercício na época. O projeto foi aprovado em votação final em 21 de dezembro do mesmo ano e publicado em 20 de fevereiro de 2008. Desta forma, a omissão verificada pela Corte Constitucional foi enfim sanada através da Lei n.º 11/2008, após uma mora de mais de cinco anos.
Ante o exposto, é possível concluir que as decisões de verificação de inconstitucionalidade por omissão, apesar de desprovidas de eficácia constitutiva, produzem sempre o efeito de sinalizar institucionalmente a existência de uma imposição constitucional legiferante por cumprir. Desta forma, elas conferem ao contexto do debate público legitimidade às reivindicações apresentadas pelo setor da sociedade mais atingido pela inércia legislativa e favorecem a concretização da possibilidade de responsabilização no âmbito da discussão parlamentar dos agentes cuja inação puder ser reconhecida como causadora da omissão legislativa denunciada pelo acórdão.
Conclusão
Ante todo o exposto, podemos concluir que o instituto estudado exerce um papel de caráter político, funcionando como relevante instrumento que dá publicidade ao desrespeito à Constituição decorrente da inércia do Poder Público, servindo de declaração de princípios que legitima o esforço de superação da lacuna normativa combatida.
Assim, ao contrário do que poderia se supor, a limitação dos efeitos produzidos pelas decisões da Corte Constitucional nesta seara à declaração de existência da omissão e à notificação do ente competente para a sua supressão não tornam o instituto absolutamente inefetivo. Como a análise dos precedentes judiciais demonstrou, tal declaração pode acarretar mudanças na postura dos entes responsáveis pela conduta omissiva, contribuindo para a supressão de relevantes vácuos normativos. Conclui-se, desta feita, que não se sustenta a afirmação de que o controle de inconstitucionalidade por omissão é meramente um exercício simbólico.
Entretanto, cabe destacar que parece lícito supor que o rol restrito de legitimados pela Constituição da República Portuguesa pode estar relacionado à baixa taxa de incidência dos casos de fiscalização de inconstitucionalidade por omissão em Portugal. Nesse sentido, é interessante ressaltar que a legitimidade para ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão no Brasil é mais ampla do que no país ibérico, indicando que o modelo brasileiro possui caráter mais abrangente.
Informações Sobre o Autor
Felipe Donizeti da Silva Balduci
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro