Resumo: A ADI-MC 221 trouxe para seus cuidados o instituto da Medida Provisória, iniciando uma série de debates que anos mais tarde culminaria na legiferação do obter dictum,via Emenda Constitucional 32/01. Abriu-se precedente para, por meio de controle sobre o alcance e os poderes conferidos à Medida Provisória, cautelar indiretamente acerca da Separação de Poderes. Com larga influência do decreti legge italiano, a versão brasileira do instituto possui sua própria história.
Palavras-chave: ADI-MC 221, Medida Provisória, Emenda Constitucional 32/01, decreti legge.
Abstract: The ADI-MC 221 brought to its care the institute of the Provisional Measure, initiating a series of debates that years later would culminate in modification in the Constitution via Constitutional Amendment 32/01. A precedent was opened for, through control over the scope and powers conferred on the Provisional Measure, to indirectly caution about the Separation of Powers. With great influence of Italian decreti legge, the Brazilian version of the institute has its own history.
Key-words: ADI-MC 221, Provisional Measure, Constitutional Amendment 32/01, dicreti legge.
Sumário: Introdução. 1. Contexto histórico e precedentes do julgamento. 2. O relatório do ministro Moreira Alves e a EC 32/01. Conclusão. Referências. Referências complementares.
INTRODUÇÃO
A ADI MC 221 teve como objeto, num primeiro momento, o seguinte: os artigos 1º, 2º, 3º e 4º da Medida Provisória nº 153 e os artigos 1º, 2º e 3º da Medida Provisória nº 156 ambas de 15 de março de 1990. Proposta pelo Procurador Geral da República com fundamento no artigo 5º, XXXIX CRFB/88, pediu-se ainda que os efeitos das MP’s fossem suspensos mediante liminar, embasando-se nos primórdios desta Constituição, quando doutrina e jurisprudência concordavam que as MP’s encontravam limites materiais reservados à Lei Complementar (em defesa ao quórum qualificado) e sua matéria ao conteúdo de natureza penal “visto que impossível afetar o status libertatis sem lei em sentido estrito”[1]. Os artigos objeto desta Ação majoravam penas à tipos penais, colocando em risco o próprio regime democrático dado à natureza resolutiva do ato normativo, e na linguagem do próprio Procurador proponente da Ação Direta de Inconstitucionalidade:[2]
“3. Mas, em face da secular garantia individual de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal), não é possível permitir que o Chefe do Poder Executivo se substitua ao Poder Legislativo, ainda que cautelarmente, em tema de definição de crime e de cominação de pena, uma vez que o termo “lei”, posto na norma garantidora do direito individual, acima aludida, há de ser interpretado restritivamente, em seu sentido exclusivamente formal: norma criada pelo Poder Legislativo.”
A situação peculiar se deu com a juntada de documento aos autos pelo PGR, em 28 de março do mesmo ano, informando edição de nova MP pelo Presidente da República em dia anterior, onde tornava nulos ambas MP’s, objetos da Ação, mediante nova expedição do instituto sob inscrição nº 175.
Isto leva o PGR a solicitar perante o Supremo Tribunal Federal, em consequência disso, a declaração da perda do objeto pelo plenário. Com vistas ao novo pedido o relator Ministro Moreira Alves faz longa reflexão acerca do instituto, perpassando por sua origem, histórico de sua utilização no Brasil, sua própria natureza (inclusive em comparação à outros normas/atos normativos primários internacionais) para só então emitir voto claro, que apesar de longo, esmiuçado e o mais objetivo possível. Diante de tamanha maestria, veio a ser seguido por todo o plenário resultando em unanimidade o entendimento acerca de ter restado prejudicado tão somente o pedido liminar de suspensão dos efeitos das MP’s nº 153 e 156, diante do que a de nº 175 já havia alcançado este fim; no entanto o julgamento seguiu, devido a natureza resolutiva e dependente de manifestação parlamentar da medida ab-revogadora, somente se encerrando o processo, novamente mediante decisão unânime, em 16 de setembro de 1993 com a declaração de perda do objeto, pois a Medida Provisória nº 175 convertera-se na Lei 8.035 de 27 de abril de 1990.
O presente artigo pretende apresentar uma sequência de fatos influenciadores da postura final e inovadora do STF, quando da análise da referida ADI e das consequências dessa nova Jurisprudência no mundo político e jurídico.
1. CONTEXTO HISTÓRICO E PRECEDENTES DO JULGAMENTO
Este julgamento situa-se no segundo ano incompleto de vida da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, a Constituição Redemocratizadora e Descentralizadora. Ocorre que nem mesmo o mais bem intencionado trabalho humano está imune à falhas, e dado ainda à situação de rápida resposta parlamentar aos anseios populares (se arrastavam desde março de 1983), restaram inúmeros desequilíbrios na Carta Magna tupiniquim. Contudo nela está previsto em seu artigo 60, com força de cláusula pétrea, possibilidades de enxerto constitucional, para inovar ou reformar.
O contexto motivador de construção da nova CRFB/88 é o conjunto de manifestações ideológicas de artistas, ativistas políticos, movimentos partidários ainda não cadastrados; conhecidos pela famosa alcunha “Diretas Jà!”
A situação política anterior às inflamadas manifestações de rua é referida por “Regime Militar”, por corresponder à cúpula ocupante do Poder Executivo durante o período de 1964 até 1985, d’onde prevaleceu nas mãos destes a concentração de todo o poder. Esteve-se, por esse período, acostumado à ideia de a função legiferante ser executada, principalmente, pelo Poder Executivo. Como sinaliza Ferreira Filho[3]: “É sabido que a Constituição anterior previa decretos-leis. É o que estava, para citar o texto estabelecido na Emenda 1/69, no art. 55”. Prossegue, Ferreira Filho[4]:
“Tais decretos-leis, cuja vigência seria imediata a partir da publicação, eram submetidos ao Congresso Nacional, que, no prazo de sessenta dias a contar de seu recebimento, deveria apreciá-los, aprovando-os ou rejeitando-os em bloco, sem emendas. Caso não houvesse deliberação nesse prazo, estariam tacitamente aprovados, segundo a redação primitiva do art. 55 § 1º. Depois da Emenda n. 22/82, transcorrido o prazo sem deliberação, seriam inscritos na ordem do dia, em regime de urgência, por dez sessões subsequentes, em dias sucessivos, findos os quais, se não tivesse havido a deliberação, estariam aprovados. De qualquer modo, mesmo que rejeitado o decreto-lei, seus efeitos eram válidos.”
O Ministro Gilmar Mendes, de maneira até mais direta, igualmente aponta a medida provisória como sucessora, permita-se ler ‘derivada’, do decreto-lei no contexto histórico brasileiro, cuja criação deste dera-se em 1937 (Mendes, 2014, p. 899). Narra a respeito deste momento o Juiz Carmona[5]:
“Sobreveio a Constituição de 1937, conhecida como polaca em razão da cópia do modelo previsto na Constituição polonesa de 1935, oriunda do regime autoritário do general Pilsudski. Escrita por Francisco Campos, Ministro de Justiça de Getúlio Vargas, a Carta de 1937 exacerbou os poderes do Presidente da República e cerceou a autonomia dos Estados-membros, com a revogação de todas as Constituições estaduais do segundo período republicano.”
Ressalta-se a real motivação, como apresentado por Carmona e Mendes, da criação do referido instituto que transformar-se-á em medida provisória na Carta de 88. Em seu nascedouro era medida imperialista. O governo de 37 centralizou inclusive a forma de Estado como aludido por Carmona acima. Acerca da centralização da forma de governo sinaliza Mendes[6]:
“Previa-se no diploma constitucional que este instrumento seria usado, mediante autorização do parlamento ou durante períodos de recesso ou dissolução da Câmara dos Deputados. Como o parlamento não se reuniu, o uso do decreto-lei foi absoluto.”
O Brasil se deparou com a “rescentralização” do poder nas mãos do Poder Executivo, e consequentemente com a figura do decreto-lei em dois momentos. O Congresso Nacional inclusive fora fechado em ambos, pela CF/37 e posteriormente pelo Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, regulamentado pelo Ato Complementar nº 38.
Apoia-se a adoção do instituto da medida provisória, pelo Constituinte de 88, na ideia de conceder ao então sistema de governo trazido, restaurado da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946, maior flexibilidade, diga-se ao sistema de separação dos poderes.
A Carta de 46 escarmentou-se com a dureza, inclusive textual, do decreto-lei de 37, e não a aplicou quando de sua vigência, contudo quando o instituto retorna ao ordenamento nacional em 1967, apesar do regime ditatorial, este traz, em seu texto pelo menos, influências do decreti-legge italiano, que permanecerá no constitucionalismo brasileiro, como bem exaltará o Ministro Moreira Alves aorelatar a ADI-MC 221. Aduz Ferreira Filho[7]:
“149. Foi a Constituinte, ao dispor-se a substituir o decreto-lei, apontado como instrumento do autoritarismo, buscar inspiração no mesmo art.77, 2º e 3º partes, da Constituição italiana de 1947, que já inspirara o decreto-lei de 1967/1969. Patenteia-se isto já na designação, pois medidas provisórias são a tradução literal da expressão italiana “provvedimenti provisori”.”
Para fins de esclarecimento entre as terminologias trazidas da língua italiana pelos juristas supracitados, o intermediação de Sobrinho (2016, p.14):
“ O provvedimenti provisori italiano, disciplinado no artigo 77 da Constituição italiana de 1947, é, assim, normalmente conhecido como decreti-legge, conforme expressão tradicional no direito italiano e de emprego determinado pela Legge 400, de 23.08.1988, que “disciplina a atividade do Governo e organiza a Presidência do Conselho de Ministros”
Diferente de 37, em 67 a Carta Magna não se encerrou as atividades do Congresso, e ainda trouxe do direito italiano algumas peculiaridades do decreti-leggi ao novo decreto-lei, mas ainda com uma notável sobrepujança tupiniquim. Fazendo um paralelo, o decreti-legge tinha como pressupostos a necessidade e urgência, convocação ainda que extraordinária do Congresso em cinco dias e findo prazo resolúvel extinguiriam os efeitos da medida se não apreciadas pelo parlamento (Sobrinho, 2016, p. 14). Nos dizeres de Mendes[8]:
“A Constituição de 1967 tornou a dar vida ao decreto-lei, atribuindo-lhe matéria específica, e a ele impondo os pressupostos da urgência ou de interesse público relevante. A não apreciação do texto dentro de certo período tornava-o definitivo. Mesmo que rejeitado, as relações formadas durante a sua vigência permaneciam eficazes.”
Reveste-se o decreto-lei de nova nomenclatura e novos parâmetros ao ser inserido na nova Constituição em 88. Sob o nome de "medida provisória" passa a ser passível de emendas pelo Congresso Nacional, além do que, se tacitamente rejeitada (novo entendimento acerca da não apreciação parlamentar) poderá ser reeditada, o que gerou várias ADins antes da EC 32/01; o Judiciário não averiguava da presença dos requisitos de “relevância e urgência”, pois se tratava de discricionariedade do Executivo até a Adin 162 julgada em 14 de dezembro de 1989 de relatoria do Ministro Moreira Alves (Mendes, 2014, p. 901); não se deveria, ainda, adentrar matérias de Lei Complementar, vide o quórum, e nem de matéria penal ou matéria estranha à lei delegada, posição da doutrina e jurisprudência (França Júnior, 2002).
Observa-se que, pela primeira vez, transcreve-se em voto acerca de atuação do Poder Judiciário, onde outrora este agia como quase um auxiliador da situação, em momentos onde ou Executivo ou o Legislativo (pelo parlamentarismo) se sobrepunham, com predominância do primeiro.
Contudo é na reta final do século XX que o Poder Judiciário encontra o seu momento de maestria, quando o Brasil enxerga como melhor solução o sistema presidencialista, e o Judiciário entra forte em cena com o papel crucial de ser o fiel da balança, assumindo a guarda da CRFB/88 através de sua Corte, e lançando mão de ponderações acerca dos assuntos do cotidiano político.
Alerta, em sentido geral e atemporal Garcia[9]: “Há, no entanto, que se ter cuidado no trabalho hermenêutico com tentações legiferantes. Eventual “ativismo judicial legislativo” deve ser evitado.”, reflexão atual, vide noticiários.
2. O RELATÓRIO DO MINISTRO MOREIRA ALVES E A EC 32/01
Uma prática governamental foi a plenário do STF. Era comum edições de MP’s pelos governos para revogar os efeitos de MP’s anteriores. A ADI 221 MC / DF concede ao Relator chance de discorrer acerca do instituto e o introduz no âmbito de tutela jurisdicional.
O Ministro Relator, após reflexão em seu voto, exalta a exclusiva atribuição do Poder Judiciário em declarar inconstitucionalidade das leis e atos normativos em vigor, asseverando, ainda, que poderia o STF responsabilizar os outros dois Poderes “pelos prejuízos advenientes dessa declaração se este entender que inexiste a pretendida ilegalidade ou inconstitucionalidade” (ADI-MC 221, 1990, p. 52). Lê-se portanto inconstitucionais leis intencionadas de revogar outra anterior à esta altura. Num momento de clarividência da situação, busca seu melhor juízo na hermenêutica o Ministro Relator ao aduzir o seguinte[10]:
“Como, entretanto, em matéria de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, admite-se, para resguardar, dos sentidos que eles podem ter por via de interpretação, o que for constitucionalmente legítimo – é a denominada interpretação conforme a Constituição -, o artigo 1º da Medida Provisória nº175, ora em exame, pode ser interpretado como ab-rogatório das Medidas Provisórias nº 153 e 156.”
A reflexão dá-se também em torno da característica emergencial da Medida Provisória, já que gera efeitos desde sua edição até apreciação do Congresso Legislativo ou até exaurimento do prazo de vigência previsto, no primeiro momento igual a 30 dias prorrogáveis por mais 30.
Neste ponto o ministro traz as análises meditadas acerca do instituto paradigma italiano da MP, realizadas por Livio Paladin. Aponta, em obter dictum, à conclusão lógica de o Presidente, numa transposição ao sistema tupiniquim, não poderá retirar da apreciação do Legislativo medida já posta em tramitação e consequentemente já gera efeitos jurídicos diversos, a depender da matéria tratada.
Para tanto resta ao Governador/Presidente a concessão jurisprudencial da edição de nova MP ab-rogadora, d’onde desde sua edição passará a vigorar suspendendo os efeitos MP ab-rogada impedindo esta de gerar novas relações ou avançar na construção de novo instituto, mesmo sem ter exaurido seu prazo e mesmo sem apreciação parlamentar, enquanto perdurar os efeitos da MP ab-rogadora.
Para sedimentar o entendimento e pacificar a questão, o Relator aponta ao caráter normativo da medida resolutiva, pois esta valerá com força de lei aos destinatários desde sua edição, gerando efeitos obrigatórios. Igualando somente ao tempo de edição a um projeto de lei, diferindo-se profundamente em natureza, pois a segunda apenas produzirá efeitos se convertida lei, contraponto da medida provisória.
Além do mais, apresenta texto no caput do art. 2 §1 LICC: “ não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”; disto concluindo: “As leis, portanto – e, consequentemente, os atos normativos com tal força-, só perdem sua vigência, em nosso sistema jurídico, com a auto-revogação.” (ADIM-MC 221, 1990, p. 47).
Seguindo a linha de raciocínio, admitida edição de MP ab-rogadora, esta produzirá desde já efeitos de suspensão ex nunc na MP ab-revogada. Daí abrem-se duas possibilidades:
1º hipótese: Em não sendo convertida em Lei ou mesmo sendo rejeitada pelo Congresso MP ab-rogadora/ab-rogante, esta perderá eficácia desde sua edição, retroagindo seus efeitos, repristinando os efeitos da MP ab-rogada para produzir efeitos pelo tempo que restara ou eventualmente ser convertida em Lei. Restando ao Congresso disciplinar as relações surgidas quando da vigência da MP ab-rogante.
2º hipótese: Convertendo-se em Lei MP ab-rogante, restará ao Congresso disciplinar sobre as relações surgidas quando do nascimento da MP ab-rogada até sua efetiva ab-rogação.
Nota-se que não poderá o Congresso manifestar a respeito da MP ab-rogada enquanto estiver em vigor a MP ab-rogante. Ao fim de sua exposição o Ministro Relator ressalta dever seguir o andamento do processo quanto a análise de mérito, por estarem as MP’s ab-rogadas 153 e 156 apenas suspensas, com expectativa quanto ao futuro e, portanto, devendo haver precaução jurisdicional.
E, obviamente, com o estabelecimento da suspensão não se haveria de falar em medida liminar, assim proferindo seu voto[11]: “Julgo, assim, si et in quantum, prejudicado apenas o pedido de liminar para a suspensão ex nunc da eficácia das Medidas Provisórias nº 153 e 156.” O voto foi seguido unanimemente pelos pares.
Passados quase treze anos de existência da CRFB/88 com seu texto original da Medida Provisória no artigo 62, o Congresso promulga a Emenda Constitucional nº 32 de 11 de setembro de 2001. Dentre várias medidas mitigadoras, uma das mais esperadas foi a que consta no §10: " É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.". Com clara influência mais uma vez da virada jurisprudencial italiana quando a reiterazione di decreti leggi era fundamentada pela doutrina, como alude Sobrinho[12]:
“Segundo a doutrina italiana tradicional, a ausência de conversão dentro do prazo constitucional não enseja a presunção de rejeição do decreto-legge (e muito menos a sua invalidade), o que é evidente em razão de a não-conversão, na maioria das vezes, derivar de obstrução promovida pela minoria parlamentar.”
Tal jurisprudência abriu, naquele lugar, as portas para reiterados abusos perpetrados pelo Governo, levando até o uso pelo mesmo de cláusula convalidatória (clausola de salvezzam), blindando atuação do Parlamento na disciplina das relações quando a medida não convertesse em lei, até ser declarada inconstitucional diante do artigo 15, nº2, d, da Legge 400/1988 (Sobrinho, 2016, p. 54).
Chega-se ao cúmulo de se ver reeditar/reiterar até mais de vinte vezes decreto-legge por até 3 anos, a Corte Constitucional italiana reformula sua posição, nas palavras de Sobrinho[13]:
“Assim, a Corte Constitucional italiana, no obter dictum constante da Sentença nº 302, de 09.03.1988, repreendeu as instituições pelo elevado número de reiterações, e sugeriu que fossem empreendidas reformas normativas para que não acabasse esvaziado o significado dos preceitos postos no artigo 77 da Constituição italiana de 1947. Ademais, a reiteração de decreto-legge não parece compatível com a exigência de respeito à opinião tácita contrária do Parlamento à oportunidade da decretação de urgência, opinião esta demonstrada pela falta de conversão.”
No entanto tais abusos ainda perduraram até a decisão da Corte Constitucional Italiana, em 1995, ao proferir ser inconstitucional a reedição de qualquer medida provisória que trate de segurança nacional, calamidade pública e normas financeiras, culminando na edição de emenda constitucional em 1997.
O Brasil tendeu a seguir os passos italianos no longo tratamento do instituto como nota-se. A grande dificuldade brasileira se deu quando o STF se recusava a analisar os requisitos de validade da urgência e relevância, e segundo Ferreira Filho[14]: “isto levou à multiplicação das medidas provisórias que eram convalidadas por subsequente”.
Isto leva à reativa do Congresso com edição das EC’s 6 e 7 de 15 de agosto de 1995, acrescentando o artigo 246 à Constituição onde versa: “É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1995.”. No entanto o Presidente encontrará barreira somente na edição da EC 32/01(Ferreira Filho, 2012, p. 261). Brasil segue os passos italianos.
Acerca de posicionamento do STF, após EC 32/01, a Ministra Relatora Ellen Gracie, na ADI-MC 2.984 em 2003, reassenta jurisprudência outrora formada pelo Ministro Moreira Alves, no sentido de permitir revogação de MP mediante outra, e acrescenta que matéria revogada só poderá voltar a ser tratada por projeto de lei (Mendes, 2014, p. 913). Assevera ainda Mendes[15] a outros aspectos trazidos pela EC 32/01 com clara inspiração na ADI-MC 221, onde argumentos ali dispostos são ainda trazidas à baila pra fundamentação em sede de nº ADI-MC 2.984:
“Em 2003, o STF, tendo já presente o novo regime estabelecido pela EC n. 32/2001, reafirmou a possibilidade da revogação de medida provisória por outro ato do gênero, lembrando que, “a partir da sua publicação, a Medida Provisória não pode ser ‘retirada’ pelo Presidente da República à apreciação do Congresso Nacional” e que, “como qualquer outro ato legislativo, a medida provisória é passível de ab-rogação mediante diploma de igual ou superior hierarquia”. A final, ressaltou que “a revogação da MP por outra MP apenas suspende a eficácia da norma ab-rogada, que voltará a vigorar pelo tempo que lhe reste para apreciação, caso caduque ou seja rejeitada a MP ab-rogante.”
Outra questão elencadoa, por esta Emenda, foi o procedimento peculiar às MP emendadas pelo Congresso, conforme aponta Gilmar Mendes, criação do próprio Congresso Nacional mediante Resolução n.1 / 2002 em seu art. 13, referendada por Emenda Constitucional. A medida com alteração no mérito regressará à Casa onde se iniciou a votação. A medida provisória se converterá em projeto de lei de conversão, e lê-se da seguinte forma este instituto, Mendes[16]:
“As emendas significam recusa da medida provisória nos pontos em que alteram a sua normação. Nas partes em que a medida provisória foi alterada, as novas normas valerão para o futuro, a partir da vigência da própria lei de conversão. Na parte em que a medida provisória foi confirmada, opera-se a sua ratificação desde quando editada.”
Acrescenta-se que às partes suprimidas, tanto pela emenda do Congresso, quanto ao veto total/parcial pelo Presidente, deverá o Congresso editar decreto legislativo e disciplinar as relações decorrentes desses dispositivos rejeitados. Há ainda nas Resoluções nº 01 e 02 do Congresso Nacional dispositivos que coíbem emenda de matéria incompatível com a tratada na MP, atenuando assim as possibilidades de grotesco contrabando legislativo.
Outra característica dá-se, ainda, à possibilidade de trancamento de pauta do Congresso, decorridos 45 dias em conjunto por ambas as Casas, ensejando em trancamento de pauta automático do Senado caso a Câmara esgote o prazo para apreciar Medida Provisória.
A EC 32/01 no §11, estabeleceu prazo de 60 dias para o Congresso Nacional editar decreto legislativo para disciplinar as relações surgidas de MP rejeitada ou exaurida de eficácia, a mesma convalescendo para reger essas relações, ponto discutível academicamente, vez que diz-se ser fácil para o Presidente realizar manobras para que o prazo transcorra in albis.
Finalmente, no tocante às MP’s, editadas antes da entrada em vigor da EC 32/01, foi dado o tratamento pelo art. 2º desta, de permanecerem em vigor sem prazo determinado até que o Congresso Nacional manifeste a respeito mediante decretos legislativos ou conversão em leis ou ainda que o Presidente se manifeste a respeito, dado que não se estipulou prazo limite para vigência das mesmas.
CONCLUSÃO
A Medida Provisória é o instituto que acompanha o Poder Executivo desde seus tempos áureos de poder absoluto, e vez que este veio se mitigando com o passar dos tempos e mudanças de visão, o próprio instituto caracterizador da sobrepujança Executiva torna-se ferramenta de contrapeso à função típica de legislar do Legislativo, a força da ferramenta igualmente diminui.
Ocorre que passar do equilíbrio dos Poderes para o desequilíbrio com sobreposição de um, é uma linha tênue que separa uma realidade de outra. Por isso a medida provisória teve de ser necessariamente mitigada, e talvez haja ainda deva passar por mais alterações. Mas não soa interessante extingui-la, pois trata-se de um escudo Executivo antes de tudo, e retirá-lo apenas inverteria a ordem da desigualdade, a realidade desequilibrada permaneceria.
No momento em que Legislativo e Executivo exaltam a necessidade de se comunicarem melhor, é que o Judiciário ganha espaço para intermediar a questão, e em mesmo a tendência legislativa brasileira em sendo no sentido de seguir influência técnica italiana, não há dúvidas de que a profícua leitura e adaptação do instituto italiano à realidade tupiniquim se deu pelo viés jurisprudencial, nota-se que as questões aventadas no Relatório da ADI 221 em 1990, vieram a tornar-se prontamente dispositivo constitucional ou, ainda que indiretamente, influenciouna na confecção de outros que nasceram com a EC 35/01.
A jurisprudência do STF segue predominando no mesmo sentido daquela. O Poder Judiciário ganhou muita força e continua numa crescente, contudo não há perigo real imediato de de que a balança penda para o Judiciário no sistema brasileiro, como disse o Professor Garcia[17], mesmo em se tratando de assunto diverso, mesmo sendo cabível a este contexto a sua reflexão: O pior, por agora, é ter “presidência imperial”.
A entrega dos desígnios terminativos em mãos de uma única pessoa, está de um lado, longe de atingir os anseios democráticos e, de outro, dissociada de uma interpretação constitucional coerente diante da ausência de competência presidencial de legislar negativamente. Que a epígrafe de MIGUEL TORGA possa inspirar o Supremo e ou o Congresso:
“A Vida não Cabe numa Teoria
A vida… e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas teorias os filósofos arquitectaram na severidade das bibliotecas, em quantos belos poemas os poetas rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados dogmas os teólogos não entenderam na solidão das celas. Nisto, ou então na conta do sapateiro, na degradação moral do século, ou na triste pequenez de tudo, a começar por nós.
Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.
Miguel Torga, in "Diário (1941)"
Informações Sobre o Autor
Weverton Paraguassú Teixeira
Graduado em Direito UNIVERSO Goiânia Pós- graduando em Direito Constitucional pelo IDP DF