Algumas considerações acerca do ativismo judicial

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Resumo: Este trabalho visa abordar o ativismo judicial, face às inúmeras mudanças nos modelos constitucionais presentes, de sorte que a própria compreensão e a prática tenham se modificado. O fim da Segunda Guerra Mundial propiciou a redemocratização em diversos países ao que o modelo constitucional se alterou no sentido de ampliar os direitos e garantias individuais. Daí advém o novo status ao qual foi elevado a constituição. Por fim, abordar-se-á a repercussão desse fenômeno jurídico no território pátrio, sobretudo perante ao posicionamento jurídico pró-ativo do Supremo Tribunal Federal.


Palavras-chave: ativismo judicial, constituição, direito constitucional, jurisdição constitucional, judicialização.


Sumário: 1. Compreendendo o Ativismo Judicial. 2. A Jurisdição Constitucional. 2.1 A Interpretação Direta. 2.2 Interpretação Indireta. 2.3 Proteção. 3. A Judiscialização. 4. O Ativismo Judicial Propriamente Dito. 4.1 O Ativismo Judicial e os Estados Unidos. 4.2 O Ativismo Judicial e a Alemanha. 4.3 O Ativismo Judicial e a Itália. 4.4 O Ativismo Judicial e a Espanha. 5. Referências.


1. Compreendendo o Ativismo Judicial


O ativismo judicial faz parte da ascensão institucional do Poder Judiciário, decorrente do modelo constitucional adotado com a Constituição Federal de 1988, portanto, não é um fenômeno isolado ou um mero exercício deliberado de vontade política. Acompanha as inúmeras mudanças do Direito Constitucional, as quais ocasionaram uma transformação no modo de pensar e praticar o direito. Barroso (2008, p. 14), afirma que tais mudanças podem ser compreendidas por meio da análise de pontos de vistas históricos, filosóficos e teóricos, denominados, pelo autor, como os “três marcos fundamentais” da nova “percepção da Constituição e de seu papel na interpretação em geral”.


A redemocratização acentuada, após a Segunda Guerra Mundial, em alguns países, bem como, na década de 70, os novos modelos de Constituição adotados por Espanha e Portugal, caracterizam o marco histórico do novo Direito Constitucional. No Brasil, é constatado a partir da Constituição Federal de 1988, oportunidade em que se passou de um Estado autoritário para um Estado Democrático de Direito, preocupado com a concretização de direitos, como igualdade e justiça social, e, ainda, com a garantia de direitos fundamentais.


Segundo Streck (2007, p. 06), após a Segunda Guerra Mundial, observa-se uma terceira forma de Estado de Direito. A preocupação com os direitos fundamentais e com a democracia – pilares do novo modelo de Direito Constitucional – proporcionaram um grande avanço aos Textos Maiores, que, até então, eram voltados ao bem-estar de um estado intervencionista.


O marco filosófico é assinalado pela superação da filosofia jurídica positivista, denominada de pós-positivismo. No Brasil, é observada pelo reconhecimento da normatividade dos princípios, ainda que não estejam escritos. Da mesma forma, identifica a dignidade da pessoa humana como o princípio fundamental mais importante, conferindo-lhe caráter norteador aos demais direitos fundamentais.


Nesse sentido, citam-se os ensinamentos de Barroso:


“O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana”. (BARROSO, 2008, p. 04-05).


Por fim, valendo-se da classificação de Barroso (2008, p. 04-08), tem-se o marco teórico, de maior relevância para este artigo, caracterizado por três grandes mudanças de paradigmas, são elas: a) o reconhecimento da Constituição como força normativa; b) a expansão da jurisdição constitucional e c) o desenvolvimento de novas categorias da interpretação constitucional.


A partir dos marcos supracitados, nota-se no Brasil o surgimento de dois fenômenos: a constitucionalização do Direito e a judicialização das relações sociais, os quais, consequentemente, proporcionaram à atitude ativista dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Destarte, para melhor compreender o ativismo judicial que é, em efeito, uma atitude, ou seja, um modo específico e pró-ativo de interpretar a Constituição, expandindo seu alcance, torna-se necessário analisar a expansão da jurisdição constitucional e o fenômeno da judicialização. Não significa, todavia, que estes sejam causas do ativismo, mas sim, que possuem com o mesmo uma intima ligação.


2. A jurisdição constitucional


Após a II Guerra Mundial, há a consolidação do Estado Constitucional, ou seja, passou-se a compreender a Constituição como norma jurídica e não mais como um documento político, no qual as normas dependiam de desenvolvimento legislativo ou administrativo. A partir da redemocratização, a maioria dos países europeus, criou um Tribunal Constitucional e um controle de constitucionalidade das leis. Com efeito, suas Constituições passam a integrar, no lugar das leis, o centro do ordenamento jurídico, consequentemente, a supremacia parlamentar deixa de existir, situação presente nos Estados Unidos desde 1803[1].


Assim, mesmo que, processualmente, o modelo constitucional adotado pela Europa seja diferente[2] dos Estados Unidos, nota-se a supremacia deste sobre aquele. Uma vez que se instituiu a hegemonia constitucional e, por consequência, o Judiciário passou a desempenhar uma nova função – proferir a palavra final sempre baseado na Constituição, além de efetuar o controle de constitucionalidade.


O constitucionalista José Afonso da Silva (2006, p. 557), afirma que a jurisdição constitucional “emergiu historicamente como um instrumento de defesa da Constituição, não da Constituição considerada como um puro nome, mas da Constituição tida como expressão de valores sociais e políticos”. Na mesma linha de pensamento, Barroso discorre sobre o novo papel da Constituição no Estado constitucional:


“[…] No Estado constitucional de direito, a Constituição passa a valer como norma jurídica. A partir daí, ela não apenas disciplina o modo de produção das leis e atos normativos, como estabelece determinados limites para o seu conteúdo, além de impor deveres de atuação ao Estado. Nesse novo modelo, vigora a centralidade da Constituição e a supremacia judicial, como tal entendida a primazia de um tribunal constitucional ou suprema corte na interpretação final e vinculante das normas constitucionais.” (BARROSO, 2010, p. 04)


Com efeito, a Constituição passa a ser um documento normativo, centro do ordenamento jurídico, sua supremacia não é mais apenas formal como também material e axiológica. Da mesma forma, os tribunais, através dos juízes, passam a desempenhar um papel protagonista, qual seja, são responsáveis por concretizar a Constituição e os direitos fundamentais previstos em seu texto. Lê-se o Direito a partir dos princípios e valores constitucionais.


Nesse sentido, destacam-se os ensinamentos de Paulo Bonavides:


“[…] O método silogístico, dedutivo, arrimado à subsunção, cede lugar ao método axiológico e indutivo que, com base nos princípios e nos valores, funda a jurisdição constitucional contemporânea, volvida mais para a compreensão do que para a razão lógica, de sentido formal, na aplicação da lei.” (BONAVIDES, 2004, p. 140).


Destarte, pode-se dizer que a jurisdição constitucional é um meio de proteção, interpretação direita e indireta da Constituição (BARROSO, 2008, p.26). A seguir, uma breve análise dos referidos meios.


2.1 Interpretação direta


Interpreta-se a Constituição diretamente sempre que determinada pretensão for fundada em um dispositivo constitucional, isto é, para solucionar a demanda o intérprete (juiz) deverá recorrer à Constituição. Citam-se, como exemplos, os casos de licença à maternidade; direito ao décimo terceiro salário; a estipulação das competências da União, Estados e Municípios; direito à livre associação.


2.2 Interpretação indireta


Aplica-se indiretamente a Constituição, em toda operação de direito infraconstitucional, ou seja, as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas de acordo com os valores e os princípios constitucionais, assim, pode-se dizer que toda interpretação jurídica é também uma interpretação constitucional. O constitucionalista Alexandre de Moraes (2006, p. 11), ressalta que “a interpretação conforme a Constituição somente será possível quando a norma apresentar vários significados, uns compatíveis com as normas constitucionais e outros não”.


2.3 Proteção


É o meio pelo qual a jurisdição constitucional exerce a defesa da Constituição. Cita-se, a título de exemplo, o controle de constitucionalidade das leis, oportunidade em que se verifica se uma lei ou ato normativo está de acordo com a Constituição, observando-se os seus requisitos formais e materiais (MORAES, 2006, p. 637). O controle de constitucionalidade poderá ser exercido de maneira concentrada ou difusa. O controle concentrado será feito por via direta, perante um órgão específico e terá eficácia erga omnes. Já o controle difuso será feito por via incidental, sendo a prerrogativa tanto dos juízes de primeiro grau quanto dos tribunais superiores, terá efeito apenas inter partes.


Em nosso país, adota-se o controle de constitucionalidade misto, uma vez que é desempenhando tanto de maneira concentrada quanto difusa. Ademais, a jurisdição constitucional é exercida por meio de: a) ação direta de inconstitucionalidade; b) ação direta de inconstitucionalidade por omissão; c) ação declaratória de constitucionalidade; d) arguição de descumprimento de preceito fundamental; e) súmula vinculante um instrumento poderosíssimo que, a partir da Emenda Constitucional de 45/04, passou a definir os contornos de como a Constituição é entendida e/ou interpretada pelo STF.


Valle, na obra Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal, define a jurisdição constitucional como:


“[…] um conjunto de categorias jurídicas, novas ou conhecidas, que na sua delimitação original ou com fronteiras refixadas, vêm se apresentando como parâmetros teóricos a justificar uma tendência expansionista dos poderes decisórios do Supremo Tribunal Federal. Uma vez mais, a estratégia é efetivar um sistema de controle de constitucionalidade que não descarte o raciocínio empreendido pela corte e, portanto, não perca o conhecimento já adquirido e adapte e atualize os conceitos, nos termos da nova realidade”. (VALLE, 2009, p.59).


Além disso, o instituto define, através da interpretação, os valores que os três Poderes devem seguir, baseados sempre, nos preceitos constitucionais. Em consequência, segundo as observações de Vianna (1999, p.21), o Poder Judiciário, por meio da jurisdição constitucional, deixa de ser uma instituição politicamente neutra, para assumir um papel importante de garantidor de direitos constitucionais, exercendo um controle sobre os demais poderes.


De acordo com Dworkin (2001, p. 102), o controle de constitucionalidade feito pelos tribunais, em específico a revisão judicial – meio pelo qual a Suprema Corte declara a inconstitucionalidade de leis contrárias a Constituição – possibilita que problemas sobre moralidade política sejam discutidos como: “questões de princípio e não apenas de poder político, uma transformação que não pode ter êxito no âmbito da própria legislatura”.


Com efeito, a jurisdição constitucional não se restringe à aplicação das normas. Ao contrário, através do controle de constitucionalidade, interfere diretamente nas decisões políticas tomadas pelo Executivo e Legislativo, tendo em vista que não admite leis e atos normativos antagônicos à Constituição.


3. A judicialização


Entende-se por judicialização a resolução de conflitos de ordem política, moral, científica e /ou social realizada pelo Poder Judiciário, em face dos Poderes Executivo e Legislativo, tendo em vista, geralmente, a omissão destes. Está omissão é denominada, pela doutrina, como síndrome da ineficácia das normas constitucionais, tendo em vista que determinados dispositivos constitucionais originam uma obrigação legislativa[3]. O Judiciário muitas vezes, visando garantir o gozo dos direitos previstos nos dispositivos constitucionais, que, em tese, só poderiam ser exercidos com criação de uma norma infraconstitucional pelo legislador, é obrigado a exceder sua competência, fato que caracteriza a judicialização.


Nesse sentido, citam-se os apontamentos de Castro:


“A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo mostra-se falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre certa aproximação entre Direito e Política e, em vários casos, torna-se mais difícil distinguir entre um ‘direito’ e um ‘interesse político’, sendo possível se caracterizar o desenvolvimento de uma ‘política de direitos’.” (CASTRO, 1997, p.27).


Já Citadino (2004, p. 106-109), afirma que a judicialização é um meio de se concretizar a Constituição, pois representa um “alargamento do seu círculo de intérpretes, especialmente em face do conteúdo universalista dos princípios do Estado Democrático de Direito”. Assim, percebe-se que a preocupação maior é com o bem estar social, garantir aos cidadãos, mesmo diante da falta de regulamentação ou de omissão, o exercício de seus direitos.


Em seus estudos sobre a judicialização (TATE & VALINDER, 1995, apud, CARVALHO, 2004, p. 115-123), definiram o fenômeno como: “a reação do Judiciário frente à provocação de um terceiro e tem por finalidade revisar a decisão de um poder político tomando como base a Constituição”. Além disso, segundo os autores, existem seis causas que favorecem o surgimento da judicialização, são elas: a democracia; a separação dos poderes; os direitos políticos; o uso dos tribunais pelos grupos de interesse e, por fim, a inefetividade as instituições majoritárias.


A democracia e a separação dos poderes são analisadas em conjunto, fornecem ao Poder Judiciário uma forma de atuação independente. Tendo em vista que seria impossível a expansão judicial em governos autoritários, bem como é possível aumentar a competência das Cortes devido à posição de igualdade entres o Poder Judiciário e os Poderes Legislativo e Executivo. Ademais, a Constituição protege uma série de direitos, inclusive os políticos, fato que facilita a atuação dos juízes e, consequentemente, conduz a judicialização, pois através do reconhecimento dos direitos e garantias individuais da minoria têm-se um controle das ações da maioria, neste caso, representadas pelo legislativo e executivo.


Ronald Dworkin, na obra Uma questão de princípios, corrobora tais argumentos, explicando que:


“[…] Se os tribunais tomam a proteção de direitos individuais como sua responsabilidade especial, então as minorias ganharão em poder político, na medida em que o acesso aos tribunais é efetivamente possível e na medida em que as decisões dos tribunais sobre seus direitos são efetivamente fundamentadas. […]” (DWORKIN, 2001, p.32). (grifo)


Com efeito, só é possível observar a judicialização das relações sociais em países onde há: “uma filosofia constitucional comprometida com o ideal da igualdade-dignidade humanas e com a participação político-jurídica da comunidade.” (CITADINO, 2001, p. 136). No Brasil, o fenômeno é observado a partir da Constituição Cidadã de 1988 que instituiu uma série de princípios, bem como conferiu ao Supremo Tribunal Federal o dever de garantir tais direitos fundamentais.


Igualmente, afirmar que a utilização dos tribunais pelos grupos de interesse é uma das condições da judicialização significa dizer que diante de questões controvertidas, como exemplo o embate sobre as células-tronco[4], os interessados em geral, favoráveis ou contrários, passam a considerar/utilizar a possibilidade de vetos dos tribunais na realização de seu objetivo (CARVALHO, 2004, p. 118). Da mesma forma, o uso dos tribunais pela oposição, ou seja, é meio que os partidos políticos encontram para: “obstaculizar e até mesmo inviabilizar as alterações em curso. É um recurso, se disponível, utilizado com frequência.” (CARVALHO, 2004, p. 120)


Por derradeiro, tem-se a inefetividade das instituições majoritárias e, também, a delegação das instituições majoritárias, a primeira refere-se aos casos em que os Poderes Legislativo e Executivo, sejam por falta de representatividade ou funcionalidade, não conseguem desenvolver políticas públicas eficazes, desta forma, cabe ao Poder Judiciário atender as demandas. A segunda ocorre quando em questões polêmicas, as quais geram grande embate na sociedade, os políticos transferem ao Judiciário a responsabilidade de tomar uma decisão que resolva o problema. Evitando-se, assim, uma imagem negativa frente a seus eleitores.


Delegar atribuição ao Poder Judiciário, talvez, tenha sido o modo encontrado pelos políticos para se eximirem de responsabilidade. Destarte, podem agir segundo seu interesse, evitando discutir questões polêmicas, como por exemplo, o aborto de anencéfalos, pois sabem que há uma parcela da sociedade a favor – por questões de dignidade – e outra contra – por questões religiosas. Deste modo, caso tenham que se posicionar estarão contrariando alguns eleitores, fato que poderá significar uma diminuição no eleitorado.


Nesse sentido, faz-se pertinente observar os ensinamentos de Barroso, acerca da judicialização no Brasil:


“No Brasil, como assinalado, a judicialização decorre, sobretudo, de dois fatores: o modelo de constitucionalização abrangente e analítica adotado; e o sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós, que combina a matriz americana – em que todo juiz e tribunal podem pronunciar a invalidade de uma norma no caso concreto – e a matriz européia, que admite ações diretas ajuizáveis perante a corte constitucional. Nesse segundo caso, a validade constitucional de leis e atos normativos é discutida em tese, perante o Supremo Tribunal Federal, fora de uma situação de litígio. Essa fórmula foi maximizada no sistema brasileiro pela admissão de uma variedade de ações diretas e pela previsão constitucional de amplo direito de propositura. Nesse contexto, a judicialização constitui um fato inelutável, uma circunstância decorrente do desenho institucional vigente, e não uma opção política do Judiciário. Juízes e tribunais, uma vez provocados pela via processual adequada, não têm a alternativa de se pronunciarem ou não sobre a questão. Todavia, o modo como venham a exercer essa competência é que vai determinar a existência ou não de ativismo judicial.” (BARROSO, 2010, p. 07). (grifo)


Destarte, pode-se inferir que a judicialização é um fato, pois o Poder Judiciário tem a obrigação de agir sempre que provocado, a fim de que não incida no mesmo vício omissivo dos demais Poderes. Ao passo que o ativismo judicial, como será demonstrado na sequência, é uma atitude dos juízes, uma faculdade.


4. O ativismo judicial propriamente dito


Não há na doutrina, atualmente, uma definição específica sobre o que seja o ativismo judicial. Valle (2009, p. 19), em obra dedicada ao tema, afirma que o termo ativismo possui um caráter ambíguo, eis que apresenta um caráter finalístico e comportamental. O primeiro refere-se ao compromisso com a expansão dos direitos individuais, ao passo que no segundo prevalece à visão pessoal de cada magistrado na interpretação da norma constitucional.


Da mesma forma, existe uma dificuldade em identificar o ativismo judicial, isto porque, segundo explica Vanice Valle:


“[…] o parâmetro utilizado para caracterizar uma decisão como ativismo ou não reside numa controvertida posição sobre qual é a correta leitura de um determinado dispositivo constitucional. Mais do que isso: não é a mera atividade de controle de constitucionalidade – consequentemente, o repúdio ao ato do poder legislativo – que permite a identificação do ativismo como traço marcante de um órgão jurisdicional, mas a reiteração dessa mesma conduta de desafio aos atos de outro poder, perante casos difíceis.” (VALLE, 2009, p. 21). (grifei)


Por casos difíceis compreende-se: situações em que é possível mais de uma interpretação à norma; colisão entre princípios constitucionais, bem como os casos em que não há precedente judicial. Nesse sentido, faz-se pertinente enfocar a contradição acerca do tema exposta por dois grandes jusfilósofos, Ronald Dworkin e Hebert Hart.


Ronald Dworkin, afirma que os casos difíceis sempre encontrarão uma resposta nos princípios. Note-se:


“O direito como integridade pede que os juízes admitam, na medida do possível, que o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os apliquem nos novos casos que se lhes apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e eqüitativa segundo as mesmas normas. Esse estilo de deliberação judicial respeitada ambição que a integridade assume a ambição de ser uma comunidade de princípios.” (DWORKIN, 1999, p. 291.)


Em oposição, tem-se o pensamento de Hart:


“O conflito direto mais agudo entre a teoria jurídica deste livro e a teoria de Dworkin é suscitado pela minha afirmação de que, em qualquer sistema jurídico, haverá sempre certos casos juridicamente não regulados em que, relativamente a determinado ponto, nenhuma decisão em qualquer dos sentidos é ditada pelo direito e, nessa conformidade, o direito apresenta-se como parcialmente indeterminado ou incompleto. Se, em tais casos, o juiz tiver de proferir uma decisão, em vez de, como Bentham chegou a advogar em tempos, se declarar privado de jurisdição, ou remeter os pontos não regulados pelo direito existente para a decisão do órgão legislativo, então deve exercer o seu poder discricionário e criar direito para o caso, em vez de aplicar meramente o direito estabelecido pré-existente. Assim, em tais casos juridicamente não previstos ou não regulados, o juiz cria direito novo e aplica o direito estabelecido que não só confere, mas também restringe os seus poderes de criação do direito.” (HART, 2001, p. 335). (grifo)


Nota-se que, para Hart, diante de casos difíceis o juiz deve usar a discricionariedade, tendo em vista que não há como prever uma resposta para todos os conflitos que apareçam. Assim, o juiz não poderá buscar nos princípios, precedentes e nas leis a solução para um fato inédito. Ao contrário, para Dworkin, em tais casos sempre há uma resposta no Direito, seja na lei ou nos princípios, mesmo que estes não estejam escritos, portanto, não é permitido o uso de discricionariedade.


Com efeito, percebe-se que o ativismo judicial é um fenômeno complexo, pois não existe, atualmente, um consenso em seu significado, bem como existem dificuldades em identificá-lo. Diante disto, para melhor compreender o ativismo judicial exercido pelo Supremo Tribunal Federal, objetivo da presente monografia, torna-se necessária uma breve explanação acerca de sua incidência em diferentes países.


4.1 Ativismo judicial e os Estados Unidos


A expressão “ativismo judicial” foi utilizada pela primeira vez em 1947, pelo jornalista Arthur M. Schlesinger Jr., na Revista Fortune, com o intuito de identificar o perfil dos juízes da Suprema Corte Americana. O jornalista identificou dois grupos de juízes na Corte Americana, quais sejam, o grupo de Black-Douglas e o grupo de Frankfurter-Jackson. O primeiro preocupava-se em solucionar os casos de acordo com a sua concepção social, isto é, enxergava a Corte como um meio de obter os resultados socialmente desejáveis. O segundo, ao contrário, defendia o uso da Corte como um instrumento para permitir que os outros Poderes realizassem a vontade popular, apresentando, desta forma, uma atitude de autocontenção[5] judicial. (BARROSO, 2009, p. 09).


A partir desta publicação, muitos autores americanos[6], passaram a utilizar a expressão ativismo judicial de forma negativa, como uma crítica às cortes preocupadas com as liberdades individuais, assim, os juízes deferiam evitar o ativismo. Destacam-se as cinco definições de ativismo judicial no sistema americano, a maioria negativa, desenvolvidas por Kmiec (2004, apud, VALLE, 2009, p.21): a) prática destinada a desafiar atos de constitucionalidade defensável emanados em outros poderes; b) estratégia de não-aplicação de precedentes; c) legislação pelo judiciário; d) distanciamento das metodologias de interpretação normalmente aplicadas e aceitas; e) julgamento para alcançar resultados pré-determinados.


O ativismo judicial, considerado por muitos como negativo[7], foi o responsável por grandes mudanças sociais nos Estados Unidos, no período da Corte Warren (1953-1969), a qual ampliou os direitos civis e políticos dos cidadãos americanos. Com efeito, a Corte Warren foi considerada a mais ativista da história americana, pois determinou que a separação de crianças brancas e negras nas escolas americanas era inconstitucional; instituiu a adoção de uma política de integração; considerou inadmissível o uso de provas obtidas de forma ilícita; os acusados em processo criminal só poderiam ser julgados na presença de um advogado; protegeu o direito à intimidade. Enfim, a Corte Warren não foi apenas uma Corte ativista, foi a responsável pela construção de uma democracia inclusiva, agiu na resolução dos problemas sociais de forma humanista, produzindo um expressivo avanço dos direitos civis e constitucionais. (BARROSO, 2008, p. 281)


Foi sucedida pela Corte Burger (1969-1986), a qual apresentou ora um caráter ativista ora conservador. Mesmo assim é possível notar um certo ativismo judicial conservador, tendo em vista que dentro dos princípios e lógicas conservadoras, ampliou inúmeros direitos civis, principalmente, para as mulheres[8]. Posteriormente, com a Corte Rehnquist (1986-2005), tem início o período contra o ativismo judicial, baseado na autocontenção, deferência ao Executivo e interpretação estrita da lei. Portanto, nos Estados Unidos, classificar uma Corte como ativista, significa dizer que seus juízes agem contra os preceitos constitucionais.


4.2 Ativismo Judicial e a Alemanha


A Suprema Corte alemã apresenta uma postura de não interferência na atuação do legislador, preocupa-se em suavizar o impacto político de suas decisões. Diante das omissões do legislador ou da sua incompreensão aos limites constitucionais, o Tribunal por meio de uma advertência, convoca os legisladores a sanarem o problema. Da mesma forma, antes que uma lei ou ato normativo inconstitucional seja revogado pela Corte, o legislativo é convocado a atuar de forma retificadora. Assim, nota-se que há uma evolução da teoria constitucional, porém, sempre respeitando a harmonia e o equilíbrio entre os poderes.


Ressaltam-se as considerações de Vanice Valle, acerca da atitude alemã:


“O que se percebe das espécies de provimento jurisdicional desenvolvido pela Corte alemã é uma sutil conciliação entre ativismo quanto ao conteúdo do texto constitucional, que busca, no entanto, caminhos de concretização no mundo da vida, que não desconsideram a indispensável intervenção das demais estruturas de poder, como estratégia – também de poder – para garantir o resultado de suas próprias decisões.” (VALLE, 2009, p. 28)


Portanto, o Tribunal Constitucional alemão preocupa-se em garantir, através do exercício de uma jurisdição constitucional ativa, que a Constituição seja uma ordem de valores, sempre deliberada pelo Poder Legislativo.


4.3 Ativismo judicial e a Itália


A postura ativista da Corte italiana foi determinada pela expansão jurisdicional, porém, o tribunal preocupou-se em evitar a contraposição à classe política, para isto consagrou as sentenças interpretativas e aditivas[9], bem como consagrou os efeitos de pronúncia das leis inconstitucionais.


Além disso, há na Itália o desenvolvimento da doutrina do direito vivente, o qual serve de delimitação ao ativismo judicial, tendo em vista que “estabelece as fronteiras da discussão e orienta o objeto da própria atuação da Corte Constitucional” (VALLE, 2009, p. 30). Isto porque o sistema de jurisdição constitucional italiano é concentrado, ou seja, quando alguma questão constitucional é discutida cabe ao Tribunal Constitucional proferir a palavra final.


4.4 Ativismo judicial e a Espanha


Igualmente, na Espanha observa-se um papel ativo da jurisdição constitucional na vida política. O Tribunal Constitucional espanhol atua como um garantidor dos preceitos estabelecidos pelo legislador na Carta Magma. Porém, terá a liberdade de exercer uma postura ativista sempre que houver uma inércia do Parlamento.


O ativismo judicial espanhol, de acordo com Valle (2009, p. 31), manifesta-se pelo:


“[…] desenvolvimento jurisprudencial de técnicas e modalidades de provimento que permitem a concretização de atividades distintas da simples chancela de validade ou nulidade dos temas submetidos a controle. É no espaço da eventual baixa de densidade de normas constitucionais, já advertia Gomez Puente, que a atividade interpretativa encontrará maior liberdade de atuação; e justamente esses espaços proporcionaram na Espanha o desenvolvimento das sentenças interpretativas e aditivas, veículos da concretização do ativismo judicial”.


Assim, da mesma forma que no Brasil, na Espanha também cabe ao Poder Judiciário agir sempre que houver inércia do Poder Legislativo, a fim de que não ocorra uma nova omissão, desta vez do Tribunal Constitucional.


Ante ao exposto, a respeito do ativismo judicial em diversos países, pode-se concluir que a partir do momento em que o Poder Judiciário desempenha uma participação ampla, visando concretizar os valores e princípios constitucionais e, para isto, interfere na órbita de atuação dos Poderes Legislativo e Executivo, esta-se diante de um Tribunal Constitucional ativista. 


 


Referências

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

CASTRO, Marcos Faro. O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política. Revista de Ciências Sociais, São Paulo, n. 34, v. 12, 1997.

DWORKIN, Ronald. O império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

HART, Hebert L. A. O Conceito de Direito. 3. Ed. São Paulo: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

VALLE, Vanice Regina Lírio do, Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Jiruá, 2009.

 

Notas:

[1] Marbury v. Madison, primeira vez em que a Corte americana exerceu o controle de constitucionalidade. E, ainda, acrescentou que tal ato baseava-se na supremacia da Constituição, por isso será nula a lei que contrair a Carta Magna. Por fim, conferiu ao Poder Judiciário o papel de interprete final da Constituição.

[2] Na Europa exerce-se o controle de constitucionalidade concentrado, ou seja, será exercido por um único órgão que foi criado para desempenhar esta função. O controle de constitucionalidade americano é denominado difuso, pois sempre que determinada norma contrariar a Constituição todo e qualquer juiz ou tribunal poderá declarar sua inconstitucionalidade e sua não aplicação.

[3] É o que José Afonso da Silva denomina de norma constitucional de eficácia limitada, com aplicabilidade mediata e reduzida, pois para produzirem seus efeitos precisam da edição de uma lei infraconstitucional. O autor, ainda, confere eficácia plena e contida às normas constitucionais. As normas de eficácia plena possuem aplicação imediata e integral, não dependem de lei ulterior para serem aplicadas. As normas de eficácia contida também possuem aplicação imediata, porém não integral. Isto porque em determinadas ocasiões uma norma infraconstitucional poderá reduzir a sua abrangência.

[4] ADI 3510/DF. Rel. Min. Carlos Britto, a questão será analisada no terceiro capítulo da presente monografia.

[5] O constitucionalista Luiz Roberto Barroso (2009, p. 07), afirma que a autocontenção judicial é o oposto do ativismo judicial. Isto porque em situações em que a Constituição não traz a norma expressa, os juízes, evitam aplicá-la, aguardam uma atitude do Poder Legislativo. Da mesma forma, a declaração de inconstitucionalidade é feita através de critérios rígidos e conservadores. E, ainda, não interferem na definição de políticas públicas.

[6] Segundo seu entendimento (ROOSEVELT, apud, VALLE, 2009, p.21), “o termo ativismo judicial como é tipicamente usado, é essencialmente vazio de conteúdo; é simplesmente uma maneira inflada de registrar a desapropriação frente a uma decisão”.

[7] Ronald Dworkin é um dos autores que considera o ativismo judicial um problema, pois: “[…] Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição constitucional que lhe esteja próxima.” (DWORKIN, 1999, p. 451).

[8] Inúmeras decisões consideram invalidas leis que discriminavam as mulheres. Determinou-se que a classificação baseada em sexo passasse por um rígido controle de constitucionalidade.

[9] As sentenças interpretativas, como o próprio nome diz, são decisões tomadas com base na Constituição. Ao passo que as decisões aditivas, conforme explica Leiria (2007, p. 29) são: ”decisões judiciais que, em questionamento sobre a constitucionalidade de ato normativo, acolhem a impugnação, sem invalidá-lo. Em vez de operar-se a expulsão da norma do ordenamento jurídico, ela fica mantida com o acréscimo ao seu conteúdo de uma regulação que faltava para efetivar sua concordância com a Constituição”.


Informações Sobre os Autores

Bruno de Souza Lopes

Acadêmico de Direito na FURG/RS

Francisco José Gonçalves Karlinski

Acadêmico de Direito na FURG/RS

Tiago Cougo Cardoso

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